sábado, outubro 25, 2008

Coisa de cinema

O bar era em Pinheiros, pequeno mas chique. No interior, muitos copos e taças de cristal; bebidas diversas; revestimento todo em madeira; mesas pequenas, cada uma com um abajur; o balcão comprido com vários bancos ou cadeiras, todos altos e, do lado de dentro, um discreto e atencioso barman. Era para este local a que eu me dirigia todas as tardes, a partir das quatro horas. De lá era possível observar a rua através dos pequenos quadrados de vidro emoldurados pela porta de madeira. Quem passava lá fora via o contorno das poucas luzes sobre a decoração impecável. Sempre eu encontrava duas mulheres, que já estavam bebendo, de preferência uísque; cumprimentavam-me com cordialidade, mas jamais me convidaram para sentar junto a elas. O funcionário, jovem e bonito, compenetrado em seu trabalho, sempre me sorria e não se demorava a trazer-me a bebida que eu pedira nos dois primeiros dias, conhaque diluído em menta.

Um senhor de mais de 70 anos estreou no ambiente numa tarde de quarta-feira. Trajava um terno impecável. Seus cabelos eram brancos e tinha o rosto rosado. Chegou-se ao balcão e pediu uma dose dupla de uísque. Bebeu-a de uma vez. Em seguida, pediu outra. Levantou de novo o belo copo, como se talvez bebesse água, e fez o líquido dourado desaparecer suave em meio a seus lábios. Só então, tranqüilo, pousou o copo e disse algumas palavras. Todas dirigidas ao barman. Este o ouvia impávido, silencioso, para logo depois expressar ligeiro sorriso, voltando a seguir à fisionomia inicial. O senhor, já com a terceira dose nas mãos, lançou os olhos através do bar e descobriu, um tanto surpreso, as três mulheres que compunham a clientela até aquele momento. Sorriu para todas e recebeu em retribuição expressões semelhantes. As duas que sentavam à mesma mesa ainda se demoraram em seus sorrisos convidativos. Aguçando o ouvido era possível escutar, já que o bar era silencioso, a história que o senhor começara contar ao empregado.

Inicialmente perguntou: “o senhor é barman aqui há muito tempo?” esperou alguns instantes para o homem responder através de um movimento de cabeça. “Conhece então todos os clientes?” “Os habituais”, foi a resposta que obteve. “Procuro uma mulher, há alguns dias a vi sair daqui”. Explicou com poucas palavras como era a mulher. O funcionário entortou um tanto a cabeça enquanto passava álcool em alguns copos. “Não sei, talvez seja alguém que tenha vindo aqui uma única vez”. O senhor terminou de beber e colocou o copo sobre o balcão. “Pena, procuro-a há muitos anos; fui seu amigo, era uma mulher esplêndida”. Abriu a carteira e colocou sobre o balcão uma nota de valor elevado. Antes que o barman a apanhasse, pediu mais uma dose dupla. Foi atendido com presteza. Bebeu-a quase de um gole só; não quis troco.

No dia seguinte, a cena se repetiu. Apenas eu me acomodava na mesinha de costume, o senhor entrou de novo. Vinha trajado ainda impecável, de gravata borboleta preta. Sentou-se no mesmo banco de véspera. O barman lhe sorriu e despejou no copo a mesma bebida. “Como o senhor é atencioso! Nem precisei me manifestar! Como adivinhou que eu pediria uísque?” “As pessoas dificilmente mudam; os pedidos quase sempre são os mesmos”. Depois de alguns minutos indagou: “Gostaria de saber se a senhora sobre quem lhe falei ontem apareceu por aqui”. “Não, infelizmente”. “O senhor como é um barman deve ouvir muitas histórias. Vou contar-lhe em particular mais uma. Essa mulher representou muito para mim, gostei muito dela; tudo aconteceu vinte anos atrás...”

