quinta-feira, dezembro 20, 2007

Por enquanto

Rua Treze de maio, em frente a um restaurante:

Duas mulheres passam; a chuva e o céu nublado trouxeram de volta as jaquetas; gesticulam, falam alto, as faces expressivas; o que tramam? O amor por algum homem ou o que falta para a ceia de natal?

Homens elegantes, de terno, corte preciso, homens bem vestidos; um deles de repente ao telefone; ah, fala com um amigo; logo, são dois os homens: o visível e o detrás da linha; o que este veste? Será que me despe?

Uma jovem de saia curtinha vai com o namorado; ela é menor que ele, mas tem mais corpo e é bela; vão de mãos dadas; nessa idade, as mãos não suam...

No edifício Avenida Central:

As mulheres são mais elegantes do que os homens; onde encontro os rapazes de corpo torneado que vestem roupas fashion e fazem ponto nas novelas de TV? Na Rio Branco, as mulheres caminham a passos rápidos, sabem combinar blusas e saias, camisetas e calças, vestidos e sandálias; e os homens? Não vão tão preocupados com a beleza, parece que têm pouco esmero aos próprios trajes; ah, uma exceção, desvio os olhos, ainda é cedo; a saída? Vou na contramão.

Uma jovem, loura, de blusa preta e calça jeans carrega a bolsa num ombro e, em uma das mãos, um pequeno jornal; anda devagar; em que pensa? Pára numa banca de revistas e pergunta alguma coisa ao jornaleiro; não ouço sua voz; ela traz meio cigarro entre os dedos e, no rosto, uma vontade imensa de amar.
A livraria Leonardo da Vinci é linda com seus três poemas a ladearem as vitrines; livros em língua nativa, livros em língua estrangeira; filosofia, artes, romances e gastronomia; escritores, escritoras, talvez leitores e o cheiro forte de café da galeria.

Uma loura quarentona de blusa branca e calça justa, nádegas em destaque, passa sozinha; mas é certo que ela tem um namorado.

Entro na livraria da Travessa; dessa vez não para ver os livros, mas a face dourada das pessoas; como são belas! (sou suspeita); aqui há gente elegante; três homens ainda jovens trajando ternos italianos conversam, tomam café e água Perrier; são consultores do mercado financeiro; duas mulheres tagarelam e também bebem café; o espelho em fogos e juventude explode o reflexo da morena.

No centro do Rio, anda-se por ruas estreitas, quase só de pedestres, atravessa-se a avenida, carros multicores e buzinas, mergulha-se de novo em ruelas abarrotadas, pequenas lojas, às vezes uma confeitaria; há também as galerias, passagens passarelas, quiosques, mostruários de perfumes e presentes refinados, corações a palpitar por amores extraviados.

Em meio aos passantes de fim de tarde, um homem quase negro, de gravata, olha-me; estuda meus traços; vermelha a gravata, branca a camisa social; será pastor? Se quiser salvar-me, fujo; se me quiser pôr a perder (ou a ganhar?), vou; vou de bermuda sensual e blusa curta de algodão; vou vestidinha, por enquanto...

quarta-feira, dezembro 12, 2007

São Paulo lá embaixo se estendia múltipla, sedutora, sob um sol frio de fim de tarde

O metal deslizou ligeiro sobre minha pele, chegou a me provocar um arrepio. Virei-me quase por instinto e percebi a face sorridente do homem.

– Moeda, não! Assim você me deixa em apuros.

– Eu ajudo a procurar – ameaçou introduzir uma das mãos na minha calcinha.

Corri, as pernas juntas, com passos rápidos fiz um bailado que acompanhou a música ritmada e as luzes que refletiam no pequeno salão estrelas coloridas. Enfiei-me num reservado que era separado por apenas uma cortina. Encontrei ali a Mel, estava sem o biquíni.

– O que houve? – perguntei enquanto procurava a moeda e segurava duas notas de dez que estavam bem enroladinhas dentro do exíguo pano na parte da frente da calcinha.

– Um boboca me roubou o biquíni, estava esperando alguém aparecer...

– Ajudo você, espera um instante.

Coloquei a moeda entre as notas, fiz com elas um pequeno envelope introduzindo-o no mesmo lugar de onde tirara o dinheiro. Saí para voltar alguns minutos depois com um pano preto transparente, que a Mel enrolou na cintura, provando-o como numa cabine de loja de roupas finas; então me beijou e, antes que voltasse feliz para a pista, sussurrei em seu ouvido:

–Não deixe que o roubem de ti; antes, venda-o!

Riu mais uma vez.

O salão era no Centro. Um local de divertimento para ricaços. E ali acontecia de tudo. Havia certas regras que nós, as mulheres – principais estrelas do espetáculo –, precisávamos respeitar. A circulação de dinheiro era expressamente proibida, mas sempre arranjávamos um meio de burlá-la; não perdíamos qualquer oportunidade de faturar um pouco mais. Os proprietários nos pagavam no fim do dia, ou da noite. Pediam-nos também que não ficássemos nuas no salão. Mas quem conseguia evitar que mãos viciadas e ligeiras nos arrancassem a única peça? Os velhos, principalmente, eram os mais tarados. Ao mesmo tempo que nos enfiavam dinheiro pelas entranhas, queriam nos deixar nuas. E as notas eram sinais para que permanecêssemos mais tempo ao lado deles.

Certa tarde fui chamada pelo gerente. Assustei-me. Mas era apenas um convite. Um freqüentador da casa me queria como companhia fora dali.

– Você é a mais discreta, nada deve comentar sobre a identidade do homem nem sobre o local aonde ele vai levá-la.

Fiz que sim com a cabeça. Vesti-me em três minutos e saí pela porta dos fundos. Um automóvel escuro esperava-me. No interior, apenas o motorista.

Rodamos pelo Centro, depois ele dirigiu em direção a Pinheiros. Pediu então que eu colocasse uns óculos escuros que ele próprio trazia no bolso.

– Não enxergo coisa alguma com esses óculos.

– É por pouco tempo.

Guiou por cerca de trinta minutos. Desceu a garagem de um prédio.

Ao sair do automóvel, disse:

– Segure meu ombro.

Senti-me a própria cega.

Apenas dentro do apartamento é que pude tirar os óculos. A primeira coisa que me surpreendeu foi a paisagem. Estávamos no último andar de um desses prédios suntuosos, provavelmente algum bairro da zona norte. Através das janelas quase contínuas, podia-se observar São Paulo lá embaixo; a cidade se estendia múltipla, sedutora, sob um sol frio de fim de tarde.

Um homem ainda jovem, que não me era desconhecido, apresentou-se a mim. Fazia-o como se fosse a primeira vez. Tive vontade de saudá-lo; minha discrição, no entanto, impôs-se profissional. Levou-me a outra sala, onde me ofereceu um cálice de vinho do Porto. A decoração era discreta; os quadros se não eram originais remetiam a pintores do século XX; no final de uma das paredes, estava dependurado o auto-retrato de uma mulher um tanto tímida, que me chamou a atenção. Ele falou sem embaraço: Anita. Percebi música trazida pelo ar frio. Era preciso apurar os ouvidos para apreciar a melodia; talvez um blues norte-americano. Permaneci sentada em um acolchoado comprido, quase branco, de pureza inigualável.

Entrou então uma mulher muito bonita. Sorria, tinha os cabelos pretos curtos, dirigiu-se a mim e beijou-me as duas faces. Mantive-me séria e compenetrada, procurava não demonstrar surpresa alguma: ela estava nua.

Um garçom regiamente vestido adentrou o ambiente, discretíssimo. Foi-nos servido o antepasto do que seria uma longa e deliciosa refeição. Pusemo-nos a saborear delicados frios, alguma pasta de cor e sabor sofisticados, bebidas coloridas. Tudo no mais absoluto silêncio. Além do silêncio, a música; agora som de piano, mas distante, quase inalcançável. A mulher mantinha a face alegre, não tirava os olhos de mim. Abria a boca delicada e experimentava alguma iguaria; seus lábios pintados de vermelho sobressaíam. O que um homem que tem a seu dispor uma mulher de tamanha beleza deseja ao contratar uma puta?, pensei comigo. Mas já vira muitas fantasias; aguardava o que se seguiria.

Jantamos. A mulher em momento algum demonstrou qualquer desconforto devido à nudez; portava-se sobre as sandálias plataforma como se fosse a pessoa mais vestida do mundo. A refeição estendeu-se pela noite. Serviram-se inúmeros pratos. Comia-se o que se apreciava, ou mesmo se podia nada comer. O que importava era que nossos gestos demonstrassem a máxima satisfação. Fomos até o último gole, ou a ultima sobremesa, um manjar recoberto por açúcar queimado transformado em calda saborosa.

Foi ela quem se aproximou de mim. Tirou-me toda a roupa. Ofereceu-me um cigarro. As duas nuas e mais o homem. Trancaram-se as portas, a música subiu de tom. E nós, os três, pusemos a nos exercitar, de início vagarosos, porém, após os primeiros toques – um óleo composto de essência de flores –, a temperatura subiu e as carícias profissionais tornaram-se amadoras, tão amadoras a ponto de parecermos um trio enamorado desde tempos remotos.

Houve um momento em que fui surpreendida. Ele sentou-se sobre uma cadeira e puxou-me por um dos braços para que eu o atravessasse. Lembrei-me de um antigo namorado: deitava-se nu na rede, que ficava na varanda de minha casa; pedia que eu, de pé, afastasse cada perna sobre o tecido estreito e colocasse meus grandes lábios acima de seu pênis; em movimentos lentos, eu levantava e abaixava meu corpo; então ele me tocava a musculatura das coxas, apalpava-as; elas iam rijas; acariciava-as para que eu enfraquecesse e desabasse sobre ele; assim me penetrava numa inteireza doída e ao mesmo tempo prazerosa. Agora, a intenção do homem era semelhante; minhas pernas apoiadas ao solo num movimento ritmado, os mesmos músculos enrijecidos e ele golpeando-me suave as coxas, como que elogiando minha resistência; eu, emitindo sussurros que não demoraram a se transformar em compassados gemidos e gritos, até desabar ruidosa sobre ele. A mulher? Sentada sobre o estofado, de pernas cruzadas, cigarro à mão, com os olhos cravados em nós, num gozo frio.

Quando tudo acabou, ela, assim como me despira, pediu para me vestir. Antes de partir, beijei-os nas duas faces; e, num último momento, trêmula, ainda tive tempo de balbuciar ao casal agora abraçado – a mulher sempre nua – um último desejo: “até logo”.

Antes de sair, o mesmo motorista, os mesmos óculos; a escuridão.

sábado, dezembro 01, 2007

Como uma flor

Caminho pela rua do Ouvidor, centro do Rio. A tarde vai quente, o verão se anuncia. Em meio à fileira de lojas e à avalanche de gente que serpenteia, vou em direção à Uruguaiana. Muitas pessoas distribuem panfletos: “compra-se ouro”, “dinheiro rápido e fácil”. Os homens olham em minha direção. Meu vestido curto tomara-que-caia, justo nos seios, desce solto, se abrindo, feito balão. Tenho que segurar uma das barras, porque vez ou outra há o risco de ele subir, descobrir minhas pernas mais do que já vão nuas. Intempestivos esses homens, grande parte tem mulher em casa, talvez filhos, mas não deixam de virar a cabeça, medir minha estatura, voltar-se às minhas nádegas. Alguns até tentariam abordar-me, mas passo rápida, vou alheia. Não deixo de lembrar Alfredo. Penso como tudo aconteceu e acabou. Dizia que me amava, que eu era a melhor mulher do mundo, a mais bonita; e o surpreendo num restaurante com uma mulher vulgar. Depois veio correndo, queria-me dizer que não tinha nada com ela, que não passava de uma colega de trabalho. Ela, porém, mostrou-se digna; disse-me que era sua amante. Nos primeiros dias, mantive-me irresoluta; não mais queria saber daquele homem; traíra-me. Com o passar do tempo, a saudade aumenta e esquecemos o mal a que fomos submetidas. Às vezes tendemos a nos lembrar apenas das coisas boas. Então revivi os dias alegres em que estive ao lado dele. Um filme deslocado rodou em minha cabeça; tínhamos sido bons atores. Sorria e o beijava. Mas eu não podia recuar. Para esquecê-lo, atirar-me-ia nos braços do primeiro que aparecesse.

O sucesso de toda mulher depende muito da roupa que veste e da tinta que usa. Tinta, isso mesmo. Tudo é tinta; maquiagem e cabelo. Outro dia li num desses jornais uma escritora: toda realidade é uma construção. Os homens olham para quase todas as mulheres. A que vá bem trajada e bem maquiada, os cabelos arranjados de forma exuberante, terá todo um império a seus pés, ou toda uma república; questão de geografia.

Lançar-me-ia ao primeiro homem. Mas na rua, temi. Não podia olhar diretamente a alguém porque corria o risco de ser confundida com uma prostituta barata. Eu, que sempre ando de roupa curta, percebi como seria complicado. Optei por um prédio de escritórios. Desses que há em profusão nas pequenas ruas do centro; em que na portaria não se pergunta aonde você vai. Entrei. O elevador ascendeu solto, sem o ascensorista. Às vezes temo pela falta desse profissional; ele nos dá segurança. Quando a gente se vê só dentro da cabine, o coração dispara, o peito dói e falta o ar. Saí num desses andares de corredor comprido, passei por algumas portas trancadas, com placas indicando contadores ou advogados. Eu queria me entregar ao primeiro homem, experimentar o mesmo que Alfredo ao se entregar à primeira mulher. O que é que os homens sentem para se atirarem à primeira mulher que passa? Escorreguei por mais corredores, desci lances de escada.

