quarta-feira, novembro 27, 2013

Boa ideia!

Eu saltara na estação do metrô Cantagalo e procurava a praia. Vi um homem que aguardava ao sinal e me aproximei.

Você pode me informar como vou à praia?

Basta seguir esta mesma rua, apontou.

Obrigada.

Você vem de longe?, ele quis saber.

Da Pavuna.

Poxa, é um bom pedaço.

De metrô é rapidinho, falei e sorri.

Já não vou a praia faz tempo, falou e sorriu também.

O sinal abriu para nós. Caminhamos juntos um trecho da rua. De repente, diante de um prédio, ele parou.

Moro aqui, qualquer coisa que precisar toca no 502, me chamo Manoel.

Obrigada, falei e segui. Fiquei a pensar no homem que morando ali tão pertinho da praia disse que não a frequentava fazia tempo.

Passei quase o dia inteiro em Copacabana, bem juntinho ao mar. Tomei duas latinhas de cerveja, encontrei três amigos. Um deles me paquerou, mas desconversei. Ele reparou muito o meu corpo, acho que adorou o meu minúsculo biquíni. Quando decidi ir embora, saí sem que notassem. Voltei pela mesma rua da manhã. Ao passar pelo prédio do tal Manoel, olhei para cima, imaginei qual seria a sua janela. Junto ao portão estavam os botões com os números dos apartamentos. Aproximei-me e toquei o 502. Logo ouvi a sua voz.

Alô?

Aqui é a moça a quem você informou de manhã como se ia à praia, lembra?, senti uma ponta de vergonha após a última palavra.

Ah, lembro sim, o que houve?

Não houve nada, apenas passei e resolvi tocar.

Que bom que você lembrou. Quer subir?

Você permite? Gostaria de um copo d’água.

O portão abriu e subi ao quinto andar. Quando me aproximei, a porta do apartamento já estava aberta.

Entre, fique à vontade, falou.

O homem morava sozinho. Ele me ofereceu um refresco, acho que de maracujá.

Você não quer tomar um banho. É bom depois da praia.

Boa ideia, exclamei.

Lá fui para o banheiro. Ele deixou uma toalha grossa junto à porta.

Saí após o banho enrolada na toalha. Havia lavado o biquíni e o pendurara na parte superior do box. Não sei por que, ao olhar para ele, lembrei-me de um patrão para quem trabalhara fazia dois anos. Chegamos certa vez a nos envolver, apenas uma transa, mas depois ele precisou viajar e ficou muito tempo fora. Quando voltou, nosso caso já esfriara, não nos referimos nenhuma vez ao que passou, e eu ainda continuei um bom tempo como sua funcionária.

Ele me ofereceu algo para comer.

Não, obrigada, já comi demais hoje.

Você realmente é muito elegante, ele sorriu.

É bom tomar um banho após a praia, você tem razão. A gente se sente refrescada.

Lembrei o meu vestidinho que servia de saída de praia. Voltei ao banheiro e o vesti.

Assim é melhor para voltar pra casa, falei.

Você não acha que é muito curto, observou o homem.

Não para vir à praia. As pessoas sabem que quem usa está de biquíni.

Pensei então no biquíni estendido no banheiro. Acho que Manoel teve o mesmo pensamento.

Como você vai fazer para voltar para a Pavuna?

Do mesmo jeito que fiz para vir, respondi. Mas não era isso que ele estava perguntando. Eu havia entendido, mas me fiz de sonsa.

Depois de um tempo, falou:

Tenho roupa de mulher aqui, é de uma irmã que vem vez ou outra. Caso você precise, apontou o armário.

Depois de uns trinta minutos, parti. Antes, perguntei:

Posso deixar o biquíni secando aqui no seu apartamento?

Claro, respondeu. Quando vier de novo à praia, telefone antes. Ele me deu o número.

Fui embora, com o mesmo vestidinho com que viera. E, só para provocar, deixei o homem com a dúvida se eu vestia ou não alguma roupa por baixo.

