domingo, janeiro 29, 2012

Americana

Prefiro sempre estar só, a paisagem me pertence. Às vezes algum barco navega rente à praia, são pescadores voltando após a madrugada no mar. Eles, porém, jamais incomodam. Fazem seu trabalho em silêncio. Desembarcam adiante, numa ponte que se estende da ponta da praia a um pedaço de areia. Carregam seus peixes em cestos de palha.

Nesta cidade, fora da temporada, são poucos os habitantes. Geralmente, de banhistas, apenas eu. Permaneço na praia boa parte da manhã.

Faz algumas semanas surgiu outra mulher. Também vinha para o banho de mar. De início, não se aproximou. Mas, depois, acho que por haver apenas nós duas na praia, cumprimentou-me. Após se apresentar, conversamos um pouco. Disse que ficaria na cidade durante um mês, estava a trabalho. Resumiu sua história.

“Escrevo para uma revista, viajo para experimentar novos lugares e descrever a beleza da paisagem. Às vezes narro alguma curiosidade, os costumes dos habitantes locais, outras vezes experimento acompanhá-los e descrever suas vidas. Muitos apreciam tais histórias e pedem mais detalhes.”

“Deve ser interessante a sua vida, sempre viajando, sempre lugares e pessoas diferentes”, falei.

“Lugares, sim; mas pessoas, nem sempre.”

“As pessoas são iguais, muda apenas a geografia?”, perguntei ao estranhar o que ela dissera.

“Quase sempre, sim; a natureza humana não é muito diferente.”

“Aqui, acho, você vai gostar de conhecer uma pessoa diferente, quero dizer, uma mulher.”

“Uma mulher? O que ela faz que a distingue das outras?”, perguntou curiosa.

“Ela chegou à cidade faz mais ou menos dois anos, sempre agiu de modo inaceitável para os nativos. Tanto é verdade, que a maioria das mulheres não fala com ela. Os homens, sim, estes a apreciam muito. Mas, apesar disso, procuram-se manter a distância. Não querem confusão com as esposas.”

“Ela é do tipo liberal, então”, afirmou com ar de pergunta.

“Não é apenas isso, ela sempre traz um ar misterioso. Na verdade, ninguém sabe ao certo do que vive ou o que faz. Às vezes, tal atitude provoca algum falatório, então surgem lendas a seu respeito.”

“Você disse que essa mulher não é daqui, sabe de onde veio?”

“Não sei, nunca perguntei. Mas não veio de cidade grande, não. Ela tem uns hábitos diferentes”, falei.

“Que hábitos são esses?”

“Quase não é vista no comércio local, dizem que pessoas estranhas frequentam sua casa, homens na maioria, e sempre diferentes. Algumas pessoas afirmam que já a viram nua na praia, de madrugada. Outras contam que ela é adepta de magia. Sabe como são os assuntos de cidade pequena. Sou a única que conseguiu manter certo diálogo com ela. Quando lhe contei o que ouvia a seu respeito, apenas riu.

“O que vocês conversam?”, quis saber.

“Ela tem muitos livros. Me levou até sua casa, mostrou e me ofereceu alguns, mas a gente aqui não é muito dada à leitura, você entende, não?”

“E o que tem os livros?”

“Acho que histórias, não sei, parece que textos para teatro. Ela, à princípio, é como você. Parece que chegou a escrever alguns, mas não tenho certeza.”

“Ela vem à praia, assim como você?”

“Vem, mas não agora, prefere o entardecer, ou mesmo a noite.”


Passaram-se dois dias e a mesma mulher encontrou-se comigo. Era de manhãzinha, como na primeira vez. Eu estava deitada sob o sol. Depois de me desejar bom dia, falou:

“Conheci a pessoa sobre quem você me falou. É uma americana.”

“Americana?”, surpreendi-me.

Começou a falar sobre a mulher.

“Ela diz ter sido jornalista e também bailarina. Mudou-se para este lugarejo – foi assim que me definiu a cidade – com o objetivo de descansar. Mas se apaixonou pelo local e não mais partiu.”

Fez silêncio durante alguns segundos, olhou para o mar como se a paisagem a surpreendesse; depois, continuou:

“Disse que antes tinha medo de não mais querer voltar para o seu país. Agora, sente alívio por ter ficado. Diz que o medo que sentia nada mais era do que o medo de ser feliz.”

“Que bom, ela então se encontrou, aqui nesta praia de fim de mundo”, observei.

“Isso, disse que foi um encontro com ela mesma. Mas existe mais uma coisa.”