“Se eu contar, ninguém vai acreditar”, “Não é para contar”, eu sussurrava em seu ouvido enquanto ele ia com as mãos sob minha roupa. “Será que alguém já teve essa sorte, dona?”, “Que dona?, não sou nenhuma dona.” Trepávamos num dos vãos da escada de incêndio. Eu, um degrau acima; ele, tentando me penetrar. Quis tirar o vestido – lembrei-me de uma amiga que tirava toda a roupa antes de bater na porta do namorado, “peladinha, é o segredo”, ela dizia –, mas nossa localização era arriscada; apenas levantei o tecido fino até acima dos seios, queria que ele os apertasse. O rapaz tremeu, “alguém pode encontrar a gente, dona.” “Que dona?, não sou nenhuma dona, e aproveita que você não vai me ver mais.” “Nós podíamos ir para um hotel.” “Nada de hotel; até chegarmos lá, já perdi a vontade; acho que você quer é passear comigo, não ?, quer mostrar a seus amigos que você tem talento.” “Não é isso, dona, é melhor transar numa cama; rola uns beijos e ninguém precisa ter pressa.” “Não sou dona, é a última vez que digo.” Trepamos durante um bom quarto de hora. “Beije-me”, disse eu, “não foi você que falou em beijo?” Tapei a boca do homem com a minha. Ele era na verdade muito jovem, sem experiência alguma. “Vamos, vou fazer você gozar”, falei. “Moça, acho que vem alguém, vão nos pegar no flagra!” “Silêncio, não vai acontecer nada.” Na verdade vinha alguém, mas se deteve ante a porta do elevador. Quando acabamos, abaixei-me para deixar escorrer toda a porra. “Vá embora”, eu disse mantendo-me agachada. “Mas e você?” “Não se preocupe comigo, sei me virar, vá; você não me esperava encontrar nem pensava em trepar com uma mulher bonita às quatro da tarde; desapareça, tenha disso tudo uma boa lembrança.” Beijei-o sobre uma das faces. Ele se foi sem olhar para trás.

Desço rápido. Recomposta. Ando pela mesma rua do Ouvidor. Paro diante de uma loja de roupas. Que vestido lindo! Vai cair em mim como uma flor. O que sente um homem quando vê pela primeira vez uma mulher na rua e dez minutos depois a tem nos braços? Não sei. O que sente uma mulher depois de se abrir a um homem que conheceu há um quarto de hora? Também não sei; difícil dizer. Passadas algumas horas, só sei dizer que não me sinto traída. Coitado do rapaz, nunca vai me esquecer. Nem jamais alguém vai acreditar na história dele...

quinta-feira, novembro 15, 2007

Picardias e paliçadas

Como as águas de uma estação termal, subia-me todo o corpo o vapor das fêmeas erradias; minha pele alva permeada de gotículas transparentes, entrecortada pelo tecido negro do vestido comprido e solto, convidava. Quem se candidataria a percorrer-me o corpo sutil, a irmanar a palma da mão ou a ponta dos dedos a calor que se derramava em febre de desejo? Quem deslizaria sobre o tecido úmido – teclas de bemóis e sustenidos – a melodia hábil de um pianista? Eu era a música, latejava som de orquestra, perdia-me entre cordas e metais. A multidão comprimia-se num espaço de alegria. Corpos de atletas, campeões em provas de outras plagas e de outros deuses, apertavam mulheres seminuas. Afrodites que deixavam escapar sorrisos fugitivos, beijos rubros-violetas, ancas volumosas, abdomens ricos a descobertas. Aportou-me misterioso cavaleiro. Num gesto brusco descobriu-me madura sob o pano. Suas mãos tremeram; era amador em versos femininos. Precisei afastar as pernas. Fiz que escorregava distraída, num passo de mulher desinibida. Depois me recolhi à sua espera; as pernas ainda dois dedos entretidas. Escapou-me perfume e cintilância, umidade de paredes novas, prenúncio de civilizações a encetar viagens e delírios. Senti que a batalha se daria em solo escasso, não dado a escapada ainda que fingida. Sussurrou-me rumores remotos, palavras mágicas, narrativa a precipitar desvarios. Mãos fiéis imobilizaram-me qual estátua, arqueólogo em valorosa descoberta. Uma lança, lembranças de batalhas medievas já vencidas, cortou-me a tez, ranhura primitiva, assalto ao desejo em plena luz de réveillon, chuva adiantada sob vestes transparentes. Segurei-o; queria um segundo golpe, e o queria demorado. O gozo é passageiro, mas perpétuo o entrevero; fantasmas que buscam imanências arriscadas. Luzes circulavam o arrabalde, mulheres proibiam permissivas, paradoxos da volúpia. Eu, recém forjada, a escorar parede de tijolos crus, a roçar picardias e paliçadas, a moldar o próprio corpo em brilho avermelhado, seios nus a espelharem cerâmica de arrepio. Então me atirei a seu alcance. “Ainda não tarda, restitua-me a lança, aplaca-me o desejo”.

quinta-feira, novembro 01, 2007

Caixa de incêndio

– Você precisava ver, foi um show, jamais pensei que eu ia gostar tanto daquela brincadeira.

– Você deve estar louca; já imaginou se alguém surpreende você?

– Na hora nem pensei nisso; só queria sentir prazer.

– E se alguém encontra a sacola?

– O prazer é intenso, e as incertezas pesam a favor.

As duas conversavam enquanto aguardavam a hora do filme. Eu, que tomava café na mesa ao lado, pegara a conversa pela metade. Pelo que pude entender, falavam sobre um homem que era bem-dotado e estava tendo um caso com a mais jovem. Esta continuou:

– Você precisa ver, todas as mulheres que trepam com ele aparecem lá nuas. Contando ninguém acredita. Tocam a campainha e ele abre. Dizem que às vezes tem até que marcar hora; sempre depois das dez da noite.

– Como assim? Como é possível receber tantas mulheres? Elas não se encontram ao acaso no prédio?

– Não sei, vai ver que até se encontram e nem ligam. Certa vez ele me disse que eu podia ficar escondida e observar. Foi o que fiz. Fiquei surpresa, num espaço de duas horas duas mulheres bateram à porta.

A conversa era estranha. O fato também me despertou o interesse. Queria saber que história era aquela.

– Elas ganham algum dinheiro? – ficou curiosa a que ouvia.

– Não, pelo que pude observar, fazem por prazer; e ele tem uma conversa terrível; não há mulher que não caia na conversa dele.

– Ah, eu não caio; você acha que eu vou chegar nua na casa de um homem? Nem que ele seja o mais rico do mundo, ou mesmo um ator lindo e famoso.

– Você está enganada; se for até lá, acaba cedendo.

Quem seria aquele homem? Comecei a ter vontade de saber. Não podia interromper a conversa e perguntar. A hora do filme se aproximava. Elas levantaram e entraram na fila. Quis segui-las, mas a princípio temi que percebessem.

Ainda ouvi:

– Se você quiser, podemos ir lá hoje. Você vai comprovar com os próprios olhos.

– Não, prefiro a minha tranqüilidade.

– Tranqüilidade? Se você for, não vai querer outra vida.

Só me restava segui-las. Estava sozinha e a conversa excitara-me. Assistiria ao filme; esforcei-me para não as perder de vista.

Às onze e quarenta e cinco, elas cruzaram a porta do Espaço de Cinema e entraram num táxi. Meu carro estava estacionado no outro lado da rua. Atravessei correndo, entrei e dei a partida. Procurei seguir o táxi a distância; temia que o motorista me percebesse. O carro trafegou por algumas ruas de Copacabana até entrar numa pequena transversal e parar junto a uma banca de jornal. Tive dificuldade de estacionar. Enquanto saltavam, escutei a mais esperta falar em voz alta.

– Se você não quer subir, espere-me aqui, mas tome cuidado, está deserto e vou demorar cerca de uma hora. O apartamento é o 602 – apontou o prédio.

As duas acabaram entrando. Corri para alcançá-las. Uma delas ainda segurou a porta do elevador para eu entrar. Talvez pensassem que eu fosse uma moradora. Agradeci e apertei o botão do oitavo andar. Depois desci os dois andares pela escada e escondi-me atrás da mureta.

A mais espevitada tirou rapidamente o vestido deixando-o nas mãos da amiga. Bateu suavemente à porta, que logo foi aberta. Entrou. A outra não demorou a decidir-se. Tirou também a roupa, colocou tudo na bolsa e a escondeu na caixa de incêndio.

Dez minutos depois, nua e com o coração aos saltos, ia eu. Mergulhava às cegas; não sabia se cortaria suave o espelho d’água ou se me esperava o azulejo da piscina vazia.

O que aconteceu dentro do apartamento é difícil descrever. Mas foi a água que me amorteceu o salto. E quente!

domingo, outubro 21, 2007

Aparição

Finja que não me viu, por favor!

Como? Você está nua. São 4:30h da manhã. E atrás de uma árvore em frente a minha casa.

Trata-se de uma brincadeira.

Brincadeira?

Isso. Dentro de alguns instantes um homem vai me resgatar.

Quero ver para acreditar.

Mas é melhor não ficar aí. Se ele vir você, pode não parar.

Mas aqui é minha casa...

Eu sei, mas se esconda. Veja, vem um carro lá. Esconda-se!

E se não for quem você espera?

É sim. Está com o alerta piscando, como combinamos.

Vou me abaixar a seu lado...

Ah, não é ele...

Viu? Você está mentindo...

Não estou. Veja, vem outro carro...

Passou direto. Não era pra você.

Agora é. Vem piscando o alerta.

Passou também. Você está em maus lençóis, ou melhor, sem lençol algum. E já vai amanhecer; olhe aquele pedaço do céu!

Você me ajuda?

Ajudar? Como?

Arranja uma roupa pra mim.

Impossível. Minha mulher está dormindo e ela é muito brava, não pode nem imaginar que conversei com você, dá até tiro.

Não posso voltar nua pra casa.

Você não pensou nisso antes de fazer essa brincadeira?

Não, não pensei. Você tem que me ajudar. Vá até lá dentro e pegue qualquer coisa que possa me cobrir. Por caridade.

Caridade? Negativo. Caridade você vai ter por mim quando minha mulher me avistar ao lado de outra mulher, tanto mais nua! E até logo que ela já vai acordar.

E o que faço?

Não sei. Eu estou fora dessa, tchau!

Você não gosta de uma mulher nua?

Gosto. Mas não gosto de minha mulher brava. Você não a conhece.

Eu não sei o que fazer. Não posso ficar assim.

Se você não me encontrasse, o que faria?

Pediria ajuda a alguém. Então, vai, me ajude.

Peça ajuda a outro, moça, tchau.

Ai, não, ele se foi... E eu peladinha. Mas não há de ser nada; não vou morrer por causa disso. E acho que até pode ser divertido.

sábado, outubro 06, 2007

Estupefata

– Pra você que é homem é fácil, basta ir até lá em baixo, chamar uma mulher e trazê-la para cá.

– Você pensa que é assim que eu faço? Será que você não acha isso um tanto absurdo?

– Pode ser absurdo e até perigoso, do jeito que as coisas andam hoje em dia...

– Não é isso, não faço amor com qualquer uma, só trago para meu apartamento quem eu gosto.

– E você gosta de mim?

– O que você acha?, por acaso eu a teria convidado caso nada sentisse por você?

Ele olhou-me nos olhos e sorriu. Eu não sabia a causa de tal discussão. De repente, interrompeu meus pensamentos.

– Acho que quando você fala sobre isso é porque tem vontade de estar nessa situação.

– Que situação? - perguntei.

– Essa, de ser alguém que passa pela rua e é abordada por um estranho que acaba conseguindo convencê-la a acompanhá-lo.

– Eu, ora... não é bem assim – tentei disfarçar –, tenho minhas fantasias, mas...

– Peguei você de surpresa, não foi? – falou enquanto me abraçava.

– Como ia dizendo, tenho minhas fantasias, se você quiser até conto uma, mas essa agora me deixou estupefata.

– Estupefata?, gostei; mas continue, conte sua fantasia.