Eu entreouvia a conversa. Às vezes o tilintar dos copos das duas mulheres, ou algum ruído que o barman deixava escapar na sua furiosa ação de dar brilho às taças que lhe estavam pela frente, ou mesmo algum vestígio do som da cidade fervilhando lá fora não permitiam que a voz do homem chegasse a mim. Em síntese: tratava-se de uma mulher que, no passado, traía o marido todas as tardes; ela achava que casos extraconjugais ajudavam a manter o casamento; e o marido era verdadeiro em seu amor por ela. Apenas uma pessoa soubera de seus passos furtivos; o senhor que, agora, conversava com o barman. Este funcionava como uma espécie de psicanalista de boêmios ou alcoólicos; estava acostumado a histórias diversas e ainda pôde demonstrar surpresa pelo que ouvia, pela figura excêntrica de alguém que se portara, ao menos em aparência, de forma tão pudica e, mesmo ao se expor a ações tão transgressoras, conseguira se sair incólume. “Vou revelar uma coisa ao senhor. Já que confiou em mim e que está a se tornar um cliente habitual, vá ao Hotel Degar, ela reside ali. Procure-a pelo mesmo nome que o senhor me deu”. Já havia tomado duas doses duplas. Pediu ainda uma terceira e deixou sobre o balcão, sem esperar troco, outra nota de valor maior.

Na tarde do dia seguinte, eu ia com interesse ao mesmo bar. Queria saber a continuidade da história. Mas uma amiga me deteve nas imediações do Centro. Tivera um problema e pediu que a ajudasse. Interei-me do assunto; e o que ela queria eu tinha de reserva na bolsa. Agradeceu-me e se foi, pois precisava terminar de preparar-se caso não quisesse perder o dia. A aventura anterior, aliás, um verdadeiro despropósito, praticada sem os cuidados inerentes à profissão, quase a deixara em apuros. Desci do metrô, andei duas quadras e entrei um tanto perplexa e esbaforida no bar. O empregado sorriu quando me viu e trouxe a bebida de sempre. Nessa tarde, não vi nem as mulheres nem o senhor de terno.

Só na segunda-feira as encontrei mais uma vez; e, no balcão, o senhor impecavelmente vestido. Quando entrei, todos me olharam em sinal de cumprimento e aprovação. Creio que, como já fazia parte da clientela vespertina, sentiam a minha falta. Ele continuava a contar sua história ao barman. Creio que já bebera duas doses duplas e uma terceira jazia ante seus olhos. Ouvi-o, enquanto eu acendia um cigarro, “Consegui marcar um jantar a dois, eu e ela; ocorreu no sábado, no restaurante de um desses hotéis para turistas estrangeiros. Quis um reservado. Mas ouça-me, a coisa não se deu tão bem como eu esperava. Hoje ela é outra mulher, ou seja, uma mulher arrependida. E ainda se martiriza com uma dúvida”. O barman o olhava sério, sempre estava a fazer algo, como lustrar algum copo, ou arranjar o lugar apropriado a uma garrafa deslocada. “Dúvida?”, ainda repetiu, “mas não era tão atirada?”. “Isso, boa essa palavras, é das antigas: atirada. Ela era tão atirada! Sempre voltava antes do marido para casa, mas era atirada. Eis a dúvida: acha que o marido ao morrer sabia de suas artimanhas. Ela desconfia de que um amigo revelou a ele o segredo. E sabe de quem? De mim. Diz que eu era o único que sabia de sua história e que era amigo de ambos. Ora, veja... Mais um duplo, por favor!”

Pus-me a admirar aquele homem. Embora velho e solitário, encontrava sentido para a sua vida. Naquela tarde, antes de ele se retirar, ainda uma vez ouvi sua voz. “Disse então a ela: ‘veja estou velho, sou alcoólatra, mas mantenho a alegria de viver’. Ela levantou-se, derrubou a taça de vinho, algum talher e se retirou. Mas como ainda é bela!”.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Em suas mãos

Eu estava em casa, tinha acabado de almoçar, quando o telefone tocou.

“Oi, Marli?”

“Sim, sou eu.”

“Aqui é o R., tudo bem?”

“Oi, R, como vai?, quanto tempo...”

“Tudo, quanto tempo, não? Acho que vou aceitar aquele seu convite, continua de pé?”

“Que convite?”, perguntei com falsa ingenuidade.

“Aquele que você me fez há seis meses; passar alguns dias com você aí, em Guarapari.”

“Ah, claro que está de pé, terei imenso prazer em receber você.”

Marcamos os dias, conversamos mais algumas amenidades e desligamos. Ele chegaria numa quinta e ficaria até domingo.

É preciso dizer que eu e R. fomos namorados em outros tempos. Quando o conheci eu já não era tão jovem, mas tinha o mesmo ímpeto de uma garota nova. Ele adorava tirar toda a minha roupa; extasiava-se quando eu ia de saia curta e permitia que ele me roubasse a calcinha. O que fez aquele homem dez anos mais jovem do que eu atraído sempre por mim foi, no entanto, uma história que contei a ele.