“O quê?”, perguntei curiosa.

“Convidou a mim e mandou chamar também você. Numa noite dessas, quer apresentar um número de dança para nós duas.”

“Então é isso, alguns pescadores disseram certa vez que viram uma mulher dançando à noite, bem tarde, aqui mesmo nesta praia.”

“Parece que estudou balé clássico. A literatura e a dança são as duas coisas que lhe fazem sentido.”


Chegamos  à casa da americana em torno das nove horas numa noite de quinta-feira. Ela adotara nome brasileiro, pediu que a chamássemos de Regina. A construção ficava numa das muitas elevações existentes no lugar. A casa tinha sala ampla e dois quartos. Ao lado de um deles, o banheiro. A cozinha se ligava diretamente à sala. Na frente, havia a varanda com o pequeno jardim. Dali, era possível apreciar toda a costa. À noite, viam-se as luzes dos barcos que saíam para a pesca.

Cumprimentou-nos com muita polidez e ofereceu bebida. Minha recente amiga, cujo nome é Jane, aceitou vodca com limão. Eu preferi suco, que segundo a dona da casa, fora preparado por ela mesma. Enquanto bebíamos, Regina abriu uma gaveta e tirou um pequeno cigarro, acendeu-o, sorveu-o duas vezes seguidas e nos ofereceu. Era um cigarro de maconha. Jane o tomou entre dois dedos e deu uma tragada profunda. Então, passou-o a mim. Segurei o cigarro com o polegar e o indicador e dei um longo trago. A seguir, nós três saímos para a varanda.

Primeiro, olhamos longamente o mar lá embaixo, depois Regina falou:

“Vou colocar música.”

Voltou à sala, som de violino começou a se expandir pelo ambiente. Ficamos em silêncio. Era um famoso concerto para violino e orquestra de Beethoven. Eu ouvia de olhos fechados.

Após mais ou menos um quarto de hora, a música cessou. Regina desapareceu por instantes. Voltou vestida como uma bailarina clássica: sapatilha, a malha toda negra, saia curta e o cabelo preso em forma de coque. Logo a música voltou a soar. Ela, inicialmente com os olhos fechados, começou a fazer os primeiros movimentos, bem à nossa frente. Como cenário, a paisagem marítima ao fundo.

Regina pertencera a uma companhia de balé profissional. Era ainda uma exímia dançarina, embora não mais se apresentasse. Quis perguntar o motivo de ter abandonado a dança, mas não tive coragem. Ao terminar a apresentação, aplaudimos. Ela sentou ao nosso lado e pediu a Jane que buscasse outro cigarro. Acendeu-o e tragou com sofreguidão. Permanecemos ali por mais uma hora. Bebemos e fumamos. Mas nossa convivência foi de poucas palavras. A música continuava, só que não mais música clássica, mas o jazz de Chet Baker.

“Antes de partirem, vocês podem me fazer um favor?”, perguntou, só então reparei uma ponta de sotaque em suas palavras.

Eu e Jane olhamos para ela com sorrisos de consentimento. Levou-nos à sala e mostrou uma trave junto à parede que ficava na diagonal da janela que dava para o mar.

“Vocês podem me amarrar aqui?”

Sua proposta me surpreendeu. Jane conseguiu manter certa naturalidade. “Como a gente deve fazer?”, perguntou, enquanto eu disfarçava o espanto inicial.

Regina arrastou um pequeno banco que estava ao lado da mesinha lateral e o colocou sob a trave, deu alguns passos e entrou no segundo quarto. Voltou depois de menos de um minuto totalmente nua. Trazia nas mãos uma corda.

Jane manteve-se durante todo o tempo impassível.  Eu nada mais falei. Regina sentou no banquinho e levantou os braços. Orientou que devíamos amarrar seus punhos, depois atar a corda na trave. Apontou que, com o restante da corda, lhe imobilizássemos os tornozelos. Fizemos tudo como pediu. No final, mostrou um lenço branco, comprido, que jazia sobre um dos estofados. Pediu que tapássemos sua boca e o amarrássemos na parte posterior de sua cabeça com um forte nó.

Despediu-se emitindo um som grave e sorriu. Batemos a porta e partimos.

“Será que ela é louca ou está sob o efeito de alguma outra droga?”, perguntei a Jane. Eu estava assustadíssima, jamais vira alguém fazer tal pedido.

“Nada disso“, falou tranqüila a jornalista. “É uma fantasia, na certa espera algum namorado.“

“Vamos voltar para espionar?”, perguntei.

