terça-feira, novembro 18, 2008

Certa vez me pediste que eu viesse nua a teu encontro

Bons são aqueles motéis em que se entra com o automóvel, percorre-se uma via estreita até encontrar o boxe desejado, e logo que se salta abaixa-se o toldo, ficando o carro às escondidas. Caso se decida por um deles já a noite escura ou madrugada, é possível lá chegar nua por inteiro. Ninguém terá o prazer de reparar, mesmo que o automóvel tenha vidros transparentes.

Certa vez tive um namorado que gostava de encontros em motéis desse tipo. Então, decidi fazer-lhe uma surpresa. Já saíramos juntos outras vezes, namoramos em hotéis do litoral; viajamos a fazendas, envolvemo-nos ambos nus, namoros secretos noturnos. Mas agora estávamos numa cidade grande. Mesmo assim aventurei-me a surpreendê-lo.

Marcamos num motel dos arrabaldes. Como as mulheres sempre se atrasam, não quis portar-me diferente. Ao chegar, ele já me esperava; e ia impaciente.

“Pensei que não mais viesses”, falou-me um tanto taciturno; mas recobrou-se ao ver que nada me cobria a pele. “Como vieste nua?”

Tapei-lhe a boca, cobri-lhe a voz com mil beijos atrasados.

“Onde estão tuas roupas?”

“Em casa”, respondi; rolei sobre ele, abracei-lhe e procurei seu sexo excitada.

“Em casa?”, repetiu minhas palavras; demonstrava mais interesse pela história do que pela mulher nua ao lado.

“Não mais queiras saber coisa alguma”, abracei seu corpo com mais força e o aprisionei em outro longo beijo.

Abri-me tal qual flor de Andaluzia. Escorregou sem impedimentos, deslizou entre meus óleos naturais. Permanecemos unidos; eu mordia-lhe o pênis fazendo contrações com o músculo do meu sexo, não era preciso movimento além.

Durante hora e meia amamo-nos calorosos; de ruídos, apenas nossa respiração, parcos gemidos e suspiros de prazer.

Quando acabamos, ou melhor, essas coisas nunca se acabam, interrompem-se para logo após reiniciarem-se. Mas quando demos conta de que não poderíamos viver ali uma vida inteira, aprontamo-nos. Quer dizer, ele aprontou-se. Eu ainda ia nua. Sem dizer palavra alguma, levantou-se e por mim esperou. Acompanhei-o até o pequeno toldo. Meu carro ficara debaixo do toldo do boxe ao lado.

“Ainda bem que ninguém reclamou pelo apartamento ao lado, teríamos de interromper nosso namoro”, ele disse.

Beijei-o e corri para meu carro; sentei-me no banco do motorista; bati a porta e deslizei meio vidro para que ele viesse me beijar uma vez mais.

Até ali, tentou não demonstrar surpresa alguma. Mas, de repente, deixou escapar:

“Não acredito que não tens o que vestir.”

Percorreu os bancos com os olhos, depois falou:

“Deixa ver a mala.”

Não lhe dei tal permissão.

“Duvido que não trouxeste ao menos um curto vestido”, falou em voz embargada de desejo.

“Pensa como quiseres; certa vez não pediste que eu viesse nua a teu encontro? Devias estar satisfeito.”

“Claro que estou; mas estou também preocupado. Se te descobrem nua a caminho?”

“Não te preocupes; tenho meus recursos; e a noite sempre foi amiga das mulheres apaixonadas.”

Beijei-lhe ainda uma vez, dei a partida e mergulhei na madrugada nua.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Copacabana

A avenida Nossa Senhora de Copacabana é uma via atraente. Não só a taxistas que trafegam lentos, quase acompanhando o pedestre distraído, mas também a homens ou mulheres que vão às compras ou a passeio. Várias lojas alinham-se disformes, múltiplos os tamanhos, e às vezes há as galerias. Exibem de preferência roupas, mas se este não for o desejo, encontra-se todo tipo de produto. Poucos olham acima; e se o fazem surpreendem-se com os altos edifícios. Onde o céu?, onde o sol?, mas não é impossível a claridade. Esta vai no brilho dos olhos das mulheres e dos jovens, para quem são transparentes as torres de concreto. Perto do Posto Seis, nas ruas que atravessam a avenida, predomina uma atmosfera de bairro rico, morada de senhores e senhoras filhos da fortuna. Descendo, seguindo em busca do comércio popular e de corpos de maior temperatura, o bairro arrefece, encontra o homem comum, o passeante solitário, a mulher freqüentadora dos pequenos salões de beleza, os bares sempre cheios, o incógnito bebedor de cerveja. E no espaço aéreo, amontoa-se em conjugados o sangue quente, o pulsar constante. Andando pelo Posto Quatro é preciso ter cuidado. As tentações são várias, as cores se multiplicam, sente-se na boca amálgama lustroso, licor tentador que embriaga e embaraça. Então a roupa torna-se leve, sobretudo à mulher lívida; a saia ou o vestido sobe, o tecido parece que foge, e às vezes não se resiste a mergulho repentino em teia disfarçada e envolvente. Desliza-se da rua movimentada a prédios de corredores compridos, confunde o labirinto de portas e escadas; elevadores lentos, de sons arranhados, transportam a universos perfumados. Então não se sabem nomes, identidades ou procedências; mãos ávidas procuram a pele branca, os poucos pêlos, desfazem as amarras; e corpos antecipando suores, em meio a lâmpadas de dourado arredio, embebedam-se de caldo andaluz, vinho pleno de volúpia. Mas a rua me dá remate de sobrevida; meu coração, em ritmo de dançarina eslava, transpõe o primeiro obstáculo, vitória ainda que precária; deixo para despejar enzimas acre-doces em hora de mais valia. Um café expresso detém-me próxima à entrada de um hotel. Desfraldam-se as bandeiras sobre as marquises, um funcionário em traje a rigor abre a grande porta de vidro à comitiva estrangeira. Delicio-me na bebida de pó escuro, encorpada, quase amarga. Levanto os olhos em meio a sorrisos e espelhos, aprecio a silhueta de ator americano. Deixo-o em meio a fitas de outros tempos e, sobre o passeio, sou levada por torvelinho de rapazes sorridentes; cuido da bolsa e da carteira, mas sei que desperto interesses submersos. O ar da praia!, agora o percebo, chega-me em boa hora, aguça-me os sentidos, excita-me. Uma dúvida feliz arrebata-me. O que faço?, rumo à beira-mar?, ou engalfinho-me nos arredores urbanos da noite que se anuncia? Desfaço-me das dúvidas diante de loja requintada. Modelos e fazendas escarlates sobem-me como caldo que incendeia. Observo a blusa de fazenda leve, talvez algodão quase transparente. Visto uma saia comprida, argolas como cinto, dourada de espelhos. No pescoço, não dispenso um colar que parece fantasia, mas arrebata-me artesanato em ouro. Sou outra pessoa. Não mais desejo mergulhar no novelo urbano da ante-noite, mas na suíte de meu hotel. Aconchegada, sobre tapete de pétalas, envolta em cortinas e ar-fresco, na entre-sombra que antecede o crepúsculo, quero olhar-me no espelho. Depois, de roupa nova luzidia, inundar-me do calor próprio dos amantes, enquanto diplomata estrangeiro admira-me entre as mesas do salão de chá, no hotel que tem nome de palácio.