quarta-feira, setembro 26, 2007

Na praia

Foi um namoro de primeira vez. Rolamos pela cama e nos agarramos durante mais de duas horas. Segurava-o e mantinha-me com os lábios colados aos seus. Ele apertava meus seios, depois minhas pernas, acariciava-me de todas as maneiras. Não me deixou incólume. Proporcionou-me o orgasmo duas ou três vezes. Da mesma forma, também usufruiu prazer máximo. Eu soube trabalhá-lo, soube fazê-lo sentir sutilezas inimagináveis. Às vezes, entre um gemido e outro, dizia-lhe: “me leva nua à praia, vamos fazer amor lá” ou “me deita sobre as areias úmidas, quero ter como capa apenas o vapor prateado das estrelas”. Ele então emitia sussurros de gozo e beijava-me, a seguir se soltava e mordia meus seios. Quando demos mostras de exaustão, eu transformara-me num rio caudaloso; queria-o imerso na tepidez de minhas águas.

O mar explodia sobre as areias brancas, entardecia. Eu era uma das poucas remanescentes de um dia azul e luminoso. Perdia-me em pensamentos e olhares em direção às cores multiformes da tarde. A praia pouco a pouco tornava-se rósea, acompanhando a cor dos raios solares; na superfície das águas vez ou outra se via o rebrilhar de algum raio fugidio, diamante perdido que filtrava as últimas luzes do dia. Então ele surgiu. Passou silencioso, parecia ter saído da imensidão. Nestas praias semi-desertas, a extensão litorânea nos faz pensar em espaços infinitos e selvagens. Ele saiu de dentro de uma solidão composta de areias, céu, mar e alguma vegetação mais saliente que insistia em romper terrenos áridos para dar vez a um coqueiro. Passou por mim sem que eu percebesse seu olhar. Continuei fixa, distante, mas pude admirar as curvas sinuosas de seus grandes pés.

O hotel ficava atrás, bastava cruzar uma pequena cerca e atravessar uma ponte sobre um rio de águas escuras e medicinais para se entrar numa área extensa onde predominava a beleza rústica aliada a alguns toques de arquitetura sutil. Viam-se o grande salão, a piscina, o lago com caiaques e pedalinhos, mais adiante o restaurante. Os apartamentos ou chalés se perdiam por toda a extensão da propriedade; alguns tinham vista privilegiada, como voltada para o lago ou para o mar, enquanto outros permaneciam escondidos, quase à sombra, residência temporária àqueles que amam o repouso, ou mesmo desejam estar a sós com a pessoa amada.

Ele cruzou a cerca, atravessou a ponte e se perdeu na tarde que já nos sombreava.

Senti certo pesar ao perceber que devia deixar a paisagem na qual estava imersa havia horas. O funcionário do quiosque sorriu para mim quando passei ainda em trajes de banho, coberta por um discreto chapéu branco e com os óculos escuros a me protegerem ou mesmo a me proporcionarem maior liberdade. Cadeiras e guarda-sóis pouco a pouco ficavam vazios, aguardavam os braços fortes do funcionário que os recolheria.

À noite, após o jantar, sempre era programado algum tipo de festa. O hotel – na verdade era um resort – ficava longe da cidade de Ilhéus, seus administradores procuravam contentar todos os gostos e manter os hóspedes no local. O show programado era uma festa caribenha. Os funcionários montaram um palco ao ar livre e mesas que se estendiam sobre um vasto gramado. Spots e luzes foram acrescentadas às existentes, especialmente para a festa. Os garçons vestiam camisas estampadas acompanhando o tema da noite, serviam a todos com largo sorriso. Os hóspedes consumiam bebidas delicadamente preparadas, muitos pediam tequila e marguerita. As apresentações se iniciaram com as moças dançando música cubana, depois se aventuraram por sons e danças dos países vizinhos. Permaneci em uma das mesas, só, olhando a animação geral. Confesso que em determinados momentos me senti atraída e identificada ao entusiasmo geral. Assustei-me quando alguém, de forma inesperada, aproximou-se. Era o homem que passara por mim na praia ao entardecer. Perguntou se me podia fazer companhia. Trazia uma enorme taça que continha uma bebida colorida, quase rubra.

