sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Glorinha

Era uma daquelas manhãs que parecem suspensas no ar. Antônia virou-se na cama e manteve-se quieta. Sonolenta, preferia a imobilidade. Glorinha dormia na outra cama. Pôde percebê-la pelo leve respirar. Ah, que bom que existe a casa de Glorinha, uma casa tão simpática, o quarto acolhedor, sobretudo para os momentos de perigo. O que vivera na véspera não poderia ser classificado como momentos de perigo, mas era algo que a comprometia, que lhe deixaria abalada a reputação. Sentiu que naqueles primeiros momentos de languidez que seguem o despertar seria inútil procurar em si a urgência de ontem. Mas a amiga salvara-lhe a pele, o fato de terem combinado voltarem juntas do baile fora providencial. E a mãe nem implicara, pois conhecia a mãe de Glorinha. Ela, Antônia, ficara com uma marca, era verdade. Uma nódoa. Dependia, porém, dela mesma para ser eliminada. As outras pessoas divertiam-se, estavam mais preocupadas em aproveitar a noite o máximo que podiam. Apenas duas ou três voltaram-se e a repararam no momento mais crítico. E quem sabe não estavam do mesmo modo comprometidas? Poderiam rir se o que viam refletia a si mesmas? Apenas Glorinha mantivera a aura dourada ao lado do namorado. Pela amiga que a acolhia colocaria a mão no fogo.

Fora tomada por um tipo diferente de excitação desde que percebera a possibilidade de participar daquele baile. Como queria freqüentá-lo para depois contar às amigas todos os pormenores! E falavam cada coisa!, nos anos anteriores ouvira histórias de arrepiar. O clube tinha a fama de promover os melhores e mais picantes bailes de carnaval da cidade, e até mesmo nos dias que antecediam a grande festa realizava os pré-carnavalescos, que da mesma forma davam o que falar. Quando viu os convites e teve a aprovação da mãe, exultou. A mãe a aconselhava. Não devia dar confiança aos homens. Quanto menos atenção, mais eles a procurariam. Disse que mantivesse discrição, estaria lá para se divertir, e como é boa a vida quando se sabe aproveitá-la. O pai não precisava saber de nada. Ficaria em casa, veria televisão e quando perguntasse pela filha a resposta estaria pronta: foi passar a noite na casa de uma amiga, divertem-se juntas.

Antônia preparou a fantasia. Queria-a mínima. Glorinha a orientara. Vista-se com um tipo de manto. Faça uma fantasia que tenha capa larga e comprida. Lá pelas tantas, quando o calor estiver insuportável, a gente dá um jeito. Gostava das soluções práticas da amiga. E assim fez, um manto reluzente, trabalhado, de cetim, mas por baixo a surpresa: um biquíni que jamais vestira, tão mínimo que se perdia no próprio corpo, este com uma polegada a mais no bumbum e nas coxas, uma ponta de charme segundo as amigas.

Antônia mantinha-se quieta na cama. Ah, que vergonha, não queria nem pensar. Glorinha ainda dormia, mas o que diria ao despertar? A própria Antônia atribuía a culpa a uma taça de champanhe. Sim, o champanhe deixara-a excitada. Dançavam no camarote. Ela só, e Glorinha com o namorado. Mantinha-se fechada, envolta na capa, mas fazia tanto calor. E depois alguém já a paquerava, fizera sinal para que abrisse a roupa, que ficasse mais à vontade. E as outras meninas? Dançavam alucinadas, só de biquíni, algumas sem o top, não demonstravam vergonha nenhuma, às vezes abraçavam-se aos seus pares e permaneciam encobertas por eles. Glorinha lhe pediu licença, desceria um pouco com o namorado. Ela não queria vir?, então ficasse e aproveitasse. Foi então que aconteceu. Uma presença que na hora saudou como providencial. Um lindo homem, de juventude exuberante. E era louro. Dançou com ele no camarote largo. Ele se aproximava, mas não a tocava. Depois trouxe a taça de champanhe. Deu a ela. De novo dançavam, mas ele não a tocava. Depois de repousar a taça vazia em um dos cantos, ela própria o puxou para mais perto. Sentiu o corpo do homem. Foi aí que ele a tocou por debaixo do manto. A pele que deveria estar quente era fria, mas arrepio e calor súbito envolveram-lhe todo o corpo. Deixou a capa escorregar pelas costas e seu corpo brilhou, apenas o biquíni mínimo. O paquera percebeu que ela insinuava-se. Não mais se livraria dele.

