quarta-feira, maio 31, 2017

Espião ou um pedacinho de pano

Não sei se tudo era uma brincadeira ou eu devia levar seu convite a sério. Fazia tempo que não falava com aquele homem nem tinha notícias suas, mas eis que me vem uma mensagem, depois um telefonema, a voz grave, eu imaginava o mesmo rosto segurando o telefone, apesar dos dez anos que haviam se passado. Qual o convite mesmo?, ainda perguntei, depois de ouvi-lo, de perder-me nos assuntos que trazia. O passeio?, mas a praia é deserta, você sabe, retruquei. Isso mesmo, uma praia deserta, como o próprio deserto, a diferença é que além das areias há o mar, ele disse. E como chegamos até lá?, perguntei. Viria me buscar. Desconfiei. Seu objetivo, tempos atrás, era me ter nos braços depois de me ver de biquíni na praia. Talvez fosse uma ideia ingênua, quase de criança, gostar de ver uma mulher de biquíni à beira-mar, depois deitar com ela. Ele sempre soube da minha vontade de andar nua, ou quase, pois existem lugares onde não se pode andar nua.

O dia marcado não tardou a chegar. O tempo passa rápido, ou melhor, tudo passa, e com os dias inteiros não acontece diferente. Sabia que o encontro também não tardaria, logo ficaria na lembrança como um ponto distante, algo quase irreconhecível, então era preciso fazer algumas marcas naquela data, agarrar-se às horas, quem sabe aos minutos. O modo de fazer isso talvez seja tentar algo diferente, algo que nos faça reter a respiração, ação que nos desperta o pensamento de que uma vida pode passar em um minuto, ou de que podemos transformar este mesmo minuto em vinte quatro horas, em uma semana, um mês, uma vida inteira.

E fomos ao mar, quero dizer, à praia. Não tardou com seu carro prateado. Engraçado, achei que o carro estrangeiro, não combinava com duas pessoas que vão ao litoral em trajes mínimos, no meu caso o biquíni e uma renda transparente a me ressaltar o corpo. Talvez um conversível fosse mais adequado. Mas onde há conversíveis no estado onde moramos nos dias de hoje? Não importa, o automóvel era confortável, tinha ar-condicionado, como todo veículo que se preza. Mas achei a refrigeração um tanto destoante. Não que não refrigerasse. O problema era esse, fazia frio demais, e eu de biquíni mínimo.

À praia tudo se recompôs. O guarda-sol, o próprio sol, quente, confortável e terrível. Uma praia só pode ser aproveitada se tiver um sol confortável e ao mesmo tempo terrível. Logo quis ficar nua. O biquíni, na verdade, revelava minha nudez, no entanto nada impedia que eu fosse além. Melhor ficar comportada, pelo menos no início. Todo início é tão bom, não se é capaz de adivinhar o que está por vir, o ar é revelador, como num sonho colorido, azul mesclado de alguns tons de rosa. Era assim o domingo.

Mas eu queria alguém para me espiar, isso mesmo, talvez a palavra certa seja espionar. Tão bom ter um amante e um espião. Alguém que ficou apenas com vontade e que não pode chegar onde o amante está naquele momento. Trocar os papéis? Perderia a graça. Bom o amante, ótimo o espião. Mas o bom espião não se deixa revelar. Ele vai utilizar o que colheu, para algo futuro, um espião sempre tem bons planos. Assim era o meu domingo, um domingo entre dois homens, um real, outro nem tanto.

E chegou a hora principal. Depois de mergulhos, de banhos de mar e de sol, de alguma bebida com gelo trazida por ele numa caixa de isopor, o tempo a escorrer como num conta-gotas acelerado, chegou a hora em que os corações batem na mesma cadência. A praia deserta e o homem a me roubar o biquíni, a me deixar nua. Lembrei-me do espião. Estava ele em algum canto, na certa não me perderia de vista, talvez tivesse o prazer de apenas me observar, chegar pertinho, mas invisível, respirar o meu perfume, tocar com a ponta dos dedos os tecido leves e transparentes que eu trouxera. O prazer do amante era maior, queria o meu corpo a todo custo, desejava o pleno prazer. Não é preciso explicar como um homem e uma mulher se amam numa praia deserta, onde não há a chance de alma viva além dos dois, basta a imaginação, uma imaginação que vai ao gosto de quem me acompanha na leitura, e com o direito de imaginar tudo de bom no universo do amor e do sexo. Havia, porém, o espião. Este eu não podia negar, não pode também o leitor, o espião era a erva daninha que ameaçava invadir, ameaçava apodrecer as sementes do amor (ou do sexo, não sei), sementes plantadas havia muito, mas que germinava sob o sol daquele dia quente de outono.

