segunda-feira, janeiro 27, 2020

Equilibradinha

Me perguntaram se já me equilibrei nua. Respondi sim, equilibradinha, mas sentada numa poltrona. Explico, antes de insistirem. No mês de dezembro sempre fazemos compras, logo precisamos de dinheiro. Ele havia telefonado, quer ganhar um presente? Jamais recuso. Claro, um presente, falei sem demonstrar tesão. Em dinheiro, completou. Continuei muda, porém arrepiada. O homem havia sido meu patrão, sempre regalos. Marcamos o encontro.

As ruas movimentadas, não seria preciso dizer, mas como é recomendável dar o ar local à história, vá lá. Caminhava eu na Gonçalves Dias, quase esquina com a Carioca, três da tarde. Veio o homem ao meu encontro. Beijos, sorriso, bolsas nas duas mãos, o short, como o nome diz, muito curto. Onde podemos realizar a transação? Lógico que ninguém perguntou isso, mas era o que se procurava resolver. Numa tarde de fim de primavera, as ruas quentes, as pessoas procurando andar pela sombra, homens olhando as saias curtas. Onde resolver o problema do desejo? Onde o do dinheiro? Andamos um pouco a esmo. Vamos a um ar condicionado, propôs. Entramos num bistrô. Veio a garçonete, olhou-me com olhar de também quero, depois de admirar o homem, será que ele paga quinhentos?, li nos olhos da mulher, que soube disfarçar. Sorvete de café, boa ideia, ele disse, uma taça de champanhe. Será verdade?, eu queria acreditar. Enquanto esperávamos, voltei o tempo, à época em que pedia: o senhor pode me emprestar duzentos? Passavam-se os meses, eu nunca quitava a dívida; ele não cobrava. Um dia o homem me deixa nua. Ah, a garçonete, sorvete ao lado da taça de champanhe. Vamos trocar?, brinquei. Traga outra taça, sorriu à mulher. Sabor, quase da minha cor, só um pouquinho mais escuro; ah, a champanha me deixou arrepiada, ainda. A pasta gelada entrava pela minha pequena boca, lábios, língua, garganta e desaparecia nas minhas vias interiores. Oh, como é bom o calor, como são bobos os homens. Vamos aos negócios. Sim, bebo também champanhe.

Certa vez eu já não trabalhava para ele, não resisti e telefonei. Marcamos no mesmo centro. Vou levar você a um hotel, ele, sem meias palavras. O que se faz num hotel? Abriu a porta do apartamento; eu, como se fosse a primeira vez, não encontrava lugar para minhas mãos. A disfarçar, peguei o telefone, pedi que me trouxessem um lanche. Como demorou. Pude, então, me preparar. Bebi uma Fanta e comi um sanduíche, juro, que pobreza, não sabia à época que podia pedir champanhe. Quando eu já ia nua, antes de treparmos, sente na poltrona, pediu, equilibradinha, isto é, cruze as pernas e fique um pouquinho sem se mexer. Como é difícil ficar sem se mexer.

Tirou do bolso um envelope. A garçonete me olhava de longe, tenho certeza, mesmo sem vê-la sei que me espionava. É para você, o presente. Sorri, contida, guardei o envelope dentro da bolsa. Não vai abrir? Ah, sei que és generoso, não preciso olhar agora. Seus olhos escaparam, minhas pernas brilharam. O shortinho. Respirei, nua. O dinheiro me aliviava. A garçonete veio recolher minha taça de sorvete vazia, o champanhe ia ainda pela metade. O que se pode conversar numa hora dessas? Como vai a empresa?, perguntei. Meneou a cabeça. Como sempre, mais triste sem você. Estou aqui, sempre que me telefonar, rebati, como uma boa rebatedora de uma bola difícil, jogo de tênis. Confesso que nunca pratiquei o esporte.

No mês de dezembro, próximo o dia de Natal, há clima para o convite a um hotel? Ele, elegante, não tocou no assunto. Sabia que haveria outros dias. Aliás, antes da despedida, antes mesmo de me beijar, soube se expressar: vocês, mulheres, sempre dão um jeito, esse calor, vão quase nuas, que bom. Minhas pernas. De novo, o shortinho. A garçonete, tenho certeza, ter-lhe-ia proposto o hotel, equilibradinha.