terça-feira, novembro 23, 2021

Ao modo deles

Vocês sabem, a Margarida deixa a gente escrever aqui, é super legal, por isso vou contar uma história divertida e diferente das que vocês costumam ler.

Para uma mulher, as coisas já não são fáceis, imaginem em relação a mim, que pareço mulher mas não sou. Quem me observa a princípio engana-se, mas pouco a pouco acaba descobrindo a verdade. Para quem gosta de travestis, sou um prato cheio. Minha voz é de mulher, e sou  discreta, o que tranquiliza muito os homens.

Aliás, quase tudo em mim é de mulher, menos o pênis. Amigos e amigas perguntam por que não me submeto à cirurgia. Não quero. Gosto de ser do jeito que vim ao mundo. Não por uma questão de natureza, mas porque sinto prazer assim.

Quando arranjo namorado, ele pensa que sou como todas as outras, que gosto de trepar por trás. Mas não é o meu desejo. Me visto de mulher, tenho todo o jeito de mulher, gosto de namorar homens muito masculinos, mas no momento do sexo sou diferente. Mesmo trepando com homens, beijando-os, acariciando-os, peço para segurarem meu pênis. Sinto prazer imenso quando atendem. Há um modo de tocá-lo e de acariciá-lo que me dá muito prazer, preciso mesmo me segurar para não gozar no primeiro momento. Geralmente, os namorados dizem: "os travecos gostam de trepar com o cu, você quer ser diferente, por que não namora mulher?" Tenho então de explicar mais uma vez. Gosto de homens, não de mulheres, o local por onde gozo é outra história. Por isso, na maioria das vezes, estou sozinha.

Arranjar um homem que respeite meu jeito de ser é complicado. Caso queira, posso fazer sexo anal com ele, mas sou eu que vou enfiar o pinto no seu cu. A maior parte não quer assim. Há um nome para pessoas de preferência sexual como eu, mas não gosto das classificações, elas são elaboradas pela medicina.

"Existem muitas maneiras de namorar, e proporcionam imenso prazer", tento explicar para o recente namorado.

Vamos ver se este vai querer ficar comigo depois da tal conversa.

“Mas você nunca trepou por trás?”, quer ele saber, pensa que sou virgem, talvez, quem sabe, será o primeiro a experimentar, que prazer...

“Já, claro, já trepei por trás e ainda trepo, mas não tenho gosto, o que me dá prazer mesmo é quando o namorado acaricia o meu pinto, tanto melhor por baixo.”

Um candidato ao namoro disse-me que os travestis não gostam que encostem no peru deles, porque a ereção, quando acontece, produz hormônios masculinos e isso lhes causa problemas. Quanto a mim, tal ação não me afeta. Quando estou nos braços dos homens, tenho ereção, o que não acontece quando me vejo entre as mulheres, mesmo que estejam nuas à minha frente.

Às vezes, para arranjar namorado que aceitem meu jeito de ser, crio algumas fantasias. Os homens adoram fantasias. Sabem a história do travesti de minissaia ou vestido curto mas sem calcinha? Viajo na maionese contando casos no ouvido deles.  Com a voz um tantinho trêmula, descrevo minhas aventuras pela cidade. Querem saber como faço para meu pinto não escapar pela barra da minissaia. “Ah, é segredo, um produto ajuda a segurar, mas às vezes vai soltinho...” Ficam loucos, loucos de tesão.

Tive um namorado que me pediu para sair apena de camisa, dessas que descem até as coxas. Claro que aceitei. Vesti a tal roupa e coloquei um cinto estreito; a bolsa vermelha a tiracolo e o sapato combinando, um show. “Viu, não é só do jeito que você quer trepar que conta”, falei baixinho.

Quando fui com ele à praia, perguntou:

"Como você faz para usar um biquíni tão pequeno?"

"Ah, não posso contar, segredinho."

Dentro d'água, tentou desfazer os meus lacinhos!