O dia terminou às cinco e trinta, o sol ainda vigoroso e eu nua, transpirando, como o próprio dia, como a perseverança das espumas lá das ondas. O dia transpirava, e era o perfume do amor que exalava de nossos corpos. Ainda aproveitei um último momento, os braços do homem a me envolver inteira. Como dois braços a envolver uma mulher inteira? Ele conseguiu, pelo menos durante breves segundos. Também naquele final de dia sorri e disse você é bobinho, tudo por uma mulher de biquíni numa praia deserta, tudo para deixá-la nua, talvez levá-la na lembrança, tudo para desviá-la de um outro possível que a observa a distância. Mas ele não entendeu a última frase. Há gosto para tudo, sentenciou. Pegamos nossos pertences. Afinal, o que nos pertence mesmo? Demorei a entrar no carro, estava quente o assento, muito quente, assim como eu, e tinha a refrigeração. Enfim, meu corpo quente contrabalançou o termômetro que pouco a pouco ia baixando. Eu ainda nua, sentada ao lado do homem grandalhão, realizado pelo amor. Fui pouco a pouco voltando ao meu dia, ao final de tarde, à vida comezinha de mulher admirada. O espião? Talvez num outro carro, distante, olhando-me e apreciando minha nudez, de binóculo, talvez segurando uma das peças do meu biquíni, substituto do meu corpo, do amor que eu lhe teria oferecido. Um pedacinho de pano, tudo que lhe restou. Não existe nada capaz de substituir o amor (ou o sexo, não sei). Ah, talvez, quem sabe, a imaginação. Eu nua, ao lado do motorista, que gostoso. Faz mais uma parada, amor, agora que está ficando escurinho.

quarta-feira, maio 24, 2017

Maiô

A praia tinha poucas pessoas, mas eu gostaria que tivesse apenas eu. Ele me oferecera o passeio, o final de semana no meu lugar favorito. Minhas amigas sempre frequentaram praias chiques, hotéis ou pousadas de luxo sobre os quais depois falavam durante o ano inteiro. Minha vida até ali fora modesta, trabalho, nada de viagens, até que surgiu o namorado. Ele me surpreendia. Confesso que também não sou de namorados, mas decidi me dar este presente.

Você vai pagar pra mim?, perguntei.

Lógico, estou convidando.

Contei os dias doidinha que chegasse o final de semana da viagem. Não falei pra ninguém. Por aí há muita inveja, as coisas podem dar pra trás. Na véspera ainda pensei, será que ele vai dar uma desculpa, dizer que houve um problema, preciso ir trabalhar, houve um chamado urgente. Tudo se desmancharia, como num conto de fadas. Mas não foi o que aconteceu. Ele chegou eufórico, mais do que eu, ria e me beijava. Uma bolsa com um presente em uma das mãos.

É para você vestir na nossa viagem.

Descolei a fita adesiva e abri a bolsa. Um biquíni. Tudo o que eu não imaginava e não queria. Será que digo a ele que não quero mais ir, que me aconteceu um problema sério, a doença de uma parenta distante, preciso ir visitá-la, se morrer morro também culpada. Mas ele estava tão feliz, eu não teria coragem. O que tem de mais um biquíni?, perguntei a mim mesma. Ah, tenho trauma de biquínis, uso maiô, e faz tempo que não vou a uma praia. Conto um dia desses por quê, ou quem sabe, no final vocês descobrem o motivo.

Você vai ficar moreninha com este biquíni, a maior parte da pele descoberta, ele disse radiante como um sol imenso. Não sei mais que adjetivo acrescentar.

Pedi licença e corri ao banheiro. Confesso que a perspectiva do biquíni me provocou cólicas. Fiquei sentada no vaso sanitário uns quinze minutos.

Tudo bem com você?, ele quis saber.

Eu não diria a ele que não usava biquínis, que usava apenas maiô. Levaria o biquíni e o maiô, lá decidiria, lógico que decidiria pelo maiô. E ele nada poderia dizer. Uma boa solução. Beth, você é ótima, sempre vota em seu favor! Caso eu conte pra alguém minha aversão aos biquínis as pessoas rirão, antiquada serei, que motivo bobo, você vai acabar perdendo um homem desses, e homem está tão difícil...

Estava lá a praia, o dia combinado, a manhã fresca, já ensolarada, provocando arrepios. Será que alguém vai me ver de biquíni? Deus me livre, vamos mais adiante, por favor. Lógico que não disse a ele que o motivo era o biquíni. O maiô? Não tive coragem de desapontá-lo.

O melhor trecho da praia, ui, será que vou gozar assim, sem que ele me toque?, os arrepios aumentando, sensação de prazer cada vez maior.

Aqui não há ninguém, digo.

Então, descubro um jeito de me livrar do biquíni e depois poder usar o maiô. O restante do fim de semana de maiô, um maiô lindo, tão colorido, tanto pano.

Posso contar um segredo?, sussurro a ele e lhe dou um beijo úmido.

Claro, olha nos meus olhos.

Quero tomar banho de mar nua! Não gosto de biquínis, quero dizer, biquínis me dão vontade de ficar nua, e como não há ninguém, aponto o mar imenso diante de nossos corpos.

Nua? É tudo que quero, ele diz, exultante. Deixa que eu tiro o teu biquíni.

Maior delicadeza, ele a me despir. Depois? Ah, deixa pra lá, vocês são bons em imaginação...

quarta-feira, maio 17, 2017

Misturei-me aos mais jovens

Outro dia saí a passeio pela Zona Sul. Como adoro escrever, criar personagens e colocá-los em ação, experimentei eu mesma representar. Misturei-me aos mais jovens, meu objetivo era descobrir se os atraio, se os faço me desejarem. Fui ao um café. Escolhi uma mesa de onde podia observar quem passava na calçada, quem entrava e saía e aqueles que, como eu, tomavam café a uma das mesas. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que vários jovens me observavam. Sorri em agradecimento, e não passou muito tempo para que um rapaz de seus vinte e poucos anos viesse falar comigo. Disse que tinha uma festa para aquela mesma noite e perguntou se eu não queria acompanhá-lo. Perguntei a que tipo de festa me convidava. Um aniversário, uma amiga faz vinte e oito anos. Você não tem uma namorada?, mostrei-me curiosa. Ele apenas sorriu e quis saber se eu aceitava o convite, complementou dizendo que se tratava de uma festa até certo ponto modesta e que o local era o salão de um condomínio, no Leblon. Aceitei o convite. Mas nem mesmo sei o seu nome, conclamei-o a se apresentar. Henrique, respondeu econômico. Célia, muito prazer, retribuí. Como fazemos, então?, perguntei. Ele me apanharia nas proximidades ou, caso eu desejasse, poderia esperar por ele em minha casa. Marcamos.