“Acho melhor não, vamos deixar secretos os seus prazeres.”

Descemos até a praia, despedimo-nos e cada uma seguiu o seu caminho.

Naquela noite, porém, não consegui dormir. Pensei o tempo todo na mulher nua amordaçada e amarrada.

Quando estava próximo o amanhecer, saí da cama, vesti roupas como se fosse à praia, mas o que fiz foi ir à casa da americana.

Durante o caminho, ou mesmo enquanto espreitei a casa, procurei-me manter oculta. Ainda não surgira o sol quando espionei através da janela a sala. O que vi não me surpreendeu. Tudo permanecia como na noite anterior, apenas ela não estava no local. Contornei toda a casa beirando as janelas dos outros cômodos. Não parecia haver ninguém. Destemida, girei a maçaneta da porta da sala. Entrei sem dificuldades. Caminhei furtiva, deixara a sandália no lado de fora. Vasculhei os quartos, vistoriei o banheiro, a cozinha. A casa estava vazia. Sobre a cama, em um dos quartos, encontrei a roupa que Regina usara quando dançou para mim e para Jane. A malha, a curta saia e as sapatilhas permaneciam no mesmo local em que se despira.

Ao me dirigir de volta à porta da sala com a intenção de ir embora, a americana apareceu. Não se assustou com a minha presença.

“Bom dia”, falou e sorriu. “Sabia que você voltaria.”

“Fiquei preocupada, achei que poderia ter acontecido o pior”, falei.

“Pensou que eu ainda estaria amarrada e amordaçada, como vocês me deixaram”, afirmou com certa solenidade nas palavras.

“Isso mesmo”, falei com um pouco de nervosismo.

“Sabia que você iria voltar, achei até que ainda na madrugada”, após falar, cruzou a porta e sentou sobre um dos estofados. Apontou para eu sentar ao lado dela. “Ficou excitada, não?”

“Eu?”

“Você”, falou resoluta.

“Bem, não foi bem assim...”

“Não se preocupe, é natural que isso aconteça. No fundo, muitas gostariam de viver a mesma situação.”

“Viver a mesma situação?”, as palavras escaparam contra a minha vontade. “Não sei, tenho  medo,” afirmei com tremor na voz.

“Medo? É tão bom. Espere aí”, levantou e foi à cozinha. Voltou com um pouco de café quente numa caneca, entregou-a nas minhas mãos. “Beba um pouco, você deve estar em jejum.”

O café estava gostoso. Senti um pouco de fome mas nada falei.

“Caso você queira passar por essa experiência, venha uma noite dessas”, sorriu mais uma vez após terminar a frase.

“E depois?”, eu queria saber como tudo se daria.

“Depois?”

“Depois, o que acontece?”

“Vem um cavaleiro mascarado namorar você.”

“Mascarado?”, surpresa no meu rosto.

“Se quiser, ele pode vir de rosto nu.”

“Na cidade, todos me conhecem, você entende...”, tropecei na última palavra.

“A gente dá um jeito. Quem sabe, você usa a máscara.”

“É normal que o cavaleiro seja de outra cidade, não?” perguntei. Foi minha vez de sorrir.

“Acertou. Resolvo essa questão para você. Mas me avise sempre que vier, preciso de dois dias.”

“Pode deixar, aviso.” Tomei mais um gole de café, “acho que agora vou até a praia”, levantei e a beijei. Ela retribuiu. Parti em seguida.


Naquela semana aconteceram fatos estranhos, acho que devido ao estado de excitação em que eu me encontrava. O primeiro, quando eu voltava da entrega de uma encomenda que precisei fazer na outra ponta da praia. Geralmente, faço entregas na parte da tarde, depois das quatro horas.

Já pedalava por mais de quarenta minutos quando decidi parar junto a uma pedra situada no extremo norte da cidade. Descansei a bicicleta e estendi as pernas, estava cansada devido a várias elevações que tivera de trilhar. Comecei a sentir, então, forte quentura entre as coxas, o calor foi subindo gradativamente até tomar-me todo o baixo ventre. Fiquei muito excitada. A seguir, enrijeceram-me os mamilos. Senti-me como se estivesse em pleno exercício sexual com parceiro atraente. Jamais, sozinha, tivera aquela sensação. Tornei-me, de repente, bastante trêmula. Depois de alguns segundos, atingi o orgasmo. Cheguei a me sentar numa beira do caminho de terra e olhar a praia lá embaixo. Preocupada, perguntei em silêncio a mim mesma: o que foi isto? No fundo, proporcionou-me prazer, mas meu coração batia de modo descontrolado. Após descansar, subi na bicicleta e pedalei até a casa. Entrei, atirei-me na cama e adormeci. Ao acordar, estava feliz, envolvia-me estado de êxtase jamais sentido. Comecei a achar ótimo se aquele momento se repetisse.

