sexta-feira, dezembro 15, 2006

Rita

Sei que está frio e ventando, mas não posso sair de dentro d’água agora, ou melhor, não quero. Se você quer conversar comigo tem que ficar. Apesar de entardecer, a praia ainda está boa e até há sol. Escute, daqui a pouco eu saio, passeio um pouco com você, mas deixe antes eu contar uma coisa. Sou de Minas, sabe, por isso quero aproveitar o mar. Vim ao Rio a convite de um namorado que conheci pela net. Coloquei o endereço num desses sites de relacionamento e ele me fisgou, ou eu o fisguei, depende do ponto de vista. Cheguei há dois dias, passeamos bastante. Conhecemos juntos todas as praias deste litoral, de Búzios a Atafona. Conto um segredo: até fiquei nua em uma delas!, e agora estou aqui nesta praia, em Rio das Ostras, não é mesmo este o nome da cidade? Não sabia que esta região é tão linda. Você vai me perguntar: onde está ele?, respondo: não sei, talvez por aí. Meu namorado tinha tudo para ser o homem da minha vida; quer dizer, ainda tem, mas... agora estou achando-o esquisito em alguns aspectos. Em Barra de São João, passeamos de barco. Foi ótimo; apenas eu, ele e o barqueiro. Fomos tão longe que pensei que não mais voltaríamos. E à noite, que beleza, freqüentamos os melhores restaurantes, comemos maravilhosamente e bebemos até champanha. Depois de tantas extravagâncias, namoramos intensamente, fizemos cada coisa surpreendente. Coisas que eu jamais havia imaginado. Não me leve a mal, não sou nenhuma mulher à toa, foram coisas normais. Veja só, ele gosta de me deixar nua, tanto mais a céu aberto. No início tive medo, mas logo fiquei excitadíssima. Você deve estar se perguntando por que falo tanto de mim e de alguém que deveria estar aqui comigo, por que estou contando intimidades a alguém que acabo de conhecer, não?, mas não creio que ele volte. E se isso acontecer, não sei se vou aceitá-lo. Mas escute. Tomamos banho de mar numa praia chamada Cavaleiros; fica aqui perto. Foi ótimo, depois fomos a um bar maravilhoso, na orla. Hospedamo-nos no Sheraton. Veja onde ele me levou, no Sheraton!, chique, não?, sua única exigência foi que, após o jantar, eu o acompanhasse nua. Perguntei: como vou sair nua do hotel?, ele disse: “dou um jeito”. E não é que deu?, foi muito engraçado. Rodamos a cidade inteira. E eu pelada no carro, ao lado dele. Pensei: ai, se a polícia pára a gente? Mas nada aconteceu. Hoje ele me trouxe aqui. O quê? ah, o sol está se pondo? Tô vendo, lindo, não?, mas escute. Nem sei mais onde eu estava. Lembrei. Aí ele me trouxe a esta cidade. Fomos a todas as praias. Eu sou chata, falo demais, você não acha?, ah, ainda bem. Quis que ele me mostrasse todas as praias. Acho que da Joana, Águas Lindas, Areias Negras, Costa Azul e outras que não recordo o nome. Escolhi uma quase deserta àquela hora da manhã. Sim, chegamos aqui pela manhã. Depois foram chegando as pessoas e a praia ficou repleta. Então fomos almoçar. Comida baiana. Eu só de biquíni, fazendo o maior sucesso, e ele ao meu lado. Todos me olhavam. Quando entrei no carro, olharam mais, porque o carro dele é uma Mercedes. Almoçamos e bebemos caipirinha. Que delícia!, bebi demais, sabe?, e a bebida me deixou excitadíssima. A ele creio que também. Não, agora não estou bêbada; parece, não?, estou apenas um pouco alegre. Viemos parar aqui nesta praia depois do almoço, depois de duas ou três caipirinhas. Brincamos à vontade. Só que ele sumiu. Veja, sou bonita, você não acha?, e ele me deixou aqui. Sou de Minas, de BH, não tenho ninguém aqui no Rio. Vim pra encontrar com ele. Saímos, passeamos, comemos e bebemos, namoramos, fizemos mil e uma extravagâncias e ele me deixa aqui... Confesso que essa água fria, esse vento e outras circunstancias até me deixam excitada. Que circunstâncias?, vou contar. Sabe, já disse, sou de BH, não conheço ninguém aqui, todos os meus pertences estavam no carro dele e ele foi embora. Há mais uma coisa, mas deixo que você mesmo descubra. Venha, chegue mais perto, me abrace. Pode vir, sei que você está morrendo de vontade. Isso, assim, assim. Ah, você não tinha percebido? Nunca lhe aconteceu sair uma mulher nua do mar? Vai, me aperte; está frio, vamos aquecer nossos corpos. Quero sobretudo sentir. O resto é fácil resolver.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Renque acolhedor