– Se minha face corou é porque tornou-se espelho de sua taça.

Ele a princípio não entendeu a insinuação, apenas após alguns segundos é que caiu em si e perguntou:

– Por que minha presença provocaria tal reação?

– Mistérios que só pertencem às mulheres...

Apontei-lhe a cadeira. Permanecemos lado a lado apreciando a festa. No final, as pessoas puderam aventurar-se no palco para tentar alguns passos ao lado dos dançarinos profissionais. Muitos jovens não se negaram ao experimento. A diversão foi geral. Meu recente conhecido continuou silencioso. Correspondi-lhe ao temperamento e admirou-me sua quietude. Geralmente nesses lugares aparecem pessoas falantes, logo se põem a perguntar, querem saber proveniência, profissão, fazem observações que invadem a privacidade. Ele, no entanto, permaneceu como as luzes da noite, brilhantes, silenciosas, a dar aos caminhos um manto prateado. Ao levantar para me recolher, percebi suas leves passadas a meu lado. Disse-me que estava só e se tornara amigo de um casal que, como ele, viera de Brasília. Saía a passeios com os dois, mas também caminhava sozinho por todo o litoral. Convidou-me para acompanhá-lo na manhã seguinte.

– Vou ver; tudo vai depender de meu estado de espírito pela manhã; devo estar no mesmo lugar de hoje à tarde; passe lá, pode ser que eu vá.

Deixei um sorriso discreto e desejei-lhe boa-noite.

Durante algum tempo ainda permaneci na varanda de meu chalé; além de poder observar um céu incrustado de estrelas, ouvia o rumor contínuo e indômito do mar. Enfim me despi e mergulhei em sonhos na noite acolhedora.

Na manhã seguinte deixei o café da manhã e atravessei a ponte em direção às areias brancas da praia. Não permaneci no ponto em que havia combinado. Decidi caminhar – em trajes de banho, com o mesmo boné da véspera e os óculos escuros – em direção ao litoral norte. Com passadas pequenas, mergulhei na mais completa solidão. O mar recuara, suas ondas estavam distantes, as espumas chegavam tímidas até a beira d'água. Uma brisa morna aquecia o ar, mas ainda se podia perceber que a madrugada fora fresca e que deixara seus rastros; vez ou outra mudança súbita na temperatura do ar indicava que a friagem das primeiras horas não se dissipara por completo. Nesses sítios, ao se caminhar em estado de total comunhão com a natureza, esquece-se que há à nossa volta todo um mundo constituído de vilas, cidades e países. É como se a realidade não fosse além daqueles limites, aparentemente infinitos, e que não há nada mais do que a paisagem em todo seu estado primitivo; até mesmo uma cabana inesperada que nossos olhos descobrem torna-se um pequeno acidente.

Exausta, após três-quartos de hora descobri uma barraca feita com troncos de árvores, coberta por algumas traves e folhas secas de coqueiro. Mesas rústicas espalhavam-se à frente sobre um pequeno pedaço de areia. Não se via viva alma mas se podia perceber seu interior: a tábua principal estava levantada e algumas bebidas, além de uma velha geladeira, alinhavam-se ao fundo. Sentei-me. Uma mulher de meia idade surgiu sem que eu soubesse de onde. Sorriu e me perguntou se eu desejava alguma coisa. Pedi água de coco. Serviu-ma com seu sorriso enviesado e a com as maneiras do lugar. Sorvi a água enquanto olhava o mar. Um velho cão corria à beira d'água; vez ou outra envolvia-se na areia, saltava, para depois se deixar lavar pelas pequenas ondas.