Dois dias depois, de manhãzinha, eu estava novamente na praia. Sempre me acostumei a mergulhar, mesmo com a água bastante fria. Primeiro deixei que as pequenas ondas me molhassem os pés e os tornozelos, depois caminhei mais alguns metros e me abaixei dentro d’água. Senti as pernas muito geladas, depois as coxas. Uma forte ânsia, no entanto, cercou-me na altura dos órgãos genitais. Fui tomada pelo ímpeto de arrancar o biquíni. Então, aconteceu a mesma sensação de dias atrás quando descera da bicicleta. Meu coração de novo disparou e atingi o orgasmo, só que desta vez bem mais demorado. Quando retornei à areia, onde deixara a saia, deitei-me rapidamente e permaneci longo tempo completamente exausta.

O principal de tudo, no entanto, ocorreu-me quando estava no pequeno centro da cidade. Notei que um homem me olhava de modo insistente. Tentei lembrar quem poderia ser. Acabei chegando à conclusão de que ele não era da cidade. A todo lugar que eu ia, ele ficava por perto. Quando parei junto à minha bicicleta, destravei-a e subi para partir, o estranho falou:

“Por favor, moça, você conhece dona Regina?” Era alto, esbelto, vestia calça comprida e camisa social de manga curta, traje um tanto solene para o local.

“Dona Regina?”, titubeei.

“A americana”, olhou para mim como se soubesse tudo ao meu respeito. “Ela me disse que você poderia me levar à casa dela.”

Naquele momento entendi o que estava por trás de suas palavras. Então era isso, a conversa que eu tivera com Regina na manhã seguinte à noite em que ajudara Jane a deixá-la amarrada e amordaçada.

Impaciente por causa do meu silêncio, retomou a pergunta: “como podemos fazer?”

Subi na bicicleta e pedi que me acompanhasse. Seguimos a trilha que leva à pequena elevação. Ao atingirmos o ponto mais alto, olhamos à direita, pudemos então apreciar toda a extensão da praia. Eu já havia descido da bicicleta e a empurrava com ambas as mãos.

Quando chegamos à casa, repousei a bicicleta na parede externa da sala, abri a porta e entrei. Ele me seguiu. Como eu previra, Regina não estava em casa. Num dos cantos, a trave junto à parede, o banquinho, a longa corda e o lenço que servira de mordaça, havia também um pequeno chicote, artefato que eu não lembrava ter visto quando ali estivera.

Voltei-me ao homem, ele sorria. Minhas coxas esquentaram, comecei a ser tomada pela mesma sensação que sentira dias antes na bicicleta e nas águas frias da praia.

sábado, janeiro 21, 2012

Encontros e desencontros

Sabia que era cedo para conhecê-lo pessoalmente, mas resolvi arriscar. Acordei às seis da manhã como de costume e fui à padaria. Comprei vários tipos de pães e os mais variados petiscos. De volta para casa, fiz café forte, fervi o leite e tirei da geladeira o suco natural. Olhei as horas no relógio da cozinha. Faltavam quinze para as sete! Era a hora que marcáramos. Corri até a rua, olhei o ponto de ônibus que fica a uns cinquenta metros de casa. Lá estava Amigo, era assim que se identificava no Facebook. Reconheci-o pela foto que colocara em seu perfil. Trazia uma pequena sacola, na verdade uma bolsa que se poderia chamar de bagagem de mão. Ao me ver, sorriu e correu para me dar um beijo.

Tomei Amigo por um dos braços e o puxei para dentro de casa. Depois de fechar a porta, virei para ele e nos beijamos mais uma vez.

Não conseguimos tomar logo o café. Caímos os dois no pequeno sofá da sala e nos agarramos de modo ardente. Parecia que éramos velhos amantes que não se viam fazia tempo.

Em poucos minutos, já estávamos totalmente nus. Ora eu escalava seu corpo, ora ele se virava e subia sobre mim. Demoramos no nosso amor.

