quinta-feira, setembro 27, 2012

Suada e doída

O ser humano vive sempre em busca do prazer, e o corpo é o local onde esse prazer realiza-se de modo mais intenso. Há pessoas que o obtêm através de processos positivos, como o contato táctil conhecido como carícia. Neste caso, embora haja o aumento da temperatura e a aceleração da pulsação, tal desequilíbrio no funcionamento do organismo é recebido como um tipo de bem estar. Mas há aqueles que não se satisfazem com o mesmo processo, pois necessitam de desiquilíbrio maior, ou mesmo do rompimento ainda que temporário da estabilidade do funcionamento do organismo, o que produzirá o processo conhecido como dor. Tal subversão é conhecida nos meios psicanalíticos como sadomasoquismo.

Sou adepta do amor e da carícia. Mas outro dia me telefonaram dois homens. Queriam trepar comigo ao mesmo tempo. No início fiquei temerosa, mas como a proposta me era vantajosa aceitei.

Embora sempre tenham ímpetos de violência, quando se relacionam com as mulheres os homens, de modo geral, trepam de modo civilizado. Mas isso não acontece ao se aproximarem das travestis. Pode ser a mais bonita, que mesmo assim desejam logo praticar algum tipo de perversão.

Ao entrar no apartamento combinado, repararam o meu vestido curtinho, minhas pernas compridas e grossas de fora. Pediram que eu não me mexesse. Obedeci. Transformei-me numa estátua. A primeira ação de um deles foi arrancar minha calcinha. Queria se certificar se o meu pênis escaparia pela barra do vestido. Para a alegria deles, escapou. Na maioria das vezes, os homens querem trepar com travestis para fazer sexo oral. A modelo põe a sua masculinidade à mostra e eles mergulham de cabeça. Um deles imediatamente quis me abocanhar. Mas o outro o advertiu: “espera, quero que ela desfile para nós.” Afastou-se e apontou para eu caminhar pela sala. Ainda o vestido curtinho, os saltos bem altos, a bolsa ao ombro e o pênis... de fora. Depois, este entregou minha calcinha para o amigo: “guarda pra você, é uma lembrança.”

Não demoraram a me despir.

“Por favor”, falei com delicadeza, "não posso voltar nua pra casa, não estraguem minha roupa.”

Apenas riram.

Será que preciso descrever o que aconteceu durante todo o tempo em que estivemos juntos? Acho que não, vocês são capazes de imaginar. Mas, no final, quiseram algo inesperado. Que eu me deitasse sozinha na cama e me masturbasse até gozar.

“Vamos ver se ela consegue. Travestis não gozam quando mexem no peru. Já obriguei uma à meia-hora de punheta e não saiu uma gota.”

Pus-me em movimento. E eles torcendo por mim.

Durante bons quinze minutos friccionei o meu pênis com toda a intensidade. Um estorvo.

O mais alto, então, tirou um pequeno chicote da bolsa.

“Não, por favor, assim você vai me marcar”, gelei.

“Vira de lado, vamos, vira. Você vai gozar rapidinho.”

Voltei a bunda para ele. Aplicou-me a primeira lambada.

“Ui”, gemi, “devagar, por favor, bate sem marcar”, acabei por me revelar.

Bateu uma, duas, três, quatro vezes.

A cada chicotada eu tremia num espasmo involuntário.

“Vamos, sua puta, goza, goza rápido.”

Intensifiquei as fricções e comecei a gritar.

“Me bate, vai, mais, mais, não pára, pode me marcar, marca bem, na bunda, estala o chicote”, passei a comandar o espetáculo. “Vai, mais, mais, mais...” E o homem em ação.

Depois de alguns minutos, aconteceu. Meu sêmen enfim jorrou. Nunca ejaculei tanto.

No final, o que estava de espectador disse: “Alcides, olha como ficou o lençol. Isso não tava previsto.”

