quarta-feira, fevereiro 22, 2017

Beijo na orelha

Eu queria enviar uma mensagem para ele, ou mesmo um ícone daqueles que há no whats app. Fiquei um tempo enorme pensando, demorei a decidir. Um dia antes, era segunda-feira, ele me telefonou, perguntou se eu estaria no consultório à tarde. Respondi que sim. Vou tentar aparecer lá, ele falou. Mas não foi o que aconteceu. Atendi uma, duas, três pessoas, e nada de ele tocar a campainha, pelo menos para me dar um beijo, como às vezes faz. Quando eu consultava um dos pacientes, o celular tocou. Porém não pude responder. Não ia interromper a consulta por causa de uma ligação para o celular. Só no final do dia pude olhar o número da ligação perdida. Era o dele, que pena. Voltei para casa. Ele não aparecera para me visitar nem ligou de novo.

Por isso eu queria mandar a mensagem, ou o ícone do whats app. Acabei encontrando um coração pulsante. Isso mesmo, um coração rubro, que pulsa à medida que o destinatário abre a mensagem e o observa, uma gracinha. Antes de enviar, lembrei-me mais uma vez do gesto dele ao me visitar. Dá-me dá um abraço apertado, segura-me por alguns segundos, eu agarradinha nele. Não posso dizer que não gosto. Certa vez esperava-me para descermos ao café, então o telefone tocou. Atendi. Não sei se era um paciente ou uma ligação comercial. O que recordo é que, enquanto eu respondia a ligação, ele deu meia volta e beijou a minha orelha, a orelha contrária à de onde eu colocara o gancho do telefone. Senti um arrepio incrível, confesso que até fiquei envergonhada. Como se diz por aí, perdi o rebolado: esqueci o que devia dizer à pessoa que me aguardava do outro lado da linha. Naqueles poucos segundos, lembrei-me de um acontecimento que me ocorrera quando era bastante jovem.

Estava com um namoradinho, acho que era sábado à noite, ele agiu da mesma forma. Um beijo molhadinho na minha orelha. O rapaz, então, surpreendeu-me num ligeiro tremor. Envergonhada, abracei-o. Ele entendeu meu abraço como um sinal de aceite. Como faria para dizer que tudo não passava de um mal entendido? Ainda para incentivar, eu vestia um tomara que caia curtinho. Dá para acreditar? Não consegui escapar de suas investidas. No final, eu ainda me sentia molhadinha, e não era só na orelha. Quis dizer que não gostei, fiz cara de furiosa, mas quem acha que consegui?

Volto ao consultório. Após o beijo, permaneceu juntinho a mim, abriu a boca e deu também a tal lambidinha, bem dentro da minha orelha. Parece que minha lembrança atraiu sua ação. Fiquei toda arrepiada, quase não aguentei. Ou melhor, não aguentei mesmo. Mas tive de disfarçar e dizer para com isso, estou no telefone.

Na mensagem do whats app, não escrevi nada, apenas enviei o coração pulsante. Sei que ele vai entender. Meu coração pulsa por ele. Na próxima vez que me beijar, sei que me vou toda derreter.

quarta-feira, fevereiro 15, 2017

Vizinho

Eu olhava pelo olho mágico da porta principal, aquele buraquinho que dá pra ver quem está no corredor do prédio. No meu caso, no sexto andar. O tal novo morador vivia no 601, o meu era o 603. Toda manhã e toda tarde, eu sabia seus horários. Como chamar sua atenção? Pensei várias estratégias, mas não achei nenhuma delas convincente. Restou-me apreciá-lo por trás da porta, por aquele buraquinho mínimo e ridículo. Desconfiei que o homem fosse gay. Logo, porém, cheguei à conclusão que não era possível. De três em três dias vinha uma mulher ao seu apartamento. Numa sexta-feira, mais uma descoberta. Havia outra, que era bem morena, pernas grossas, sempre trajando calças legging. Conversei com Isabel, uma amiga, especialista em paqueras, em arranjar os mais diversos tipos de namorados.

“Mara, o principal é você ter paciência. Com paciência tudo se consegue. O homem, caso você queira, cai de graça nas tuas mãos. Nem precisa muito esforço.”

“Isabel, ele já tem duas ou três mulheres, será que vai se interessar por mim?”

“Você precisa definir, Mara, se você quer se relacionar com um homem desses. Se ele é cheio de mulheres, o que você vai querer com ele.”

“Quem sabe se enamora por mim, Isabel?”

“Difícil, amiga, muito difícil, não queira mudar as pessoas, elas permanecem quase as mesmas durante toda a vida.”

“Ah, então uma só saidinha, dar uma namoradinha com ele e pronto, ali mesmo no prédio, no apartamento dele ou no meu.”