Assim, vou levando os relacionamentos. Mas é preciso cuidado. Não é bom sair com qualquer um, tanto mais de primeira, precisa-se conversar bastante. Muitos homens ainda vivem à moda antiga, querem tudo ao modo deles!

segunda-feira, novembro 15, 2021

Não dá pra ser tudo como a gente quer

Tenho um namorado que adora me levar à praia e me deixar nua. Sério. No começo, achei aquilo estranho. Quem sabe, estou me relacionando com um tarado. Com o passar do tempo, no entanto, passei a gostar da brincadeira. E, a partir de então, não há vez em que não peço a ele pra tirar a parte inferior do meu biquíni. A gente entra n’água e procura um local pouco frequentado. Ele me tira a pequena peça e guarda dentro da bermuda. Não vai perder, alerto. Às vezes, sai d’água e guarda meu biquíni lá onde estão nossas coisas. Nesses momentos, o frisson é intenso. Esses fatos me fazem lembrar também de outra relação, que terminei não faz muito tempo, acho que há um ano e pouco. Era outro tipo de homem, jamais me sugeriu tais brincadeiras quando íamos à praia. Acho que nunca pensou nisso. Era diferente o homem. O bom era quando chegávamos a casa. Esperava que eu tomasse banho. Quando eu saía, pedia que o esperasse na cama, sem me vestir. Tomava também uma ducha e vinha deitar ao meu lado. Adorava minha pele ainda quente e bronzeada. Me fazia mil carinhos. Quando sentia que eu ia a mil por hora, metia seu enorme pênis dentro de mim. Não era como normalmente são os homens, preocupados com o próprio prazer, sempre prestes a derramar aquela quantidade imensa de porra dentro da gente. Esperava, vinha vagaroso. No sexo, há algo de selvagem, grande parte das pessoas deixa transparecer seu lado animal. Aquele homem, não, dominava todos os seus gestos, gostava de prolongar o gozo. Até então, sempre que eu deitava com alguém, pedia que ficasse o máximo de tempo dentro de mim. Certa vez cheguei a falar fica a noite inteira, por favor. Mas àquele namorado, não era preciso palavra alguma, nenhum alerta, ele me compreendia, acho que conhecia a natureza das mulheres. Talvez por isso não namoramos durante muito tempo. Era assediado por todo o tipo de mulher, eu mesma descobri. Ficava comigo a maior parte do tempo, mas elas não o largavam. Ele, como homem, não negava. Caso eu o quisesse num relacionamento sério e estável, teria de compartilhá-lo com outras mulheres, ao contrário ficaria chupando o dedo. E foi o que aconteceu. Quando tenho alguém, quero só pra mim.

O namorado que gosta de me deixar nua dentro d’água, na praia, não é como ele. Quando me penetra, a transa não vai muito longe, goza logo, não espera, nem tem tal preocupação. Demora a me devolver o biquíni, isso sim, diz que tenho de sair nua de dentro d’água. Um dia desses chegou a subir até o quiosque para comprar uma cerveja, me deixou de molho, só de top. Mas, no final, tudo acabou bem. O único problema é que, como falei, goza muito rápido. Conversamos sobre isso, tento lhe mostrar que é possível prolongar seu prazer. Mas acho que seu prazer mesmo é me deixar nua na praia! Na vida, não dá pra ser tudo como a gente quer.

terça-feira, novembro 09, 2021

Pingar mel em uma fatia de pão

Entrei no apartamento dele, segui o curto corredor, logo estávamos na sala. Um sofá de dois lugares, a mesa, três cadeiras, um pequeno aparelho de som e, na parede, um quadro a grafite, um homem numa cidade, talvez Amsterdã, o casario, um canal e pessoas passando ao fundo. Que tipo de música você gosta?, perguntou. Alguma de ritmo lendo, instrumentos perfazendo notas longas, ou coisa parecida, falei. Sentei-me no pequeno estofado, a música não demorou a inundar o ambiente. Ele desapareceu para voltar após menos de um minuto com a garrafa de vinho. Duas taças, o tira-rolhas, dois pequenos pratos. Arrumou tudo sobre a mesa. Havia um livro sobre ela, numa das pontas. Afastou-o para um suporte lateral, desdobrou a toalha que – só então reparei – ficara enrolada num dos cantos, como um logo canudo. Não quer conhecer o restante do apartamento?, perguntou enquanto abria a garrafa. Temos tempo, pronunciei em voz baixa as duas palavras. Experimente, ele pediu. Provei o vinho, aprovei com breve sorriso. Completou um pouquinho mais a taça, brindamos e bebemos os primeiros goles.