Ele veio às nove da noite. Pegamos um táxi, ele disse o local ao motorista. Você vai adorar, afirmou, na festa vai haver muitos jovens e pelo que estou notando você gosta de jovens, não é assim?,  olhou pra mim, um sorriso alegre.

Percorremos as ruas Prudente de Moraes, General São Martins e chegamos à Visconde de Albuquerque, no final do Leblon. O motorista nos deixou à porta de um prédio de seis andares, de cor clara e com varandas. O salão de festas ficava acima do sétimo andar, uma espécie de cobertura com vista panorâmica privilegiada.

Já havia algumas pessoas, que logo vieram falar com ele, pediram que ele me apresentasse a elas. Representamos um casal que já se conhecia fazia tempo, mas não dissemos qual o nosso tipo de relacionamento. Aliás, nada combinamos, as coisas foram acontecendo naturalmente. Pouco a pouco foram chegando os demais convidados e o salão tornou-se mais barulhento e também mais alegre. O número de pessoas foi suficiente para que pudéssemos gozar a festa com conforto. Dois ou três garçons serviam canapés e bebidas. Pude observar pessoas de vários tipos. Havia mulheres muito magras, eram modelos profissionais que estavam ali porque a aniversariante trabalhava com moda; vi pessoas fora do universo da moda como jornalistas, relações públicas e algumas empresárias, apesar da pouca idade. Todas muito educadas e se comportando com extremo requinte. Muitas jovens puxaram conversa comigo e queriam saber em que eu trabalhava. Não quis dizer que sou escritora e que vendo artigos para revistas estrangeiras, disse que precisava viajar com frequência a São Paulo, porque administrava negócios de família. Arregalaram os olhos, acho que pensaram que sou rica. Quem sabe. As meninas vestiam-se muito bem, nada de pouca roupa. Mesmo as que usavam vestidos curtos cobriam-se com algum complemento, como um leve casaquinho ou mesmo uma echarpe. Reparei que havia mulheres acompanhadas, mas a grande maioria estava só, nada de marido ou namorado. Meu companheiro portou-se como seu eu fosse também sua amiga, não ousou em nenhum momento aproximar-se de modo mais íntimo. As bebidas, gradativamente, tornaram as pessoas mais alegres e mais falantes, pois os coquetéis eram suaves mas continham vodca ou outra bebida semelhante, tudo com muita fruta e muito bom gosto. Uma das moças começou a falar sobre uma viagem à Europa, principalmente à França, viagem que começaria dali a alguns dias. Quem a ouvia começou a se interessar e dizer como seria interessante a viagem. Outras moças enriqueceram a conversa com alguma passagem de viagens que fizeram recentemente a alguns países. Percebi, então, que quase todos os convidados tinham algumas posses, e que as conversas não deixavam de lado os prazeres que esses bens podem proporcionar. Também pudera, uma festa no alto Leblon... Mas ninguém falou de literatura, ninguém comentou que lia um bom livro ou que conhecia algum poeta interessante. Não seria eu que faria tais observações. Em algum momento, uma das modelos – ela fumava e portava um copo de vodca com gelo – começou a contar uma experiência em Paris. Morara na cidade durante seis meses e tivera um namorado francês. Aprendera o idioma com ele. Alguém pediu para que ela falasse francês, e ela continuou a contar a história no idioma do namorado. Uns entendiam, enquanto outros demonstraram se desinteressar pelo assunto e foram saindo discretamente em direção a outras rodas. Ficando eu e mais duas de suas amigas ela continuou a narrativa, tocada pelo álcool de duas ou três doses de vodca. Disse que em Paris é que era bom, talvez o Rio seja um pouco Paris (introduzo suas palavras), só que o Rio é um pouco mais violento, é claro, mas em Paris ninguém se mete na vida alheia, eu gostava de namorar no táxi, enquanto rodávamos a capital, pedíamos ao motorista que nos levasse a determinado ponto da cidade, sempre bastante longe de onde estávamos, durante o percurso como era bom namorar e ter a cidade passando pela janela do automóvel, acho que jamais vou viver experiência igual, quero dizer, quando lá voltar creio que sim, e namorávamos e namorávamos, e nosso ardor não se resumia a beijos, certa vez após saltarmos no 18º arrondissement só então percebi que minha saia havia ficado no táxi! Todas caímos numa longa gargalhada. Ela também riu muito e acabou por aceitar outra taça da bebida. Ficamos na festa até as duas da madrugada, quando as pessoas começaram a ir embora. Todas me beijaram e pediram que eu sempre estivesse naquele tipo de festa, que o Henrique ia a todas e que eu, de antemão, já estava convidada.

