quinta-feira, maio 27, 2010

Vitrine

Outro dia fui à praia, reparei discretamente os homens, eles me olhavam como se olhassem para uma vitrine, apenas isso, não houve quem se aproximasse. Numa festa, faz uns quinze dias, notei que uma amiga não gostou do que falei a ela. Disse que os homens, mesmo os que estavam acompanhados, olhavam para os meus seios. Sei que depois ela vai comentar com outras pessoas. Mas não ligo, estavam olhando mesmo. Não sei o que acontece comigo, acompanhados ou sozinhos são poucos os que se aproximam, e quando isso acontece é para falar umas bobagens. Está difícil conseguir um namorado. Não, isso não, não crio dificuldades nem sou muito exigente. É lógico que prefiro alguém que more aqui pela zona sul, que tenha um nível de vida semelhante ao meu. Sou bonita, você sabe, sou jovem, mas não tenho tido sorte ultimamente. Sobre aquilo que você me contou. Aquilo, não lembra? Que você teve um namorado que adorava aventuras noturnas, deixava você nua e coisa e tal. Tentei pensar nisso, mas fico toda arrepiada. Tremo que só vendo. Não tenho coragem. Caso me apareça um homem assim, vou correr dele. Nua? Claro que não. Se já vestida eu morro de medo... Mas fala sério, Nete, você fazia aquelas coisas mesmo? Como você permitiu a um homem tirar toda a sua roupa e deixar você nua numa estrada deserta por mais de meia hora? Sei que você falou que tinha um casaco. Mas ele não descia além dos quadris. Você, nua, apenas com o casaco. Não acredito. Foi verdade mesmo? Só você, Nete. E você ainda me diz que não tem dificuldade de arranjar namorados, que sempre tem alguém procurando por você, não é mesmo? Deve ser por isso. Não? Então é por quê? Será que é por causa da história da praia? Qual história? Não foi você mesma que me contou? Aquele namorado que a deixou nua dentro d’água... Ah, foi o mesmo homem do caso da estrada? Mas mesmo assim, não sei como você atrai tantos homens. Lembra que você me contou que sofria de depressão e que saía pela cidade de madrugada e acabava indo até a rodoviária porque lá era um lugar movimentado? Não esqueci também essa. E você arranjou ainda um namorado, e o rapaz era um mergulhador. Mergulho em plataformas de petróleo. Quando desembarcava – não é essa a expressão? – o cara ligava pra você. E lá ia a Nete atrás do homem... Mas eu acabo sendo sempre apenas uma vitrine. Os homens me olham e não se aproximam. Se eu fosse velha, feia, mas não. Tenho uma amiga sessentona que arranjou um cara quatorze anos mais novo. E ele é um gatinho. Outro dia foi com ela a uma festa em que eu estava. Mas ele nem me olhou. Todos os homens que estavam lá me olharam, mesmo os casados, e apreciaram os meus seios. Mas o namorado de minha amiga sessentona nem olhou pra mim. Pensei até que ele fosse gay, mas diz ela que ele trepa que é uma beleza. No final da festa ainda dei um beijinho nele, de despedida. Ele agradeceu, me beijou também. Mas tudo na maior seriedade. Não sei o que faço. Acho que você tiraria a roupa e sairia pelada por aí, não? Não mesmo? Você não precisa porque sempre aparece alguém? Então me diz a fórmula, Nete. E diz logo porque tenho de desligar. Você acha que sou muito preocupada com isso e que a preocupação atrapalha? É mesmo? O quê? Esquecer esse assunto por uns tempos, tentar não pensar nisso e procurar me distrair com outra coisa? Acho então que vou tentar fazer isso. E olha que já tentei de tudo. Até psicanálise... Um beijo, tchau. Pode deixar que não vou esquecer o conselho.

quinta-feira, maio 13, 2010

Máscaras

– O fato, Joana, é que a maioria das mulheres quer casar. Se não fosse isso, não haveria problema.

– Não entendi, Margarida.

– É simples, dou exemplo: se você tem um namorado, sai com ele uma vez na semana e se sente satisfeita, por que há de perguntar o que ele faz nos outros dias?

– Tenho ciúmes.

– Pois o ciúme é fruto dessa tentativa de casamento. Ouça, você marca para sair com ele todo sábado, ou toda quinta. Ele vem, você sai. Ele a leva aos melhores lugares, a espetáculos, restaurantes, hotéis etc., você está plenamente satisfeita. Se você pergunta o que ele faz durante o resto da semana, ou se o quer por todos os dias, aí já vai acontecer algum problema.