– Ouça, é interessante, pode ser que depois... quer dizer, primeiro ouça. Eu passava sozinha umas férias numa casa de veraneio no litoral norte. E num típico fim de tarde que se segue a um dia quente e ensolarado de verão, resolvi caminhar pela beira da praia. Começava a ventar e algumas nuvens rumavam do oceano em direção ao continente. Em determinado momento, senti um desejo incontrolável de ficar nua. Nesse dia eu vestia um lindo maiô azul-claro, estampado com flores rosas e vermelhas. Não resisti, acabei despindo-me. Fora de meu corpo, aquele céu úmido e florido tornou-se mínimo; escondi-o na reentrância de uma rocha. Durante um bom quarto de hora, percorri as areias brancas da beira-mar com os pés cobertos pelas espumas que se revezavam após a explosão de cada onda. Gozava os primeiros indícios do entardecer imersa em toda aquela paisagem natural, sentia as lufadas de vento fresco sobre o corpo liso. Mas ao voltar ao esconderijo, não encontrei o maiô. Não sei se fora levado por língua d'água mais saliente, ou por admirador que me costeava e em algum momento me assaltaria, desejando apenas deslizar a ponta dos dedos sobre meu corpo níveo. Permaneci imóvel. Após alguns minutos, porém, abateu-me excitação incontrolável. A incerteza quanto ao que se seguiria aqueceu-me as entranhas. Toda mulher tem o desejo latente de andar nua e de correr riscos. Naquele fim de tarde, mergulhei em pele no crepúsculo do litoral norte. O que eu mais temia ou queria não aconteceu. Viva alma não se arriscaria a vento que logo se pôs a me açoitar, obrigando-me a contorções de dançarina exótica sob afiado chicote de areia. Forte estrondo assustou-me, veias azuladas cortaram o céu. Agachei-me e por algum tempo busquei proteção inútil; grossas gotas de chuva despencaram abruptas. Trôpega, corri na noite recente; invisível, atravessei a estrada. À porta de casa fui surpreendida: não por homem erradio ou visitante inoportuno, mas por meu cão; saltou carente e alegre sobre meu corpo molhado; lambeu-me os seios.

– Gostei; linda história, e contada por você tornou-se ainda melhor; mas você disse no começo “pode ser que depois”, o que quis dizer com isso?

– “Pode ser que depois” quer dizer: pode ser que agora eu ponha em execução a outra fantasia.

– Qual?

– Descer até a rua principal para ser abordada por um estranho e, enfim, acompanhá-lo...

– Você teria coragem?

– Já que você tocou no assunto, acho que sim.

– Mas e nosso namoro?

– Não há problema, é só uma brincadeira, depois conto tudo a você; acho que vai ser muito excitante.

Ele abriu o armário e fez um gesto de que retirava alguma coisa.

– Tome, vista isto.

– Isto? Não estou entendendo...

– É um mini-vestido, foi de uma ex-namorada.

– Ela chegou aqui nua?

– Mais ou menos; mas não percamos tempo, vista-se.

– Acompanhei-o na fantasia.

– Vamos, já passa de uma da madrugada – ele disse.

– Estou morrendo de vergonha.

– Não há muita gente a esta hora, apenas aqueles que tem interesse por prostitutas.

Saímos. Ele abraçou-me enquanto percorríamos as duas quadras que nos separavam da rua principal. Então me beijou e desejou boa sorte.

– Esqueci de dizer a você uma coisa – ainda falou uma última vez –, dê umas voltas, mas sou eu que vou abordá-la.

Fiz que concordava, porém escapei.

Não passou muito tempo para que um Honda cinza-metálico parasse. Por trás do vidro que desceu vagaroso, vi um senhor; parecia bastante digno.

Jamais voltei ao meu namorado. Descobri-me atriz. Meu papel favorito era a prostituta. Uma vez na semana, sempre em lugares diferentes e vestida de modo muito elegante, vivia meu teatro. Nunca tive problemas, ou melhor, tive um, e foi na primeira vez; o motivo: o impalpável mini-vestido que ele me oferecera. Enquanto durou a madrugada, ainda tive como capa os sutis vapores das estrelas, mas os primeiros indícios do amanhecer revelaram a Cinderela nua...

quarta-feira, setembro 26, 2007

Na praia

Foi um namoro de primeira vez. Rolamos pela cama e nos agarramos durante mais de duas horas. Segurava-o e mantinha-me com os lábios colados aos seus. Ele apertava meus seios, depois minhas pernas, acariciava-me de todas as maneiras. Não me deixou incólume. Proporcionou-me o orgasmo duas ou três vezes. Da mesma forma, também usufruiu prazer máximo. Eu soube trabalhá-lo, soube fazê-lo sentir sutilezas inimagináveis. Às vezes, entre um gemido e outro, dizia-lhe: “me leva nua à praia, vamos fazer amor lá” ou “me deita sobre as areias úmidas, quero ter como capa apenas o vapor prateado das estrelas”. Ele então emitia sussurros de gozo e beijava-me, a seguir se soltava e mordia meus seios. Quando demos mostras de exaustão, eu transformara-me num rio caudaloso; queria-o imerso na tepidez de minhas águas.

O mar explodia sobre as areias brancas, entardecia. Eu era uma das poucas remanescentes de um dia azul e luminoso. Perdia-me em pensamentos e olhares em direção às cores multiformes da tarde. A praia pouco a pouco tornava-se rósea, acompanhando a cor dos raios solares; na superfície das águas vez ou outra se via o rebrilhar de algum raio fugidio, diamante perdido que filtrava as últimas luzes do dia. Então ele surgiu. Passou silencioso, parecia ter saído da imensidão. Nestas praias semi-desertas, a extensão litorânea nos faz pensar em espaços infinitos e selvagens. Ele saiu de dentro de uma solidão composta de areias, céu, mar e alguma vegetação mais saliente que insistia em romper terrenos áridos para dar vez a um coqueiro. Passou por mim sem que eu percebesse seu olhar. Continuei fixa, distante, mas pude admirar as curvas sinuosas de seus grandes pés.

O hotel ficava atrás, bastava cruzar uma pequena cerca e atravessar uma ponte sobre um rio de águas escuras e medicinais para se entrar numa área extensa onde predominava a beleza rústica aliada a alguns toques de arquitetura sutil. Viam-se o grande salão, a piscina, o lago com caiaques e pedalinhos, mais adiante o restaurante. Os apartamentos ou chalés se perdiam por toda a extensão da propriedade; alguns tinham vista privilegiada, como voltada para o lago ou para o mar, enquanto outros permaneciam escondidos, quase à sombra, residência temporária àqueles que amam o repouso, ou mesmo desejam estar a sós com a pessoa amada.

Ele cruzou a cerca, atravessou a ponte e se perdeu na tarde que já nos sombreava.

Senti certo pesar ao perceber que devia deixar a paisagem na qual estava imersa havia horas. O funcionário do quiosque sorriu para mim quando passei ainda em trajes de banho, coberta por um discreto chapéu branco e com os óculos escuros a me protegerem ou mesmo a me proporcionarem maior liberdade. Cadeiras e guarda-sóis pouco a pouco ficavam vazios, aguardavam os braços fortes do funcionário que os recolheria.

À noite, após o jantar, sempre era programado algum tipo de festa. O hotel – na verdade era um resort – ficava longe da cidade de Ilhéus, seus administradores procuravam contentar todos os gostos e manter os hóspedes no local. O show programado era uma festa caribenha. Os funcionários montaram um palco ao ar livre e mesas que se estendiam sobre um vasto gramado. Spots e luzes foram acrescentadas às existentes, especialmente para a festa. Os garçons vestiam camisas estampadas acompanhando o tema da noite, serviam a todos com largo sorriso. Os hóspedes consumiam bebidas delicadamente preparadas, muitos pediam tequila e marguerita. As apresentações se iniciaram com as moças dançando música cubana, depois se aventuraram por sons e danças dos países vizinhos. Permaneci em uma das mesas, só, olhando a animação geral. Confesso que em determinados momentos me senti atraída e identificada ao entusiasmo geral. Assustei-me quando alguém, de forma inesperada, aproximou-se. Era o homem que passara por mim na praia ao entardecer. Perguntou se me podia fazer companhia. Trazia uma enorme taça que continha uma bebida colorida, quase rubra.

– Se minha face corou é porque tornou-se espelho de sua taça.

Ele a princípio não entendeu a insinuação, apenas após alguns segundos é que caiu em si e perguntou:

– Por que minha presença provocaria tal reação?

– Mistérios que só pertencem às mulheres...

Apontei-lhe a cadeira. Permanecemos lado a lado apreciando a festa. No final, as pessoas puderam aventurar-se no palco para tentar alguns passos ao lado dos dançarinos profissionais. Muitos jovens não se negaram ao experimento. A diversão foi geral. Meu recente conhecido continuou silencioso. Correspondi-lhe ao temperamento e admirou-me sua quietude. Geralmente nesses lugares aparecem pessoas falantes, logo se põem a perguntar, querem saber proveniência, profissão, fazem observações que invadem a privacidade. Ele, no entanto, permaneceu como as luzes da noite, brilhantes, silenciosas, a dar aos caminhos um manto prateado. Ao levantar para me recolher, percebi suas leves passadas a meu lado. Disse-me que estava só e se tornara amigo de um casal que, como ele, viera de Brasília. Saía a passeios com os dois, mas também caminhava sozinho por todo o litoral. Convidou-me para acompanhá-lo na manhã seguinte.

– Vou ver; tudo vai depender de meu estado de espírito pela manhã; devo estar no mesmo lugar de hoje à tarde; passe lá, pode ser que eu vá.

Deixei um sorriso discreto e desejei-lhe boa-noite.

Durante algum tempo ainda permaneci na varanda de meu chalé; além de poder observar um céu incrustado de estrelas, ouvia o rumor contínuo e indômito do mar. Enfim me despi e mergulhei em sonhos na noite acolhedora.

Na manhã seguinte deixei o café da manhã e atravessei a ponte em direção às areias brancas da praia. Não permaneci no ponto em que havia combinado. Decidi caminhar – em trajes de banho, com o mesmo boné da véspera e os óculos escuros – em direção ao litoral norte. Com passadas pequenas, mergulhei na mais completa solidão. O mar recuara, suas ondas estavam distantes, as espumas chegavam tímidas até a beira d'água. Uma brisa morna aquecia o ar, mas ainda se podia perceber que a madrugada fora fresca e que deixara seus rastros; vez ou outra mudança súbita na temperatura do ar indicava que a friagem das primeiras horas não se dissipara por completo. Nesses sítios, ao se caminhar em estado de total comunhão com a natureza, esquece-se que há à nossa volta todo um mundo constituído de vilas, cidades e países. É como se a realidade não fosse além daqueles limites, aparentemente infinitos, e que não há nada mais do que a paisagem em todo seu estado primitivo; até mesmo uma cabana inesperada que nossos olhos descobrem torna-se um pequeno acidente.

Exausta, após três-quartos de hora descobri uma barraca feita com troncos de árvores, coberta por algumas traves e folhas secas de coqueiro. Mesas rústicas espalhavam-se à frente sobre um pequeno pedaço de areia. Não se via viva alma mas se podia perceber seu interior: a tábua principal estava levantada e algumas bebidas, além de uma velha geladeira, alinhavam-se ao fundo. Sentei-me. Uma mulher de meia idade surgiu sem que eu soubesse de onde. Sorriu e me perguntou se eu desejava alguma coisa. Pedi água de coco. Serviu-ma com seu sorriso enviesado e a com as maneiras do lugar. Sorvi a água enquanto olhava o mar. Um velho cão corria à beira d'água; vez ou outra envolvia-se na areia, saltava, para depois se deixar lavar pelas pequenas ondas.

Surpreendeu-me presença humana que ia além de mim e da mulher da cabana. Alguém se avizinhava com passadas firmes, pernas fortes, um atleta de longo curso; vinha num ritmo de beleza olímpica, corredor grego incumbido de avisar que seu exército venceu a batalha prometida. Era meu admirador da véspera. Ainda corria distante quando pude perceber seu porte viril. Passou pelo ponto em que eu estava sem dar conta de minha presença. Sua marcha possuía movimentos que o irmanavam à paisagem. Seu espectro foi tornando-se cada vez menor. Ainda pude vê-lo ao entrar por uma curva da enseada, banhado de sol e de gotículas de mar.

Só o reencontrei quando mais tarde me deleitava ao sol, diante do hotel, no mesmo lugar onde ele me vira pela primeira vez. Saía do mar e não hesitou em se dirigir a mim.

– Fico feliz por ver você – ouvi sua voz.

Sorri para ele enquanto colocava a espreguiçadeira na posição correta para me sentar. Percebi que suas palavras procuravam deixar ao largo a imprevisibilidade de minha atitude durante a manhã.

– Há uma boa barraca após a próxima enseada; lá, servem um ótimo camarão; aceita o meu convite?

Sorri em assentimento. Pusemo-nos a caminho. Com a manhã já adiantada, a freqüência à praia tornara-se bem maior. Muitos tomavam sol, alguns bebiam no quiosque do hotel, outros jogavam vôlei, enquanto havia aqueles que tomavam banho de mar.

Quando já estávamos na barraca aguardando o prato sugerido por ele, percebi que me apreciava o corpo. Já não sou jovem; mantenho, porém, a beleza da idade madura; talvez uma protuberância aqui, uma marca acolá, mas de modo geral os homens não deixam de me admirar. Embora ele tivesse uma aspecto jovial, mais tarde me diria que beirava os quarenta antos. Tentava manter a forma, os músculos aprumados, mas era consciente de que a beleza física é provisória.