Pegamos um táxi de volta, e quando paramos à porta de casa convidei Henrique para subir. Ele aceitou de bom grado. Você é uma pessoa muito legal, que bom ter conhecido você naquele café às três da tarde, que bom você também gostar de gente jovem, sabe, continuou, acho que conheço você de algum lugar, parece também que te conheço de muito tempo. Quem sabe, repliquei, você gosta de mulher nua? Ele não entendeu a brincadeira. Certa vez uma amiga minha disse a alguém, acrescentei, você já viu a Célia na praia, o biquíni dela parece de uma menina de 16 anos. Rimos muito, mais uma vez.

quarta-feira, maio 10, 2017

Onde fica a Colômbia?

Já faz tempo que sou guia turística, levo pessoas aos mais diversos lugares, dentro do país ou fora dele. Sempre conduzo nossos clientes de forma amorosa e exemplar. Muitos continuam viajando com nossa empresa por causa do tratamento especial que dou a todos. Na última excursão, fomos a Santiago do Chile. No grupo havia trinta e quatro pessoas. Chegamos a Santiago num domingo à noite para uma estada de cinco dias. No aeroporto, um ônibus aguardava para nos levar ao hotel, que ficava em Las Condes. Apesar de ser tarde da noite, todos pareciam muito felizes. Adoraram também o hotel, requintado e confortável. Na primeira noite, após a viagem de quatro horas mais a demora nos trâmites do aeroporto, só nos restava o descanso.

Não pretendo mencionar aqui todos os lugares por onde andamos. Apenas digo que a cidade de Santiago, com sua mescla de prédios antigos e modernos, com a amplidão de suas ruas e avenidas, é adorável. Quem gosta de vida boêmia também não pode reclamar. Há bairros com bares e feiras populares, que funcionam até a madrugada, principalmente no verão. A cidade, ao mesmo tempo, oferece um clima de cultura intensa, pois é possível visitar livrarias, museus e assistir a alguma peça de teatro. As cidades de Valparaíso e Viña del Mar, as vistas que proporcionam e a presença do mar, contribuem para completar o espírito de férias e descanso que uma viagem a este país proporciona.

Depois de três dias na cidade, de alguns passeios e de descanso no hotel, jantamos num restaurante do bairro de Las Condes. Todos apreciaram muito a culinária local e experimentaram vinhos e cervejas. Eu, como guia, bebo pouco. Naquele dia, porém, incentivada por várias pessoas do grupo, exagerei com uns goles a mais. Falamos um tanto mais alto devido à animação, e contamos muitas piadas. Um dos jovens leu alguns parágrafos de um livro, uma comédia muito interessante. O que aconteceu de especial vem a seguir.

No grupo, havia um homem de meia idade que viajava sozinho. Disse-me que nunca gostou de excursões e que aquela era a sua primeira. Ingressara no grupo devido à indicação de uma amiga sobre o meu profissionalismo em conduzir turistas ao exterior. Conversamos durante vários intervalos no decorrer da viagem e dos passeios. Nesse terceiro dia, ou noite, porque se tratava de um jantar, ele ficou a me observar com mais entusiasmo do que de costume.

Após toda aquela alegria, voltamos ao hotel. Algumas pessoas, sobretudo os mais jovens, pediram que aproveitássemos o bar do hotel, que ainda estava aberto àquela hora, e que bebêssemos ainda um vinho ou mesmo cerveja, assim poderíamos continuar as conversas interrompidas com o final do jantar. Então, eu soube dos namoros que aconteciam entre aqueles que compunham o grupo. Havia jovens, homens e mulheres, que trocaram de apartamentos para que se formassem casais e que pudessem namorar livremente durante a noite. Falaram de algumas peripécias, sempre sobre outros, nunca sobre si. Mas mesmo assim foi muito engraçado. Disseram que a jovem Elisa, de cabelos compridos e cara de freira, entregou-se aos abraços de um homem mais velho. Ela se despiu com as próprias mãos, agarrou-o durante boa parte da noite e depois saiu envolvida num roupão, porque em meios à confusão que os dois estabeleceram no apartamento não lhe foi possível encontrar o vestido. Houve outras histórias tão hilariantes quanto.

Depois de sairmos do restaurante e subirmos aos apartamentos, ouvi três batidas suaves à minha porta. Era o homem que nunca viajara em grupo. Ele desejava me oferecer uma sobremesa, que trouxera do restaurante. Guardara-a com cuidado, para mim. Convidei que entrasse e aceitei o doce. Este homem tinha um talento especial, sabia fazer imitações com perfeição e começou a falar e fazer gestos como quase todos os integrantes do grupo falavam e agiam. Não aguentei de tanto rir. Ri tanto que tive de correr para o banheiro. Lá dentro, ainda continuei às gargalhadas. Quando saí, ele se pôs a me arremedar. Representou como se fosse eu a conduzir o grupo, imitou minhas falas nos passeios e, o mais engraçado, depois de eu ter bebido duas ou três taças de vinho. Ri tanto que acabei com sede. Bebi um copo de água mineral. Reparei, então, que sobre a pequena mesa, no interior do apartamento, havia duas garrafas de vinho. Abri uma e ofereci a ele. Continuamos a conversa, naquele momento de forma mais amena, já livre de tanto riso. Não sei quantos minutos se passaram, comecei a sentir um calor intenso. Lembrei que quando bebo demais passo a ter um instinto incontrolável para o sexo, e como aquele homem estava ali...