Duas horas se passaram até que nosso ardor diminuísse. Corri então ao banheiro e tomei um banho. Saí enrolada na toalha. Ao passar pela sala, me abaixei junto ao sofá e o beijei de novo. Ele fez um gesto de que iria me roubar a toalha. Mas escapei, divertida, e corri para o quarto. Já era hora de me vestir. De lá, gritei: “Vou ter de colocar de novo o café e o leite no fogo, devem estar totalmente frios.”

Quando entrei na cozinha, escutei o a água do chuveiro escorrendo no banheiro. Amigo tomava banho. Sua bolsa estava aberta e jazia sobre o chão da sala. Ele pegara algumas roupas limpas para se trocar.

Depois que tomou banho e se vestiu, apareceu junto à porta da cozinha.

Então, falei: “Logo que vi sua foto no Face, fiquei alucinada. Sei que não lhe deveria dizer isso, mas não consigo.”

“Você também é muito bonita. A maioria das mulheres coloca fotos que não correspondem ao que realmente são, mas a sua não desmente você.”

“Deixe de lisonja, já não sou tão jovem, é bondade sua.”

“Verdade, por que eu iria mentir? Antes de qualquer coisa, quero dizer o meu verdadeiro nome. Me chamo Gilson, é assim que todos me conhecem.”

“Muito prazer”, dei-lhe mais um beijo. “O meu nome é o mesmo de sempre, Vilma, você já sabe. E quero lhe dizer mais uma coisa. Sabe qual foi o dia em que você me conquistou de verdade?”

“Qual?”, esperou curioso.

“Quando começou a me mandar poemas e letras de música.”

“Jura?”

“Será que você não acredita numa mulher apaixonada?”

Enquanto terminava os preparativos do novo café, pensei alto: “Que hora mais louca para marcar um encontro. Se eu contar, ninguém acredita.”

“Está arrependida?”, sua voz ecoou pela cozinha.

“Claro que não”, sorri e lhe joguei outro beijo.

“Sua face tem luz”, falou.

Tomamos café com leite e comemos todos os pães. Ele, por causa da viagem, parecia estar com fome. Comeu além de pães, biscoitos e salgados. No final, ainda ofereci um pedaço de bolo de laranja. Ele não recusou.

Voltamos para sala e recomeçamos a namorar. Mais uma vez nossos corpos esquentaram. Em menos de um minuto, ele tirou de novo toda a minha roupa.

Mais tarde, falou de sua vida. Gilson tinha duas filhas. Uma de doze anos e a mais de velha com vinte e dois. Esta já morava com o namorado. Ainda brincou quando disse que a filha já estava praticamente casada.

Como nem tudo pode ser perfeito, um fato me chocou. Gilson contou que ficara viúvo fazia dois meses, e que era muito cedo para arranjar uma namorada a sério. Na verdade, ainda sofria muito devido à morte da esposa, com quem fora casado por mais de vinte anos.

Acabamos conversando por muito tempo. Não consegui entender por que aceitara o encontro se ainda queria resguardar a imagem da esposa.

No final, falei: “Você não acha que com uma namorada será mais fácil esquecer a esposa?”

Ele nada respondeu.

Ao entardecer, despediu-se e se foi. Prometeu voltar um dia desses.

A partir daí, só escreveu sobre suas dores e sobre o tédio, que não o abandonava.

Ainda tentei reanimá-lo, mas concluí que essa relação iria me trazer muitos aborrecimentos. Com ele, eu não teria a companhia que havia tempo procurava.

terça-feira, janeiro 17, 2012

No bom sentido, é claro

“Adoro o Rio porque é uma cidade onde se vive muito à vontade, a gente pode andar nua que as pessoas nem reparam”, me falou uma amiga que esteve aqui do final de dezembro ao comecinho de janeiro.  Contou o que aconteceu: “Andava no Arpoador, estava de calça comprida e camiseta; quando vi o que as mulheres vestiam, tirei a roupa e fiquei apenas de top. Na verdade, nem era um top para banho mar, mas um bustiê. Uma amiga me acompanhava, caminhamos até a pedra e apreciamos o mar, ora virávamos para Copacabana, ora para Ipanema. Depois descemos e paramos num quiosque, pedimos água de coco. O vendedor nem chegou a observar como estávamos vestidas. Falei a mim mesma: quando voltar à minha cidade, vou fazer a mesma experiência, andar somente de top nos dias de calor.”