Não pediu bebida alcoólica, ao passo que eu tomei uma caipirinha. Confesso que a bebida trouxe-me uma ponta de excitação. E ele percebeu. Estendeu os olhos sobre meu corpo. Senti meu biquíni ainda menor ante sua insistência. Como conseguiu deixar-me vexada, pedi licença, caminhei a extensão de areia que nos separava do mar e mergulhei nas águas que refletiam um azul brilhante e límpido. Escondi-me ainda que provisória. Ele acabou por me acompanhar. Mergulhou após alguns minutos e se aproximou tanto que chegou a tocar-me. Minha pele estava fria, as águas do mar baixaram-me a temperatura; pude voltar mais tranqüila à barraca. A garçonete acenava: nossos camarões estavam prontos e servidos.

Saboreamos a iguaria. O prato fora preparado com beleza peculiar, acompanhava a rusticidade local. Continuei a bebericar enquanto o ouvia. O homem falava pouco, mas procurava pontuar seu discurso provocando um efeito interessante. Parecia saber contar histórias. De antemão eu soube que era pessoa viajada, trabalhara em várias embaixadas do país no exterior. Perguntei se era embaixador.

– Ainda não – sorriu e bebeu mais um pouco de água mineral.

– Se você está de férias, por que viaja no próprio país?

– As viagens ao exterior no meu caso têm uma ar de trabalho. Já conheço muitos países. Lá fora faço turismo cultural. Quando busco ambientes naturais, prefiro alguma praia do Nordeste, como esta.

Contei de onde eu viera e o que fazia. Escutou-me com bastante atenção. Demonstrou alegria quando eu disse que morava no Rio.

– É uma das poucas cidades onde não tenho muitos amigos. É bom conhecer você porque vai ser um bom motivo para eu visitar a cidade. Gosto muito de lá, mas tenho ido pouco nos últimos anos.

Vivia em Brasília e disse que havia pouco enfrentara uma dolorosa separação. Tinha um filho ainda pequeno, não o via com freqüência, embora gostasse muito dele.

Olhei toda aquela luz que nos dourava a pele, segurei suas mãos e me aproximei dele. Não foi longo o tempo que passou até eu criar uma situação que nos levou a um beijo demorado. Apesar de ainda estarmos na mesa diante da barraca e do mar, do copo com alguma caipirinha, de alguns camarões que nos restavam, e de olhares curiosos sobre duas pessoas de meia-idade que se abraçavam, nosso namoro começou em temperatura elevada. Quando nos desprendemos, acariciei-lhe os ombros.

Após deixarmos o local, em meio à caminhada de volta, mergulhamos num pedaço de mar onde éramos sós. Dentro d'água, agarrei-o com mais insistência. Ele segurou meu corpo, apertou-me, apalpou-me as costas, escorregou as mãos até quase meu bumbum. Mas, enfim, não era homem de avanços imediatos. Ficamos abraçados, com a água a nos escorrer pelos cabelos e rosto. Tive vontade de ficar nua em seus braços. Bem que seria possível, além de nós dois, a praia insistia em não dar mostras de presença humana. Mas contive-me. Como ele parecia tão digno, preferi não me precipitar. Quem sabe assim poderia tê-lo por mais tempo, quem sabe ele não seria a pessoa ideal para se viver.

Ao chegarmos diante do hotel, encontrei minha espreguiçadeira vazia. Deitei-me. Ajeitei o chapéu sobre a cabeça, já que o sol vinha de outra direção. Limpei os óculos na toalha e o coloquei no rosto. Chamei o garçom, que veio atender-me com pronta solicitude.

– Uma caipirinha, por favor.

Meu companheiro sorriu, largou-se a meu lado sentando-se sobre a areia.

A bebida insuflou-me ânimo novo. A tarde já ia com seus raios de sol suaves, o mar pleno de explosões trazia odores de vida e transmitia uma sensação quase de êxtase. Tomei nos braços de novo meu acompanhante e lhe beijei longamente os lábios. Trouxe seu corpo para mais perto; percebi, porém, que ele demonstrou algum desconforto. Alguém passou por ele e com muita discrição cumprimentou-o com um movimento com a cabeça. Depois percebi que era um casal, talvez os amigos que conhecera na viagem.

Quis estar a sós com ele. Sentia-me impelida a abraçá-lo, a pressionar meus seios sobre seu corpo, a percorrer sua pele com meus lábios úmidos de desejo, mas ali não era o lugar propício. Beijei-o de novo.

– Vamos para o meu chalé – sugeri.

Ele sorriu em assentimento e se levantou.

Jantamos juntos no restaurante do hotel. Devido à hora adiantada, muitas mesas já estavam vazias. Os casais que ainda permaneciam conversavam, saboreavam doces ou tomavam café. Os jovens passeavam pela área ao ar livre. As crianças corriam e algumas gritavam. Aconteceria depois das nove outra festa para os adultos; ao passo que para as crianças, recreadores programavam atividades próprias.

Era bom estar diante de meu novo amigo. Já entendêramos que seria difícil desvencilharmo-nos um do outro. Quando conhecemos alguém, sobretudo num local onde o tempo escorre rápido e sabemos que não está longe o dia da partida, desejamos aproveitar todo o tempo da melhor maneira possível; não nos abandona o pensamento de que já éramos antigos namorados e que na verdade nunca estivemos separados. Mas são armadilhas de férias, emboscadas de viagens que nos parecem tirar do mundo, miragens que logo se diluem quando voltamos à vida cotidiana. Passamos então a sentir que aqueles momentos foram um sonho e duvidamos até mesmo que um dia tenham existido.

Andamos sob as luzes das estrelas e da parca iluminação elétrica. Eu vestia apenas uma leve bermuda e um top. Fazia calor. Meu companheiro não perdeu a elegância. Apesar de estarmos num hotel em que se podia ir de short e camiseta durante todo o dia e toda a noite, vestiu-se de modo a despertar a atenção de outras pessoas. Não era nada demais, porém a roupa esporte que usava caía-lhe com perfeição e se podiam perceber os detalhes do corte e do desenho.

Insisti para que caminhássemos à beira-mar. Atravessamos a pequena ponte e nos deparamos com o mar, que estava bravio àquela hora. As ondas estouravam próximas a areia e vez ou outro o vento nos trazia alguns respingos. Andamos na direção sul. Vimos as luzes do hotel vizinho. Algumas pessoas se divertiam no quiosque externo. Casais abraçavam-se, principalmente os jovens, enquanto uma música romântica vinha inundar a todos. Estaquei, pus-me de frente ao meu homem e procurei seus lábios. Ele de pronto respondeu-me. Beijamo-nos demoradamente. Aproximei-me o mais que pude e o apertei com bastante força. Comprimi meus seios a seu tronco rijo. Depois fui largando-o vagarosa, como se me tivesse tornado exaurida devido ao esforço em retê-lo. Ele deslizou suas mãos entrelaçadas por minhas costas e prendeu-me à altura dos quadris, enquanto eu permanecia com a cabeça recostada sobre um de seus ombros.
Ao voltarmos ao hotel, após nosso passeio de muitos toques e poucas palavras, vimo-nos imersos em grande dúvida. Dormiríamos juntos ou não? É lógico que ambos queríamos permanecer lado a lado durante todo o tempo. Nenhum de nós, porém, aventurou-se a tocar no assunto. Fiz que me despedia. Só então perguntou:

– Não vamos ficar juntos à noite?

– Não sei, ainda nem nos casamos...

Ele riu de minha resposta, mas não se deixou vencer.

– Vejamos se há alguém no hotel que nos possa casar.

Olhei para ele com expressão de susto.

– Você não acha que estamos indo rápido demais?

Virei-me de frente, dei-lhe um beijo ligeiro e disse:

– Quem sabe alguém me convida para conhecer seu castelo?

Ficamos na cama até quase nove da manhã. Daí em diante começamos nosso ritual. Parti para meu chalé com a desculpa de que precisava me preparar para aquele lindo dia que começava. Marcamos encontro no restaurante, para o café da manhã.

Ao terminarmos a rápida refeição, ele falou:

– Tenho uma surpresa para você!

– Não há surpresa melhor e mais inesperada do que ter conhecido você – falei e mandei-lhe um beijo.

– Falo sério, ouça, aluguei um automóvel, vamos passear por outras praias, vamos até Itacaré.

Fiquei muito feliz com o convite.

Preparei-me como sempre de maneira bem leve. Apenas o biquíni, uma saída de praia semi-transparente e a pequena bolsa. Estava pronta para a aventura.

Durante todo o percurso, cerca de cem quilômetros, conversamos muito. Ele falou um pouco mais sobre suas viagens e sua vida profissional. Disse que dentro em breve assumiria um posto na Turquia. Falou muito sobre literatura. Gostava da francesa e da portuguesa. Gostava também dos brasileiros, mas não os colocava em primeiro plano; aliás, apenas dois ou três.

– Aqui no Brasil, dentre a intelectualidade, há esse preconceito; os autores brasileiros quase nunca são colocados na linha de frente quando se trata de literatura universal, mas é um grande equívoco.

Ele olhou para mim um tanto assustado, porque não esperava tal afirmação ou talvez pensara que eu nada entendesse sobre o assunto. Depois disse que eu falava com propriedade.

Cruzamos Ilhéus. A cidade nos pareceu feia. Os prédios, principalmente os públicos, estavam mal conservados e as ruas esburacadas. Tivemos o cuidado de não quebrar a suspensão do carro. Logo conseguimos entrar na estrada que nos levaria a Itacaré e, quando Ilhéus já ficara para trás, pudemos apreciar de novo as belezas naturais. Subimos uma serra. De cima observamos toda a costa: céu e mar repartiam-se e as vagas desfaziam-se em espumas sobre as areias brancas. Quando beirávamos a cidade de destino, entramos em uma pequena praia. Descemos a encosta e paramos o carro. Observamos um restaurante rústico com vários turistas que ocupavam mesas e cadeiras, outros tomavam banho de mar. O restaurante era o único indício de urbanização local. Caminhando pela praia; tanto para um lado como para outro, vislumbrava-se apenas a paisagem natural, composta de mar, areias, algumas dunas e coqueiros. Tirei a pequena canga e a deixei junto a meus pertences, sobre uma das mesas que se enfileiravam até a areia. Corri e mergulhei. Queria fazer uma surpresa a meu namorado. Ele deixou suas poucas coisas junto às minhas e também mergulhou. Nadou até a mim. Pedi que me abraçasse. Ao tocar-me, surpreendeu-se:

–Você está nua.

– Estou.

– Onde você deixou o biquíni?

– Aqui – mostrei-lhe o braço. A pequena peça transformara-se numa pulseira justa.

Ele riu, beijou-me e permanecemos abraçados.

– Você é louca; não tem medo que as outras pessoas descubram que você está nua?

– Não, nunca aconteceu.

– Você faz isso sempre?

– Quase sempre, mesmo quando estou sozinha; me dá imenso prazer.

Em algum momento, coloquei a pulseira em um de seus braços.

– Olha que vou embora e deixo você aí, viu? – ameaçou sorrindo.

– Você vai para a Turquia e vai me deixar pelada numa praia da Bahia? Como eu vou fazer para voltar? – eu o excitava. – Acho que você não tem coragem, é muito gentil para fazer mal a alguém.

Ficamos dentro d'água durante um bom tempo. Ele se manteve muito excitado, tocamo-nos de várias maneiras, mas não fizemos amor ali.

Depois saímos do mar – ele já refeito e eu mais recatada – e pedimos ao garçom que nos trouxesse cerveja e alguma coisa para comer. Passamos toda a manhã admirando um ao outro, olhando a paisagem, tomando goles de cerveja e dando mais algum mergulho eventual.

Seguimos para Itacaré com intenção de almoçar e conhecer as outras praias. Entramos na cidade e alguma coisa lembrou-me Pipa, no Rio Grande do Norte, ou Búzios, no Rio de Janeiro. Cidade bonita, com casas coloridas e baixas, uma juventude saudável nas ruas, alguns estrangeiros, muitos bares, restaurantes naturais, sucos e água de coco. Fizemos pouso em uma praia pequena. Dois bares rústicos serviam comida caseira e bebidas à base de frutas. Na pequena faixa de areia, vimos surfistas bronzeados e suas pranchas; havia também muitas meninas bonitas; bonitas e quase nuas. Mergulhavam, ajeitavam os lacinhos dos pequenos biquínis, sorriam e abraçavam os rapazes. Pus-me a pensar de onde vinha toda aquela gente luminosa e plena de saúde. Entramos num mar mais agitado. Mas as ondas eram uniformes, deslizavam, e a água estava quente. Aproveitamos para nadar.

Voltamos ao entardecer. Novamente passamos por dentro de Ilhéus; quando estávamos prestes a atravessar a ponte, erramos o caminho e demos num bairro à beira-rio, de casas pobres e ruas quase impraticáveis para os veículos. Conseguimos retomar nossa rota e chegamos ao hotel em torno das seis horas.

Jantamos quase às nove. O restaurante já estava prestes a fechar quando o gerente nos viu e acenou para que entrássemos. A maioria dos pratos já fora retirada, mas conseguimos no alimentar. Depois sentamos na área externa e aguardamos uma apresentação de música ao vivo.

Passamos a noite no chalé dele. Em dado momento, disse-me:

– Vou levar você comigo para a Turquia.

De pronto rebati:

– Você ao menos perguntou se eu quero?

– Queira me desculpar, você tem toda a razão.

– Claro que quero, meu amor; como se diz eu te amos em turco?

