quinta-feira, setembro 18, 2008

Aposta

Tudo começou com uma aposta.

“Duvido que você faça isso”, disse minha amiga.

“Faço, não tenho medo nem vergonha.”

“Aposto que você não faz; não acredito.”

“Quer apostar mesmo? Digo que vai perder...”

Acabamos apostando. Agora não lembro a quantia, mas não era alta; o que valia era o intento.

A luz do corredor do meu andar apagava quando não havia presença humana. Mas o lugar onde eu decidira sentar, no quarto ou no quinto degrau da escada, entre o sexto e o sétimo andar, fazia que o sensor constantemente acendesse a lâmpada, o que de certa forma podia despertar a atenção de algum morador que estivesse acordado. Eu esperava aquele homem misterioso ali, quase junto à sua porta. Sabia que ele morava só e sempre chegava do trabalho por volta das duas da madrugada. Para completar, cumprindo as exigências da aposta, eu estava nua. Isso, nua em pêlo. Sentia a pedra fria da escada sob meu bumbum; a estação do ano não era de frio, mas a noite estava fresca; uma ligeira corrente de ar arrepiava minha pele.

Percebi quando o elevador começou a subir. O marcador enumerava os andares. Quando parou no sexto, senti um frio na barriga. Mas respirei fundo e aguardei os acontecimentos. Encolhi-me, encostei a parte da frente das coxas aos seios, envolvendo as pernas com os braços, feito um cordão. A única coisa que eu temia era que a pessoa que saísse do elevador não fosse quem eu esperava.

Não me enganei. Era ele mesmo, o morador do 603.

Ao me avistar, teve um ligeiro sobressalto. Depois olhou de novo, como se não acreditasse no que via. Em seguida chegou a sorrir, mas um sorriso nervoso.

Fiz fisionomia de desencanto.

“O que houve?”, perguntou ainda assustado.

“Uma separação”, respondi.

Ele abriu a porta um tanto atrapalhado e perguntou:

“Quer entrar?”

Levantei-me, cobri os seios com as mãos e caminhei para dentro do apartamento.

Fechou a porta e falou:

“Vou lhe dar alguma roupa”, fez um gesto de quem vai à procura de alguma coisa.

“Não é necessário, aqui dentro já me sinto segura.”

Ficamos os dois olhando um para o outro.

“Acho que daqui a pouco minha amiga já vai estar mais calma, então poderei voltar.”

“Mas, nua?”

“Está tarde, ninguém vai perceber”, falei.

“Apenas eu a vi nua?”, quis saber.

“Sim.”

“E o que fazemos, agora?”, disse ainda assustado, como se minha nudez fosse um grande estorvo.

“Não há problema algum, podemos conversar um pouquinho até que a minha amiga se acalme.”

“Sente-se, por favor, tem certeza de que não quer vestir nada?”

“Tenho”, acomodei-me numa poltrona, cruzando as pernas.

“Bebe então algo?”

“Bebo.”

O engraçado foi o seguinte: a nua era eu, mas ele é que continuava nervoso.

Bebemos. A bebida fez que ele relaxasse.

Sorri algumas vezes.

Então compreendeu minhas intenções. Aproximou-se, mas demorou para tocar meu corpo.

“Por essa eu não esperava, acho que acertei na loteria”, falou e também sorriu.

Saí de lá por volta das quatro da madrugada.

“Tem certeza de que não quer vestir nada? Você vai sair assim, nua?”

“Vou.”

“Caso sua amiga não abra a porta, pode voltar, tá?”

Depois de cinco minutos, bati com o nó do dedo médio três vezes em sua porta.

Ele abriu.

Eu, ainda nua e cobrindo os seios com as mãos, sorri para ele:

“Voltei!”.

quinta-feira, setembro 04, 2008

O xale

I

“Ele nos convidou.”

“Quem?”

“O Diógenes.”

“Que Diógenes?”

“O magnata; aparece em todas as revistas de celebridades; nunca ouviu falar dele?”

“Ah, o que mora na Viera Souto?”

“Esse.”

Marieta olhou-me e esperou o motivo do convite. Como nada falei, perguntou:

“Convidou pra quê?”

