domingo, julho 29, 2007

Lígia

O sol ardente de fevereiro tornava ouro as lindas serras da Tijuca. Que manhã encantadora. O céu descia do mais puro azul; o verde da relva e da folhagem sussurrava entre gotas de orvalho, refletindo toques de luz. Flocos de névoa, restos da cerração da noite, envolviam ainda as escarpas mais altas da montanha como renda flutuante ao sopro da brisa; tal qual a montanha, a neblina também me envolvia, como manto único e quase transparente.

Havia alguns anos que começáramos a guiar até onde a serra permitia; abeirávamos o caminho de terra e nos agarrávamos primeiro dentro do automóvel, mais tarde fora dele, sobre a vegetação já fria e úmida de sereno. Embrenhávamos inteiramente nus por trilhas e veredas seguras para nós, sítios ocultos no meio da mata, conhecedores que éramos dos espaços às vezes exíguos entre árvores e arbustos. Sentíamo-nos parte do lugar. Vivíamos o ardor da paixão; não perdíamos qualquer oportunidade para nos engolirmos mutuamente. Freqüentadores da floresta em hora tardia, temíamos que alguém nos descobrisse; mas acho que na verdade nos excitávamos ante tal perspectiva. Quando avistávamos outro veículo, ou outro casal que também namorava, tentávamos espioná-lo. Divertíamo-nos.

Até então estivéramos sob o véu da noite, tendo como contorno luminoso apenas os vaga-lumes estelares, piscar alternado de explosões celestes em eras distantes.

Durante o dia, entretanto, era a primeira vez.

Eram sete horas. Apostávamos no amanhecer ainda deserto daquele domingo. Subimos por um atalho novo; pensávamos conhecer todos os caminhos e eis que havia surgido um novo. Tudo incentivava à aventura: a luz forte do sol, a névoa que se dissipava veloz abandonando-nos em pele e pêlo e a vereda recém descoberta.

Caminhamos durante uns bons quinze minutos; adentramos um campo florido, de árvores baixas, tendo ao fundo uma pequena cabana.

Contornamos a rústica construção; íamos cuidadosos. Num primeiro momento, parecia desabitada. Caminhamos para o lado sul e percebemos através de uma das janelas um casal que dormia. O homem e a mulher estavam nus. Os minutos que ficamos a observá-los foram longos e intermináveis. Eu, intempestiva, forcei a porta da sala. Estava aberta. Entrei; procurava ir em silêncio; sentia-me borboleta primaveril que mergulha límpida no ar rarefeito da manhã, sem fazer ruído algum. Deslizei lépida por pequeno corredor. Atravessei a sala e logo me vi no quarto onde dormiam. Tudo era silêncio; podia ouvir a respiração de ambos. Sobre o encosto da cadeira, junto à penteadeira, tomei nas mãos um vestido curto, de cor vinho; parecia roupa própria para noite. Senti a fazenda macia, o corte perfeito, tive vontade de vesti-lo.

Caiu-me na medida. A bela roupa fora cortada e costurada para mim. No corpo, percebi ser um autêntico Versace. Corri a Alberto que me esperava temeroso; não entrara à casa. Surpreendeu-se ao me ver vestida.

– Que roupa linda!

– A mulher tem bom gosto.

– Vai levá-la?

– Claro que não; nunca fui ladra, não haveria de sê-lo agora.

– E por que a veste?

– Para que você me coma vestida com um autêntico Versace.

Alberto encostou-me a uma das paredes externas, levantou o vestido e penetrou-me. Trepamos durante um bom tempo. Trememos quando ouvimos alguém se mover sobre a cama. Quis despir-me e atirar o vestido sobre a mesma cadeira; não queria ser surpreendida naquele estado. Mas, de repente, o silêncio se estendeu de novo; nos mexemos então com mais furor. Tive o cuidado de não sujar a peça valiosa.

– Quem são eles? – perguntou Alberto depois que acabamos.

– Não sei; mas a mulher não me é estranha; e esse vestido não é de qualquer uma.

– Vai ver que aproveitaram a noite e agora dormem.

– Isso – disse eu –, ela não parece com aquela modelo e atriz que se chama Juliana?

– Isso mesmo, bem lembrado, acho que é ela! e então, vai deixá-la nua?

– Já disse que não, vou devolver.

Descemos o trecho da montanha tendo todo o cuidado de não cruzarmos com os primeiros caminhantes. Abaixávamos junto ao córrego que nos acompanhava ou atrás de alguma árvore maior sempre que nos ameaçava algum grupo de jovens que ia aos pontos mais elevados da serra. Mais adiante, seguimos por dentro da mata. Ao chegarmos próximos ao nosso automóvel, reparamos um casal que namorava encostado nele. Fiz voar uma pedra que se chocou contra o solo dez metros à frente. Os namorados se assustaram e partiram.

Como disse, foi a nossa primeira aventura diurna.

E o meu primeiro Versace.

marg_57a@yahoo.com.br

quarta-feira, julho 04, 2007

Carinhosa

Tudo que existe em mim de grave e carinhoso te digo aqui como se fosse ao teu ouvido; nas ondas da praia, nas ondas do mar, quero ser feliz; quero banhar-me nas águas límpidas, quero banhar-me nas águas puras, que apenas me vestem original; como me deixaste na madrugada que ainda ia escura, o corpo a reluzir explosões astrais; minha pele é dourada e vou sob céu de estrela única, à espera de que voltes e deslizes sobre meu ventre teus dedos, pincéis de cores quentes; as ondas do mar me cobrem, são trajes de festa, roupa feita de espumas compridas, véus que se estendem por areias antigas, brancura transformada em diadema real; mas que, súbito, escapam-me, deixam-me nua, tornam plebéia à princesa, loura encoberta apenas por respingos de sal; não demoram as ondas, outra vez são generosas e se apressam a me dar prumo, a lavar-me, a vestir-me noiva generosa que aguarda algum tipo de deus; talvez Apolo a me deixar lívida, ou Marte a me tornar trêmula; mas aí vem Vênus ciumenta que, sem poder roubar-me o namorado toma-me, ainda que por empréstimo, o vestido real.