Caímos na gargalhada.

Numa das tardes seguintes, eu o surpreendi. Estávamos no bosque que havia no hotel; com lago, cachoeiras e muitas trilhas entre as árvores. Anoitecia. Tomamos banho abraçados sob uma das quedas d'água; depois fiz que ele sentasse sobre um dos degraus que havia dentro d'água. Sentei-me de frente a ele, sobre suas coxas. Soltei o biquíni e fizemos amor. Eu dirigia os movimentos, procurava manter as costas eretas, mexia apenas o bumbum e as pernas. A água fria correndo por meu corpo e seu pênis dentro de mim provocavam-me um prazer indescritível.

Quando saíamos, só então reparamos um casal de adolescentes. Abraçados, aproveitavam o banho de cachoeira. Percebi a moça um tanto vexada ao dar conta da nossa presença. Ao passar por eles, sorri. O rapaz retribuiu-me; a moça, porém, escondeu o rosto num dos ombros dele.

– É você adolescente – ouvi de meu namorado.

– Nessa idade eu não era tão envergonhada.

– Não vejo motivo para tanto pudor.

– Você não reparou?, ela está nua.

– Nua? – perguntou e quase instintivamente olhou para trás.

– Não, não olhe; vamos deixá-los em paz.

Os dias que nos restavam arderam nossos corpos na paixão de dois amantes aos quais só existe sob o céu infinito o amor como único alimento. Perdíamo-nos sobre as areias extensas, castigadas por açoite de mar bravio e vento interminável. Éramos dois animais que rolam juntos, mordem-se, envolvem-se, roçam-se e enfim gozam; os corpos cobertos de tênue minério prata granulado. Com a pele viva, intumescida, rósea de dilaceramentos, queria sua seiva, alívio temporário no entreato das estrelas. Seu caule ora aumentava o volume de minhas águas, ora jorrava líquido azulado em minhas entranhas quase rubras, ora untava-me o ventre e os seios com óleo viscoso, tecido único que me cobria, saia de fibras frágeis prestes a esgarçar-se à chama primeira do amanhecer.

Parti um dia antes dele. Na despedida, beijou-me demorado. Ficou com o meu endereço e todos os meus números.

Uma semana depois o esperei no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio. Ele desembarcou de terno, muito elegante, uma etiqueta italiana. Fomos para minha casa. Mais alguns dias, deixávamos o Brasil.

Minha decisão era arriscada, mas faria uma tentativa. Sentia que sem ele minha vida jamais seria a mesma.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Aeroporto

Tive um namorado que me deixava excitadíssima. Além de saber tocar meu corpo como ninguém, sussurrava palavras mágicas no meu ouvido enquanto fazíamos amor. Foi ele que me introduziu no mundo da fantasia. Gostava que eu me despisse dentro de seu carro. No princípio, eu morria de medo, mas depois me acostumei. Adorava passear nua a seu lado. Ele dirigia e me acariciava as pernas. Íamos dentro de um aquário escuro, como peixes que apreciam o mundo exterior sem a possibilidade de serem capturados. Num belo dia, quando a temperatura começou a esfriar, pediu que eu vestisse apenas o casaco. Passei a sair envolta num manto que me cobria de diversas maneiras; às vezes até as coxas, outras até os joelhos. Ele me presenteou com um suéter que em meu corpo se tornou um micro vestido. Tive vários e multicores agasalhos. Quando o tempo permitia, era tudo o que eu vestia. Ia de cabeça erguida, sem vergonha alguma. Freqüentávamos lugares caros, lugares em que as pessoas são discretas e parecem estar acostumados a qualquer coisa, até a uma mulher nua em público. Certa vez vesti um casaco de botões, desses que se deve abotoar do pescoço até as coxas. Paramos o carro numa viela do centro velho, andamos por ruas escuras e, na reentrância de um muro, entre duas casas antigas, ele soltou os botões e me invadiu o corpo. Que delícia! Caso chovesse ou ventasse, procurava vir com o agasalho adequado, mas sempre chique. O ritual se repetia. Encontrávamos abrigo entre paredes também nuas, ou mesmo em algum jardim público, cuja porta permanecera aberta, esquecida. Ele abria meu casaco e me penetrava. Às vezes eu temia que a temperatura subisse durante as nossas saídas, ou mesmo que amanhecesse e nós ainda não tivéssemos retornado. Evitávamos também lugares quentes, como algumas boates. Certa vez, numa praia, pendurei o agasalho no mastro destinado à rede de vôlei; ele permaneceu lá, esquecido, durante boa parte da noite. Algumas vezes, enquanto fazíamos amor, desejei que alguém o roubasse e me deixasse nua. Mas isso nunca aconteceu. Ainda não vivi essa fantasia. Depois mudei para Bahia e fui morar em Salvador. Arranjei emprego numa sofisticada loja de roupas femininas, no aeroporto. Meu namorado ficou para trás e minha vida mudou.

Fazia seis meses que trabalhava ali quando, num sábado de manhã, indo ao quiosque de café expresso, reparei um homem muito parecido com ele. Cheguei perto, mas constatei que me enganara. Ainda assim o homem ficou a me olhar demoradamente. Estava bem vestido, como acontece à maioria dos viajantes. Quis despistar, mas não consegui. Ele acabou vindo em minha direção. Eu vestia uma calça branca impecável e uma blusa insinuante. A calça era justíssima, deixava bem saliente a marca da calcinha. Naquele momento ainda era cedo, talvez dez horas, e eu havia deixado a loja sozinha. Fora buscar apenas um café e já voltaria. Quando ele ameaçou falar alguma coisa, fiz gesto de que nada pronunciasse, tomei uma de suas mãos e o levei comigo. Ele, carregando apenas uma pequena bolsa, me acompanhou. Eu trazia o homem com uma das mãos e com a outra segurava o copo de plástico, com café; tomava alguns goles enquanto caminhávamos. Não entrei na loja, contornamos o largo corredor de toda a área de embarque. Pudemos apreciar as pessoas que estavam prestes a viajar; algumas olhavam as vitrines, poucas transitavam, outras estavam na livraria, viam jornais e revistas. Uma funcionária que puxava um carrinho de limpeza passou por mim e sorriu; conhecia-me de vista. Atravessamos a área de alimentação, onde já havia um bom número de pessoas. O corredor à esquerda era caminho para a sala de embarque. Junto ao portão, uma mulher com uma criança mostrava o cartão para o funcionário. Dali a algumas horas estariam longe, como acontece a quase todos que passam pelo aeroporto; aconteceria também a meu recém-conhecido. Antes, porém, o levei para um compartimento privativo a funcionários. Nada falei nem permiti que dissesse coisa alguma. Empurrei-o para dentro de um boxe e comecei a tirar minha roupa. Lembrei da loja, mas me tranqüilizei; o aeroporto é um lugar seguro, é certo que nada aconteceria; e a gerente chegaria só depois do meio dia. O homem me olhava meio surpreso e meio desconfiado; talvez tivesse algum temor ante a tanto acaso e facilidade. Já nua, pela única vez sussurrei num de seus ouvidos: “me empresta o casaco”. Ele o tirou e me cobriu o corpo. Depois desabotoei suas calças, manuseei seu pênis, que já se tornara bastante rígido. Sem titubear, fiz que me penetrasse.

Cerca de vinte minutos depois, ao voltar à loja, tudo estava na mais perfeita ordem. Fui ao espelho, retoquei a maquiagem, ajeitei o cabelo, virei de costas e reparei se minha calça branca estava muito escandalosa. Já não aparecia a marca da calcinha. Deixara de lembrança em um dos bolsos do casaco. Lembrança da Bahia.

Lembrança de meu antigo namorado.

sexta-feira, agosto 31, 2007

Mayna

"Por favor, moço, me ajude, me dê abrigo, aconteceu um problema".
´
Ele permaneceu em silêncio durante alguns segundos, olhava-me com naturalidade. Estendeu enfim um dos braços à mesa lateral e pegou o maço de cigarros, calmamente acendeu um, deu um trago e falou:

"O que houve?"

Eu tentava cobrir minhas vergonhas com as mãos. Resumi a história.

É lógico que naquele momento eu estava muito nervosa, narrei tudo aos atropelos; mas agora posso contar o que aconteceu com mais calma e com mais detalhes.

Houve um verão que passei em uma dessas praias do litoral paulista, o nome não importa, sei que na época era quase deserta. A areia era comprida e do outro lado da rua viam-se poucas casas. Éramos mais jovens e gostávamos muito do local. À noite, íamos à praia para namorar. Cada rapaz ou moça tratava de arranjar seu par, mesmo que fosse apenas para o momento. Então nos agarrávamos num intenso corpo a corpo sobre a areia, um namoro quente no escuro da noite. Às vezes soprava um vento morno, que delícia... Dava vontade de grudar ainda mais no parceiro e fazer tudo o que se podia imaginar. Mas em uma daquelas noites aconteceu algo imprevisto. Eu estava com um rapaz da minha idade, já saía com ele havia vários dias. Ele era carinhoso, me beijava muito e gostava de tirar toda a minha roupa. Eu permitia, deitava com ele inteiramente nua. Estávamos no auge da excitação – eu ardia em fogo invisível – quando percebi um pequeno tumulto. Algumas pessoas começaram a correr, a fugir dali. Eu, a princípio, não entendi o que estava acontecendo; mas aí ouvi alguém que gritou: "é a polícia, fujam, fujam!" Era um tempo em que não existia a chance de se estar à vontade como hoje. Namorávamos às escondidas na praia e em lugares escuros; a polícia, porém, era o que mais temíamos. Meu namorado deu um salto e mergulhou dentro da noite. Tentei recolher minhas roupas, mas de repente me vi sozinha, todos tinham desaparecido, não sabia o que fazer. Então também corri. Mas, ao contrário dos outros, acabei atravessando a pequena estrada. No outro lado, a uma distância de uns trinta metros, vi uma casa; uma luz fraca brilhava no lado de dentro. Corri para lá. Na verdade, invadi a casa. Ao ultrapassar a varanda, descobri um senhor, que via TV. Ele notou que alguém se aproximava e olhou para onde eu surgia. Morri de vergonha. Ao me avistar, no entanto, não demonstrou surpresa alguma.

"Vejamos o que podemos fazer, sente-se, não tenha medo, não vou lhe fazer mal". Apontou-me o sofá.

Eu, sem jeito, não ousei sentar. Continuei com um dos braços tentando cobrir os seios, enquanto o outro, sem rumo, não encontrava pouso. O homem se levantou, parecia que ia a algum lugar, mas estacou.

"Tenho uma piscina de água quente", disse, "você não quer relaxar um pouco? Depois desse susto, creio que não há nada melhor."

"Piscina de água quente?", ainda repeti; animei-me, "é, nada mal".

Levou-me a seguir até a sala de banhos; isso mesmo, a casa tinha uma sala de banhos, que ficava nos fundos. Mostrou-me a pequena piscina de estilo oriental; a água estava quente, uma delícia. Entrei. Só dentro d'água é que soltei os seios. Fiquei de molho durante um bom tempo. Depois ele voltou com uma toalha grande, felpuda. Aí tomei coragem, saí de busto erguido, fui até ele para que me enrolasse nela. Dali em diante, minhas férias foram passear com ele e estar na casa dele. Uma descoberta maravilhosa. E quando acabou a estação, retornamos juntos a São Paulo, onde continuamos a viver nossa temporada de sonhos.

sábado, agosto 11, 2007

A dama de espadas

– Pode me deixar junto àquele poste.

– Mas como, você está nua, são três da manhã, como vou deixá-la assim?

– Pare, foi o que combinamos.

– E suas roupas?

– Não há problema. Durante o dia eu mando alguém pegá-las.

Marinete saltou do automóvel com naturalidade. Pôs-se de pé sobre um sapato de saltos bem altos, carregava uma pequena bolsa a tiracolo que mais parecia um porta maço de cigarros. Ali dentro tinha realmente cigarros e o celular.

– Vamos, dê a partida, – ordenou batendo com uma das mãos na porta, enquanto Manoel hesitava em deixá-la ali naquele estado – depois eu lhe telefono para combinarmos outro programa.

O automóvel partiu vagarosamente. A rua se encontrava às escuras. O local era bastante deserto. Marinete caminhou até uma banca de jornal e agachou-se. Pressionou uma das teclas do celular. Quando atenderam, apenas disse:

– Pode vir. Estou na rua A esquina com a F.

Quinze minutos depois, um Peugeot preto parava no local. Marinete saiu de onde se escondia e entrou.

Esse jogo era uma fantasia que se dava quase que semanalmente. Foi a solução que o próprio marido arranjou para salvar o casamento. Este já ia naufragando, quando ele mesmo teve a idéia.

– Precisamos fazer algo estimulante.

– O que você sugere?

– Que você saia nua pela cidade.

– Como?

– Isso mesmo, ou melhor, você sai vestida, tem seus casos à vontade, mas precisa chegar nua em casa. Se você quiser, eu mesmo vou buscá-la, basta telefonar. Mas lembre-se, tem de estar pelada. A única coisa que eu admito são os sapatos. E de saltos bem altos.

Inicialmente, a mulher resistiu. Já havia muito que não era fiel, teria maior liberdade, mas tal proposta pareceu-lhe perigosa. Pediu uns dias para pensar.