Suada e doída, não escondi o riso.

sexta-feira, setembro 21, 2012

E o meu corpo a crescer, e o biquíni a se estreitar

Estou no parque tomando sol; o dia, lindo, de repente vejo um dos meus pacientes. É preciso dizer que sou dentista e que nas horas vagas adoro ir ao Olhos D’Água. Esse é o paciente de quem mais gosto. As pessoas não imaginam quantas vezes médicos, dentistas e outros profissionais de saúde se apegam a quem lhes procura. Acho que estou apaixonada por ele. A primeira vez que chegou a meu consultório foi para uma breve consulta. Logo que o vi, pensei, faz tanto tempo não vejo homem tão atraente. Sou mais velha do que ele, seis anos. Nessas consultas acabamos por conversar assuntos que não deveríamos. Mas meu paciente me aparece no parque, de bermuda, camiseta e tênis. Depois segue em caminhada, acho que não me viu. Continuo deitada sobre uma toalha, na grama, na parte em que as pessoas param para tomar sol. Segredinho: estou de biquíni. Sou magra, pequena, mas tenho meu charme, sei que os homens adoram me apreciar. Mas esse meu paciente... Já encostei nele, toques sutis, demonstrações espontânea de afeto. Há quem diga que a relação sexual começa nesses ligeiros movimentos. Quero que ele me veja. Será o primeiro encontro fora do consultório. Poderemos conversar à vontade. Tenho uma amiga que diria o seguinte, “Deus me livre, dar de cara com um paciente, e eu de biquíni, morro de vergonha.” Comigo, porém, nada disso, não tenho o que temer. Ele já insinuou em me convidar para um café. Mas na hora agá recuou, pensou que minha profissão me exige muito. Eu, enfim, preciso descansar. Mal sabe ele de que realmente preciso. Perdida nesses pensamentos, eis que ele volta pelo mesmo caminho em que se foi. Preparo o melhor sorriso. Me vê, acena. Será que virá até aqui?

“Oi, doutora, que surpresa, tudo bem?

“Tudo ótimo.” Minha resposta inclui o lado bom do imprevisto. Acho que percebeu.

“Mais parecia que ia chover quando amanheceu.”

“Não, nada de chuva, o sol e outras coisas boas”, digo. “Fique um pouco. Está com pressa?”

“Não, nada de pressa, hoje não tenho o que fazer.”

“Que bom!, um dia e nada para fazer, não pode haver coisa melhor.”

“E você, vai ao consultório hoje?”

“Mais tarde, tenho dois pacientes depois das quatro.”

“Então, ainda há tempo.”

“Oh, há muito tempo.”

Senta-se ao meu lado.

“Importa-se?”

“Não, sua companhia é um prazer.”

Sorri. Acaba por se deitar.

Sem pensar – porque se a gente pensa não faz essas coisas – encosto no braço dele.

“Você está bronzeado, vem aqui todos os dias?”

“Quase todos.”

Aproxima-se mais um pouquinho. Acho que lembrou os meus sorrisos no consultório, nossas conversas... Um dia falamos tão intensamente sobre um filme, que quase chegou a me convidar para o cinema.

“Venha mais, vamos nos encontrar mais vezes, aqui é melhor para conversar”, dele a proposta.

“Venho, sim, mas isso não significa que você vai embora...”

“Não! Quero aproveitar para lhe falar uma coisa.”

“Então?”, arrisco.

“Arranjei uma namorada.”

“Namorada?” Não consigo ocultar a decepção.

“Não se preocupe, ela está exatamente ao meu lado.”

Rimos ambos, um sorriso envolvente, quase um abraço. E o meu corpo a crescer, e o biquíni a se estreitar...

Me respondam, vocês acham que eu ainda vou ao consultório, hoje? 

quinta-feira, setembro 20, 2012

Vou fingir que acredito

Amor, já que acabamos de tomar o café da manhã, você me ajuda numa tarefa?

Diga, querida.

Um amigo me pediu para revisar um texto dele. É algo que lhe aconteceu há mais de vinte anos, escreveu o episódio por esses dias e deseja publicar.

O que você quer que eu faça?