“O que você acha que ele deseja?”

“Ele é capaz de conquistar mulheres mais jovens e mais belas; o que há de querer de nós?”

“Não percebe, Marieta? Ele gosta de nossa ousadia.”

“Verdade, não existem mulheres mais ousadas do que nós.”

A garçonete chegou com nossos pedidos. Estávamos numa cafeteria, na Visconde de Pirajá. O cheiro agradável da bebida estimulou nossos sentidos. A moça trazia também um quiche de legumes para mim e um cheese cake para minha amiga. Outras pessoas aqui e ali nas mesinhas de madeira circundavam-nos.

“Mas esses milionários parecem que são tarados; ele faz uma exigência particular”, falei.

“Qual?”

“Como sabe que somos mulheres ousadas, quer o seguinte: eu e você temos de vestir a mesma roupa.”

“Mesma roupa? Então quer dizer que temos de ir exatamente vestidas de modo idêntico?”

“Não, não é isso.”

“O que é então? Não entendo...”

“Preste atenção, o que ele quer é o seguinte...”, interrompi para beber mais um gole do meu expresso, “...devemos dividir as roupas que caberiam a uma só pessoa.”

“Esse homem é louco?”

“Pelo que me consta não, mas quem sabe?”

“Você acha possível irmos como ele exige?”

“Marieta, você sabe que para obtermos nossas vantagens sempre damos um jeito.”

“Mas vamos fazer o papel de ridículas, vamos nuas ou seminuas...”

“Pior é sair vestida e voltar nua...”

“Por favor, não me lembre sobre isso!”

“Creio que tenho uma solução.”

Marieta levava à boca o último pedaço de seu cake.

“Qual?”, ela quis saber.

“Ele não disse a quantidade de roupas que podemos vestir.”

“Pessoas desse tipo são exigentes; caso não sigamos o que ele quer não vamos ganhar coisa alguma.”

“Querida, não vamos exagerar; lembre-se de que estamos no inverno; vamos fazer assim: você vai vestida como de costume, eu arranjo um xale, envolvo o pescoço e depois o resto do corpo. Vamos de carro; poderemos deixá-lo na garagem.”

Acabei de tomar os últimos goles do café, chamei a garçonete e pedi um pedaço de torta de morango com chocolate. Marieta deu-se por satisfeita.

II

Sobre uma pequena mesa lateral, havia uma estátua mediana de uma deusa grega. A base era de mármore e o corpo da deusa de bronze. Nua, ela destacava-se em meio a outras pequenas obras de arte que se espalhavam pelo salão. Uma vez que a noite estava clara, podia-se admirar o mar através dos vidros da grande janela que ocupava toda a frente do apartamento.

Não foi necessário que uma de nós chegasse nua. Através de um telefonema, ele nos deixou livres para encontrá-lo vestidas do jeito que bem desejássemos. Aproveitamos a época de inverno, que não é tão intenso no Rio, para vestirmos tecidos sensuais. Ao mesmo tempo em que nos insinuávamos, instigávamos a imaginação dele.

Tentou o mais que pôde ser gentil. Falou sobre arte, que era sua especialidade. Ficamos ouvindo-o, enquanto percebíamos o som ambiente; algumas vezes Mozart; outras, Chopin.

Em certo momento, Marieta soltou o cinto. O vestido dela era daqueles que se assemelham a um balão; fecham-se na parte de baixo em relação à cintura e despertam nos homens a vontade de enfiar uma das mãos sob o tecido e escalar as pernas de quem os usa. Nosso anfitrião a olhou com maior intensidade. Percebemos que o desejo tomou-lhe quase num golpe súbito. De repente, falou:

“Fiquem à vontade, não há mais ninguém aqui, além de nós três.”

Retirou-se durante alguns minutos; foi até a copa para nos trazer alguma coisa para saborearmos. Entendemos o que queria.

Marieta, num impulso intuitivo, tirou toda a roupa. Segui-a nos mesmos gestos.

Quando ele voltou, fez de conta que nada de mais havia acontecido.

“Querem um pouco de frios? É bom para acompanhar o vinho.”