Acabou aceitando a título de experiência. Deu-se a primeira vez. Apesar de trêmula e inundada de um suor frio, gostara. O amante também fora apanhado de surpresa. Não conseguia entender a razão daquela situação e nem ela explicou-lhe. Pouco a pouco, porém, tornava-se cada vez mais excitado. Ela nunca lhe contava como fazia para chegar nua em casa, sem ser percebida. Na verdade, a coisa acabou dando certo pelos dois lados: o amante e o marido passaram a desejá-la mais.

O casamento melhorou em todos os aspectos. A partir do momento em que começaram a praticar tal fantasia, tudo se transformou. O marido se tornou mais carinhoso e lhe era absolutamente fiel. Presenteava-lhe regiamente e cada vez que a resgatava se tornava mais fascinado pela mulher. Ao entrar em casa com a mulher nua, ao colo, apenas de sapatos de salto, atirava-a na cama e faziam um delicioso amor.

Noutra ocasião, surpreendeu-se com uma nova proposta dele:

– Agora, você precisa mudar de par. Cada vez saia com um diferente.

– Olha, você não acha que já estamos indo longe demais?

– Absolutamente, garanto que você vai gostar ainda mais.

Ela teve um trabalho danado para se arranjar nessa nova situação. Havia dois problemas. O primeiro era a surpresa dos homens. Transavam com ela, depois tinham de dirigir com uma mulher nua ao lado e obedecer-lhe sem fazer perguntas. O segundo era a grande quantidade de roupas que perdia. Como as recuperaria? Mas o marido dizia:

– Não faz mal, amanhã compramos outras.

Numa das madrugadas, ao descer do carro, já na garagem do prédio, observou uma carta de baralho deixada sobre o piso. Abaixou-se para pegá-la. Tomou-a nas mãos e a desvirou: era uma dama de espadas.

A figura austera e fria da mulher causou-lhe desconforto. Sentiu um ligeiro tremor.

No apartamento 402 morava uma mulher sozinha. Chamava-se Helenice. Não era feia. Flertara com um homem que morava no apartamento ao lado, homem também sozinho, mas com quem nunca conseguira estabelecer uma relação maior do que a de vizinha. Descobriu, certa vez, Marinete no apartamento dele. Foi um caso único, mas Helenice jurou vingar-se.

Sua estratégia foi acompanhar passo a passo a vida do casal. De início, não reparara nada demais. Em determinado dia, porém, acordou de madrugada e foi à cozinha beber um copo d água. Ouviu um barulho vindo do elevador de serviço. A porta se abriu. Primeiramente saiu o marido, depois a mulher inteiramente nua. Viu tudo pelo olho mágico. Ficou sem entender aquela situação.

Montou guarda quase que diariamente. Passaram-se alguns dias e nada de novo aconteceu. De repente, no mesmo dia, mas na semana seguinte, a cena repetiu-se. A partir de determinada semana, reparou que os episódios passaram a acontecer duas vezes na semana. Elaborou então um plano.

Reparou que nos dias em que a cena se dava, o telefone da casa deles tocava de madrugada, o marido saía só e vinte minutos depois ambos chegavam juntos. Conseguiu ouvir a conversa algumas vezes e não descobriu nada demais. Ouvia apenas o marido dizer: "sim, sim, já estou indo".

Pensou em segui-lo, mas logo concluiu que teria um trabalho terrível. O adiantar da hora fazia qualquer perseguição inviável. Uma brilhante idéia salvou-a. Passou a esconder-se na garagem. Quando eles chegavam, tentava ouvir alguma coisa. Aos poucos, juntando as raras palavras que ouvia, acabou se inteirando da situação. Faltava apenas saber mais uma coisa: de onde vinham. Certa vez teve uma confirmação. Ouviu-o dizer:

– Você precisa tomar mais cuidado. Já apanhei você em todas as esquinas da rua A, e ela anda muito movimentada atualmente, é melhor mudar um pouco.

Helenice não precisou ouvir mais nada.

No dia em que colocou em prática seu plano, o coração pôs-se aos saltos desde o anoitecer. Preocupou-se em se certificar de que Marinete havia saído e não voltara. Ouviu a televisão alta no apartamento deles até altas horas da madrugada. Uma hora antes do horário em que o telefone costumava tocar, Helenice deixou o prédio num táxi. O telefone tocou como de costume:

– Pode vir, estou na rua B com a C.

– Ah, mudou? Que bom! Mas sua voz está diferente, o que houve?

– Estou gripada, e venha logo. Algo deu errado.

Ele sentiu um tremor de excitação ao ouvir a palavra "errado". Saiu em disparada. Quando chegou ao lugar indicado, primeiro não viu ninguém. De repente ouviu um toc-toc na porta do carona. Abriu. Uma mulher inteiramente nua sobre sapatos de salto alto invadiu-lhe o automóvel. Só reparou que não era Marinete, quando ouviu a voz:

– Vamos, meu amor, seu negócio hoje é comigo.

Voltou os olhos, surpreso, para a mulher. Era Helenice, a vizinha.

domingo, julho 29, 2007

Lígia

O sol ardente de fevereiro tornava ouro as lindas serras da Tijuca. Que manhã encantadora. O céu descia do mais puro azul; o verde da relva e da folhagem sussurrava entre gotas de orvalho, refletindo toques de luz. Flocos de névoa, restos da cerração da noite, envolviam ainda as escarpas mais altas da montanha como renda flutuante ao sopro da brisa; tal qual a montanha, a neblina também me envolvia, como manto único e quase transparente.

Havia alguns anos que começáramos a guiar até onde a serra permitia; abeirávamos o caminho de terra e nos agarrávamos primeiro dentro do automóvel, mais tarde fora dele, sobre a vegetação já fria e úmida de sereno. Embrenhávamos inteiramente nus por trilhas e veredas seguras para nós, sítios ocultos no meio da mata, conhecedores que éramos dos espaços às vezes exíguos entre árvores e arbustos. Sentíamo-nos parte do lugar. Vivíamos o ardor da paixão; não perdíamos qualquer oportunidade para nos engolirmos mutuamente. Freqüentadores da floresta em hora tardia, temíamos que alguém nos descobrisse; mas acho que na verdade nos excitávamos ante tal perspectiva. Quando avistávamos outro veículo, ou outro casal que também namorava, tentávamos espioná-lo. Divertíamo-nos.

Até então estivéramos sob o véu da noite, tendo como contorno luminoso apenas os vaga-lumes estelares, piscar alternado de explosões celestes em eras distantes.

Durante o dia, entretanto, era a primeira vez.

Eram sete horas. Apostávamos no amanhecer ainda deserto daquele domingo. Subimos por um atalho novo; pensávamos conhecer todos os caminhos e eis que havia surgido um novo. Tudo incentivava à aventura: a luz forte do sol, a névoa que se dissipava veloz abandonando-nos em pele e pêlo e a vereda recém descoberta.

Caminhamos durante uns bons quinze minutos; adentramos um campo florido, de árvores baixas, tendo ao fundo uma pequena cabana.

Contornamos a rústica construção; íamos cuidadosos. Num primeiro momento, parecia desabitada. Caminhamos para o lado sul e percebemos através de uma das janelas um casal que dormia. O homem e a mulher estavam nus. Os minutos que ficamos a observá-los foram longos e intermináveis. Eu, intempestiva, forcei a porta da sala. Estava aberta. Entrei; procurava ir em silêncio; sentia-me borboleta primaveril que mergulha límpida no ar rarefeito da manhã, sem fazer ruído algum. Deslizei lépida por pequeno corredor. Atravessei a sala e logo me vi no quarto onde dormiam. Tudo era silêncio; podia ouvir a respiração de ambos. Sobre o encosto da cadeira, junto à penteadeira, tomei nas mãos um vestido curto, de cor vinho; parecia roupa própria para noite. Senti a fazenda macia, o corte perfeito, tive vontade de vesti-lo.

Caiu-me na medida. A bela roupa fora cortada e costurada para mim. No corpo, percebi ser um autêntico Versace. Corri a Alberto que me esperava temeroso; não entrara à casa. Surpreendeu-se ao me ver vestida.

– Que roupa linda!

– A mulher tem bom gosto.

– Vai levá-la?

– Claro que não; nunca fui ladra, não haveria de sê-lo agora.

– E por que a veste?

– Para que você me coma vestida com um autêntico Versace.

Alberto encostou-me a uma das paredes externas, levantou o vestido e penetrou-me. Trepamos durante um bom tempo. Trememos quando ouvimos alguém se mover sobre a cama. Quis despir-me e atirar o vestido sobre a mesma cadeira; não queria ser surpreendida naquele estado. Mas, de repente, o silêncio se estendeu de novo; nos mexemos então com mais furor. Tive o cuidado de não sujar a peça valiosa.

– Quem são eles? – perguntou Alberto depois que acabamos.

– Não sei; mas a mulher não me é estranha; e esse vestido não é de qualquer uma.

– Vai ver que aproveitaram a noite e agora dormem.

– Isso – disse eu –, ela não parece com aquela modelo e atriz que se chama Juliana?

– Isso mesmo, bem lembrado, acho que é ela! e então, vai deixá-la nua?

– Já disse que não, vou devolver.

Descemos o trecho da montanha tendo todo o cuidado de não cruzarmos com os primeiros caminhantes. Abaixávamos junto ao córrego que nos acompanhava ou atrás de alguma árvore maior sempre que nos ameaçava algum grupo de jovens que ia aos pontos mais elevados da serra. Mais adiante, seguimos por dentro da mata. Ao chegarmos próximos ao nosso automóvel, reparamos um casal que namorava encostado nele. Fiz voar uma pedra que se chocou contra o solo dez metros à frente. Os namorados se assustaram e partiram.

Como disse, foi a nossa primeira aventura diurna.

E o meu primeiro Versace.

marg_57a@yahoo.com.br

quarta-feira, julho 04, 2007

Carinhosa

Tudo que existe em mim de grave e carinhoso te digo aqui como se fosse ao teu ouvido; nas ondas da praia, nas ondas do mar, quero ser feliz; quero banhar-me nas águas límpidas, quero banhar-me nas águas puras, que apenas me vestem original; como me deixaste na madrugada que ainda ia escura, o corpo a reluzir explosões astrais; minha pele é dourada e vou sob céu de estrela única, à espera de que voltes e deslizes sobre meu ventre teus dedos, pincéis de cores quentes; as ondas do mar me cobrem, são trajes de festa, roupa feita de espumas compridas, véus que se estendem por areias antigas, brancura transformada em diadema real; mas que, súbito, escapam-me, deixam-me nua, tornam plebéia à princesa, loura encoberta apenas por respingos de sal; não demoram as ondas, outra vez são generosas e se apressam a me dar prumo, a lavar-me, a vestir-me noiva generosa que aguarda algum tipo de deus; talvez Apolo a me deixar lívida, ou Marte a me tornar trêmula; mas aí vem Vênus ciumenta que, sem poder roubar-me o namorado toma-me, ainda que por empréstimo, o vestido real.

domingo, junho 17, 2007

Eu e Lu comemos todos eles

Ao entrarmos no carro ainda olhei para Luciana, queria lhe dizer que um mal presságio alfinetava-me. Mas a manhã ia alta, era de sol, o tráfego lento, nada melhor do que uma carona até a praia. Os rapazes eram bonitos, viris, corpos bronzeados pelo sol. Não gostei quando um deles me abriu a canga; alegava querer ver meu biquíni. Depois nos mostrou dois biquínis mínimos. Traziam-nos no porta-luvas. Desconfiei; como dois homens tinham dois biquínis no carro? Não perguntei. Luciana se assanhou. Gostou da cor e do modelo. Ele ofereceu, que o vestisse, não iria olhar. E não é que ela, muito rápida, fez a troca. Me falou em voz baixa:

"Entra todo atrás, na frente foi a conta."

Ela entregou o outro, o que viera no próprio corpo. Ele tomou nas mãos as duas peças e sussurrou:

"Bonito."

Guardou no mesmo lugar de onde tirara o novo. Olhou então para mim. Fiz que não com a cabeça. Luciana me beliscou.

"Eles querem nos fazer um agrado."

Estava decretada a sentença. As duas, na verdade, nuas com aqueles trajes.

Ao escolhermos um pouso na praia, não fiz menção em desamarrar a canga. Minha amiga dançou natural, era bailarina nativa envolta em névoa de sal.

"Lu, isso pode não dar certo, não os conhecemos."

"Deixa disso, é tudo um grande divertimento."

Ela aceitou o convite do que viera dirigindo e voltou com ele para o carro. Eu e o outro nos estabelecemos num pedaço de areia que parecia esquecido pelas outras pessoas. Não demorou minha amiga e seu par voltaram.

"Não dá para namorar no carro; além do calor, sempre surge alguém, nem nos pudemos tocar."

"Você não acha que é cedo para essas coisas?"

"Não. A proposta dele é irrecusável, e olha que inclui você!"

"Quanto a mim, deixa que eu decido."

"Dá um chute; quanto você acha que eles nos ofereceram?"

"Lu, não somos prostitutas."

"O que é que tem?, é apenas um faz de contas. Mas vai, dá um palpite, fala um valor", ela continuava, sua expressão tinha ar de ironia.