É claro que voltei outras vezes. E, então, não foi apenas para vestir o biquíni!

quarta-feira, novembro 20, 2013

Achei tão bom!

Pensei que você hoje não viesse mais, falou logo que entrei.

Estou tão atrasada assim?

Pra mim você sempre está atrasada, ele disse e me agarrou com voracidade. Não demorou e eu estava nuinha.

Não é melhor bebermos alguma coisa antes, ou mesmo ouvir uma música?, sugeri.

Sim, tanto que você continue nua.

Colocou um CD de jazz: trompete, cordas e percussão. Veio de novo e me abraçou, percorreu minhas costas com as duas mãos, puxou-me para junto de si. Beijei-lhe a boca, um beijo demorado.

Adoro quando você vem ao meu apartamento, disse ele.

Também gosto muito. Aqui ficamos os dois bem tranquilos, no maior amor.

Levei-o um passo adiante, como num ligeiro bailar, encostei-o na parede e apertei seu tórax com os meus seios. Ficamos assim um longo tempo. Depois rolamos pelo chão, ali mesmo. Então, ele se colocou sobre mim. Trocamos carícias antes de eu me oferecer totalmente a ele. Mas, antes de gozar, ele me fez um pedido.

Você desfila pra mim?

Desfilar?

É, desfilar, como as modelos.

Mas as modelos vestem saias, blusas, vestidos, ou mesmo biquíni, eu estou nua.

Não faz mal, vamos fazer de conta.

Então ele se pôs a anunciar a nova coleção de verão.

É bom que seja de verão mesmo, porque estou peladinha.

Como havia uma revista de moda no porta-revistas, ele a abriu numa determinada página e começou a falar o nome dos conjuntos. Eu fingia que andava numa passarela comprida.

Vocês, espectadores, não digam que a rainha está nua, porque não é verdade, falei depois de mais alguns passos.

Você é linda nua, exclamou.

Pena que não posso sair nua por aí, eu ia fazer o maior sucesso.

Pode sim, quem sabe a gente tenta.

Você acha?, perguntei fazendo cara de mulher perplexa.

Acho, basta você ter coragem.

Coragem eu tenho, afirmei convicta.

Então vamos!

Vamos aonde?

À rua, falou.

Agarrei-o de novo, lancei-me sobre ele no sofá. Trepamos. Tudo que representamos até ali tinha me excitado bastante. Foi uma transa ótima.

Estou angustiada, falei quando acabamos.

Então vamos mais uma vez ao sexo, sua angústia vai passar rapidinho, falou e se pôs de novo sobre mim.

Sei, amorzinho, mas não é essa a questão, faço a mesma pergunta de há pouco. Por que não se pode andar nua por aí?

Não é melhor você posar nua apenas para mim? Por que se mostrar a todos?

Não quero me mostrar a todos, quero ter a liberdade sobre o meu corpo, sobre como me apresentar.

Mas existe coisas chamadas costumes, leis, disse ele, não se pode derrubá-los de uma vez só, causaria espanto, confusão, até uma guerra.

Então vamos quebrar os costumes aqui entre nós, rasgue minha roupa e me deixe sem ter o que vestir...

Você quase acertou a proposta que eu ia lhe fazer, ou melhor, sabe naquele momento em que estávamos agarradinhos, ali no canto do tapete? Eu queria dizer que não deixaria você se vestir hoje, ia esconder o seu vestido.

Mesmo?

Sim. Você costuma ir ao banheiro nua; quando voltasse, não encontraria suas roupas.

Ah, então vou ao banheiro. Estou louca pra fazer xixi. Quando voltar, vou olhar se meu vestido ainda vai estar ali, na cadeira. Não me decepcione, olhei nos olhos dele.