Certa vez, enquanto fazíamos uma caminhada pela orla marítima no Rio, numa manhã de sol, narrei um fato que me acontecera.

“Sabe, desde muito jovem sempre gostei de usar biquíni, e desses bem pequenos.”

Ele me olhou demonstrando mais interesse.

“Um dia mergulhei de uma pedra, no tempo em que a praia do Flamengo era mais propícia ao banho; ao romper a superfície e deslizar sob as ondas, a temperatura fria da água do mar em contato com meu corpo quente provocou em mim tamanha excitação, que me levou ao orgasmo.”

Ele riu.

“Não acredita?, é sério, gozei com a temperatura da água; nunca tinha sentido aquilo antes. Foi tão bom!”

“Você estava sozinha?”

“Estava; eu morava perto da praia.”

“Então toda vez que você entrava na água isso acontecia?”

“Não, só aconteceu aquela vez. E olha que eu tentei muitas outras, tirava até o biquíni pra ver se conseguia, mas não gozei de novo daquela maneira.”

“Tirava o biquíni?”

“Isso, tirava ele todo.”

“As pessoas não reparavam que você estava nua?”

“Não, se a gente tirar só a parte de baixo ninguém repara.”

“E onde você o guardava?”

“Enrolava no braço, feito uma pulseira.”

Ele me olhou um tanto excitado, depois disse:

“Quando viermos à praia para tomar banho de mar, quero que você faça isso. Aí, roubo sua pulseira.”

“Não vou deixar. Até tiro o biquíni, mas não dou em suas mãos.”

Ele riu mais uma vez.

“Vou dizer a você”, continuei, “voltando ao assunto, por mais que eu tirasse o biquíni, nunca mais consegui o prazer que senti naquele dia. Foi uma vez única, nunca me esqueci. Até hoje tiro o biquíni, mas não com essa intenção. Acostumei ficar nua no mar.”

“As pessoas nunca te descobriram nua?”, perguntou de novo, muito interessado.

“Não, já disse. Nunca ninguém reparou. Até já conversei nua com um homem. Ele nem notou.”

Alguns dias depois, ao namorarmos na casa dele, ouvi sua voz, quase um sussurro:

“Qualquer dia desses vou levar você à Floresta da Tijuca, vou tirar toda a sua roupa, então vamos trepar. Quero também que você caminhe nua sobre a relva.”

Naquele momento, fui eu que fiquei excitada.

R. gostava que eu gritasse ao atingir o gozo. Eu já tinha esse costume, mas com ele gritava mais alto.

Uns dias depois saímos novamente. Fomos a vários lugares. Mas ele esqueceu sobre o passeio à Floresta. Então falei:

“Você não cumpriu sua promessa.”

“Que promessa?”, perguntou esquecido.

“De me deixar nua na Floresta!”

Olhou um tanto surpreso, depois falou:

“Assim que pudermos, iremos lá.”

Acreditei, mas nunca aconteceu.

A vida complicou-se, separamo-nos, deixei o Rio de Janeiro e passamos a falar um com o outro poucas vezes. Arranjei um namorado com quem fiquei por uns tempos. Há seis meses, quando fui ao Rio, encontrei R. novamente; fiz então o convite.

Guarapari é uma cidade bonita, tem muitas praias e alguns lugares desertos que podemos fazer passar por florestas. E tenho muitos biquínis, cada vez menores. Todos prontos a transformarem-se em pulseiras. Mas dessa vez entro n’água primeiro, não falo nada, deixo que ele descubra que estou nua. Depois, coloco a pulseira num dos braços dele e digo:

“Sou sua; estou inteira nas suas mãos!”

sexta-feira, outubro 03, 2008

Ilha Joaquina

As primeiras luzes do amanhecer já despontavam numa parte do céu. Miriam disse para mim:

“Ai, meu deus, se não formos nesse barco, vamos ter muitos problemas, é melhor não esperarmos mais.”

“Quer ir assim mesmo?", perguntei.

“Vamos”, ela afirmou.

Quando o homem encostou a pequena lancha no ancoradouro, mostrou-se a princípio sério, pois provavelmente era pessoa experiente e já se deparara com diversas situações semelhantes, mas depois estampou um meio sorriso malicioso, como se dissesse: “ah, essas mulheres...”