"Olha, Lu, eu vim com a intenção de aproveitar a praia..."

"Posso dizer o valor?"

"Está bem, diz."

"Quinhentos, mesmo que você não queira, caso aceite, a proposta é mil."

Suspirei surpresa.

"Mil?, tem certeza?, eles devem estar de brincadeira."

"Não é brincadeira nem mentira, mil só para começar, ainda podemos ganhar muito mais. Já pensou, a gente vem à praia para tomar sol, dar um mergulho e consegue ganhar ainda essa grana toda."

Um deles se aproximou e sugeriu:

"Que tal um mergulho?"

"Só um momentinho", falou minha amiga.

Ele entendeu e se afastou alguns metros.

"Há um porém", continuou Luciana.

"Um porém?"

"Isso."

"Qual?"

"Não são só os dois."

"Há mais rapazes?"

"Três ou quatro."

Luciana acabou me convencendo, sobretudo quando disse que o que viera ao volante era um parente distante de uma amiga dela e que tinha certeza de que eles não iriam nos fazer mal algum. Me assegurou também que eram ricos.

Mergulhamos e fomos para onde estavam os dois. Começaram a nos tocar de forma sugestiva. Meu par tateou-me a cintura, percorreu a lateral do meu corpo com a ponta do dos dedos, depois deslizou as mãos pelas minhas costas. Segurei-o de forma carinhosa, correspondendo a seus afagos. Não é preciso dizer que logo senti seu membro ereto, que avançava entre minhas pernas. O rapaz puxou meu biquíni por baixo e me penetrou. Reparei que seu pênis estava com camisinha e isso fez a penetração se tornar mais fácil.

"Não seria melhor namorarmos à noite?", sussurrei em um de seus ouvidos, enquanto ele se movia e tentava sentir com mais intensidade meu corpo.

"Por que não agora e também à noite?"

As pessoas que estavam nas proximidades não eram muitas e não se ocupavam conosco. A água estava quente e o mar calmo. Foi uma trepada demorada. O pênis escorregava devido a lubrificação da camisinha e devido à água, o que fazia a fricção um tanto frágil. Ele só gozou quando segurei seu membro pela base e o puxei na direção contrária a que ele me penetrava. Com essa estratégia, ele sentiu intenso prazer.

"Você agora espera um pouco; faz parte do trato."

"Espero".

"Só que tem mais uma coisa", ele falava um tanto sem jeito.

"O quê?"

"Você tem que me dar o biquíni."

"Você vai me deixar nua?"

"Não só você, mas ela também", e apontou a Luciana, que naquele momento se soltara do seu par, "é apenas por algum tempo, depois a gente devolve, sua amiga já sabia disso."

Olhei assustada para Lu. Ela procurou me tranqüilizar.

"É sobre aquilo que eu disse a você", falava e fazia movimentos com os olhos, tentava pedir que eu facilitasse as coisas.

Ela tirou o próprio biquíni e entregou ao rapaz que transara com ela. Como eu hesitava, ela própria avançou sobre mim, desfez meus laços e me deixou nua.

Eles se foram.

"Lu, se esses caras não voltam, nós vamos passar a maior vergonha", falei desesperada.

"Fica calma, tudo vai dar certo."

Logo chegaram outros dois. Depois descobri que os primeiros fizeram uma grande aposta com os amigos e nós, nuas, éramos parte de tudo aquilo.

Trepamos com mais três, cada uma. Todos eles vieram de camisinha, foram trepadas limpas. A cada um que gozava e partia, eu perguntava pelo meu biquíni. Eles não sabiam dizer.

Houve um que me proporcionou muito prazer. Descobriu em meu corpo sutilezas difíceis a um homem comum. Me fez gemer, me fez atingir altitudes impensadas, orbitar em torno de estrela cintilante e só não me perdi porque prendia-me o corpo eixo rígido mas confortável. Quando gozei me arrependi, porque voltei a lembrar que estava inteiramente nua numa praia, num dia de sol.

"Lu, estou exausta, se vier mais alguém acho que desmaio", sentia minhas pernas bambas após a partida do quarto homem."

"Eu acho que os primeiros estão voltando, olha lá."

Voltei-me para a direção a que ela apontara e reparei os rapazes que nos trouxeram de carro.

Ao chegarem, perguntei ao que ficara comigo:

"Cadê meu biquíni?"

"Calma, não vamos deixar vocês nuas", ainda perguntou: "está tudo bem?"

"Só vai estar bem quando eu me sentir vestida e puder descansar um pouco."

Luciana riu das minhas palavras. Nos deram de volta os biquínis, estavam dentro de suas sungas.

Um deles ainda falou com ar de deboche:

"Será que você, laçada por esse biquininho, se sente tão vestida assim?"

Permanecemos deitadas sobre nossas cangas durante um bom tempo. Depois, o que viera ao volante falou:

"Nós vamos pegar vocês às nove da noite, combinado?"

Olhei mais uma vez sem entender para Luciana.

"Combinado", ela disse.

Um deles ainda acrescentou:

"Não precisam se preocupar quanto às roupas; nós vamos vestir vocês.

Deixaram uma parte do dinheiro e se foram. Escreveram num pedaço de papel o endereço onde deveríamos encontrá-los.

Luciana virou-se para mim e falou:

"Não disse?, não precisamos ter medo; hoje é nosso dia de sorte!"

"Só falta eles querem que andemos nuas à noite pela cidade."

O bar principal do Peró estava cheio às nove horas. Esperamos durante algum tempo junto à entrada. Um dos garçons nos chamou e indicou uma das mesas ao lado esquerdo. Os dois estavam lá. Perguntaram o que queríamos comer. Feitos os pedidos, conversamos os quatro. Eles pareciam bastante entusiasmados.

"Quando acabarmos o lanche, vamos levar vocês duas a um lugar que com certeza vão gostar muito."

Eu e Lu insistimos em ficar algum tempo por ali. Tomei uma caipirinha e ela uma taça de vinho. Comemos salada de palmitos e alguns pedaços de carpaccio. Estava tudo muito gostoso.

Eles pediram a conta e depois caminhamos para o carro deles. O que entrou junto ao volante falou:

"Agora, vamos vesti-las."

"Não estamos nuas", falei, "e até que estamos bem vestidas."

"Mas nós temos alguma coisa mais excitante", disse ele.

Fomos até a casa deles. Uma casa imensa, bonita, com gramado e piscina na parte de trás. Ensaiamos um início de namoro. Começamos a correr para que nos pegassem. Desta vez quem me perseguia era o que ficara com a Lu pela manhã. Ao me alcançar, segurou-me com força e me levou para a grande sala. Ali havia um sofá espaçoso. Ele não me despiu, arrancou minhas roupas com violência. Trepamos. Ele mordia-me os seios, apertava-me as costas. Abri as pernas para recebê-lo. Fazíamos movimentos compassados, um balé exato, ensaiado desde tempos imemoriais. Quando íamos adiantados, lembrei-o da camisinha... Ele foi pouco a pouco diminuindo os movimentos, parecia que ia gozar, mas em gestos também lentos, sem me abandonar, dobrou o corpo e tirou não sei de onde o tal objeto. Fez que eu abrisse a boca, quis saber se me era possível conseguir aquela proeza. Rápido, soltou-se e trouxe o pênis à altura de minha cabeça. Eu, com a camisinha à boca, numa posição transversal, vesti-o, de forma exuberante, sem usar as mãos. Voltou então a trazer seu pênis por entre minhas pernas. Gozamos juntos, jorrando fogos de artifícios.

Ainda nua, de bruços sobre o sofá, senti leve tapa nas nádegas. Era Lu, também nua, rindo para mim. " Você precisa ver a roupa que eles vão nos fazer vestir!" , não é preciso dizer que ela não continha o próprio entusiasmo.

Após tomarmos banho, Lu vestiu um tomara-que-caia preto, justíssimo no corpo. Deixava-a com as pernas toda de fora; o comprimento mal ia além da virilha. A mim, cobriu-me um vestidinho de corte camiseta na parte da frente, prateado, também curtíssimo; atrás, a cava era funda, deixava minhas costas despidas; o tecido só se juntava poucos centímetros acima do bumbum, cobrindo-o de forma ainda que precária. As sandálias altas que eu usava destacavam minhas pernas com agressividade. Eram roupas boas, de grife, próprias para modelos. Ofereceram-nos também alguns acessórios, como dois braceletes quadrados para mim e um colar corrente para minha amiga.

Lu falou-me, tinha os olhos brilhantes:

"Você está gostosíssima com essa roupa."

"Roupa, que roupa?", brinquei, "estou pelada."

Ao nos chamarem para sair, fiz um gesto aos rapazes.

"Vocês não acham que falta alguma coisa ?"

Não quis ser deselegante, mas queria dizer que me sentia nua com apenas aquele leve tecido roçando-me o corpo.

Minha amiga riu e fez sinal para que eu não fosse além daquelas palavras. Eles entenderam e o mais desinibido falou:

"Faz parte do trato", e depois de alguns segundos completou: "e da aposta."

Luciana encerrou o diálogo:

"Fique calma, vamos sair ganhando."

Eu queria entender por que os outros não vinham àquela casa e trepávamos ali mesmo, por que tanto deslocamento. Entramos no carro, rodamos durante algum tempo pela cidade e depois pela orla.

"Já está tudo arranjado, vocês não precisam temer, as coisas vão se dar como pela manhã. Os rapazes são os mesmos, invertem-se as mulheres."

Ao saltarmos, deram-nos longos beijos e um até breve.

"Como vamos saber quem são os rapazes?", perguntei um tanto confusa, enquanto segurava a barra do vestido.

"Calma, amiga, não tenha tanto pudor, deixe o vestido solto; quanto aos rapazes, já os conhecemos, não lembra?"

" Nem faço idéia, estava tão nervosa."

Não se atrasaram os dois primeiros. Deitaram sobre a areia da praia, fizeram que agachássemos e nos mexêssemos sobre eles. Depois, meu par levantou-me o vestido até o pescoço e apertou meus seios; queria me fazer gozar, mas eu estava muito nervosa.

"Relaxe, meu amor, por que tremes tanto?", ouvi sua voz e acho que enrubesci; sorte que a noite ia escura.
Ao terminar, acendeu um baseado e me ofereceu. Dei dois tragos seguidos e profundos. Creio que foi o que me acalmou. Dali em diante, tive domínio sobre mim e o temor era alguma coisa distante, quase impossível de me atingir.

O segundo que apareceu era muito carinhoso. Mas já não era na praia que transávamos. Levaram-nos de carro até um campo aberto, o edifício mais próximo parecia o de uma igreja.

"Não precisa se benzer, está desativada", falou enquanto percorria minha pele por baixo do vestido.

Foi um namoro lento. Dali ainda fomos para uma pedra num dos pontais distantes, na orla novamente; ao longe viam-se pescadores, mas não deram por nós. Ele tirou toda a minha roupa. Como estava ventando, procurou uma pedra para que o vestido não se perdesse. O namorado da vez queria me beijar na boca quase sem parar. Tocava-me o corpo, os seios, meus poucos pêlos e tornava a me beijar. Depois de muito tempo, tirou o pênis, cobriu-o com uma camisinha e me penetrou; não demorou, soltou-se, virou-me de costas.

"Não, não, não combinamos isso", falei nervosa e olhei para Lu.

Ela, sem vergonha, já havia muito ia de dorso para cima.

Deixaram-nos no centro. Só dei por minhas roupas curtas quando reparei que as pessoas nos olhavam com insistência. Mas não liguei, fingia que era a mulher mais vestida do mundo.

Pararam dois motociclistas. Descobrimos que eram os dois que faltavam. Subimos. Levaram-nos para um bairro de casas baixas. Quando pararam em uma das ruas, puseram-nos inteiramente nuas. Abri as pernas encostada a um muro branco. Eu e Luciana. Foi uma trepada violenta. Ele se movimentava de modo ríspido, não respeitava minhas limitações; acho que seu pênis era muito grande para mim. Mas suportei tudo com o ardor de uma atriz experiente. Lu também sofreu nas mãos de seu homem, e, mais tarde, quis saber se quando transara comigo pela manhã aquele seu par havia me machucado. Eu disse que não, fora o mais agradável e carinhoso.

Quando terminaram, fizeram-nos subir nuas na garupa. Não tivemos alternativa. Qualquer argumento poderia nos levar ao fracasso. Talvez fizesse parte da aposta, duas mulheres apenas com os sapatos e a pequena bolsa a tiracolo.

Cruzaram o centro duas vezes. À primeira, em alta velocidade; à segunda, mais lentos, atraindo olhares. Pararam enfim no que parecia ser os fundos de um galpão. Abriram a porta e nos instruíram.

"Sigam toda a vida e entrem rápidas na última porta à esquerda. Não dêem atenção a qualquer pessoa que apareça, finjam que ela não existe."

"Mas e nossas roupas?", perguntei.

Lu me puxou pelo braço.

Fizemos o que ordenaram.

Um senhor tentou no deter. Duas mulheres nuas seguindo por um corredor comprido. À medida que chegávamos à tal porta, ouvíamos intenso som. Abrimos e entramos. O senhor que tentara nos impedir a passagem ficou pelo meio do caminho. Nosso percurso terminou no mezanino de uma boate. As luzes convergiam para a pista, onde muitas pessoas dançavam alucinadas. O local reservado a nós era exíguo, e logo que nos situamos, a luz nos acertou em cheio.