Preciso que leia o texto e dê sua opinião, principalmente sobre o vocabulário. Ele abusa de algumas palavras que eram comuns há duas ou três décadas, como gírias e maneiras de dizer. Quero que você me diga se soam bem ou não. Veja, ele chama o amigo de bicho, a mulher amada de broto. Acho que estas eram gírias usadas pelo Roberto Carlos, não?

Ok, querida, deixa eu dar uma olhada.

Está aqui o conto, nestas folhas. Enquanto isso, fico aqui no sofá lendo o jornal, quero saber sobre os filmes da semana.

Opa, querida, teu amigo é um homem de sorte, encontrou uma mulher nua na praia às quatro e trinta da manhã de uma sexta-feira.

Ele jura de pés juntos que isso é verídico.

Por isso resolveu escrever.

O interessante, amor, é a história da camiseta.

Estou vendo, parece ser bem legal.

Legal, amor?

É, ele foi gentil com ela, você não acha, querida?

Você já chegou na parte que diz o que ele pede em troca?

Deixe-me ver. Ah, sim, cheguei agora. Ele vinha de uma festa, parou na orla, quis dar uma caminhada à beira mar e se deparou com uma mulher inteiramente nua.

Isso.

De início, fica perplexo. É essa a palavra com que você cismou, perplexo?

Mais ou menos, mas há outras.

Continuo, querida. Ele coloca o pensamento dela no texto, mas é ele quem narra a história.

Ele diz que é uma inovação, parece que alguns autores estão escrevendo assim.

Deixa ver se eu entendi. Embora seja um narrador masculino, de primeira pessoa, também aparecem no texto as inquietações da mulher, como: “ao ver que alguém se aproximava senti um calafrio, mas depois me acalmei, quem sabe eu estava com sorte?” Acho que deve ser colocada uma vírgula depois de aproximava, não?

Depende, querido, se ele deseja mostrar que a mulher está preocupada com a situação, ou mesmo nervosa, não precisa de pausa.

Ele pergunta se ela precisa de alguma coisa. É lógico que precisa, a mulher está nua.

Mas essa deixa, amor, é para ela poder se insinuar, assim talvez  o conquiste e consiga o seu objetivo.

Ele pergunta por que ela está nua. Mas a mulher não responde, apenas sorri, como se fosse agruras da vida.

Agruras?

É o que está escrito, querida.

E o que acontece?

Vou adivinhar: eles namoram...

Mais ou menos.

É a maneira que ela encontrou para fisgá-lo.

Isso, querido, ela precisa dele.

Mas não quer trepar sobre as areias da praia, convida o homem para ir a sua casa, mas antes pede a camiseta dele.

Amor, ela não pode sair nua pelas ruas da cidade, não é mesmo?

Se fosse eu o homem, desconfiaria. Encontrar uma mulher nua nestas circunstâncias é esmola demais para que cego não possa enxergar.

Ele não é cego, querido. Que bom, encontrei um filme ótimo aqui no segundo caderno.

Ela desperta no homem intenso tesão. Abraça-o, faz carinho nele, beija-o, mas quer evitar o principal: que ele goze. Teme que depois do sexo o homem desista dela e vá embora. Não tarda a amanhecer e ele é sua única chance.

Como acaba, querido?

Você não disse que leu, Célia?

Li. Mas leio tanta coisa.

Não sei, não, ainda falta, mas acho que ele vai com ela.

Vai sim, amor, agora lembrei, os homens sempre vão com as mulheres. Você diz que resistiria, mas não deixaria a mulher pelada ali, tanto mais se estivesse só, o dia quase raiando, seria um achado.

É, dependendo das circunstâncias...

E então, amor, o texto está bom?

Acho que sim, não vejo nada de errado nas palavras que ele usa, tanto mais que o conto é ambientado nos anos de 1980.

Foram anos bons, éramos mais jovens.

Prefiro você agora, querida, mesmo com mais vinte e poucos anos de idade e vestidinha como está, Deixo a mulher nua para o seu amigo.

Certo, querido, vou fingir que acredito.

quinta-feira, setembro 13, 2012

Nua no automóvel, apenas?