– Joana, o raciocínio da Margarida está certo. Qualquer uma de nós que tenha um namorado e o sinta prazeroso não deve fazer perguntas. Não é isso, Margarida?

– Exatamente, Raquel. Certa vez eu tive um namorado que era maravilhoso. Nós nos encontrávamos uma vez, no máximo, duas na semana. Tudo era perfeito. Mas naquele tempo eu não pensava como hoje. Então comecei a investigar a vida dele. Descobri algumas traições, fiquei com ciúmes. Falei com ele sobre o que descobri. Conclusão: perdi o namorado, perdi alguém super-bacana. Não tinha mais ninguém pra sair, pra passear, pra trepar. Fiquei um bom tempo sozinha.

– Margarida, teria sido melhor aproveitar e nada perguntar. E você, Joana, concorda?

– Não sei. Desse jeito a gente vai acabar namorando alguém casado, não é, Marg?

– E o que tem isso? Se você não quer casar com ele e ele lhe causa imenso prazer nas vezes em que vocês estão juntos, nem é necessária essa preocupação. Ouça um exemplo. Nós estamos aqui neste bar, conversando apenas, não estamos interessadas em casamento, ou estamos? Sabemos que o casamento é algo problemático. Depois que o tempo passa, o relacionamento esfria. Então, se o bom é namorar e o homem é maravilhoso, não há de se fazer perguntas. Quando estou com ele, sou a pessoa principal na vida dele e ele é a principal na minha. Nesse caso, tudo está resolvido. Mas se você quer casar, a situação muda. Por isso falei e repito: o problema é que quase todas as mulheres querem casar. Pensando assim, há razão para se ter ciúmes. Mas se o caso for só o namoro, passeios, ou satisfação sexual, tudo está resolvido.

– A Raquel parece concordar com você, Margarida, mas eu não sei...

– Escute uma história interessante, Joana. Acho que nunca contei isso pra você ou pra Raquel. Certa vez tive duas amigas. Conversávamos sobre esse mesmo assunto. Uma delas deu uma idéia muito original. Nós três tínhamos que sair juntas com três homens. Deveríamos aproveitar o máximo e não nos apaixonar por nenhum deles. Traçou um plano muito engenhoso e tudo acabou sendo muito engraçado. Ela disse que conhecia muita gente e se encarregou de convidar os três homens. Primeiro iríamos a um teatro, depois a um restaurante. Tudo ocorreria como se fôssemos amigos. Mas apenas nos relacionaríamos com eles se as três se interessassem. E é claro, se eles também sentissem o mesmo. Ela (a que deu a idéia) produziu um artifício. Ouçam. Enquanto saíamos publicamente, não havia problema. Poderíamos nos portar como casais de namorados. Mas se decidíssemos ter relacionamento mais íntimo com qualquer um deles, deveríamos ir juntas. Já que éramos muito parecidas fisicamente, vestiríamos roupas semelhantes e aparecíamos no local combinado usando máscaras. Os homens também deveriam fazer o mesmo. Então escolheríamos um ao outro de modo aleatório e ninguém saberia sobre ou sob quem estaria. Lógico que não ficaríamos no mesmo quarto. O principal era que todos assumissem o compromisso de em nenhum momento tirar as máscaras. A luz ficava apagada, mas as mascaras não podiam ser tocadas. Ficávamos nuas, mas de máscara. Desse modo, eles sempre tinham dúvidas com quem estavam fazendo amor. E nós, as mulheres, também. Os relacionamentos foram ótimos. Ficamos todos juntos por quase dois anos. Saíamos os seis, transávamos os seis, nem eles nem nós sabíamos com quem estávamos na cama. Às vezes até desconfiávamos, mas não tínhamos certeza. Na vez seguinte, ao nos encontrar em lugares públicos, não fazíamos idéia alguma de quem fora nosso par na vez anterior nem de quem seria naquela noite. A cumplicidade dos seis fazia que não nos apaixonássemos por ninguém. Em conseqüência, não havia ciúmes nem sofrimento. Nunca houve um período tão bom em minha vida.

– Genial, Margarida, nunca ouvi semelhante experiência, é verdade mesmo?

– Claro, Raquel, por que razão eu iria mentir?

– E por que acabou?