Surpreendeu-me presença humana que ia além de mim e da mulher da cabana. Alguém se avizinhava com passadas firmes, pernas fortes, um atleta de longo curso; vinha num ritmo de beleza olímpica, corredor grego incumbido de avisar que seu exército venceu a batalha prometida. Era meu admirador da véspera. Ainda corria distante quando pude perceber seu porte viril. Passou pelo ponto em que eu estava sem dar conta de minha presença. Sua marcha possuía movimentos que o irmanavam à paisagem. Seu espectro foi tornando-se cada vez menor. Ainda pude vê-lo ao entrar por uma curva da enseada, banhado de sol e de gotículas de mar.

Só o reencontrei quando mais tarde me deleitava ao sol, diante do hotel, no mesmo lugar onde ele me vira pela primeira vez. Saía do mar e não hesitou em se dirigir a mim.

– Fico feliz por ver você – ouvi sua voz.

Sorri para ele enquanto colocava a espreguiçadeira na posição correta para me sentar. Percebi que suas palavras procuravam deixar ao largo a imprevisibilidade de minha atitude durante a manhã.

– Há uma boa barraca após a próxima enseada; lá, servem um ótimo camarão; aceita o meu convite?

Sorri em assentimento. Pusemo-nos a caminho. Com a manhã já adiantada, a freqüência à praia tornara-se bem maior. Muitos tomavam sol, alguns bebiam no quiosque do hotel, outros jogavam vôlei, enquanto havia aqueles que tomavam banho de mar.

Quando já estávamos na barraca aguardando o prato sugerido por ele, percebi que me apreciava o corpo. Já não sou jovem; mantenho, porém, a beleza da idade madura; talvez uma protuberância aqui, uma marca acolá, mas de modo geral os homens não deixam de me admirar. Embora ele tivesse uma aspecto jovial, mais tarde me diria que beirava os quarenta antos. Tentava manter a forma, os músculos aprumados, mas era consciente de que a beleza física é provisória.

Não pediu bebida alcoólica, ao passo que eu tomei uma caipirinha. Confesso que a bebida trouxe-me uma ponta de excitação. E ele percebeu. Estendeu os olhos sobre meu corpo. Senti meu biquíni ainda menor ante sua insistência. Como conseguiu deixar-me vexada, pedi licença, caminhei a extensão de areia que nos separava do mar e mergulhei nas águas que refletiam um azul brilhante e límpido. Escondi-me ainda que provisória. Ele acabou por me acompanhar. Mergulhou após alguns minutos e se aproximou tanto que chegou a tocar-me. Minha pele estava fria, as águas do mar baixaram-me a temperatura; pude voltar mais tranqüila à barraca. A garçonete acenava: nossos camarões estavam prontos e servidos.

Saboreamos a iguaria. O prato fora preparado com beleza peculiar, acompanhava a rusticidade local. Continuei a bebericar enquanto o ouvia. O homem falava pouco, mas procurava pontuar seu discurso provocando um efeito interessante. Parecia saber contar histórias. De antemão eu soube que era pessoa viajada, trabalhara em várias embaixadas do país no exterior. Perguntei se era embaixador.

– Ainda não – sorriu e bebeu mais um pouco de água mineral.

– Se você está de férias, por que viaja no próprio país?

– As viagens ao exterior no meu caso têm uma ar de trabalho. Já conheço muitos países. Lá fora faço turismo cultural. Quando busco ambientes naturais, prefiro alguma praia do Nordeste, como esta.

Contei de onde eu viera e o que fazia. Escutou-me com bastante atenção. Demonstrou alegria quando eu disse que morava no Rio.

– É uma das poucas cidades onde não tenho muitos amigos. É bom conhecer você porque vai ser um bom motivo para eu visitar a cidade. Gosto muito de lá, mas tenho ido pouco nos últimos anos.

Vivia em Brasília e disse que havia pouco enfrentara uma dolorosa separação. Tinha um filho ainda pequeno, não o via com freqüência, embora gostasse muito dele.