Alguma vez já andaste de carro pelada? Olha, é o maior frisson. Certa vez, um domingo de sol, saí com um cara. Embora ainda longe o verão, ele pediu que eu fosse de biquíni. Atendi. Mas vesti sob a roupa apenas o biquíni mesmo, nada de sutiã. Minha blusa era uma frente única, quase um top. Ele me pegou na porta de casa. Dali, fomos para a Barra. Estacionou um pouco antes do Recreio.

“Você entra na água e me deixa tirar o teu biquíni?”, perguntou.

“Ok.”

Tirei a saia, a blusinha e mergulhei. O rapaz veio imediatamente atrás, me abraçou e puxou minha calcinha. Pensei que ia deixá-la na altura dos joelhos, mas continuou até que me escapasse pelos pés. Em seguida, disse:

“Espera aí que vou guardar lá onde estão as nossas roupas.”

Saiu da água e correu areia acima. Após voltar, ficamos longo tempo agarradinhos, namorando, eu peladinha. A praia, deserta. Mas lembro que passou um homem caminhando pela areia.

O namorado saiu d’água primeiro. Pedi que me trouxesse a toalha. Atendeu. Enrolei-a no corpo, como um vestidinho tomara que caia.

Quando já estávamos no carro, falou: “vamos a um quiosque, que tal comermos e bebermos alguma coisa?”

Depois de dirigir durante alguns minutos, encontramos o quiosque. Ah, esqueci de dizer: ao entrar no carro, ele não me deixou vestir, pegou toda a minha roupa e guardou no bagageiro.

“Pega pelo menos o top, sem ele as pessoas vão reparar que estou nua.”

Demorei a convencê-lo, mas foi buscar a minha blusa.

Sentamos, então, numa das mesas e fizemos nossos pedidos. Ele bebeu cerveja; eu, caipiríssima. Ficamos ali, frente ao mar, durante quase a tarde inteira.

Quando o sol ameaçou se pôr, ele pagou a conta e descemos à areia. O mar estava calmo e distante. Não havia ninguém na praia. Ele me abraçou e me beijou, mas não demorou a me roubar a toalha.

Namoramos durante algum tempo. Como só vestia o top, fiquei excitada demais. O rapaz não custou a perceber, tirou o pênis de dentro da bermuda e começou a introduzi-lo entre as minhas coxas. Logo fiquei molhadinha. Não foi difícil encontrar a posição ideal para que me penetrasse. Ao sentir seu pênis dentro de mim, juntei as pernas, queria-o com toda a intensidade. Depois, ele agachou. Eu o acompanhei.

“Você me deixa gozar na tua boca?”, perguntou.

“Deixo, mas só depois, agora deixa dentro”, sussurrei melosa.

Torcia para que não aparecesse ninguém, pois não teria como me esconder. Além de nua, estava trepando ao ar livre.

Gozamos. Eu, mais de uma vez. Ele, conforme havia pedido.

A seguir, correu até o carro levando a toalha. Com medo de ser vista, sentei na areia. Esperei que ele voltasse. Voltou, mas sem pano algum que me cobrisse. Acabei tendo de caminhar nua até o carro. Entrei e sentei no banco de carona.

“Cadê a toalha?”, perguntei.

“Adivinha.”

“Assim as pessoas vão me ver nua.”

“Joguei a toalha no mato”, falou.

Deu a partida. No início, não tive medo. Mas quando começamos a nos aproximar do perímetro urbano, o número de veículos foi aumentando. Então, comecei a temer que alguém, através dos vidros, me flagrasse sem roupa, principalmente quando parávamos nos sinais.

Percebendo minha aflição, ele falou:

“Cruze as pernas, assim dá pra disfarçar. Caso alguém te veja, vai pensar que você está de biquíni.”

Fiz o que sugeriu, mas acho que não deu muito certo. Atravessamos o túnel Dois Irmãos e chegamos à Gávea. Resolveu dirigir pela orla. Leblon, Ipanema, Copacabana, e eu nua. Mas eu relaxara. Em determinado momento, esqueci que ia nua.