– Certo dia um deles não resistiu e deixou uma de nós inteiramente nua, ou melhor, arrancou a máscara da mulher que estava cravada nele e a revelou rubra de vergonha. As máscaras nos incentivavam a narrativas e ações que não ousaríamos de cara limpa. O pacto então foi rompido. Ainda insistimos nos encontros durante algum tempo, mas já não era a mesma coisa.

– Querida amiga Margarida, querida Raquel, confesso que essa história de máscaras despertou em mim um arrepio jamais sentido, algo difícil de dizer. Enquanto alguém não me deixa pelada, isto é, de rosto e olhos nus, acho que tenho fôlego. Conheço alguns rapazes, tenho certeza de que eles vão adorar a idéia. Estou disposta a procurar por eles, que tal?

– Joana! Até que enfim, desabrochou, hein?

quinta-feira, maio 06, 2010

Doidinha pra saber o que vai acontecer

Estava nua na estrada. Pensei: se ele não volta vou ter problemas. Daqui a pouco passa o ônibus, o motorista já demonstrou que sente atração por mim, imagina se me encontra nessa situação. Meu pensamento tornou-se ainda mais instigante: o ônibus das cinco às vezes passa vazio, nenhum passageiro, vem da garagem em direção à estação, primeiro da madrugada, a essa hora também não há cobrador, já até sei o que vai acontecer...

Nunca havia praticado tal brincadeira, se é que se pode chamar isso de brincadeira. Mas meu namorado sempre se mostrou um pouco tarado. Pouco a pouco passei não só aceitar como achar ótimas as atitudes dele. Antes tivera um marido que não se excitava um pingo por mim. Depois da separação, a chegada daquele namorado foi providencial; portanto, suas taradices me atraíam.

A primeira delas foi na praia. Ele me convenceu a tirar o biquíni quando estávamos dentro d’água e entregá-lo em suas mãos. Ora, a cidade é pequena, muitos me conhecem, sabia que não demoraria a aparecer alguém para conversar comigo. Aconteceu. Apareceu uma ex-aluna. Fiquei morrendo de medo que ela descobrisse a situação. Nós ali conversando, e eu nua, coberta apenas pela precariedade de um mar de final de tarde. Meu namorado ficou por perto, já tinha guardado o meu biquíni nos nossos pertences, lá na faixa de areia. Estava nua e sem saída caso alguém percebesse. Mas a moça nada notou, conversamos um pouco e ela foi embora. Ele voltou, mas de mãos vazias.

“Você está gostando, não?”

“Estou”, respondi, “mas meu coração vai aos saltos.”

“Se ele está batendo, é sinal de vida.”

Na outra vez, convenceu-me a sair com ele às três da manhã e ficar nuinha na estrada, junto ao mato. Mas cadê ele que não vinha? Por aquele caminho não demoraria a passar o meu motorista admirador. Fiquei molhadinha. Ah, isso não vai dar certo, pensei.

Mas voltou o meu namorado. Voltou de carro, sem as minhas roupas dentro. Me levou nua pra casa dele. Para fazermos amor. Confesso que gostei muito. Gostei de ter ficado naquela situação e gostei da transa depois de tremer mais que vara de bambu. Confesso que jamais senti tamanha excitação. Não sei qual a palavra exata para exprimir o meu interior naquele final de madrugada.

Mas me ficou na cabeça o motorista que poderia ter-me encontrado nua. Pensei com insistência no que aconteceria caso meu namorado não voltasse. Refleti sobre todas as possibilidades. Depois lhe falei sobre o meu admirador.

“Quer dizer que você tem um admirador?”

“Um só não, vários, e caso me encontrem nua, você já sabe o que vai acontecer.”

“O quê, precisamente?”

“Preciso dizer?”

Não sei se meu namorado ficou excitado com tal possibilidade. Notei, porém, um fio de tremor em seus gestos.

“Você acha o que sobre mim? Estou quarentona mas ainda desperto desejos em muita gente?”

Um dia desses, depois de brigarmos, decidi que tomaria uma atitude. O namoro no começo estava ótimo. Mas com o passar do tempo começaram a acontecer umas confusões, uns problemas de origem nada fácil de descobrir. Aí, ele me deixava por uns dias.

Então, como estava com o desejo à flor da pele, saí sozinha, de bicicleta. No mesmo lugar em que me deixou nua na outra vez, parei. Escura a noite. Tirei toda a roupa, enfiei-a numa bolsa e a arremessei à outra margem do rio. Com as roupas por perto, a sensação não seria a mesma.

Agora só me resta esperar pelo motorista do ônibus. Doidinha para saber o que vai acontecer!