Miriam subiu na embarcação abraçada a mim. Num primeiro momento, alguém que a olhasse não notaria nada de estranho. Ela trajava saia preta que ia até um pouco acima dos joelhos e botas compridas, muito bonitas, que lhe cobriam os tornozelos.

“Você acha que alguém vai notar?”

“Claro que não, ainda está escuro, e ao chegarmos do outro lado entramos logo num táxi.”

“E como vou subir assim no meu prédio?”

“Vamos para minha casa, lá não há problema algum.”

Miriam fora convida para uma festa numa famosa ilha. O figurão que fizera o convite acrescentara: “traga uma amiga, será também muito bem recebida.”

No lugar, rodeado por praias lindíssimas, havia apenas duas residências; eram verdadeiras mansões. A vegetação cobria uma delas, enquanto a outra tinha um dos flancos que podia ser apreciado desde o momento em que pisávamos em terra. Além de usufruirmos uma noite belíssima, cheirosa, com o paladar de vinhos e champanhe franceses, teríamos à nossa disposição homens dos mais variados. O convite não falava explicitamente sobre uma exigência de praxe naquele tipo de festa: as mulheres, logo que desembarcavam, tinham de entregar a blusa numa barraquinha próxima; recebíamos uma pulseira com um pequeno número. Dali para frente, caso despíssemos outras peças, tínhamos de tomar conta. Não se podia vestir sutiã nem top, ou qualquer outro tipo de cobertura. Quaisquer roupas eram permitidas, desde que se estivesse com os seios à mostra. Como eu e minha amiga já éramos experientes em festas mais ousadas, fomos com muita animação.

A exibição foi intensa. Todas tinham muito orgulho em mostrar os seios. É lógico que a essas festas só comparecem mulheres que estão com tudo em cima, ou quase tudo. As mais jovens, no começo, demonstraram uma ponta de vexo, às vezes mesmo inconscientemente faziam algum gesto como se quisessem esconder os seios atrás das mãos, mas, depois de uma ou duas taças de vinho, soltavam-se e não tinham mais vergonha alguma. As mais velhas faziam questão de mostrar que possuíam os seios bastante rijos, mesmo que em conseqüência de algum tipo de cirurgia plástica; assim eles haviam voltado à posição de alguns anos atrás. Também vi algumas mulheres com os seios avantajados; ofereciam-nos aos rapazes mais jovens, que os tocavam sem embaraço.

Dançamos muito; namoramos principalmente; comemos e bebemos sem ter nada a reclamar. Houve várias entradas, canapés, pães, pastas, e um jantarzinho depois da meia-noite. Um entendimento era implícito: as pessoas não deviam circular totalmente nuas nem deviam fazer sexo dentro dos salões; nas varandas e na parte externa, porém, tudo era permitido.

À uma e trinta houve a eleição da mulher que tinha os seios mais bonitos. Todas as pessoas podiam votar e a todas as mulheres era permitido concorrer. Ganhou uma amiga nossa, a adorável Júlia, que estava na casa dos trinta anos. As mais jovens morreram de inveja.

Lá pelas duas da madrugada escolhi um bonitão, que me deixou nuazinha. Trepamos no jardim; eu sobre a grama e ele sobre mim, foi uma delícia. Depois fez que eu passeasse nua ao lado dele por toda a ilha. Encontramos, num trecho da praia, três jovens também despidas por inteiro, mas elas trepavam com apenas dois homens. Chamaram-nos; ficaram então quatro mulheres para três deles. Um dos rapazes, ao me ver, correu e me agarrou. Sussurrou no meu ouvido: ”adoro mulheres sem pêlos”.

Miriam também se perdeu pela ilha com vários bonitões. Disse ter cometido algum exagero. Sempre falou que normalmente não gosta de sexo anal, mas naquela noite, depois de três taças de champanha, acabou deixando um rapaz fazer amor com ela do jeito que ele queria; contou que gritava a ele: “por favor, não goza, fica mais tempo, não goza!”.

Lá pelas quatro e meia, após muita música, bebida, comida e namoro, resolvemos sair à cata de nossas roupas. Houve apenas um problema, Miriam perdeu a pulseira e, para recuperar a blusa na tal barraquinha, ela era necessária. A funcionária de plantão no local nos informou que, sem a senha, seria preciso esperar até que todas as mulheres tirassem as suas blusas.

Só que Miriam começou a ficar nervosa; viu que não demorava a amanhecer.

Então resolvemos ir embora assim mesmo.

Mas, no balanço final, valeu a pena. Adoramos a festa!