Mas não pensem que transei com ele. O homem bem que notou todo o meu fogo. Mas me dominei a tempo e disse que estava cansada, prometi que quando voltássemos ao Brasil poderíamos nos encontrar e conversar com maior liberdade. Ele quis contra-argumentar, mas aleguei que já estava tarde, no dia seguinte faríamos o último passeio, "precisamos acordar cedo", despedi-o. Ele se foi, muito polidamente, apesar de eu perceber em seu rosto um traço de contrariedade. Assim que saiu fiquei eu com o meu fogo, e sem saber como abrandá-lo. Tirei toda a roupa e vesti um roupão oferecido pelo hotel, apenas aquele tecido atoalhado sobre o corpo. A partir daí, fiz minha investida, que posso chamar de temerária.

Saí do quarto e caminhei pelo corredor até os elevadores. Quando o sinal de um deles soou, apareceu um homem jovial, que me perguntou:

"De onde onde és?”

“Brasil”, respondi. “Usted?”, abri-me num sorriso largo.

“Colômbia”, parou e esperou que eu tomasse a inciativa.

Foi aí que falei:

“Puedes esclarecer a mi donde fica Colômbia?”

Lépido, apontou a porta do seu apartamento.

Depois? Claro que explicou, e com muitos detalhes!

quinta-feira, maio 04, 2017

Eu, enfim, cedia

Mas se eu enfim cedia... Talvez fosse porque ninguém me conhecia naquela cidade. Quando as pessoas não sabem quem somos, ou quando estamos num lugar onde jamais estivemos e somos desconhecidas, tornamo-nos mais corajosas. Foi o que aconteceu naquela madrugada.

A cidade era Flores, um lugarejo à beira mar, e a proposta dele era tentadora, ou melhor, sugeria algo que testava minha coragem. Acho que tudo começou porque ele me viu andando pelo pequeno centro da cidade apenas de biquíni. Sempre entendi como normal uma mulher passear de biquíni quando está próxima à praia. Naquele local ainda não era propriamente a praia, faltava uma ou duas ruas, porém o cheiro do mar era tentador. Saí da casa onde estava hospedada, de biquíni e uma pequena bolsa a tiracolo. Num primeiro momento não dei conta se alguém me reparava. Havia algumas meninas brincando, também vestiam trajes de banho, e como sorriam. Sorri de volta. As meninas tinham os cabelos loiros e pareciam francesas. Segui na direção do mar. Parei numa das esquinas onde havia um quiosque, pedi dois maços de cigarros. Comecei achar que fizera a escolha certa ao permanecer alguns dias naquela cidade. Ao chegar à praia vi outras pessoas sentadas na areia, umas sobre espreguiçadeiras, outras sobre um pano estendido em cima da própria areia. E havia outras crianças. Escolhi um lugar em meio às pessoas. Um rapaz veio me oferecer uma espreguiçadeira e um guarda sol, de aluguel. Não recusei. Após sentar e apoiar minhas bolsas sobre o tecido que eu tirara da bolsa, comecei a ler uma revista. Mas a presença do mar era mais forte. Ele me tirou da página que eu tentava ler. Fiquei observando como estavam serenas as águas da praia, ao longe alguns barcos pareciam ancorados. Após olhar toda a extensão de areia, de reparar o barulho de domingo, ou de um dia de férias, voltei à leitura. O homem que apareceu para conversar chegou duas horas depois. Eu já havia entrado na água e tomara cuidado para não molhar os cabelos. Ele sorriu, ficou próximo e não demorou a vir perguntar-me se eu era turista ou se mudara para cidade. Sorri, tentando ser simpática. Disse que estava de férias, mas que não demoraria na cidade. Ele retrucou dizendo que era uma pena, o lugar era tão bom, que ficar menos de duas semanas seria uma perda. Achei engraçada a palavra perda, não tenho o costume de definir perda da mesma forma que ele. Mas sorri ainda, compassiva com o que ele dizia. Na verdade, eu não queria companhia, mas o homem ficou ao meu lado, em pé, a elogiar o local. Pensei que pudesse ser um comerciante que logo ofereceria o seu produto. No entanto, tratava-se de alguém que não está acostumado a encontrar mulheres sozinhas, um tipo de machismo muito comum nas muitas cidade do nosso país. Depois de algum tempo, peguei a revista e deixei de dar atenção a ele, voltei à leitura. Minha ação foi eficiente. Despediu-se e se retirou, antes disse que se precisasse de alguma coisa era só procurá-lo, pois todos o conheciam na cidade, chamava-se Éden. Continuei no mesmo lugar, lia a revista e sentia no corpo o sol e o cheiro do mar, a cidade possuía um frisson que excitava, difícil de traduzir em palavras. Fui à agua várias vezes, mas sempre com cuidado para não molhar os cabelos. Em uma dessas idas, reparei um rapaz, que também me olhou e sorriu, chegou a piscar um dos olhos. Tive vontade de conversar com ele, porém, não se aproximou. Às cinco horas, voltei para a pousada.