Ana já se foi faz uns dez dias. Ontem, recebi mensagem dela. Acho que a viagem a fez enlouquecer. No bom sentido, é claro. Assim que retornou (não digo qual a cidade para não ferir escrúpulos) foi a um parque e agiu como fizera aqui. Disse que lá, como há apenas um lago, que não é para o banho, as pessoas não costumam usar biquíni. Ela, no entanto, tirou a roupa, forrou a grama e deitou para tomar sol. Nem quis saber a reação das outras pessoas. Ocultou-se atrás de seus belos óculos escuros. No dia seguinte, retornou e reparou algumas meninas também de biquíni. Passaram-se algumas horas e pôde perceber adolescentes com os mesmos trajes. Ficou feliz ao perceber que levara novo costume para a cidade.

Mas, agora, conto o que realmente me surpreendeu. É melhor transcrever suas próprias palavras.

“Querida amiga, não sei o que deu em mim, mas sinto uma incrível felicidade depois que cheguei do Rio. É lógico que gostaria de ter ficado mais aí, junto a você e a outras pessoas com quem travei conhecimento, mas os compromissos sempre nos chamam de volta. Quem sabe, assim que puder volto. Ouça uma coisa muito divertida. Não fiquei nua apenas no parque, mas também em outros lugares, assim como vocês fazem aí. Lembra a canga que comprei naquela loja em Ipanema? Gostei tanto dela que a usei mais vezes. Outro dia marquei com alguns amigos num bar, ao entardecer, tomaríamos um chope. Então, vesti a tal canga. Sei que na sua cidade se sai enrolada no belo pano com o biquíni por baixo. Mas, aqui, como não há praia, imagine como saí de casa! É isso mesmo que você está pensando. Fiz de conta que nem era comigo. O sol ainda ia alto, o céu claro, eu de óculos escuros. No bar, meus amigos ao redor... Não sei o que pensaram, também não perguntei. Se ficaram a tentar olhos de super-homem, aquele que enxerga com raio x? Bem, pode ser. Sei apenas que aproveitei bastante. Quanto ao chope, bem o chope estava uma delícia. Acho que aqui é a única coisa que sabem fazer semelhante ao que vocês têm aí.”

E minha amiga vive feliz. Acho que para sempre. Tanto que qualquer dia desses apareça de novo. “Não deixe de vir”, falei, “aqui é o local certo para você recarregar as baterias.”

domingo, janeiro 15, 2012

Sem o biquininho e sem bateria

Meu namorado inventou uma fantasia que acabei adorando. Corro um pouco de risco, mas sinto melhor o arrepio. Faz alguns dias me pediu para sair à noite com ele vestida apenas de biquíni.

“Só de biquíni?”, fiquei assustada.

“Sim”, respondeu ele.

“Mas não posso levar nem uma blusinha?”

“No início, pode, desde que em algum momento você fique só de biquíni.”

Saímos então às onze da noite. Vesti um vestidinho curto que uso como saída de praia. Já que fomos de carro, não houve problema algum. Após rodarmos um pouco, ele parou num quiosque, na orla de Ipanema. Saltamos. Ninguém reparou minhas pernas de fora. Depois de fazermos um lanche, descemos até a praia.

“Vamos sujar os pés”, falei.

“Não faz mal, depois a gente limpa”, prático este meu namorado.

Caminhamos até quase à beira d’água. Não havia ninguém por ali. Ele me pediu:

“Tira o vestidinho.”

Olhei para um lado, para o outro e tirei. Fiquei apenas de biquíni. Meu namorado me abraçou e permanecemos grudadinhos um ao outro por muito tempo.

Na hora de ir embora me fez outro pedido:

“Você volta pro carro apenas de biquíni?”

“Será que consigo?”, respondi com a pergunta.

Caminhamos com tranqüilidade até o estacionamento, do outro lado da pista.

Ele abriu a porta para eu entrar. Quando estava no banco do carona, pedi minha roupa.

“Ih, acho que esqueci lá na praia”, falou.

“Não brinca, gosto tanto do meu vestidinho.”

“Brincadeirinha, escondi, devolvo daqui a pouco”, e pôs o carro em movimento.

“Quando passou pela Ataulfo de Paiva, perguntou:

“Você tem coragem de descer do carro de biquíni?”

“Não me peça isso, não. Acho que não tenho coragem nem num dia de sol, com as pessoas indo à praia.”

“Não se preocupe”, continuou, “não vou fazer você saltar nua.”

Passeamos muito. Mas não vesti mais minha roupinha naquela noite. Voltamos para casa, eu ainda de biquíni. O problema foi subir o prédio daquele jeito. Mas ainda bem que não apareceu ninguém.