“Acho que vou parar pra você saltar”, falou e sorriu.

“Não brinca”, me arrepiei, “quero ver como vou entrar em casa.”

“Vai entrar peladinha”, sorriu.

“Juras que não me vais deixar vestir?”

Não respondeu, mas continuou com o sorriso nos lábios. De repente, perguntou:

“Você não disse que gosta de homens taradinhos?”

Fiquei em silêncio.

Mas como perguntei lá no começo: já andaste de automóvel pelada? Se não, vai logo, pede a teu namorado, é o maior frisson.

Ah, já sei do teu espanto. Nua no automóvel, apenas?

quinta-feira, setembro 06, 2012

Só queria tornar as coisas mais fáceis para você

Na última quinta, à noite, recém-saída do escritório, caminhava na Av. Paulista em direção a um ponto de ônibus. Vestia um vestido curto, tecido leve, crepe de seda, trazia numa das mãos um agasalho de malha fina. Embora fosse inverno, a temperatura não era baixa. Após atravessar a Augusta, na mesma calçada do Conjunto Nacional, um homem veio em minha direção.

“Senhorita, não deseja passear um pouco, ir a um restaurante, ou mesmo conversar?” Ele era bonito, cinquentão, vestia-se bem.

Tive vontade rir, pois ninguém se dirige a uma mulher dessa maneira nos dias de hoje. Achei que poderia se tratar der uma brincadeira.

“Você está sorrindo, isso significa que gostou das minhas palavras?”

“Não é nada disso. Será que você não percebe que mulher direita não pode aceitar um convite desses?”

“Um convite para conversar, ou para comer algo, o que há de errado nisso?”

“É um preceito básico que mesmo uma menina é capaz de saber, não se deve conversar com estranhos.”

“Mas você está a conversar comigo”, também se pôs a rir.

“Faz tempo que não vejo alguém abordar uma mulher desse modo, por isso o riso, por isso a conversa até agora.”

“Senhorita, não sou qualquer um, sou uma pessoa honesta, tenho trabalho, e até alguma fama.”

“Mas tenho de ir, já não posso continuar, alguém me espera”, menti enquanto chegávamos à guarita do ônibus.

“Uma pessoa do seu nível não deve frequentar transportes coletivos, tanto mais a essa hora.”

Ri mais uma vez.

“Então, como volto para casa?”

“Alguém dotada de tal beleza deve andar de automóvel.” Fez sinal a um táxi, que imediatamente parou. “Por favor, leve esta moça”, apontou para mim e deixou uma nota de cinquenta na mão do motorista.

“Por favor, vou ficar ofendida, dispense o táxi”, pedi.

Ele hesitou, mas acabou deixando o motorista partir, não reparei se pegou o dinheiro de volta.

“Só desejo tornar as coisas mais fáceis para você, falou.”

“Mas quem disse que as coisas são difíceis para mim?”, arrisquei.

“Vejo tantas mulheres bonitas sozinhas, chego a pensar que a solidão é uma grande dificuldade para todas vocês.”

“E você, não vive só? Pela sua conversa, deve ter como amigo apenas o dinheiro”, provoquei.

“O dinheiro? Ah, sim, não deixa de ser um bom amigo.”

“Não é possível comprar todas as mulheres com dinheiro.”

“Claro, nem é isso que desejo em relação à senhorita, apenas acho que a grande chance da vida é ser alguém sempre rodeada de amigos.”

Olhei pela primeira vez seu rosto e pude observar rugas em volta dos olhos. O homem parecia mais velho visto assim tão de perto.

“Quer dizer que você me convida para um drink?”, arrisquei de novo, já envolvida pela necessidade de continuar a conversa.

“Um drink, como se dizia nos velhos tempos”, completou.

A Augusta é uma rua de muitos restaurantes e bares, tem um público jovem, muitos falam alto, bebem cerveja, discutem música, alguns levam instrumentos musicais.

“Essa juventude é adorável”, falou. A seguir apontou um restaurante mexicano. “Conhece este lugar?”