Fiquei no quarto até nove da noite. O banho de mar me deixara mole e sonolenta. Mas não podia ficar sem comer até o dia seguinte. Saí às dez e logo descobri, no pequeno centro, uma rua estreita onde se enfileiravam muitos bares, todos cheios, com pessoas jovens em sua maioria, bebiam e conversavam animadamente. O que me chamou a atenção foi que estavam todos muito bem vestidos. Encontrei uma mesa lateral em um dos bares e pedi ao garçom o cardápio. Havia vários pratos quentes e frios. Optei por uma salada e uma taça de vinho branco. O bar requintado da cidade interiorana era bem abastecido, tinha até mesmo muitas bebidas importadas. Antes da salada, serviram-me uma espécie de entrada, um prato quase ornamental, uma grande folha de alface espetada, e duas fatias de presunto, que vinham enroladas em si mesmas. Ao fim de trinta minutos, veio o prato pedido. Nesse meio tempo eu já observara às pessoas ao redor e reparara uma jovem que não cessava de olhar para mim. Achei estranho seu olhar. Num momento de distração, enquanto repousava o garfo e tomava um gole da taça de vinho branco, reparei que se encontrava ao meu lado, sempre sorridente, com ar indagativo. Perguntou se eu não me aborrecia estar sozinha. Respondi que não, estava acostumada a viajar e já me habituara. Perguntou ainda se podia ficar um pouco à minha mesa. Sim, respondi movimentando os ombros, como se aquilo não me aborrecesse.

É a primeira vez que você vem a Flores?, ela quis saber.

Sim, falei enquanto levava a taça aos lábios.

De repente ela perguntou:

Você reparou como os homens dessa cidade são engraçados?, disse isso enquanto sinalizava ao garçom para se aproximar. Sorrindo, pediu a ele um coquetel, não entendi o nome.

Os homens daqui são terríveis, viu? Terríveis e engraçados.

Engraçados, como?, demonstrei surpresa.

Ah, engraçados; chegam a estar pertinhos da gente, perguntam alguma coisa e depois desaparecem.

Desaparecem?, repeti.

Isso mesmo, repetiu, se a gente fica com vontade de sair com algum deles, fica apenas na vontade, porque não se sabe mais onde estão.

Agora me lembro, recuperei o que me acontecera na praia, um homem se aproximou e veio conversar, disse que todos o conhecem na cidade, que se precisasse de alguma coisa era só procurar por ele, seu nome é Éden, depois surgiu um rapaz que piscou o olho e não se aproximou.

São assim, sei quem é o que foi até você e se ofereceu para qualquer necessidade, fala assim com todas as mulheres.

E vocês, eu queria saber, não namoram ninguém, não casam nesta cidade?, fiz cara de curiosa.

Ela deu uma gargalhada. O garçom se aproximava com uma bebida de cor vermelha, colocou a taça, muito bonita, diante dela.

Ah, ela mostrou-se surpresa, não me apresentei, meu nome é Gorete.

E o meu é Sandra, retruquei. Onde estão suas amigas?, olhei para mesa onde ela estava momentos antes e reparei que se encontrava vazia.

Ah, foi sobre isso que falei a você, querem testar os homens da cidade, falei que não valia a pena, mas mesmo assim elas não me deram muita bola.

Elas não residem aqui?

Não, em Estância, fica a trinta quilômetros do litoral. Sempre vêm à cidade nos dias de folga, adoram este centro e dizem que aqui é mais fácil de paquerar.

Paquerar?, repeti e sorri.

Gorete começou a contar sobre uma de suas amigas, que namorara um rapaz na cidade. Saía com ele todas as noites, mas dizia estar cansada de fazer as mesmas coisas. O rapaz, para não perder a namorada, começou a criar fantasias, assim ela se distrairia e não ficaria reclamando. Passaram a representar papais diferentes, como não se conhecessem e se encontrassem de repente ao acaso, viviam várias situações, até mesmo algumas em que a mulher simulava estar em apuros.

Como, em apuros?, quis que ela me explicasse melhor.

Acho que faziam de conta que ela precisava de ajuda, como se estivesse afogando na praia, ou perdida na estrada. Numa dessas brincadeiras ela me falou que ficou esperando por ele totalmente nua, sorriu ao pronunciar a última palavra, e levou aos lábios o coquetel.

Ao vê-la tomar um gole, lembrei-me de dizer que a atmosfera da cidade me causava certo frisson.

Frisson?

Gorete achou a palavra interessante.

Então, falta frisson aos homens dessa cidade, acrescentou.

Mas sua amiga arranjou um homem que provoca arrepios, não?, acrescentei.

Ele é uma exceção. Já até tentei sair com ele, mas o homem não quis.

Jura?

Juro, meneou a cabeça positivamente. A cidade é muito pequena, ele falou, logo alguém vai nos ver juntos. E o que tem isso de mais?, perguntei a ele. Gosto muito da Anita, encerrou ele a conversa.

Não tenho atualmente necessidade de homens, não hesitei em falar. Eles, na maioria das vezes, aborrecem muito.

Você tem razão, mas a gente nunca segue o pensamento lógico, é a tal da paixão a nos complicar, ou o corpo a respirar, franziu a testa e sorriu. Sua expressão revelou mais charme do que eu antes pudera perceber.

Uma mulher chamou por Gorete, estava à beira da rua, fez sinal para que ela viesse até a borda do bar. Gorete atendeu ao chamado. A mulher cochichou algo no seu ouvido. Gorete sorriu, devolveu algumas palavras, deu um breve adeus e voltou à mesa.

Uma maluquete amiga minha, e deu uma sonora gargalhada.

Suas amigas são interessantes, atalhei.

Nem sempre, às vezes são engraçadas.

O que há de cômico nessa?

Acho que você não vai gostar de saber.

Por quê?

Porque você parece uma pessoa recatada, ela falou.

Como você sabe?

Veja, você ficou na praia a tarde inteira e não namorou ninguém, usa um biquíni até certo ponto conservador, não veio para este bar com a intenção de azarar, gostar de sentir a atmosfera de frisson que emana da cidade...