Queridos leitores, adivinhem o que aconteceu depois. Pensaram direitinho? Querem mais um tempinho ou está bom? Posso dizer? Ah, sim. Não encontrei meu vestidinho nem naquela noite nem no dia seguinte. Como fui embora? Adivinhem... Vocês, principalmente as mulheres, já se viram na mesma situação. É tão bom, não? Então, mãos à obra, escrevam contando-me!

quarta-feira, novembro 13, 2013

Depois do filme, quem sabe

Tenho uma diarista que é fogo, não perde tempo, namora o tempo todo e obtém sempre vantagem dos homens que arranja. Ultimamente tem falado sobre a casa onde trabalha às quartas; um emprego, segundo ela, muito bom. O patrão dá-lhe dinheiro a mais e pede que não fale à esposa. É a mulher que cuida do salário.

“Cuidado, ele vai querer algo em troca”, alertei.

"Não sei, acho que sim, mas enquanto eu puder vou tirando vantagem."

Passaram-se duas semanas e fui eu que conheci um homem vinte anos mais velho que eu. Estava num café, onde uma amiga lançava um livro. O local, no Leblon, abrigava pessoas elegantes e discretas àquele entardecer. O homem comprou o livro, entregou a autora para que autografasse e permaneceu nas proximidades. Como havia um pequeno coquetel, acabamos conversando. Ele falou sobre a beleza dos poemas que o livro contém e sobre a referência a certos mitos, tema importante na vida atual e assunto imprescindível num dos ramos do conhecimento da vida moderna, a psicanálise. Escutei o homem, mas não me demorei ali, tinha um compromisso.

Dias depois o encontro ao acaso na Livraria da Travessa. Logo que me avistou, aproximou-se. Sorridente, ofertou-me um poema. Foi o primeiro presente, um poema decorado, encaixava-se perfeito ao momento.

Não sei dizer o motivo, mas caí nas águas dele e passamos a nos encontrar. O pretexto sempre era uma boa conversa. E os cafés, os melhores lugares. Continuou a me ofertar presentes. Trouxe uma caixinha. Desembrulhei e tirei a tampa. Uma máscara em miniatura. Trouxera-a de Veneza. Contou-me sobre a cidade.

Lembrei-me de minha diarista e os cem reais que o patrão oferecera-lhe. Aceitei os primeiros presentes. Mas depois comecei a querer desvencilhar-me do homem. A diarista continuou a contar a vantagem do dia. Na semana seguinte aos cem recebeu mais cento e cinquenta.

“Qualquer hora perco a empregada”, falei, "desse jeito você não vai precisar mais trabalhar."

“Não diz isso, dona Leila, não sou mulher à toa.”

Meu admirador convidou-me para o cinema. Marcamos em Botafogo, onde há um conjunto de salas que exibe filmes europeus. Sofisticado ele, não? Logo ao chegar, reparei uma pequena bolsa, colorida, que ele segurava. Beijou-me e fez que eu recebesse a prenda. Sorri, agradecida.

“Não precisa”, falei, “assim, tantos os presentes, não é justo.”

“Claro que é”, quase bradou o homem, “não posso encontrar uma mulher tão elegante, tão educada, sem retribuir o mimo”, completou.

Abri o tal mimo. Era uma pequena caixinha com outra caixinha dentro, e mais ainda outra; no final, uma bonequinha russa. Que charme, surpreendi-me. Ele apenas sorriu.

“Dona Leila”, eufórica, relatou a diarista na semana seguinte, “acho que o homem enlouqueceu, desta vez foram duzentos.”

“Duzentos?, e a mulher dele?”

“Da mulher, não sei, só posso dizer que o homem botou duzentos na minha mão."

“E você?”, eu curiosa.

“Eu? O que a senhora faria no meu lugar? Peguei o dinheiro e guardei na bolsa.”

“Olha que ele vai querer você pelada.”

“Será, dona Leila?”

”O que você acha, Júlia?”, eu, conclusiva.

Duas semanas depois voltou o meu admirador. Fizera uma viagem. Chegou com uma bolsa enorme, e dentro dela uma série de pacotes pequenos. Primeiro, bonequinhas de enfeite, bonequinhas russas. O homem é doido por bonecas. Vai ver que me acha uma delas. Havia também dois perfumes, três camisas com nome das cidades por onde andara, e no mais fundo da bolsa, dentro de outra caixinha, um anel.

“Não posso aceitar o anel”, falei um tanto precipitada.