Olhei toda aquela luz que nos dourava a pele, segurei suas mãos e me aproximei dele. Não foi longo o tempo que passou até eu criar uma situação que nos levou a um beijo demorado. Apesar de ainda estarmos na mesa diante da barraca e do mar, do copo com alguma caipirinha, de alguns camarões que nos restavam, e de olhares curiosos sobre duas pessoas de meia-idade que se abraçavam, nosso namoro começou em temperatura elevada. Quando nos desprendemos, acariciei-lhe os ombros.

Após deixarmos o local, em meio à caminhada de volta, mergulhamos num pedaço de mar onde éramos sós. Dentro d'água, agarrei-o com mais insistência. Ele segurou meu corpo, apertou-me, apalpou-me as costas, escorregou as mãos até quase meu bumbum. Mas, enfim, não era homem de avanços imediatos. Ficamos abraçados, com a água a nos escorrer pelos cabelos e rosto. Tive vontade de ficar nua em seus braços. Bem que seria possível, além de nós dois, a praia insistia em não dar mostras de presença humana. Mas contive-me. Como ele parecia tão digno, preferi não me precipitar. Quem sabe assim poderia tê-lo por mais tempo, quem sabe ele não seria a pessoa ideal para se viver.

Ao chegarmos diante do hotel, encontrei minha espreguiçadeira vazia. Deitei-me. Ajeitei o chapéu sobre a cabeça, já que o sol vinha de outra direção. Limpei os óculos na toalha e o coloquei no rosto. Chamei o garçom, que veio atender-me com pronta solicitude.

– Uma caipirinha, por favor.

Meu companheiro sorriu, largou-se a meu lado sentando-se sobre a areia.

A bebida insuflou-me ânimo novo. A tarde já ia com seus raios de sol suaves, o mar pleno de explosões trazia odores de vida e transmitia uma sensação quase de êxtase. Tomei nos braços de novo meu acompanhante e lhe beijei longamente os lábios. Trouxe seu corpo para mais perto; percebi, porém, que ele demonstrou algum desconforto. Alguém passou por ele e com muita discrição cumprimentou-o com um movimento com a cabeça. Depois percebi que era um casal, talvez os amigos que conhecera na viagem.

Quis estar a sós com ele. Sentia-me impelida a abraçá-lo, a pressionar meus seios sobre seu corpo, a percorrer sua pele com meus lábios úmidos de desejo, mas ali não era o lugar propício. Beijei-o de novo.

– Vamos para o meu chalé – sugeri.

Ele sorriu em assentimento e se levantou.

Jantamos juntos no restaurante do hotel. Devido à hora adiantada, muitas mesas já estavam vazias. Os casais que ainda permaneciam conversavam, saboreavam doces ou tomavam café. Os jovens passeavam pela área ao ar livre. As crianças corriam e algumas gritavam. Aconteceria depois das nove outra festa para os adultos; ao passo que para as crianças, recreadores programavam atividades próprias.

Era bom estar diante de meu novo amigo. Já entendêramos que seria difícil desvencilharmo-nos um do outro. Quando conhecemos alguém, sobretudo num local onde o tempo escorre rápido e sabemos que não está longe o dia da partida, desejamos aproveitar todo o tempo da melhor maneira possível; não nos abandona o pensamento de que já éramos antigos namorados e que na verdade nunca estivemos separados. Mas são armadilhas de férias, emboscadas de viagens que nos parecem tirar do mundo, miragens que logo se diluem quando voltamos à vida cotidiana. Passamos então a sentir que aqueles momentos foram um sonho e duvidamos até mesmo que um dia tenham existido.

Andamos sob as luzes das estrelas e da parca iluminação elétrica. Eu vestia apenas uma leve bermuda e um top. Fazia calor. Meu companheiro não perdeu a elegância. Apesar de estarmos num hotel em que se podia ir de short e camiseta durante todo o dia e toda a noite, vestiu-se de modo a despertar a atenção de outras pessoas. Não era nada demais, porém a roupa esporte que usava caía-lhe com perfeição e se podiam perceber os detalhes do corte e do desenho.