E o que há isso com o fato de sua amiga ser cômica.

É outra que vive a mil com o namorado, veio dizer que vai com ele a uma boate.

Que legal, não sabia de boates por aqui.

O problema não é esse, acrescentou, você reparou, ela já está quase nua e disse que só volta de manhã. Outro dia veio com a história de que o namorado gosta de lhe roubar a calcinha, toda vez que sai com ele volta sem. Hoje veio me dizer que ele não vai poder roubá-la, adivinhe por quê?

Ela veio sem.

Isso mesmo, você é inteligente. Ao terminar de falar, Gorete sorriu e me convidou para uma surpresa.

Se é uma festa não quero, afirmei, não gosto de multidão.

Nada de festa, vai ser uma experiência nova para você, garanto, e é um segredo nessa região. Vamos comigo, trata-se de algo ligado à natureza.

Você me espera beber mais uma taça de vinho?, impus como condição.

Ok, ela atendeu.

Enquanto esperei pela nova taça, acrescentei:

Na minha cidade já tive um namorado como este de sua amiga. Ele gostava de me levar nua dentro do carro, acredita?

Sério? Na cidade grande também acontece isso?

Os homens são os mesmos em qualquer lugar. Ele vestia terno, todo bem arrumado, ia me pegar quando eu saída de uma academia de ginástica. Eu vinha com aquela malha grudada ao corpo. Ele pedia que eu a tirasse dentro do carro, guardava toda a minha roupa dentro de uma valise e me levava nua ao seu lado. Era uma coisa de arrepiar.

E você acabou gostando?

Não é que acabei gostando, era o susto, sei lá, às vezes até era bom, mas o namoro não deu certo, não era isso que eu queria.

O garçom chegou coma a nova taça de vinho, e a amiga de Gorete surgiu novamente na borda do bar e a chamou. Gorete pediu licença. Enquanto tomava o vinho, ela deixou a amiga durante alguns instantes e foi ao toalete. Depois voltou, aproximou-se dela e lhe disse alguma coisa, os braços de ambas se cruzaram. Tomei mais um gole do vinho e Gorete voltou à mesa. Sua amiga desaparecera.

Deixamos o bar e a rua plena de gente. Caminhamos duas quadras e entramos no carro de Gorete. Ela guiou durante uns trinta minutos, afastando-se sempre da zona urbana. Antes da rodovia estadual, entrou num atalho, dirigiu durante mais dois quilômetros e parou o carro. Descemos. Havia várias árvores e estava escuro.

Não tenha medo, ela disse, venha comigo.

Ela andava como se já frequentasse o local havia tempo, caminhava rápida entre as árvores, vencia obstáculos e segurava minhas mãos quando me reparava temerosa. Chegamos, enfim, a um lago.

A água é quente, você vai gostar.

Caminhou até a beira, tirou a sandália e molhou os pés.

Venha ver, é muito gostosa, em cada lugar a temperatura é outra.

Não queria me molhar, falei.

Não se incomode, você nunca sentiu um prazer tão grande, falou e, radiante, deu-me as costas e tirou o vestido. Gorete estava sem calcinha.

Venha, não tema.

Não queria desagradá-la, mas confesso que comecei a ficar preocupada, pois a conhecera fazia pouco tempo, não sabia de quem se tratava e a mulher me convidava para ficar nua à meia-noite.

Não tema, venha.

Comecei a me despir, mas fiquei preocupada onde deixaria minhas roupas.

Não se preocupe, acrescentou adivinhando meus pensamentos, ninguém vem aqui.

Entramos então na água. Ela segurou uma das minhas mãos.

Gorete tinha razão. Em cada lugar que parávamos havia um tipo de temperatura.

Este lago mexe com a gente, ela fechou os olhos e demonstrou que sentia um tipo diferente de prazer. A gente até goza, nem precisa de concentração.

Apesar dos meus temores, tentei imitá-la na busca pelo prazer. E qual foi minha surpresa ao me ver arrepiada, começava a sentir um gozo como jamais sentira. Fui ficando cada vez mais excitada, meu coração chegou a se agitar.

Ainda bem que não sofro do coração, deixei escapar.

Ela sorriu. Ninguém morre de prazer, sentenciou. Ficamos as duas numa espécie de gozo que se prolongava, que se repetia, que nos arrebatava. Ele chegou a dizer:

Sinta apenas, não precisa olhar, chega-se a sentir um pênis a nos penetrar.

Não mais queríamos deixar o lago.

Parece um feitiço, cheguei a dizer, mas um feitiço positivo.

Um feitiço, uma magia, a magia do prazer, e ela gritou como se gozasse intensamente, um orgasmo profundo, quase definitivo. Não me contive, imitei-a no grito, um ardor prolongado.

Exaustas e ainda nuas deixamo-nos cair um pouco acima de uma das vertentes, ficamos de mãos dadas, tocando-nos com a lateral do nossos corpos.

Aqui ficam todas as angústias, falou depois de um longo tempo.

E não precisamos dos homens, acrescentei, o que é muito importante.

Quando começamos a voltar ao carro foi que nos preocupamos em descobrir onde tínhamos deixado nossas roupas.

Cheguei à casa onde estava hospeda ao amanhecer. Naquele dia dormi até às duas da tarde.