“Não?, qual o motivo?”, ele parecia surpreso.

“Somos apenas amigos, não quero noivado”, afirmei resoluta.

“Não se trata de noivado, não lhe peço compromisso algum, é apenas um mimo, um enfeite para os dedos, é ouro da Suíça”, ressaltou, “ao ver a joia na vitrina não pensei que poderia frequentar outras mãos que não as suas”, insistia ele.

“Oh, você parece um poeta apaixonado”, repliquei.

“Quem sabe?, também escrevo poemas, lembra aquele recitado por mim num dos primeiros encontros? É de minha autoria, não quis fazer autopropaganda logo no início.”

“Ah, és também poeta?”, ressaltei a segunda pessoa.

Ele apenas inclinou o rosto e mostrou um rosto engraçado. Lembrei a máscara veneziana.

Experimentei o anel.

“Adivinhaste-me o tamanho”, exclamei.

“Dona Leila, já não posso mais”, voltou-me a diarista, “já chega a trezentos a oferta.”

“Que bom”, arregalei os olhos.

“A senhora acha mesmo?”

“Você não falou que aproveitaria enquanto houvesse chance? Pois aproveite.”

“Mas, Dona Leila, estou sentindo que devo obrigação ao homem?”

“Obrigação?”, franzi o cenho, “que obrigação?”

“Vou tirar a roupa pra ele.”

“Ele só quer ver?”, eu não estava surpresa.

“Sim, mas a senhora sabe, é só no início, depois vai o conteúdo.”

“Conteúdo?”, fiz que não entendi.

“O meu corpo, dona Leila, o homem é louco por minhas curvas.”

Nada disse a ela sobre o meu admirador. Escondi o anel para que não perguntasse nada.

Continuei a encontrar o namorado. Sim, àquela altura que outra palavra poderia dar ao relacionamento? Nosso namoro era constituído de passeios pela cidade, sessões de cinema e um ou outro jantar. Ele nada pedia, parecia ter todo o tempo do mundo para conquistar o prêmio.

Mas minha diarista marchava a passos largos. No outro dia contou-me que tirou a roupa para o homem.

“E se a mulher dele surpreende vocês dois?”, perguntei.

“Não há esse perigo, ela sempre chega muito tarde, ele é que trata de quase tudo, eu mal vejo a mulher.”

“Então, as coisas são fáceis para vocês”, insinuei.

“São, são realmente muito fáceis.”

Alguns dias depois fui ao cinema sozinha. Enquanto esperava a hora do filme, um homem jovem veio falar comigo.

“Oi, tudo bem?”, esperou que eu respondesse.

Baixei os olhos como se não quisesse dar atenção.

“Você estava olhando para mim”, falou, “pensei que me conhecesse de algum lugar.”

“Não, foi um equívoco”, alertei, “vi uma mulher atrás de você, pensei ser uma amiga, foi para ela que olhei.”

“Ah, sim... Como você está sozinha, achei que quisesse conversar um pouco.”

“Conversar?”, repeti sua palavra e sorri.

“Isso mesmo”, continuou, “às vezes as pessoas precisam conversar”.

Olhei o relógio e ameacei levantar-me. Queria ver o filme, não demoraria a começar.

“Quem precisa conversar sou eu”, enfim confessou, “achei você uma pessoa agradável, por isso me aproximei.”

Tirei da bolsa um cartão e o entreguei a ele.

“Outro dia, e, ainda um acréscimo, sou psicanalista, cobro caro.”

Ele foi embora, e eu entrei para ver o filme.

Não demorou minha diarista veio com uma história interessante.

“Dona Leila, ele vai alugar um apartamento pra mim.”

“Verdade?”, fingi surpresa, pois conheço os tipos.

“Verdade. Vai alugar no centro da cidade. Assim fico mais perto e ele pode me visitar sem riscos.”

“Quer dizer que vocês estão com medo da mulher dele?”

“Medo, medo, não. Mas fica mais conveniente, e já que é ele é quem vai pagar...”