E foi assim a noite toda. Suou, deixou gotículas de seu corpo no corpo do homem, o coração batia forte. Reparou que Glorinha a admirava e sorria. A fantasia da amiga era mais recatada, mas a deixava também muito sensual. Antônia dançou a madrugada inteira; tinha o calor das bacantes que traziam para a Grécia o culto a um novo deus. Só que as bacantes dançavam nuas... E por pouco ela também não dançara. Os seios escaparam algumas vezes; o top cedia nos momentos de maior euforia. E ela fingia não reparar. Mas só durante alguns segundos. Depois recompunha-se. Foi assim até os últimos acordes da orquestra. E era uma pena que o baile acabava. Essas festas nunca deveriam terminar. Quando deu por si alegre, prateada de suor, beijou na boca o namorado da noite. Chegou então a hora de partir. De repente, corou. Lembrou que viera coberta por uma capa, um manto largo e comprido. Mas onde estaria ele?

Quando Glorinha acordou e Antônia quis falar alguma coisa, a amiga tapou-lhe a boca. Esqueça. Acontecem coisas piores.

Laura

– Quem está aí?

– Sou eu.

– Eu, quem?

– Uma mulher.

Ele entreabriu a porta e reparou que eu estava nua. Afastou a tranca; escorreguei quarto adentro.

– A recepcionista?

– Não, a irmã dela.

– O que houve?

– Nada, ela me mandou em seu lugar – respondi quase envergonhada, sem saber onde colocar as mãos.

– Por que a máscara?

– Hoje é carnaval, lembra?

– Você não vai me roubar, vai?

– Só uma música – disse enquanto o abraçava.

– Música?

– O baile. Estão todos na cidade, vamos fazer o nosso.

Ele demorou mas, enfim, entendeu.

Quando o homem chegou sábado à tarde querendo se hospedar naquele lugarejo, experimentei sensação especial. Era um ator, já o tinha visto em algum filme na TV, e como era belo!, só não lembrava seu nome. A pousada ficava junto ao posto de combustível, o único na pequena cidade de Cianópolis, sudoeste de Goiás. Na verdade, eu fazia tudo naquela pequena hospedaria: varria, arrumava, lavava e passava a roupa de cama e servia o café da manhã. O local era freqüentado por motoristas de caminhões que seguiam para Mato Grosso. Nunca, porém, dera confiança a nenhum deles. Mas naquele dia... o homem era um ator, apesar de vir numa pequena camioneta, e era sábado de carnaval...

Tratei-o com cortesia e lhe ofereci o que havia de melhor.

– O quarto é simples, mas possui ventilador. Os dois banheiros são localizados na área externa; como hoje não há ninguém hospedado, creio que você terá mais conforto. Aqui no hall, você pode ver TV até a hora que desejar, e na geladeira há água à vontade. Se quiser, pode levar uma garrafa.

Ele demonstrou muita satisfação. Entreguei-lhe a chave.

– Devo ficar um ou dois dias – disse antes que eu o conduzisse ao aposento.

– Você deve pagar adiantado – avisei.

Ele tirou duas notas do bolso e me entregou, depois enfiou-se no quarto.

À noite, permaneceu vendo o carnaval pela TV até depois da uma da madrugada. Fiquei escondida na sala reservada a empregados; fiz como se não houvesse pessoa alguma na casa. Quando ele desligou o aparelho e foi para o quarto, eu já estava totalmente nua, apenas pequena máscara cobria-me os olhos. Aí fiz o que jamais pensara: fui primeiro até a entrada do pequeno hotel, pisei o passeio e senti no corpo o ar fresco da noite; depois, desliguei a luz externa e tranquei a porta. Então corri até ele.

Dançamos: músicas de um rádio de pilha. Após algum tempo, ele me segurou com força e me levou para cama. Era um homem rude, do jeito que eu gosto. Não lembro de ter transado com outro ator.
Só morri de vergonha, quando, sorrateiro, roubou-me a máscara!
De manhã, sussurrou alegre num de meus ouvidos:

– Hoje ainda é carnaval!

E me pediu que lhe servisse o café da manhã. Nua.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Linda

O corpo de alguém que nos deseja é sol que aquece, mesmo à noite e em céu de poucas estrelas.