Depois do almoço, fui à praia. Deitada sob o sol e olhando uma paisagem surpreendente, comecei a pensar sobre o prazer que sentira na noite anterior. Não passou muito tempo para que se aproximasse e se agachasse junto a mim o homem do dia anterior. Perguntou se eu precisava de alguma coisa. Respondi que o mais interessante naquele lugar era a tranquilidade. Minha resposta tinha a intenção de afastá-lo. Mas não foi assim que ele entendeu;.

Este local é realmente um paraíso. Tenho um amigo que pertence a uma igreja que quer construir o paraíso na terra, disse a ele para vir aqui, o paraíso já existe, terminou sua sentença com um enorme sorriso. Depois me perguntou se eu mergulharia, pois, continuou, não era bom arriscar-se a uma insolação.

Ri de sua última palavra, e ele entendeu o meu gesto como sinal de simpatia. Caso eu entrasse no mar, estava pronto a me acompanhar, embora afirmasse que a praia, apesar de mar aberto, tinha as águas calmas. Permaneceu ainda ao meu lado por um tempo que me pareceu enorme. Não tinha mais o que falar. Eu também me mantive silenciosa.

Quando o sol atingiu aquele ponto limite sobre meu corpo, o estágio que aponta tênue divisa entre moderação e excesso, levantei-me, sorri ainda uma vez ao homem e caminhei para a beira d’água. O contraste entre a temperatura do meu corpo e a da água do mar provocou-me certo prazer. Mergulhei. Depois de dois ou três segundos voltei à tona. A água escorria pelos meus cabelos e borrifei através dos lábios um pouco da água salgada que sempre ouso experimentar enquanto mergulho. O sal sempre estimulou todos os meu sentidos. Dei as costas para a praia, pretendia admirar o horizonte. Mas o que descobri em primeiro plano foi o homem que me espionava na areia. Viera atrás de mim, também mergulhara e nadara, submerso, mais longe. Sorria, pouco a pouco aproximou-se. Notou que não me agradava, mergulhou de novo, deixando-me sozinha. Naquela tarde não mais o vi. Então, pude praticar algo que sempre me deu prazer, desde menina, sei que é uma bobagem, mas para mim tem significado. Tirei a parte de baixo do biquíni e o prendi no tornozelo, como se faz com uma pulseira em volta de um dos braços. Nadei apenas de top, de um lado a outro, sentindo o prazer da água fria entre minhas pernas. Pensei no homem que me espionara. Será que estaria por perto. Acho que gostaria de me encontrar nua, de poder tocar a minha pele, de me namoricar um instantinho que fosse. Achei até que poderia estar escondido, quem sabe submerso, e conseguisse descobrir minha nudez. Mas isto não aconteceu. Às cinco da tarde, voltei à pousada.

À noite, depois das nove e meia, encontrei Gorete de novo. Ficamos durante algum tempo no mesmo bar da noite anterior. Ela pediu sua bebida rubra, enquanto eu optei pelo mesmo vinho. Aqui, os donos de bar tem bom gosto, as bebidas são esmeradas, elogiei.

Gorete sorriu. Sua amiga, a mesma que a chamou da borda do bar na noite anterior, aproximou-se. Beijou-lhe ambas as faces. Gorete apontou para mim, a moça sorriu e acenou. Ao voltar, segurou seu copo, tomou um gole e falou:

Ela achou seu vestido lindo, disse que adora vestidos que vão até os pés.

Achei que ela preferisse sempre os de pouco comprimento.

Nada disso, o negócio dela é mais embaixo.

Ambas rimos.

Passava de uma hora quando saímos juntas do bar. Vamos andar de carro, sugeriu minha amiga. Ela se pôs ao volante, ligou o carro e deu a partida. Costeamos a praia, e entramos por uma pequena estrada que subia um morro. Na parte mais alta era possível ver o outro lado da enseada.

Bonito daqui, falei.

É muito bonito.

Será que o prazer vai ser o mesmo de ontem?, eu comecei a sentir o frisson que a noite emanava.

Acho que maior, ela sorriu depois da resposta.

Gorete dirigiu descendo a vertente oposta da montanha. Não havia ninguém, apenas nós deslizávamos estrada a baixo. Ao chegarmos à praia, ela desligou o motor, abriu a porta e saímos direto para a areia da praia.

A água aqui é quente, como a do lago, embora o mar seja aberto.

Tirei as sandálias, segurei-as com uma das mãos e caminhei até a beira. Verdade, a água estava quente.

Gorete aproximou-se e segurou-me pela cintura, levantou o meu vestido.

Não precisa fazer isso, eu mesma tiro.

Fiquei nua. Gorete abraçou-me. Ao apertar-me num abraço estreito, senti algo rijo onde deveria ser o sexo de uma mulher. Ela também tirou a roupa. Gorete tinha um pênis. Como eu não notara da vez em que estivéramos no lago? Ah, o prazer foi tanto..., pensei

Não se assuste, só se você quiser, falou, sem conseguir escondê-lo, sem conseguir evitar que crescesse ainda mais.

Olhei um tanto estupefata, mas me recuperei a tempo. Pensei muito, num curto espaço de tempo.

Já sei, dei uma sonora gargalhada, é você que rouba as calcinhas das moças da cidade.

Só as calcinhas? Já levei comigo tantos vestidos, elas adoram andar nuas, e adoram trepar comigo.

Sou como elas, eu enfim cedia, por aqui ninguém me conhece, faça a seu bel prazer, aja como se eu fosse uma delas. Corri e mergulhei no mar noturno. Gorete seguiu-me.