Na semana seguinte, ele me deu de presente um biquíni tão pequeno como jamais usei. Mas ficou ótimo no meu corpo.

Continuamos praticando a fantasia, cada dia num lugar diferente. Ora me cobria com a canga, ora com o vestidinho, às vezes vestia uma minissaia, além destas roupas, podia usar um shortinho sobre o novo biquíni.

Então, chegou a noite de eu sair de casa só de biquíni, ou melhor, quase peladinha. Como me sentia mais corajosa, voltamos ao mesmo quiosque da primeira vez. Ele pediu uma cerveja. Como era verão e estava calor, as pessoas não prestaram atenção à minha nudez. Nas noites que se seguiram, apenas olhos arregalados de um ou outro assustado transeunte e, certa vez, à hora tardia, o apito estridente de um guarda, não para mim que ia nua, mas para o motorista que vencia o sinal vermelho.

Agora, vocês que me leem, preparem-se para a última. Depois de sair várias noites somente de biquíni, meu namorado me propôs novo desafio. Como já estou afiadinha, aceitei. Ele me deixou sozinha dentro de uma barraca de camping, acho que este lugar é a Prainha. Diz que só volta quando eu acabar de escrever essa historinha e postá-la no blog. Quer ser o primeiro a ler. Caso eu não o faça, ele me deixa aqui de castigo. E o pior, além de eu estar sem o biquininho (ele levou), estou quase sem bateria.

domingo, janeiro 08, 2012

Ah, esses homens!

Ah, esses homens! Vejam a minha situação. Estou na praia, nua, apenas a canga sobre o corpo, pedindo ao homem que conheci não faz dez minutos o biquíni. Cena esdrúxula? Nada disso.

“Não vá me deixar pelada”, falo baixinho.

Vamos do começo.

Estava deitada tomando sol quando Mário se aproximou. Naquele momento, ainda não sabia o seu nome. Chegou pertinho de mim e disse:

“Ei, psiu, abra os olhos lentamente.”

Levei um susto. O que fiz foi abrir os olhos de uma só vez.

“Não sei por que as mulheres nunca atendem os desejos dos homens”, ouvi sua voz.

Viera à praia para estar só, apenas o sol namorador a me aquentar a pele, o pensamento livre, o marulhar ao longe, quase um sonho. Mas, ao súbito aparecimento daquele homem de fisionomia simpática, mal disfarcei. Cheguei a sorrir.

“Trouxe um presentinho.”

“Presentinho?”, devolvi

“Ah, não faça desfeita, te vejo aqui na praia todos os dias, conheço você, mas pode ser que não me conheça.”

Permaneci muda. Queria valorizar o momento.

“Noto que você aprecia biquínis. Cada dia vem com um diferente. Não dá pra reconhecer você pelo modelo, sempre varia, e cada um mais lindo do que o outro. Então, trouxe o presente. Dê uma olhada, vai gostar”, e me estendeu a mão, uma minibolsa de alcinha, dentro dela o biquíni envolto em papel colorido e fitinha.

“Mas nem te conheço, como vou aceitar?”

Sou louca por presentes, alguém deve ter dito a ele, e por biquínis nem se fala...

Abri, era o mais recente modelo de uma grife famosa, nota dez em todos os desfiles. Naquele pedaço de praia, seria a primeira a usá-lo.

“É lindo”, deixei escapar. Sorri nua para o homem.

Foi o momento em que se apresentou.

“Posso ficar um pouquinho ao seu lado?”, e foi sentando.

“Já está”, constatei em voz alta.

Picada, não aguentei:

“Vou me enrolar na canga pra trocar de biquíni, você guarda o meu na bolsa e me passa o novo?

“Lógico, você é muito original”, sorriu enquanto eu levantava.

Tirei o biquíni e entreguei nas mãos dele. Agora espero, plena de felicidade, que me passe o presentinho.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Estação de bicicletas

No Rio de Janeiro há um serviço da prefeitura que permite às pessoas transitarem de bicicleta quase de graça. Basta se cadastrar num site e comprar um passe, que pode ser diário ou mensal. O preço é praticamente simbólico. A cidade, do centro à zona sul, possui em torno de três dezenas de estações. Com uma ligação de celular, as bicicletas podem ser retiradas. Após o término do percurso, é possível devolvê-las em qualquer outra estação.

Eu havia retirado uma no Posto 6, em Copacabana, mais ou menos uma hora e meia antes. Após pedalar por toda a orla marítima, minha intenção era devolvê-la na estação da rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema. Dali, voltaria a pé para o hotel.