Insisti para que caminhássemos à beira-mar. Atravessamos a pequena ponte e nos deparamos com o mar, que estava bravio àquela hora. As ondas estouravam próximas a areia e vez ou outro o vento nos trazia alguns respingos. Andamos na direção sul. Vimos as luzes do hotel vizinho. Algumas pessoas se divertiam no quiosque externo. Casais abraçavam-se, principalmente os jovens, enquanto uma música romântica vinha inundar a todos. Estaquei, pus-me de frente ao meu homem e procurei seus lábios. Ele de pronto respondeu-me. Beijamo-nos demoradamente. Aproximei-me o mais que pude e o apertei com bastante força. Comprimi meus seios a seu tronco rijo. Depois fui largando-o vagarosa, como se me tivesse tornado exaurida devido ao esforço em retê-lo. Ele deslizou suas mãos entrelaçadas por minhas costas e prendeu-me à altura dos quadris, enquanto eu permanecia com a cabeça recostada sobre um de seus ombros.
Ao voltarmos ao hotel, após nosso passeio de muitos toques e poucas palavras, vimo-nos imersos em grande dúvida. Dormiríamos juntos ou não? É lógico que ambos queríamos permanecer lado a lado durante todo o tempo. Nenhum de nós, porém, aventurou-se a tocar no assunto. Fiz que me despedia. Só então perguntou:

– Não vamos ficar juntos à noite?

– Não sei, ainda nem nos casamos...

Ele riu de minha resposta, mas não se deixou vencer.

– Vejamos se há alguém no hotel que nos possa casar.

Olhei para ele com expressão de susto.

– Você não acha que estamos indo rápido demais?

Virei-me de frente, dei-lhe um beijo ligeiro e disse:

– Quem sabe alguém me convida para conhecer seu castelo?

Ficamos na cama até quase nove da manhã. Daí em diante começamos nosso ritual. Parti para meu chalé com a desculpa de que precisava me preparar para aquele lindo dia que começava. Marcamos encontro no restaurante, para o café da manhã.

Ao terminarmos a rápida refeição, ele falou:

– Tenho uma surpresa para você!

– Não há surpresa melhor e mais inesperada do que ter conhecido você – falei e mandei-lhe um beijo.

– Falo sério, ouça, aluguei um automóvel, vamos passear por outras praias, vamos até Itacaré.

Fiquei muito feliz com o convite.

Preparei-me como sempre de maneira bem leve. Apenas o biquíni, uma saída de praia semi-transparente e a pequena bolsa. Estava pronta para a aventura.

Durante todo o percurso, cerca de cem quilômetros, conversamos muito. Ele falou um pouco mais sobre suas viagens e sua vida profissional. Disse que dentro em breve assumiria um posto na Turquia. Falou muito sobre literatura. Gostava da francesa e da portuguesa. Gostava também dos brasileiros, mas não os colocava em primeiro plano; aliás, apenas dois ou três.

– Aqui no Brasil, dentre a intelectualidade, há esse preconceito; os autores brasileiros quase nunca são colocados na linha de frente quando se trata de literatura universal, mas é um grande equívoco.

Ele olhou para mim um tanto assustado, porque não esperava tal afirmação ou talvez pensara que eu nada entendesse sobre o assunto. Depois disse que eu falava com propriedade.