“Caso o teu desejo seja esse, Mara, fale com ele. Bata na porta do homem e diga que quer conversar. Ele vai achar você uma pessoa interessante, mas não é bom esperar mais que disso. Como você mora ao lado, é capaz de ficar desconfiado, achar que você vai controlá-lo o tempo todo, e ele não mais poderá levar a vida como deseja. Mais uma coisa, Mara, ele é bonito?, ainda não me falou sobre isso.”

“É lindo, Isabel, lindíssimo, o problema é esse. Se fosse uma pessoa comum, mas é fora do normal.”

“Então, cara amiga, caso a tua percepção esteja correta, vai ser ainda mais difícil. Caso seja trepar só uma vez com ele, bata na porta do homem e converse sobre isso. Diga que o achou bonito, que sonhou com ele, que o deseja, que não leve você a mal. É praticamente certo que vai aceitar. Mas não espere nada além disso.”

Voltei pra casa e fiquei pensando naquela conversa. Será que Isabel queria mesmo que eu falasse tão diretamente com o homem? Talvez seu conselho fosse só pra impressionar.

Passaram-se vários dias. Numa quinta feira, prestei atenção à hora em que ele chegou. Abriu a porta vagaroso, com ar de quem chega ao paraíso, depois entrou e fechou também com suavidade. Esperei trinta minutos. Saí do apartamento e fui até a porta dele. Aguardei um ou dois minutos antes de bater. Pareceu-me um tempo enorme. Após apertar a campainha, esperei mais vinte ou trinta segundos. Ele veio abrir. Ao perceber uma mulher à sua porta, abriu mais largamente e mostrou-se de forma plena. Vestia bermuda e camiseta, não estava descalço, mas com umas pantufas que normalmente a gente usa dentro de casa. Sorri e senti vergonha. O que diria a ele?

"Oi, sou sua vizinha daqui ao lado, sei que aqui as pessoas não têm costume de bater às portas alheias para se apresentar, mas gosto de fazer amigos."

Ele sorriu. “Renato”, disse o nome, “a seu inteiro dispor.”

Continuei com a fisionomia congelada, talvez também um sorriso, branca como a neve, estática. O homem perguntou:

“Quer entrar?”

“Ah, sim, obrigada, meu nome é Mara, muito prazer.”

“Vou fazer um café, você me acompanha?”

“Oh, sim, um café, que bom.”

Ele foi. Esperei na pequena sala de estar. Simples, mas aconchegante. Um sofá de dois lugares, uma poltrona individual, abajur com o foco voltado para o colo de quem senta na poltrona individual, talvez para facilitar à leitura, a pequena mesa de centro portando alguns jornais, dois ou três livros, envelopes. Achei que não seria possível ir diretamente ao assunto, isto é, que o achei bonito e desejava trepar com ele. Seria melhor seguir pelas vias normais, ser amiga do homem, cumprimentá-lo no dia a dia, sorrir quando o encontrasse na rua, falar sobre um livro, um filme, e deixar que a vida tomasse seu curso.

“Você prefere açúcar ou adoçante?”, ele com uma pequena bandeja, as duas xícaras. Reparei que era delicado, as xícaras bem pequenas, brancas, pintadas com linhas que se alternavam. O açucareiro, adoçante, duas colheres, tudo ajeitado, homem que dá atenção aos detalhes.

“Prefiro açúcar.”

“Você mora no prédio há muito tempo?”, ele quis saber.

“Três anos”, eu disse, “três anos e alguns meses.”

“É bom, aqui?”

“Sim, é silencioso, bom pra ler, pra estudar.”

“Você estuda”, perguntou enquanto levava a xícara aos lábios.

“Mais ou menos, sou professora.”

“Professora?”, perguntou, mostrando alguma surpresa.

“Sim, ensino médio, língua portuguesa.”

“Então, tenho de tomar cuidado com as palavras”, suspirou.

“Nada disso, cada um fala como quer.”

“Trabalho com cinema”, acrescentou.

“Que lega!”, não deixei de exclamar.

“Muito legal”, mas há trabalho que não acaba mais.

Pedi que falasse mais sobre seu trabalho, pois adoro cinema.

Disse que fazia várias coisas, desde a iluminação, como auxiliar na direção e até dirigir. Já dirigira dois documentários e vários curtas, inclusive um premiado no exterior.

“Você, vez ou outra, vai notar que desapareço de repente, é o trabalho, às vezes fico meses fora.”

Dois dias depois encontrei Isabel na cafeteria da Rainha Elisabeth.

“Falei com ele”, fui logo dizendo.

“Falou o quê?”

“Me apresentei como a vizinha do lado, caso ele precisasse de alguma coisa...”

“Começou com uma tentativa de amizade, então?”

“Não era essa a intenção, mas foi o caminho que surgiu.”

“Não deixa de ser boa opção, quem sabe, um investimento futuro.”