Mas o local estava em manutenção. Precisaria procurar outra estação que ficasse nas proximidades. Então, uma grata surpresa me aconteceu, e minha estadia na cidade tornou-se inesquecível.

“Há uma estação na Nossa Senhora da Paz”, um homem jovial me avisou ao perceber que eu queria devolver a bicicleta e não conseguia.

“Já andei tanto, queria ficar perto do meu hotel”, falei.

Ele me olhou e sorriu. Era um típico carioca da zona sul. Explicou como eu tinha de fazer para chegar ao tal lugar.

A princípio, nenhum de nós suspeitou que a troca de informações pudesse evoluir para uma paquera. Acho que fui eu a deixar esta impressão. Ele se pôs a andar ao lado da ciclovia, na direção da pedra do Arpoador. Emparelhei com ele e mostrei minha face simpática.

“Está um dia muito bonito”, falou, também sempre sorridente.

“Como faço mesmo para chegar ao ponto das bicicletas?”, perguntei mais uma vez.

“Não se importa se eu guiar você até lá?”

Não preciso dizer o que respondi.

Continuamos os dois na mesma direção. A praia não estava lotada, mas havia muita gente. O ar úmido e o cheiro do mar me excitavam. Faltavam dois dias para o Réveillon.

Ele apontou o sinal luminoso. Pedalei vagarosa ao seu lado enquanto atravessávamos a Vieira Souto. Movia muito o guidon, do jeito que se costuma fazer quando se vai devagar sobre duas rodas.

Na Visconde de Pirajá, entramos à direita. Na calçada, uma porção de pessoas. Como tem gente bonita nesta cidade, cheguei a suspirar. Tanto os homens como as mulheres. E todos muito elegantes. Reparei algumas vitrines. Mostravam roupas de fim de ano: bermudas, saias, blusas e camisetas. Quase tudo branco. Algumas peças tinham cores suaves. Havia também muitos biquínis e cangas.

Do outro lado, ficava a praça que eles chamam de Nossa Senhora da Paz. Logo avistamos a estação. Atravessamos. Uma fila de ônibus e outra de automóveis aguardavam o sinal verde atrás da faixa de pedestre. Coloquei a bicicleta em um dos encaixes, depois me virei para ele e falei: “obrigada.”

“Não sei o seu nome”, lembrou que não nos apresentáramos.

“Ah, me desculpe, Martha.”

“Rubens, foi um grande prazer conhecer você.”

“Pra mim também.”

“Você é de que estado?”, perguntou.

“De Santa Catarina.”

“As pessoas costumam falar que Florianópolis é uma cidade muito parecida com o Rio.”

“Isso mesmo”, afirmei, “ você adivinhou o meu pensamento.”

Começamos a caminhar de novo pelo passeio da Visconde de Pirajá, agora no lado oposto ao que viéramos.

“Estou hospedada no San Marcos.”

“Quem bom, logo aqui, em Ipanema.”

“Isso, não pensei que fosse tão bom.”

“Você vai ficar na cidade por muitos dias?”

“Vou embora no dia 2.”

“Então, ainda vai poder passear bastante.”

“É o que desejo. Cheguei ontem, ainda não conheço quase nada.”

Tive a impressão de que se ofereceria para me acompanhar, mas perguntou outra coisa: “quer tomar alguma coisa?”

“Sabe do que mais gostei até agora na sua cidade?”

“Não”, esperou que eu falasse como se minhas palavras lhe fossem revelar uma grande surpresa.

“Do sorvete.”

“É mesmo? Pensei que os sorvetes fossem iguais em todos os lugares.”

“Nada disso, vocês aqui tem um sorvete ótimo”, apontei a sorveteria que estava próxima, numa rua transversal. “Aceito um sorvete.”

Ele me acompanhou. Pedimos dois sorvetes de manga.

Rubens ficou tanto a me olhar, que comecei a achar que o meu jeito de saborear o sorvete era saliente. Em determinado momento, senti vergonha de abrir a boca para mais um pedaço.

“Por que você está me olhando desse jeito?”, tive coragem de perguntar. Acho que estava vermelhinha.

“Você é muito bonita.”

Na porta do hotel, puxei-o para um canto, ao lado da entrada, mas ao invés de me despedir, falei:

“Quer subir?”

Ele olhou para cima como se medisse a altura de uma montanha antes de inicair a escalada. Depois, voltou-se para mim.

Antes que eu escutasse sua voz: “quero, sim”, caí na gargalhada.