Cruzamos Ilhéus. A cidade nos pareceu feia. Os prédios, principalmente os públicos, estavam mal conservados e as ruas esburacadas. Tivemos o cuidado de não quebrar a suspensão do carro. Logo conseguimos entrar na estrada que nos levaria a Itacaré e, quando Ilhéus já ficara para trás, pudemos apreciar de novo as belezas naturais. Subimos uma serra. De cima observamos toda a costa: céu e mar repartiam-se e as vagas desfaziam-se em espumas sobre as areias brancas. Quando beirávamos a cidade de destino, entramos em uma pequena praia. Descemos a encosta e paramos o carro. Observamos um restaurante rústico com vários turistas que ocupavam mesas e cadeiras, outros tomavam banho de mar. O restaurante era o único indício de urbanização local. Caminhando pela praia; tanto para um lado como para outro, vislumbrava-se apenas a paisagem natural, composta de mar, areias, algumas dunas e coqueiros. Tirei a pequena canga e a deixei junto a meus pertences, sobre uma das mesas que se enfileiravam até a areia. Corri e mergulhei. Queria fazer uma surpresa a meu namorado. Ele deixou suas poucas coisas junto às minhas e também mergulhou. Nadou até a mim. Pedi que me abraçasse. Ao tocar-me, surpreendeu-se:

–Você está nua.

– Estou.

– Onde você deixou o biquíni?

– Aqui – mostrei-lhe o braço. A pequena peça transformara-se numa pulseira justa.

Ele riu, beijou-me e permanecemos abraçados.

– Você é louca; não tem medo que as outras pessoas descubram que você está nua?

– Não, nunca aconteceu.

– Você faz isso sempre?

– Quase sempre, mesmo quando estou sozinha; me dá imenso prazer.

Em algum momento, coloquei a pulseira em um de seus braços.

– Olha que vou embora e deixo você aí, viu? – ameaçou sorrindo.

– Você vai para a Turquia e vai me deixar pelada numa praia da Bahia? Como eu vou fazer para voltar? – eu o excitava. – Acho que você não tem coragem, é muito gentil para fazer mal a alguém.

Ficamos dentro d'água durante um bom tempo. Ele se manteve muito excitado, tocamo-nos de várias maneiras, mas não fizemos amor ali.

Depois saímos do mar – ele já refeito e eu mais recatada – e pedimos ao garçom que nos trouxesse cerveja e alguma coisa para comer. Passamos toda a manhã admirando um ao outro, olhando a paisagem, tomando goles de cerveja e dando mais algum mergulho eventual.

Seguimos para Itacaré com intenção de almoçar e conhecer as outras praias. Entramos na cidade e alguma coisa lembrou-me Pipa, no Rio Grande do Norte, ou Búzios, no Rio de Janeiro. Cidade bonita, com casas coloridas e baixas, uma juventude saudável nas ruas, alguns estrangeiros, muitos bares, restaurantes naturais, sucos e água de coco. Fizemos pouso em uma praia pequena. Dois bares rústicos serviam comida caseira e bebidas à base de frutas. Na pequena faixa de areia, vimos surfistas bronzeados e suas pranchas; havia também muitas meninas bonitas; bonitas e quase nuas. Mergulhavam, ajeitavam os lacinhos dos pequenos biquínis, sorriam e abraçavam os rapazes. Pus-me a pensar de onde vinha toda aquela gente luminosa e plena de saúde. Entramos num mar mais agitado. Mas as ondas eram uniformes, deslizavam, e a água estava quente. Aproveitamos para nadar.

Voltamos ao entardecer. Novamente passamos por dentro de Ilhéus; quando estávamos prestes a atravessar a ponte, erramos o caminho e demos num bairro à beira-rio, de casas pobres e ruas quase impraticáveis para os veículos. Conseguimos retomar nossa rota e chegamos ao hotel em torno das seis horas.

Jantamos quase às nove. O restaurante já estava prestes a fechar quando o gerente nos viu e acenou para que entrássemos. A maioria dos pratos já fora retirada, mas conseguimos no alimentar. Depois sentamos na área externa e aguardamos uma apresentação de música ao vivo.

Passamos a noite no chalé dele. Em dado momento, disse-me:

– Vou levar você comigo para a Turquia.

De pronto rebati:

– Você ao menos perguntou se eu quero?

– Queira me desculpar, você tem toda a razão.