“Pode ser”, afirmei, “foi a solução, agora posso falar com ele de vez ou outra, de repente acontece o que desejo.”

“Você é esperta, Mara.”

“Nem tanto, poderia já estar frequentando a cama dele.”

“Pra que tanta pressa? Você espera, enquanto isso há outros homens, muitos paqueram você.”

“Todos casados”, ressaltei.

“O que há de mal nisso? Você quer casar? Pelo que me consta, não.”

Tomei meu café. Na calçada passou um homem jovial, talvez trinta, quarenta anos, piscou o olho pra mim.

“Lembra da Berta?”, Isabel me trouxe de volta ao assunto, “ela teria feito de tudo para transar com o homem na primeira vez.”

“Algumas mulheres são assim, mas não é muito o meu jeito, só aconteceu uma ou duas vezes, e mesmo assim foi porque o homem abriu caminho. Mas o vizinho permaneceu parado, até mesmo surpreso, sem ação, eu não poderia agarrá-lo de primeira.”

“Também venhamos, Mara, há outras coisas boas para se fazer na vida, não se pode pensar em sexo o tempo todo.”

“Só a Berta pensa nisso o tempo todo, o vestido curtinho, as pernas cruzadas como estivessem protegendo a nudez, mas se ela pudesse andaria sem roupa alguma.”

“Outro dia veio-me dizer que está procurando alguém para se apaixonar, está voltando aos tempos antigos, agora que passou dos 40. Também me contou que, assim como você, está paquerando um homem interessante. Conheceu-o num trabalho temporário e, por coincidência, ele mora no mesmo bairro que ela. Berta foi à casa dele, o homem estava lavando o quintal com uma mangueira. Adivinha o que ela fez?”

“Pediu pra tomar banho de mangueira.”

“Como não tinha levado o biquíni, você já sabe como ela tomou banho. Não preciso contar o resto."

“Agora voltando ao meu vizinho, Isabel, qualquer dia desses bato à porta dele, nua, viu?”

“Acredito.”

“Estou me preparando.”

“Então, você vai ousar mais que a Berta.”

“Mais? Você acha que ela nunca bateu nua à porta de um homem?”

Isabel suspirou. Eu, o que iria fazer? Voltei a pensar no meu vizinho.

quinta-feira, fevereiro 09, 2017

Quinhentos reais

Enviei a ele uma dessas mensagens de whats app. Dizia o seguinte: deposite quinhentos reais na mina conta, dentro de 24 horas irá lhe acontecer algo maravilhoso, caso não aconteça deposite mais quinhentos.

O problema, ou a solução, não sei, foi que ele depositou. Recebi a resposta menos de uma hora depois, pude constatar o dinheiro na minha conta através do celular.

À tarde ele apareceu no meu consultório. Entrou, abraçou-me e disse: “já me aconteceu a tal coisa maravilhosa, estou aqui ao seu lado.”

Suspirei aliviada. Ficamos conversando durante alguns minutos, mas um paciente logo chegou e precisei atendê-lo.

“Volto depois da consulta”, sussurrou no meu ouvido enquanto eu fechava a porta.

Ele desceu, foi à rua, e me deixou com o paciente.

Voltou mesmo, uma hora depois. Vamos lá embaixo tomar um café, sugeriu.

Aceitei. Sentamos no bistrô que há na galeria do próprio prédio, em frente às duas livrarias. Começamos a conversar.

Ele tem uma conversa terrível, qualquer uma é capaz de cair seduzida por ele. Falou dos dias que se passavam, do verão, das coisas boas que há para se aproveitar. Como sua voz tornava tudo um mar azul de águas plácidas! No final, jogou um beijinho para mim. Não sei por que me arrepiei, e não consegui esconder. Caímos os dois na gargalhada.

Sempre fui uma mulher pudica, não dou bola para qualquer um, mas aquele meu amigo era uma tentação.

Instantes depois, tirou um presente da pasta e me ofereceu. Ainda não havíamos acabado o café.

“Uma pulseirinha”, exclamei, “tão delicada, tão mimosa, que beleza”, sorri e coloquei no braço, ficou uma gracinha.

Após acabarmos o café, aliás, comemos também um pedaço de bolo, perguntei se iria subir comigo. Vou arrumar o consultório para ir embora, não tenho mais paciente.

Concordou. Com muita elegância, prontificou-se a me esperar.

Ao descermos novamente, começamos a andar pela Av. Rio Branco. Depois caminhei até o ponto de um ônibus. Vamos juntos, falei a ele. Embarcamos. O tempo foi curto, vinte minutos e saltávamos à Rua das Laranjeiras.