Confessei que jamais o havia observado.

“Vamos experimentar?”

O que eu podia conversar com um estranho às oito e meia da noite, num dia de semana? Éramos duas pessoas sozinhas que subitamente estavam frente a frente, que tentavam algo que não sabiam verbalizar. Talvez ele, melhor do que eu, soubesse de modo mais claro o que desejava naquele momento. Os homens têm muitos ardis para conquistar as mulheres. Ao contrário, uma mulher sempre espera o impossível, para depois constatar que foi burra demais. Não demora, e acredita de novo. Eu acreditei.

“Há pessoas que são muito corpo, você não acha?”, o assunto era perigoso, mas enveredei por ele ao observar mesas com homens e mulheres esbanjando vitalidade, sentido prazer por estarem juntos uns aos outros, se tocavam, falavam alto e transbordavam entusiasmo.

“Corpo?, você tem razão”, falou, enquanto isso o garçom chegou com duas caipirinhas de tequila. “Você já esteve no Rio?”

“Tenho uns amigos lá, sempre me convidam, mas nunca fui”, respondi pesarosa.

“Lá é que eles sabem viver. Quando estive no Rio, mas precisamente na zona sul, reparei que eles se vestem de modo mais simples do que aqui, gostam de ressaltar o corpo; os rapazes musculosos, desses que não largam as academias, andam sem camisa na orla marítima. As mulheres quase não usam sapatos altos”, interrompeu e deu uma ligeira olhada para os meus pés. “Às vezes, no verão, saem da praia sete ou oito da noite e vão para um bar, pode-se ver uma porção de mulheres enroladas em saídas de praia...”

“Cangas”, emendei.

“... isso, é esse o nome; os homens, de sunga, e bebem até dez, onze da noite, é tudo uma grande festa."

“Vamos para lá?”, brinquei.

“Se você me convida, eu aceito, depois não vá fugir, viu?”

"Sempre quis ir ao Rio. Vou contar um segredinho. Sei que não devia dizer isso, mas dois goles de caipirinhas já me tocam fogo. O segredinho: gosto de andar nua,” Pronunciei a última palavra de modo quase inaudível, mas ele riu e completou a frase.

“Todas as mulheres gostam, mesmo que o neguem.”

“O Rio é favorável à nudez!”, soltei uma rápida gargalhada.

Beliscamos alguns petiscos. Ele falou sobre um livro. Depois descobri que era escritor.

“Sua profissão é ótima. Você conhece a natureza humana, pode aplicar esse saber á vida prática”, testei minha ignorância.

“Há um autor que aborda esse tema. Ele diz que o romance é o único local em que se pode observar o ser humano por inteiro. Mas não acredito, dizer isso é uma grande bobagem. Todo personagem de romance é inventado, mesmo que baseado em alguém. Não se pode saber se uma pessoa ‘real’ agiria do jeito que escrevemos. Caso isso fosse verdade, o romancista teria vantagem sobre todas as outras pessoas. Mas não é assim que acontece. Há muito romancista famoso cabeça de bagre.”

“Mas você está em vantagem sobre mim”, arrisquei mais uma vez.

“Em vantagem, como assim?”, perguntou e procurou em volta pelo garçom.

“Veja, você me abordou na rua, veio com uma conversa estranha, conseguiu que eu o ouvisse e acabou me trazendo para este bar. Não se trata de uma grande vantagem?”

“Pode ser, mas acho que há pessoas que não são romancistas e conhecem as mulheres melhor do que eu. Não tenho tanta sorte assim”, virou e pediu outra caipirinha. O garçom me olhou, mas apenas agradeci.

“Você tem muita sorte, sim, sou uma mulher muito especial.”

Riu e completou: “acredito piamente nisso, essa foi à razão de eu ter falado com você naquele ponto de ônibus.”.

“Então, são os olhos de romancista”, atalhei.

“Confesso que vou pensar melhor sobre esse assunto, mas se tenho tal olhar, é inconsciente, jamais falei com alguém pensando no que escrevo, ou tratando as pessoas como se fossem de papel. A natureza humana é muito complicada. Num romance, fazemos simplificações.”