Meu admirador reapareceu no final de semana. Marcamos um teatro. Após o espetáculo, fomos ao Mini Moc, um restaurante japonês, na Dias Ferreiras. Falei pela primeira vez sobre a minha diarista. Ele achou a mulher esperta e a história interessante.

“Não é apenas pelo fato de haver traição, mas porque há um pouco de prostituição nisso tudo”, opinei.

“É difícil dizer hoje o que não é prostituição. A sociedade em si é prostituta. Quem pagar mais, leva.”

“Mas aceitar tantos presentes”, exclamei, “não seria melhor obter as coisas com o trabalho?”, eu tinha essa dúvida.

“Minha querida”, iniciou, “o que acontece é o seguinte: o homem gostou dela, quer fazer um agrado. Os presentes são a materialização do seu amor. Assim eliminamos a prostituição.”

“Você em parte tem razão. Se pensamos que tudo é prostituição, não mais podemos dar presentes quando gostamos de alguém.”

“Isso mesmo, você pode dar o presente de forma desprendida, sem segundas intenções”, disse ele.

“Por falar nisso, você tem-me dado muitos presentes. Ganhei até mesmo um anel de noivado”, mostrei a mão direita.

Ele silenciou durante alguns segundos, talvez pensasse na minha diarista, talvez no patrão dela. Depois, mudamos de assunto. Conversamos sobre o recém-visto espetáculo.

Dois dias depois estou de novo sozinha no café do cinema. Lembram do homem jovem que veio falar comigo da outra vez? Apareceu de novo. Aproximou-se.

“Agora, já nos conhecemos”, falou.

 “Oi, como vai?”

“Vou bem. Quero-lhe fazer um convite.”

“Faça”, falei e continuei olhando minha revista.

“Que tal um chope depois do filme?”

“Chope?”, franzi a testa.

“É o modo de dizer, você entende, não?”, reparou.

“Ok, um chope”, sorri, coloquei a revista na bolsa. Só então reparei que devia ser mais jovem que eu dez ou quinze anos. “Você vai ao filme também?”

“Quem sabe”, olhou a fila, virou-se para o cartaz.

“Depois do filme, quem sabe”, foi a minha vez de falar.

Ele entendeu. Caminhou à bilheteria e comprou o ingresso.

quarta-feira, novembro 06, 2013

Você me arranja um cigarro?

O restaurante do hotel ainda não estava cheio para o café da manhã. O dia claro refletia sua luz através das portas e de alguns trechos do revestimento, todos de vidro. Cafés da manhã em hotéis sempre são coisas exageradas, e aquele não era diferente. Podia-se circular por grande parta do self service que sempre ainda haveria algo para experimentar. Algumas pessoas colocavam no pequeno prato um pouco de ovos mexidos, linguiça ou bacon; já outras preferiam as frutas e os sucos, de uva e de laranja. Na parte dos queijos e manteigas, a variedade era extensa; depois vinham os frios; em frente, escolhia-se entre os mais variados tipos de pão, dos mais diversos tamanhos, pães doces ou salgados; mais adiante era o local dos bolos, predominavam os de chocolate e milho; no balcão se enfileiravam os recipientes de café, leite e chá; a geladeira estava localizada mais adiante, através do vidro era possível escolher entre bebidas e iogurtes. Quem quisesse podia tostar o pão num daqueles aparelhos que fazem a torrada saltar quando atinge determinada temperatura.

Quando voltei à mesa pela segunda vez, trazia uma xícara grande de café com leite, pensava sobre toda aquela comilança, na certa me custaria uns quilos a mais. Só, então, reparei o homem que eu conhecera na noite anterior.

Queria tanto fumar um cigarro, foram as minhas palavras, disse como se conversasse comigo mesma.

O desconhecido não demorou a aparecer com um maço de cigarros a me oferecer um. Aceitei. Como não se pode fumar dentro do hotel, saí do foyer. Ele me acompanhou.

As cariocas são fogo, veja só, falou.

Não era a mim a quem se referia, mas a duas mulheres que entraram com ele à tarde. Também não perguntei do que se tratava, naquele momento não me interessavam detalhes de sua vida particular.