    O apartamento do namorado trouxe-me à memória um homem com quem me relacionei fazia alguns anos. Tudo era muito parecido. Será que não era o mesmo, que voltava e eu, desligada que sou, não reparava? Nada disso, a cidade era outra, o bairro à beira-mar. E naquele tempo aconteceu algo engraçado. Sim, uma coisa divertida. Eu, que não sou de muitos sorrisos, principalmente no começo de um namoro, perguntara ao homem se poderia tirar a blusa. Na época, mesmo com o mar próximo, fazia um terrível calor, anoitecia, a hora em que parecem refluir todos os raios do sol irradiados durante o dia. Claro, dissera. Tirei a blusa e o top, sentei-me na poltrona, apenas de bermuda. Agora, não fazia calor, e eu, de um tempo para cá, passei a ter crises de vexo. Sério, depois dos trinta e cinco, uma mulher que sente vergonha é coisa rara. Mas o que há de se fazer?

    

    A música expandia-se com novos instrumentos, não se ouvia voz, apenas o som de cordas e metais, talvez um jazz um tanto mais animado. Ele sentou-se ao meu lado. Você sabe recitar poemas, sugeriu, bem perto dos meus ouvidos. Têm livros de poesia?, perguntei olhando em volta, encontrei uma pequena pilha deles sobre a mesinha lateral, onde também havia uma luminária. Tomou nas mãos alguns deles, Rimbaud, Carlos Drummond, Bandeira, Florbela Espanca, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos. Ulisses, de Joyce. Nossa, acho que vou ler este, peguei o grosso volume, é prosa mas cheio de poesia. Riu. Você tem um charme e tanto ao falar assim, acrescentou. Não, não é charme, ou o charme não é meu, mas da literatura. Folheei o começo do Joyce. O homem foi acho que à cozinha, voltou com dois tipos de queijo, uma garrafa de água mineral, abaixou o volume da música. Você sabe que eu morria de vergonha de ler em voz alta, na época da escola?, encarei-o depois da minha confidência. As meninas eram as mais atiradas no meu tempo de escola, disse ele. Ah, sim, atiradas, mas em outro sentido, intervi. Riu mais uma vez, gostou da insinuação, mas não tinha maldade no pensamento. Morria de vergonha, verdade, continuei, depois me tornei atirada, como você diz; mas, agora, depois dos trinta, sinto vergonha de novo, não para ler umas páginas do Ulisses, é claro.

    “Majestoso, o gorducho Buck Mulligan apareceu no topo da escada, trazendo na mão uma tigela com espuma sobre a qual repousavam, cruzados, um espelho e uma navalha de barba [arregalei os olhos instintivamente e olhei para o namorado]. Um penhoar amarelo, desamarrado, flutuando suavemente atrás dele no ar fresco da manhã. Ele ergueu a tigela e entoou:

– Introibo ad altare Dei.

Parado, ele perscrutou a escada sombria de caracol e gritou asperamente:

– Suba, Kinch! Suba, seu temível jesuíta!”

    Pronunciei a última frase com entonação teatral. O namorado arregalou os olhos, como se dissesse continue, continue. Mergulhei nas páginas seguintes. Durante vários minutos, enveredei pela trilha do autor dublinense.

    “Toda Irlanda é lavada pela corrente do golfo – disse Stephen enquanto deixava pingar mel em uma fatia de pão.”

    Após essas últimas palavras da leitura, olhei a mesa, como se procurasse o pão com algum mel para derramar sobre. Genial, genial mesmo, revelou-se entusiasmado, me vi no teatro, a maior viagem, acrescentou, seu vocabulário não correspondia notadamente ao de Joyce. Está ótimo, continuou, adorei, e olha que as atrizes não se sentem envergonhadas. Levantou-se e foi cortar umas fatias de pão. Você quer mesmo o mel?, quis saber. Quem sabe, irônica, deixei o livro de lado.