– Claro que quero, meu amor; como se diz eu te amos em turco?

Caímos na gargalhada.

Numa das tardes seguintes, eu o surpreendi. Estávamos no bosque que havia no hotel; com lago, cachoeiras e muitas trilhas entre as árvores. Anoitecia. Tomamos banho abraçados sob uma das quedas d'água; depois fiz que ele sentasse sobre um dos degraus que havia dentro d'água. Sentei-me de frente a ele, sobre suas coxas. Soltei o biquíni e fizemos amor. Eu dirigia os movimentos, procurava manter as costas eretas, mexia apenas o bumbum e as pernas. A água fria correndo por meu corpo e seu pênis dentro de mim provocavam-me um prazer indescritível.

Quando saíamos, só então reparamos um casal de adolescentes. Abraçados, aproveitavam o banho de cachoeira. Percebi a moça um tanto vexada ao dar conta da nossa presença. Ao passar por eles, sorri. O rapaz retribuiu-me; a moça, porém, escondeu o rosto num dos ombros dele.

– É você adolescente – ouvi de meu namorado.

– Nessa idade eu não era tão envergonhada.

– Não vejo motivo para tanto pudor.

– Você não reparou?, ela está nua.

– Nua? – perguntou e quase instintivamente olhou para trás.

– Não, não olhe; vamos deixá-los em paz.

Os dias que nos restavam arderam nossos corpos na paixão de dois amantes aos quais só existe sob o céu infinito o amor como único alimento. Perdíamo-nos sobre as areias extensas, castigadas por açoite de mar bravio e vento interminável. Éramos dois animais que rolam juntos, mordem-se, envolvem-se, roçam-se e enfim gozam; os corpos cobertos de tênue minério prata granulado. Com a pele viva, intumescida, rósea de dilaceramentos, queria sua seiva, alívio temporário no entreato das estrelas. Seu caule ora aumentava o volume de minhas águas, ora jorrava líquido azulado em minhas entranhas quase rubras, ora untava-me o ventre e os seios com óleo viscoso, tecido único que me cobria, saia de fibras frágeis prestes a esgarçar-se à chama primeira do amanhecer.

Parti um dia antes dele. Na despedida, beijou-me demorado. Ficou com o meu endereço e todos os meus números.

Uma semana depois o esperei no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio. Ele desembarcou de terno, muito elegante, uma etiqueta italiana. Fomos para minha casa. Mais alguns dias, deixávamos o Brasil.

Minha decisão era arriscada, mas faria uma tentativa. Sentia que sem ele minha vida jamais seria a mesma.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Aeroporto

Tive um namorado que me deixava excitadíssima. Além de saber tocar meu corpo como ninguém, sussurrava palavras mágicas no meu ouvido enquanto fazíamos amor. Foi ele que me introduziu no mundo da fantasia. Gostava que eu me despisse dentro de seu carro. No princípio, eu morria de medo, mas depois me acostumei. Adorava passear nua a seu lado. Ele dirigia e me acariciava as pernas. Íamos dentro de um aquário escuro, como peixes que apreciam o mundo exterior sem a possibilidade de serem capturados. Num belo dia, quando a temperatura começou a esfriar, pediu que eu vestisse apenas o casaco. Passei a sair envolta num manto que me cobria de diversas maneiras; às vezes até as coxas, outras até os joelhos. Ele me presenteou com um suéter que em meu corpo se tornou um micro vestido. Tive vários e multicores agasalhos. Quando o tempo permitia, era tudo o que eu vestia. Ia de cabeça erguida, sem vergonha alguma. Freqüentávamos lugares caros, lugares em que as pessoas são discretas e parecem estar acostumados a qualquer coisa, até a uma mulher nua em público. Certa vez vesti um casaco de botões, desses que se deve abotoar do pescoço até as coxas. Paramos o carro numa viela do centro velho, andamos por ruas escuras e, na reentrância de um muro, entre duas casas antigas, ele soltou os botões e me invadiu o corpo. Que delícia! Caso chovesse ou ventasse, procurava vir com o agasalho adequado, mas sempre chique. O ritual se repetia. Encontrávamos abrigo entre paredes também nuas, ou mesmo em algum jardim público, cuja porta permanecera aberta, esquecida. Ele abria meu casaco e me penetrava. Às vezes eu temia que a temperatura subisse durante as nossas saídas, ou mesmo que amanhecesse e nós ainda não tivéssemos retornado. Evitávamos também lugares quentes, como algumas boates. Certa vez, numa praia, pendurei o agasalho no mastro destinado à rede de vôlei; ele permaneceu lá, esquecido, durante boa parte da noite. Algumas vezes, enquanto fazíamos amor, desejei que alguém o roubasse e me deixasse nua. Mas isso nunca aconteceu. Ainda não vivi essa fantasia. Depois mudei para Bahia e fui morar em Salvador. Arranjei emprego numa sofisticada loja de roupas femininas, no aeroporto. Meu namorado ficou para trás e minha vida mudou.