Sou carioca, eu disse.

Ele então corrigiu:

Falo a respeitos daquelas duas que me acompanhavam mais cedo; não as conheço, dei uma carona do aeroporto até aqui quando soube que vinham para o mesmo hotel que eu, foram logo se oferecendo para passear comigo à noite.

Ri da história, soltei a última fumaça, apaguei o cigarro, agradeci e fiz menção de entrar para voltar ao meu apartamento. Ele, cuidadosamente, pediu o número do meu telefone.

Mais tarde me ligou e me convidou para passear. Fui eu então quem disse:

As cariocas são fogo.

Ele apenas riu. Aceitei o convite e fomos a um bar ali perto, na parte externa do Brasília Shopping. Ele contou sua história, disse que era médico e que estava na cidade para um congresso sobre geriatria.

Ah, geriatria!, exclamei, interessante.

Sorriu meio sem graça, como se dissesse que já não achava interessante ouvir histórias pela voz de pessoas idosas. Logo pareceu entendeu o meu pensamento.

Que bom, você é jovem, assim será mais divertido.

Mais divertido, repeti, já passei dos quarenta, e a vida não é apenas uma diversão.

Não, eu não quis dizer isso, tentou corrigir, é porque, aqui, em Brasília, frisou, esses espaços distantes entre tantos edifícios me transmitem uma sensação de angústia e de abandono.

Eu gosto, afirmei, aprecio muito a arquitetura da cidade, vim aqui a turismo.

Turismo?, mostrou-se incrédulo. Como alguém pode fazer turismo em Brasília?

Sempre venho aqui, e por motivos estéticos, respondi.

Ambos rimos, e não era ironia de minha parte. Ao sairmos do bar, depois de algumas caipirinhas, falei a mesma frase lá do hotel.

Queria tanto um cigarro.

Ele se apressou a me oferecer o seu maço.

Não é desses, continuei, é aquele outro, sabe, um cigarro de outro tipo...

Outro tipo?, pareceu ingênuo.

Sim, aquele cigarro que não se pode vender por aí; acho que você consegue com o guardador de automóveis.

Você não acha que isso faz mal?, ele perguntou enquanto eu, na varanda da minha suíte, soltava a fumava do tal cigarro conseguido por ele. E, além disso, vai que alguém sinta o cheiro e vá reclamar à recepção.

Achei engraçado o modo requintado de ele falar e retruquei:

É melhor você ir embora.

Ele permanecia sentado, dentro do quarto.

Não, não é o caso, completou.

O cigarro de maconha acabou por me aproximar dele.

No café da manhã do dia seguinte, ele me piscou os olhos e acrescentou:

Não esqueça, logo mais estarei livre.

À noite, nos encontramos novamente. Já passava das nove.

O que você fez hoje?, ele quis saber.

Nada de interessante, respondi, andei pelos imensos espaços abertos que tanto angustiam você.

Sabe, iniciou sua história, faz dez anos que tive um problema que me levou ao hospital, fiquei internado durante um tempo enorme.

O que você teve?

Câncer no intestino, respondeu.

Mas por que está me contando essa história agora?

Por nada, acho que você tem razão em querer aproveitar a vida; ontem censurei você por fumar o tal cigarro, mas também tenho meus vícios, sempre bebi bebidas fortes.

Se você arranjar outro cigarro daquele para mim hoje, não vou levar a mal, chantageei e sorri.

Perguntou por que eu viajava só.

Porque assim conheço novas pessoas, pessoas interessantes, diferentes das de onde moro. Às vezes conheço gente muito rica, embora não seja esse o meu objetivo. E não venho apenas para cá, viajo por todo o país, e às vezes para o exterior. Os hotéis são os melhores lugares para se travar novas relações.

Qual o seu objetivo?, ele quis saber.

Simplesmente viver. Como poderia fazer isso na minha cidade? Lá há sempre o mesmo círculo de amigos, quase as mesmas situações, os mesmos lugares.