A madrugada envolvia minha nudez. Cheguei à sala, aproximei-me do sofá onde ele dormia e deitei a seu lado. A princípio mantive-me quieta, depois o envolvi em um abraço cheio de desejo. Num primeiro momento, ele se assustou e tentou desvencilhar-se. Então sussurrei carinhosa em um de seus ouvidos: "sou eu, Linda, não era isso que você queria?". Aí mergulhei sob o lençol, lhe tirei toda a roupa e o abracei de novo; meus lábios úmidos procuravam os seus.

Quando aquele homem chegou em minha casa numa tarde de dezembro, percebi sem demora que não o deixaria escapar. Talvez tenha sido esse meu pensamento que o manteve sempre com a atenção voltada para mim. Ele era de outro estado, veio com a prima de meu marido e uma criança, um menino de sete anos. Viajavam, vinham de Brasília e, no dia seguinte, iriam para o sudoeste de Goiás. Passariam a noite em minha casa, em Goiânia. Foram, havia algumas anos, marido e mulher, mas, segundo ela, não tinham mais relações. Eram grandes amigos. Ele sempre vinha no período de férias para ficar com o filho. Ela o hospedava e o levava de um lado a outro junto com o menino. Aquilo soava estranho para muitos familiares, mas eu acreditava nela. Não dormiam juntos.

Conversamos após o almoço. Ele olhava tudo e não se surpreendeu quando mostrei que trabalhava num anexo a casa, um salão de beleza que eu construíra para completar a renda familiar.

Minha vida até ali sempre fora cheia de problemas e sofrimentos: o marido, trabalhando à noite, dormindo de dia, ganhando pouco e com problemas de saúde, não tinha quase contato comigo; o dinheiro sempre curto, para se conseguir qualquer coisa era necessário um sacrifício enorme.

Aliás, esse era um assunto sobre o qual eu não gostava de falar. Mas eles eram discretos, não fizeram perguntas a respeito.

Por volta do entardecer, saíram. Na verdade eu os acompanhei. Fomos todos visitar uma tia bastante idosa e um pouco adoentada. Durante todo o trajeto, fui no banco da frente. Orientava o itinerário à prima, que dirigia. Ele ia atrás, com o filho. Notei que me olhava e fazia perguntas sobre a cidade, pois estivera ali havia alguns anos e não mais lembrava os locais que visitara. Eu procurava responder tudo que estava a meu alcance. Mostrou-se muito alegre e simpático.

Durante a visita, quando foi servido o café, reparei que ele me olhava sorrateiro. Mostrou certo embaraço quando o surpreendi. Depois saiu e brincou no quintal com o menino.

Na volta, continuamos a conversar animadamente. Acabei convidando a todos para visitar uma feira de artesanato que acontece todas as quartas nas imediações de minha casa, e onde há também comidas típicas. Andamos toda a rua, já apinhada de gente àquela hora. Compraram alguns produtos e insistiram em levar bolos, salgados e doces para o jantar.

Quando chegamos em casa, preparei a mesa e completei com refrescos e refrigerantes. Comemos e continuamos conversando. Depois de algum tempo, ele foi para a sala e, enquanto olhava a TV, falava e brincava com o filho. Mais ou menos às dez horas, a prima foi para o quarto e levou o garoto, que despediu-se do pai beijando-o e lhe desejando boa-noite. Entreguei a ele, que ficou na sala, a roupa de cama, também desejando que dormisse bem.

Ainda sob o lençol, procurei facilitar para que ele me penetrasse. Girei depois de algum tempo e permaneci sob seu corpo. Senti vontade de chorar, mas a necessidade de prazer era maior. Cheguei a emitir alguns gemidos. Ele tapou-me a boca, pois temia que eu acordasse uma de minhas filhas, que chegara tarde após o dia de trabalho e de aula na faculdade. Jamais gozei como naquela noite. No final, lhe pedi desculpas. Ele pareceu não entender. Mas, no fundo, acho que era eu que pedia desculpas a mim mesma por aquele ato intempestivo. Algum tempo depois, pensando melhor, passei a crer que eu mereci aquela noite. Permaneci ao lado dele até as primeiras luzes do dia. Antes de deixá-lo, agachei-me e o beijei. Um beijo untado por lábios e línguas, que durou longos segundos. Só então, ainda nua, corri para o meu quarto.

No café da manhã, olhei sem temor na direção de meu recente amante. Ele sorriu. Suspeitei que a prima tivesse desconfiado. Mas ao partirem, deduzi que não.

Ela me beijou com suavidade e afeto. Ele fez menção de apenas apertar minha mão, mas ofereci o rosto. Beijou-me.

Pedi a eles que voltassem sempre.