Fazia seis meses que trabalhava ali quando, num sábado de manhã, indo ao quiosque de café expresso, reparei um homem muito parecido com ele. Cheguei perto, mas constatei que me enganara. Ainda assim o homem ficou a me olhar demoradamente. Estava bem vestido, como acontece à maioria dos viajantes. Quis despistar, mas não consegui. Ele acabou vindo em minha direção. Eu vestia uma calça branca impecável e uma blusa insinuante. A calça era justíssima, deixava bem saliente a marca da calcinha. Naquele momento ainda era cedo, talvez dez horas, e eu havia deixado a loja sozinha. Fora buscar apenas um café e já voltaria. Quando ele ameaçou falar alguma coisa, fiz gesto de que nada pronunciasse, tomei uma de suas mãos e o levei comigo. Ele, carregando apenas uma pequena bolsa, me acompanhou. Eu trazia o homem com uma das mãos e com a outra segurava o copo de plástico, com café; tomava alguns goles enquanto caminhávamos. Não entrei na loja, contornamos o largo corredor de toda a área de embarque. Pudemos apreciar as pessoas que estavam prestes a viajar; algumas olhavam as vitrines, poucas transitavam, outras estavam na livraria, viam jornais e revistas. Uma funcionária que puxava um carrinho de limpeza passou por mim e sorriu; conhecia-me de vista. Atravessamos a área de alimentação, onde já havia um bom número de pessoas. O corredor à esquerda era caminho para a sala de embarque. Junto ao portão, uma mulher com uma criança mostrava o cartão para o funcionário. Dali a algumas horas estariam longe, como acontece a quase todos que passam pelo aeroporto; aconteceria também a meu recém-conhecido. Antes, porém, o levei para um compartimento privativo a funcionários. Nada falei nem permiti que dissesse coisa alguma. Empurrei-o para dentro de um boxe e comecei a tirar minha roupa. Lembrei da loja, mas me tranqüilizei; o aeroporto é um lugar seguro, é certo que nada aconteceria; e a gerente chegaria só depois do meio dia. O homem me olhava meio surpreso e meio desconfiado; talvez tivesse algum temor ante a tanto acaso e facilidade. Já nua, pela única vez sussurrei num de seus ouvidos: “me empresta o casaco”. Ele o tirou e me cobriu o corpo. Depois desabotoei suas calças, manuseei seu pênis, que já se tornara bastante rígido. Sem titubear, fiz que me penetrasse.

Cerca de vinte minutos depois, ao voltar à loja, tudo estava na mais perfeita ordem. Fui ao espelho, retoquei a maquiagem, ajeitei o cabelo, virei de costas e reparei se minha calça branca estava muito escandalosa. Já não aparecia a marca da calcinha. Deixara de lembrança em um dos bolsos do casaco. Lembrança da Bahia.

Lembrança de meu antigo namorado.