Você não acha que as pessoas são as mesmas em todos os lugares?

Não acho, não, respondi.

Você tem um pouco de razão, mas a ilusão de que vamos encontrar alguém diferente é que nos anima. E eu, sou diferente?

Talvez, sim; pelo menos desceu duas vezes para comprar um cigarro de maconha para mim.

Ele mexeu com a cabeça, como se compreendesse as minhas palavras, depois continuou:

Por falar nisso, você está muito elegante, com esse vestido um pouquinho acima do joelho, colado ao corpo, sentada e de pernas cruzadas...

Já sei, quando um homem fala assim com uma mulher é porque a quer nua.

Acho que sim, fez cara de sonso.

Você sabe que tive uma amiga muito louca. Ela viajava sozinha e quando conhecia um homem o levava para o seu quarto de hotel, tirava toda a roupa e dizia: guarda lá no teu apartamento. Assim, segundo ela, nua e sozinha, se sentia mais livre, a milhares de quilômetros de casa.

E o que acontecia depois?

Não sei. Ela nunca falou. E eu nunca perguntei.

Naquela noite, dormimos juntos, no meu quarto. E devo confessar que ele foi um bom amante.

O dia seguinte seria o último do seu congresso.

Você me leva?, pedi no café da manhã.

Aonde?

Ao seu congresso. É o último dia, não?

Sim, é o último.

E depois?

Depois volto para São Paulo, e você para o Rio, não é mesmo?

Mas antes vou com você ao congresso.

Acho que não vai gostar. Ando sempre querendo saber sua profissão. Mas sempre me esqueço de perguntar, e você nada falou sobre isso.

Sou dentista, exerço a profissão num consultório na av. Rio Branco, no Rio.

Ah, sim, uma profissão muito necessária.

Acabávamos o café. Levantamo-nos e caminhamos para fora do restaurante.

Vamos, então, ele convidou. Levo você comigo. Não sei se vai gostar dos meus amigos e dos assuntos deste último dia.

Assim ficamos mais tempo juntos. Você não vai gostar?

Claro, vou gostar muito. Mas no centro de convenções, você vai perceber que sou uma pessoa muito requisitada.

Não faz mal, fico à parte.

Pegamos nossas bagagens, quitamos o hotel e embarcamos no carro que estava reservado a ele.

Acompanhei-o em todos os compromissos. Assisti a muitas das apresentações, sendo que numa delas foi ele o palestrante. Enquanto falava e olhava na minha direção, percebi que sorria com um canto da boca, depois se virava para os outros e continuava.

Nos últimos momentos em que estivemos juntos, pedi-lhe mais uma vez. Já estávamos próximos ao aeroporto.

Você me arranja mais um daqueles cigarros.

Ele tirou um do bolso.

Tão rápido, não esperava por essa.

Sabia que você ia querer mais. Na última vez, comprei alguns reservas.

Alguns?, eu, surpresa.

Mais dois ou três.

Sorri.

Ele me beijou antes do seu avião partir.

Vá a São Paulo, falou, espero lá por você.

Vá ao Rio, também o espero.

Você não teme ser presa?, perguntou.

Presa, como assim?

Você fuma cigarros proibidos. Está levando alguns na bolsa.

Ah, acho que vou fumá-los ante da partida.

Onde? Já estamos na sala de embarque.

Sempre se dá um jeito, falei.

Um jeito?, ele repetiu.

Lembra de minha amiga que pedia para ser deixada nua no hotel?

Ah, sim, o que tem?

A única coisa que ela me falou é que sempre dava um jeito.

Como vamos fazer para nos encontrar?, foi sua última pergunta. A fila para São Paulo já havia terminado, faltava apenas ele, a quem a funcionária da empresa aérea aguardava com certa ansiedade.

Quando chegar, telefone, vamos dar um jeito, pedi. E se eu estiver nua, em apuros, em algum lugar, venha correndo me ajudar, ok?

Ok. Ele sorriu, me beijou e se foi. Antes de desaparecer através do corredor que o levava à aeronave, ainda olhou para trás e acenou mais uma vez.