Meu amigo desceu comigo. Surgeri que me acompanhasse. Pensava se o convidava a subir ou se me despedia dele ali mesmo na rua. Caso esgcolhesse a segunda alternativa, perderia muito. Como era fofo ficar com ele e, afinal, ele me presenteara duplamente. Com ele só tinha a ganhar.

“Vamos lá em cima comigo”, convidei.

Dentro do apartamento, liguei a TV, mas sintonizei na parte de música, para preencher o ambiente. O que eu faria a partir daquele momento?

“Aguarde um instantinho”, pedi.

Fui ao quarto. Claro que não apareceria nua na sala, de repente, como uma doce surpresa a lhe cair no colo. Seria demais. Optei por lhe pedir que reparasse um vestido que comprei havia pouco, precisava da opinião de um homem.

“São sempre boas as opiniões masculinas”, sentenciei.

Voltei dentro do vestido azul, que comprara fazia dois ou três dias.

Ele achou lindo. Sentei-me ao seu lado, ainda bem vestida, olhei-o nos olhos, depois fechei os meus, como que mergulhada em pensamentos.

Senti, então, seus lábios quase tocando os meus.

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

Por que você está sem a calcinha?

Sempre mudo a foto do meu zap, adoro. Ora poso de short, ora de vestidinho, ora de blusa que mostram meus ombros nus, já até postei foto de biquíni de praia, mas por apenas quinze minutos. De um tempo para cá, resolvi me casar. Juro. Não esses casamentos de igreja com véu e grinalda, nada disso, a gente só casa assim uma vez na vida. Mas um casamento bem atual, desses que chamamos o namorado para vir morar junto. Ele gostou da ideia, instalou-se na minha casa. Casa pequena, bairro simples, distante do centro, mas muito agradável. Eu não sabia, porém, que o homem era tão ciumento. Viu a minha foto do zap e foi dizendo nossa, você não pode se mostrar assim. Era a tal foto em que eu estava de shortinho. Postei, então, foto mais recatada, de bermuda. Meus amigos passaram a me mandar mensagens: Márcia, você nunca mais mudou a foto, era tão interessante ver você cada semana com uma roupa diferente. Acho que eles queriam dizer cada vez com menos roupa. Meu marido passou a controlar o meu telefone. Que aborrecimento. Tive de apagar as mensagens, de parar de conversar com alguns amigos. Tudo ele queria saber. Comecei a me arrepender do casamento. Que bobagem esta relação, passei a murmurar a mim mesma. O que compensa é que ele é muito gostoso. Acho que nunca tive um homem tão gostoso e disposto a trepar comigo a qualquer hora do dia ou da noite. Mas um dia desses me telefonou um homem com quem eu saí duas ou três vezes, alguém com quem tenho interesse em manter certa ligação, porque me dá muitos presentes, me convida para lugares chiques, eu é que recuso. Meu marido viu a tal ligação, o nome do homem e sem que eu soubesse ligou de volta para ele.

"Com quem você quer falar?", perguntou.

Acho que o homem ficou surpreso ao ouvir voz masculina.

"Não sei, não telefonei."

"Apareceu este número aqui, estou devolvendo a ligação, disse meu marido."

Acho que o homem fez a pergunta natural, aquela pergunta que a gente faz quando alguém atende o celular que não é o seu.

"Este telefone é o da Márcia?"

"Sim, quer falar com ela?, ela está aqui."

Me passou o telefone. O que eu iria dizer? Meu marido ali ao lado, o homem com quem eu transara duas ou três vezes do outro lado da linha. Um constrangimento. Mas consegui conversar como se fosse apenas um amigo. Dois dias depois saí para trabalhar, tive vontade de ligar ao tal amigo. Com tanto controle, achei que o marido precisava ser traído. Mas me segurei. Achei melhor dar a ele mais uma chance. No dia seguinte, porém, meu marido estava no celular, e conversava com uma mulher. Isso não vai dar certo, pensei. Liguei ao meu amigo, marquei um encontro, pedi um presentinho. Ele não é de negar.

Meu amigo adora minhas pernas, olha pra elas com intenso desejo. Deixa que eu tiro tua calcinha, disse. Eu já estava no hotel com o homem, esquecida do casamento. Ele não é tão quente como meu marido, mas também não é de se jogar fora. Tudo bem, boa a trepada. Me deu o que pedi, o tal presentinho.

Vou entrando em casa. Quero esquecer o que fiz. Será que já estou arrependida? Meu marido me espera. Arrepio. Caramba, será que o homem adivinha pensamentos. Vem cá neguinha, estava morrendo de saudade, onde você andava, hein? Me beijou na boca, foi me puxando a bermuda. Caramba, será que vai notar alguma coisa? Espera, alertei, estou morrendo de vontade de fazer xixi. Não faz mal, ele abaixou minha bermuda, faz aqui na minha boca. Foi então que reparou surpreso: ué, por que você está sem a calcinha?