“Como um autor se torna clássico?”

“Clássico? Como assim?”, reiterou.

“Clássico da literatura, muito famoso, quero dizer.”

“Talvez seja devido ao que você falou, talvez seja porque se trata daquele que conseguiu mais aproximar suas personagens da natureza humana. Veja Shakespeare, um dramaturgo que foi mestre na criação de persoangens.”

“Então o romancista consegue ver mais longe do que as outras pessoas...”, emendei.

“Veja bem, ficaram na história os escritores de melhor imaginação.”

“Você deve ser uma pessoa assim”, afirmei.

“Não é possível dizer isso sem ler os meus livros. Você os leu?”

“Não. Mas pela sua conversa, já deduzi que você entende de muita coisa.”

Ficamos durante algum tempo em silêncio. Terminei minha bebida, mas não dei sinal de que desejava outra, temia pelo que viesse pela frente. Tenho uma amiga que diz: 'caipirinha é bom porque logo sobe pelas pernas'. Acho que pelas minhas já tinha subido havia muito tempo. Meu interlocutor puxou novo assunto.

“Onde você mora?”

“No Itaim,”

Belo bairro, eu moro descendo a Brigadeiro, dá até para ir a pé.

“É lá que você escreve seus livros?”

“Às vezes, sim, às vezes não.”

“Os escritores precisam de modelos, assim como os pintores?”, aventurei-me.

“Claro que precisam, mas não da mesma forma. Os escritores devem observar uma pessoa e dali para frente criar. Mas há uma coisa, a maioria das pessoas vive de modo medíocre, não serve para serem personagens de literatura, para isso é preciso alguém de fibra.”

“Acho que vou beber mais uma”, falei ainda duvidosa. Mas ele logo chamou o garçom.

“A moça quer mais uma, por favor.”

“Será que saio daqui com as próprias pernas?”

“Claro, o que é gostoso deve ser saboreado; e se não sair, levo você em casa.”

O garçom voltou com outra tequila, de lima da pérsia. Como eu já estava meio altinha, pude sentir o paladar em todos os seus matizes. Pude também olhar o ambiente e as pessoas com mais detalhes, ouvir pronúncias, perceber com mais vivacidade os traços em seus rostos, também olhei o meu interlocutor e reparei que ele estava mais velho.

“Você tem esposa?”, tentava manter a seriedade.

“Já tive, faz tempo que vivo só.”

“E você gosta de viver só?”

“De certa forma não, mas um escritor nunca está totalmente só, acho que ele sempre está rodeado de gente, tanto quando lê, tanto quando escreve.”

“Mas não é gente de verdade”, falei depois de mais um gole.

“Não diga isso, para um escritor, embora os personagens sejam criações, sejam de papel como eu já disse, eles são tão reais como todas as outras pessoas. Será que Hamlet não é real?”

“E Capitu?”

“Uma moça certa vez me falou que viveríamos felizes sem Capitu. Mas discordei, e provei a ela que a humanidade seria extremamente pobre se Capitu não existisse. Depois de passados cem anos do lançamento de Dom Casmurro, ela é tão real como qualquer outra pessoa que tenha existido em carne e osso. Quase todas essas estão esquecidas, Capitu vive, é eterna.”

“É mesmo, não tinha pensado nisso”, falei, “depois que finda uma época e todos já morreram, os personagens de literatura sobrevivem, passam a ser tão importantes quanto os personagens históricos.”

Saímos do bar em torno de meia-noite. Eu não estava bêbada, mas alegre, sabia que tinha de acordar cedo no dia seguinte, mas não queria me desfazer da companhia.

“E agora, para onde vamos?”, perguntou.

“E agora, para onde vamos?, repeti e caí na gargalhada.

Enquanto olhávamos um para o outro, reparei que meu vestido era fino, transparente, insuficiente para a madrugada que avançava. Na verdade, já não havia o vestido, eu estava nua, nuinha. Esperava que seu abraço me agasalhasse.HáHáhhhh