Ele trouxera uma tábua arrumada artisticamente. Tudo o que fazia tinha um toque de beleza.

Eu e Marieta mantivemo-nos sentadas, de pernas cruzadas, em postura altiva e glacial. Trajávamos apenas nossos adornos: brincos, colares, pulseiras, anéis; e nos mantínhamos sobre saltos.

“Nunca estivemos aqui”, falou em voz baixa minha amiga, olhando ao mesmo tempo para a decoração do ambiente.

“Faltavam-me meios de encontrá-las; agora podem vir quando quiserem.”

“Obrigada, é muito gentil”, foi minha vez de falar.

“Adoro mulheres maduras e lindas.”

“Há muitas lendas a seu respeito”, continuei.

Marieta acendeu um cigarro.

“As lendas multiplicam-se mas, como vocês podem constatar, sou uma pessoa simples.”

“Também somos”, falei.

“Vocês sempre saem juntas?”

“Quando nos convidam...”, Marieta sussurrou, soltando a seguir a fumaça do cigarro.

“Dizem que andam nuas pela cidade.”

“Também são lendas”, repliquei, “nunca nos cobrimos tanto.”

“Posso fotografar vocês”, pediu-nos com delicadeza.

“Claro”, falei, “ficaremos muito lisonjeadas.”

Fez-se então a sessão de fotos. Ajudamos nas poses. Ele mostrava-se cada vez mais excitado.

Depois, convidou-me a segui-lo. Marieta permaneceu na sala, em meio à luz de abajures e envolta na magia da fumaça do próprio cigarro.

Não preciso dizer tudo que proporcionei a ele; houve vários momentos em que se viu imerso em intenso frêmito.

Depois pediu que Marieta entrasse. Quis que eu ainda permanecesse. Exercitou-se num jogo duplo, difícil para alguém de sua idade.

Disse para nós: “vocês são capazes de voltar nuas para casa?”

Marieta arregalou os olhos.

Antecipei-me com naturalidade:

“É claro que sim.”

Enquanto falava o acariciávamos.

“Não se assuste, depois que ele gozar não vai falar mais nisso”, pude dizer à minha amiga quando ele se demorou num gemido mais alto e prolongado.

“Ah, adoro mulheres como vocês; são capazes de tocar os homens no que há de mais fundo.”

Trabalhamos intensamente a sua sensibilidade. Ele mostrava-se à beira do gozo, chegava a urrar, mas equilibrava-se num fio tênue, conseguindo prolongar o prazer que proporcionávamos. Pensei que morreria.

“Vamos parar, ele pode ter um troço”, sussurrei.

“Que tenha, quero minhas roupas de volta.”

Apontei para o pênis e para a boca de minha amiga. Ela acudiu.

Passei minhas mãos por baixo das nádegas do homem, segurei-lhe a parte posterior do pênis puxando seus testículos carinhosamente na direção oposta a que ia a boca de Marieta. Então ele gritou terrivelmente. Ejaculava. Quando acabou, minha amiga ameaçou correr ao banheiro. Segurei-a, colei meus lábios aos dela e fiz que me passasse todo aquele mel. Quando a tarefa se deu por terminada, virei para ele, abri ligeiramente a boca e deslizei a língua com vagar pelo meu lábio superior. Ele, num novo grito de regozijo e num último lampejo, como um foguete que ainda explode atrasado, lançou ainda um jato de esperma. Caiu então para trás, mergulhando numa branda sonolência.

Deixamos o quarto. Vestimo-nos. Sobre uma das mesas havia dois envelopes com nossos nomes. Guardamos os envelopes.

Voltei ao quarto para me despedir. Beijei-o. Ele abriu os olhos; estava exausto. Sorriu.

“Ainda deseja alguma coisa, querido?”, soprei em seu ouvido.

“Não, obrigado; se vocês quiserem, podem ir.”

Fiz sinal para que Marieta o beijasse.

Falei mais uma vez: ”tens certeza de que não desejas mais nada?”

Marieta, após beijá-lo, arregalou os olhos em minha direção.

“Não; mas voltem sempre; não esquecerei vocês.”