    Depois de duas rodelas da baguete, do queijo com mel, e de eu ter bebido uma taça de vinho quase inteira, ele veio sentar-se ao meu lado. Você disse que se tornou envergonhada, não é mesmo? Talvez, respondi, sucinta. As mulheres são assim mesmo, sentenciou. Eu não teria tanta certeza, conheço uma que chega à casa do namorado e, a primeira coisa que faz, é ficar pelada. Ela não lê versos de poemas?, ele, sarcástico. Talvez leia, ou melhor, pode ser que peça para o homem ler, mas a literatura do corpo dela. Literatura do corpo, repetiu, não deve ser tão bela como a de Joyce. Não sei, eu não teria tanta certeza, finalizei. Naquele momento, senti sua mão apertar-me os seios nus, seus lábios procurarem os meus.

segunda-feira, novembro 01, 2021

Aqui já é outra a história

As roupas que eu usava eram mais sensatas que as da maior parte das mulheres. Elas trajavam saias curtas ou vestidos justas, não traziam meias sobre a pele. Eu vestia calça comprida e, caso viesse de saia ou vestido, o comprimento ia até os joelhos. As mulheres, principalmente as mais jovens, não tinham dificuldades para arranjar namorados. Nós, entretanto, que já passávamos dos trinta anos, devíamos ter atrativos a mais; caso isso não acontecesse, eles preferiam as mais jovens. Eu não me preocupava com essas coisas, vivia ao meu modo. Quando aparecia um homem que me olhava, eu não sorria, fazia apenas uma expressão lívida; evitava a frieza, mas a lividez leva os homens a certa curiosidade, mantém-nos interessados.

Ao completar uma semana naquele hotel de montanha, reparei dois homens a me observarem no do café da manhã. O salão amplo espalhava as pessoas pelos mais diversos lugares. Eu procurava sentar sempre à mesma mesa. Caso estivesse ocupada, ficava numa próxima. Os pretendentes cumprimentavam-me, sorriam e quando voltavam do buffet olhavam-me de novo. É preciso dizer que não estavam juntos, não se conheciam nem sabiam que desejavam a mesma mulher.

Às vezes eu ficava na varanda lendo uma revista. Isso mesmo, o hotel tinha uma lindíssima varanda, que dava para uma espécie de bosque. Eu virava as páginas e olhava as árvores, a mata, o verde deslumbrante. Procurava inflar os pulmões e sentir o aroma do entardecer. Um dos admiradores já conhecia este meu hábito de ler na varanda. Aparecia e me desejava boa tarde, chegava a parar, mas nada falava. Isso durou três dias. Quando pensei que viria falar comigo, deparei com um homem mais jovem, acho que cinco ou mesmo dez anos mais novo do que eu.

Você não quer ir comigo a uma festa hoje à noite?, convidou-me.

Vou, respondi sem titubear.

Olhou a paisagem tal qual um filósofo. Pareceu-me que encontrava naquilo tudo uma grande verdade. Não falou nada a mais. Depois descobri que não era filósofo, mas um artista, e estava de férias.

Fui com ele à festa. Dançamos. Não permitiu que ninguém se aproximasse de mim. Não me queria longe de seus braços. Depois de várias músicas, saímos um pouco ao ar fresco. Entramos num jardim, que estava às escuras. Reparamos, aqui ou ali, outros casais. Andamos poucos metros e paramos sob uma grande árvore. Ele me abraçou.

Perdoe-me, falou, você é tão encantadora.

Gostei do modo como me tratava. Sorri. Sinal de que estava tudo bem, podia ir em frente. Os abraços continuaram.

Há algo que torna você mais encantadora do que as outras mulheres, nesta estação de férias, ele disse.

Sim?, meus poucos fonemas aguardavam uma explicação a mais.

Você sempre está muito bem vestida, observou.

Continuamos abraçados. Eu, realmente, muito bem vestida.

As outras andam nuas, falei.

E nem por isso atraem, concluiu ele.

Voltamos ao salão. Dançamos mais algumas músicas e bebemos refrigerantes e refrescos. Às onze, voltamos ao hotel.

Você está acompanhada?, ele quis saber.

Não, só se for por você.

Sorriu.

Você também está acompanhado, mas é por mim, não?

É claro, mas não vi outra mulher sozinha em todo o hotel, há quem esteja acompanhada ao menos por uma amiga. Agora quanto aos homens, é normal...

Tentou acrescentar  algo, mas sentiu-se embaraçado e não terminou o pensamento.

Isso não importa, livrei-o da situação desconfortável. Ainda segurava um dos seus braços. E até agora não ficou provado que sou uma mulher, completei.

Ambos caímos numa intensa gargalhada. Depois fomos aos nossos apartamentos. De madrugada, então...

Bom, aqui já é outra a história.