Numa rua de um bairro da zona sul, havia um renque de árvores particularmente acolhedor. Por trás, em uma das casas que se alinhavam espaçosas, descobri uma senhora não tão jovem, mas ainda bela. Era uma daquelas pessoas que se mostram por dentro mas se escondem por fora. Gostava de conversar, na maioria das vezes ao entardecer, quando me contava tudo sobre si enquanto ouvíamos o canto dos pássaros e tomávamos, na varanda, uma chávena de chá. Narrava suas aventuras amorosas com entusiasmo. Mas jamais a vi fora de casa, ou vestida como quem vai a uma festa. Suas histórias soavam-me, à época, verossímeis. Hoje, no entanto, creio que tal verossimilhança devo creditar mais à maneira como ela as contava.

Certa vez, como eu demonstrasse dúvida, perguntou-me se aceitaria representar não papel principal, mas de coadjuvante em uma de suas aventuras. Confesso que ligeiro arrepio percorreu-me o corpo. Como eu hesitasse, ela se pôs a relatar o que se passava. Arranjara um namorado sem sair de casa. Dizia que ele estava apaixonado por ela. O namoro ia bem até que ele lhe pediu um favor surpreendente. Daria tudo que ela quisesse para levá-la nua a um passeio através da fileira de árvores, bem diante da casa. Sentira-se excitada no momento da proposta. Mas dizia que seu tempo de loucuras já havia passado. Embora não pretendesse fazer-lhe a vontade, não queria desapontá-lo, disse que pensaria no assunto. Ele cobrava-lhe a resposta e ela protelava. "Quem sabe você pudesse fazer o meu papel na aventura externa?", atirou-me a proposta. Recompensaria-me regiamente. "Ele vai descobrir, deve conhecer bem seu corpo", foi tudo que eu disse. "Deixa que isso eu resolvo", ligeiro sorriso entrecortou suas palavras.

Combinou o dia com o namorado e depois me comunicou: "está tudo acertado, a única exigência é que você esteja nua às onze da noite, na varanda. Vou deixar o portão encostado. Lógico que você virá vestida, mas tire toda a roupa e a deixe numa mochila que vai estar num dos cantos". "Mas como ele vai acreditar que a mulher nua é você?" perguntei. "Ele não poderá olhar para o seu corpo, estará de olhos vendados, vai apenas tatear sua pele para certificar-se da nudez, depois lhe tocará um dos ombros e você o guiará através das árvores. Ele também não poderá ver o momento em que eu vou sair de casa. Finjo que saio, e quando for a vez dele, já vai dar com você nua no meu lugar". Achei o plano engenhoso, mas apenas trejeito sinuoso ou emissão de som imprevisto de minha parte e a montanha ruiria estrepitosa. Mesmo assim concordei.

Na noite da aventura eu tremia muito. No momento de tirar toda a roupa tive vontade de desistir, mas consegui controlar-me. Tudo ocorreu com perfeição. Apenas um detalhe nos surpreendeu: quando voltamos, a porta estava trancada. Ele percebeu que eu demorava a abri-la. Então perguntou o que estava acontecendo. Como eu hesitasse responder, tirou a venda e deu com a nua errada. "Quem é você?" inquiriu assustado. "Uma atriz". "Atriz?" "Sim, uma atriz." "Então vamos", tomou-me nos braços e me colocou dentro de seu carro, "nossa representação ainda não terminou", falou em voz baixa. Deu a seguir a partida e me levou dali. No outro dia, quando a visitei de novo, ela ria alto como eu nunca vira. Depois, ainda muito alegre, disse-me: "eu quis dar a você um presente, vai dizer que não gostou?"