"Dance, dance!", gritou Lu para mim.

Dançamos vigorosas e sensuais. Os homens, no piso inferior, deliravam. Saltavam, queriam nos alcançar, mas não conseguiam. Expusemo-nos por três ou quatro músicas, cerca de vinte minutos. Quando as luzes se apagaram, sentimos que alguém nos puxava pelos braços. Eram os rapazes da primeira hora. Chegavam para nos salvar, traziam os vestidos curtos que haviam ficado com os motociclistas.

Nos deixaram no mesmo bar do início da noite. Eu e Luciana nos despedimos deles. Pagaram-nos além do combinado. Após partirem, lembramo-nos de nossas roupas que ficaram na casa deles; mas era tarde.

Estávamos famintas. Olhamos o cardápio e pedimos um jantar para nós duas. Um prato que vinha com frango, batatas cozidas e salada de alface.

A comida estava boa. Bebemos dois chopes. Ao acabarmos, no momento em que vinha retirar pratos e talheres, a garçonete deixou um bilhete junto a mim.

Tomei-o nas mãos. Estava escrito num inglês confuso, mas entendi do que se tratava. Numa mesa mais adiante, sentavam-se dois homens, que mais tardes viríamos a descobrir serem dinamarqueses. Quando os olhei, um deles me fez sinal. Com alguma dificuldade traduzimos o que estava escrito. É lógico que queriam sair conosco, nos levar a algum lugar e dar uma boa trepada. Mas havia uma exigência.

"Queremos levar de lembrança suas calcinhas."

A frase fez que eu me sentisse mais uma vez inteiramente nua.

"E agora?", perguntei à minha amiga; acrescentei com voz insegura: "você não acha que já ganhamos o suficiente?, não demora amanhece e nós estamos quase nuas, vai ser outro escândalo."

"Calma, hoje é nosso dia de sorte, não podemos perder a oportunidade. Se houver algum problema, deixa que eu resolvo. Vou combinar para que nos deixem em casa depois que lhes prestarmos o serviço", falou com certo sarcasmo, seus olhos brilhavam.

Vi minha amiga fazer sinal para que aguardassem um pouco. A seguir, ela disfarçou e se dirigiu a uma mesa onde três moças adolescentes conversavam. Após alguns minutos, levantou-se e foi seguida por uma delas em direção ao banheiro.

Não passou muito tempo, Lu apareceu junto a mim.

"Está tudo resolvido, levante-se e vá até o banheiro, uma das moças seguirá você."

"E por quanto saiu isso, Lu?", não era hora para perguntas, mas me escapou.

"Não saiu caro, garanto, e elas até acharam tudo muito divertido."

sexta-feira, junho 01, 2007

Sol de outono

O sol da tarde perdia-se em afagos sobre nossos corpos. As areias brancas se estendiam até encontrarem dois rochedos onde, ora com fúria ora com desleixo, ondas faziam-se espumas. À esquerda, a praia dava num costado de vegetação marinha, cordões de restinga. Mais adiante percebiam-se as últimas casas de uma vila, casario de veranistas, pareciam desertas quando fora de estação. Pedíamos que a luz quase crepuscular nos fosse generosa; queríamos a pele dourada e o corpo aquecido, apesar do vento de outono.

Foi então que ele apareceu. Surgiu sorrateiro, sem que o percebêssemos, e só demos por sua presença quando estava próximo aos rochedos. Trazia as mãos às costas, destacava-se nele o casaco marrom. Caminhava como se não tivesse visto viva alma, depois parou e pôs-se a olhar um ponto no oceano. Permaneceu assim durante longos minutos. E nós, ali, quase nuas...

Já havíamos estado naquele lugar em uma noite de verão, eu e Cecília, bêbadas e acompanhadas de dois homens. Entramos nuas no mar. Ao voltarmos à areia, com o corpo ainda a escorrer água salgada vestimos a mesma camisa de um deles. Devia ser engraçado e estranho a visão de duas mulheres dentro de um camisão: ora ficávamos frente a frente, seios contra seios; ora uma costeava a outra fingindo um sarro gostoso; ora roçávamos nossas nádegas. Braços e pernas faziam-se em dobro pelas mangas e barra da camisa; às vezes eu levantava a parte que a cobria deixando seu bumbum de fora; depois ela revidava fazendo o mesmo comigo. Fingíamos então um pudor que não tínhamos. A cabeça de cada uma escapulia pela mesma fresta apertada. Transformamo-nos em pequeno monstro. Mas monstro que não perdia o poder sedutor. Quando me atirei nos braços de um deles, pedi que me penetrasse com esmero e plenitude, queria senti-lo rígido. Depois, sussurrei que guardasse o gozo, deixasse para despejá-lo em minha boca; queria comer aquele homem como num ritual indígena, quando o bravo oponente é ingerido para tornar mais forte o herói vencedor; seu sêmen seria parte de meu sangue.

“Tô morrendo de vergonha, só de calcinha...”, a voz de Cecília chegou a meus ouvidos e continuou adiante, levada pelo vento. “Deixa de frescura, vai dizer que você não está gostando?”, redargüi. “Eu não estava preparada”, ainda teve tempo de dizer. Levantei-me, também seminua, meus seios saltaram, foi a única vez que o vi olhar em nossa direção. Depois, como chegou, desapareceu, enquanto nos refazíamos do ligeiro tremor, rastro de sua presença.

No final da tarde, ainda os afagos do sol, mas menos tácteis, distantes, não mais se importando conosco; assim como o estranho, que fez pouco caso de nossa nudez.

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sexta-feira, maio 25, 2007

Piano

Visitei uma amiga que mora num desses prédios imensos, em Copacabana, construção típica do bairro. Ao nos despedirmos, ela falou em voz baixa:

"Quando você dobrar o corredor e passar na frente do apartamento que fica logo à direita, não olhe nem pare, o homem que mora ali é perigoso."

"Como assim?" quis saber.

"Já tentou agarrar várias mulheres."

"Ah, que besteira; segrede-me, será que você não gostaria de ser agarrada?"

"Sim, só que não por ele; é nojento."

Segui em direção ao elevador. Ao passar pela porta proibida, fisgou-me intensa curiosidade. Dizem que nas despedidas não se deve olhar para trás, e que, da mesma forma, deve-se passar ao largo de algo que nos tenta. Mas, como gosto de aventuras, quis mergulhar em mais uma.

Na verdade, o que pude ver em primeiro plano foi um piano. Estaquei junto à porta e admirei o nobre instrumento musical. A seguir, percebi que a casa era arrumada ao extremo: um pequeno sofá, uma mesa, dois quadros na parede de fundo. Pensei não haver ninguém. Quem sabe o perigoso ser masculino saíra e esquecera a porta aberta, ou mesmo armara o alçapão.

"Que deseja a belíssima senhora?"

Apareceu-me o homem. E era belo. Alto, um tanto desgastado na face pelos anos, mas os cabelos eram branquíssimos e limpos. Refiz-me da surpresa.

"Desejo uma música."

"Tenha a bondade", conduziu-me aposento adentro, ofereceu-me cadeira confortável.

"Alguma preferência?", perguntou sério.

"Comecemos pelos clássicos: Chopin!", pronunciei com entusiasmo.

"Comecemos?", repetiu, "então teremos um tipo de concerto".

"És um cavalheiro", completei.

As teclas soaram graves, seus dedos percorreram a parte baixa do instrumento para depois se esmerarem nos sons mais altos. Reparei que as mãos do pianista eram grandes e largas, pareceriam grosseiras se fossem admiradas longe dali. Mas sobre marfim quase níveo, intercalado de bemóis e sustenidos, corria ligeira, hábil, percebia-se que ele fora talhado para tal arte. Ouvi com prazer a primeira peça. Ao terminá-la, sugeri:

"Que tal fecharmos a porta? Assim o concerto se torna mais reservado."

"Oh, queira me desculpar", de pronto levantou-se, fechou a porta e voltou à banqueta. Espraiou as mãos e esperou nova sugestão.

"Beethoven", sussurrei.

"Não seria um tanto trágico?"

"Depende do momento e da peça", sentenciei.

Suas mãos deslizaram de novo, lançando-me à deriva, imersa num mundo de som e cor.

Quando terminou, perguntou:

"Que tal Evans?"

"O Bill?"

"Sim, ele; as big bands eram compostas de pessoas alegres, viviam em estado de contínuo êxtase", fez a observação enquanto investiu com rapidez no teclado.

Executou uma série de peças de jazz; ao terminar, ensaiou uma de Jobin.

Não hesitei em aplaudir aquele homem, que tocava com honestidade.

"Quero oferecer à senhora um café", lembrou-se a tempo: "à senhora que nem mesmo sei o nome..."

"Ah, queira me desculpar, não me apresentei. A seu dispor e ao dispor de sua arte: Margarida."

"Oh, uma flor!"

"E talvez das menos nobres", completei.

Caímos na gargalhada.

"Não diga isso, todas as flores são nobres."

Desapareceu em direção à pequena cozinha. Fiquei a admirar a cortina e a paisagem exterior. Daquele décimo andar via-se uma floresta de edifícios. Pude perceber também os ruídos externos que a música deixara escondidos.

"Cara Margarida", pronunciou com ligeiro sorriso enquanto me entregava uma xícara de porcelana. Acompanhava o café, prato de sobremesa com alguns biscoitos champanha.

"Seu apartamento é muito aconchegante."

"Agradeço a sua boa vontade, sei que as coisas por aqui precisam ser melhoradas, mas, a senhora me entende, vida de aposentado...", e fez um gesto vago com as mãos. Acompanhou-me no café.

Após alguns segundos de silêncio e expectativa, sua voz, como música melodiosa, soou suave:

"A senhora me entende, não leve a mal a maledicência dos vizinhos; talvez algo de negativo a meu respeito já tenha chegado a seus ouvidos", repousou a xícara e por fim sorriu.

"Não se preocupe, também segundo alguns não tenho boa fama."

"Veja", continuou "estou velho; o que me resta? Talvez a música e a companhia de poucos amigos."

"Se tens tudo isso, és um felizardo; a música e amigos. É tudo que muita gente deseja."

"Tenho alguma tristeza, pois pouca gente me dá atenção."

"Pois não acabaste de dizer que tens amigos?"

"Poucos, na verdade, coisa de dois ou três."

"É tudo e, se pensas bem, não precisas de atenção, és um concertista, as pessoas é que perdem por não atentarem em ti."

"Mas vez ou outra sou abatido por intensa melancolia, aí fico sem tocar, às vezes até esqueço algumas peças."

Voltei-me à parede, percebi um bonito diploma emoldurado. Levantei, queria ver seu conteúdo.

"Oh, bons tempos, toquei com a orquestra sinfônica."

"A do teatro?", perguntei.

"Esta; entre outras; mas o diploma é da do teatro."

"Não há razão para sofreres, és músico, és feliz."

"E a respeito das mulheres..."

"Que tem as mulheres?", interrompi.

"São raras e distantes."

"Como as flores...", falei e ri de novo. Ele gostou do argumento.

"Como a senhora me inspira!"

"Não sou eu, tens fonte de inspiração própria."

Demonstrei intenção de partir.

"Oh, não vá, sua presença me causou extremo ânimo e felicidade."

"Podemos nos ver mais vezes; virei visitá-lo."

"Deixe que eu lhe ofereça mais uma música."

"Então eu canto", falei.

"Que surpresa!, também cantas?"

"O que não faço nessa vida?", atalhei, "mas... deixa que eu começo."

Pus-me a cantar Smile, aquela velha canção imortalizada por Sinatra, que tem entre seus autores Charles Chaplin. Iniciei à capela, logo depois seguida pelo correr suave de suas mãos sobres as teclas. Confesso que foi o ponto alto do fim de tarde. Ao terminarmos a canção ele, contagiado, aplaudiu-me.

Ao levantar-me para partir, pronunciou em voz baixa, quase um segredo:

"Não demore a voltar, sofro muito."

"No seu lugar, eu não sofreria. És um artista, tocas de modo maravilhoso, vestes-te bem, podes freqüentar bons lugares."

"Sabe, a presença da senhora me fez pensar em algo novo. De agora em diante, tentarei encarar a vida de modo positivo. Veja o que me aconteceu em pleno sábado à tarde; surge-me, não sei de onde, a senhora, que é tão bonita, que parece demonstrar intensa paixão pela vida, alguém que possui luz interior, e que ainda canta maravilhosa, na verdade uma flor..."

"A vida é boa, é bela, basta que se saiba viver; muitas pessoas perdem essa oportunidade; quando se tem esse espírito, as outras coisas vêm como acréscimo", eu disse e lhe beijei a face. Deixei sobre a pequena mesa o número do meu telefone.

Dali em diante, encontramo-nos várias vezes. Em algumas ocasiões, sob o som do piano; em outras, em restaurantes aconchegantes, na Zona Sul.

Nunca pude comprovar o que minha amiga dissera. Se havia alguma pessoa perigosa nessa história não era ele, mas eu. Um verdadeiro vulcão.