terça-feira, dezembro 29, 2015

Clariciana?

Precisar é sempre o momento supremo. E eu senti que ele precisava. Desde o começo, quando me olhara com extrema acuidade – um olhar capaz de grandes descobertas –, percebi que ele precisava. E eu tão nua.

"Por que a nudez sob a saia?", ele quis saber.

"Nunca ninguém reparou", afirmei.

"Jura?"

"Claro, e por que jurar?, já ando assim faz tempo, caso pudesse andaria nua, mas teria de resolver dois problemas, o primeiro na ordem do sentido: quando se esconde algo, cria-se certa curiosidade; o segundo, é que sair nua levar-me-ia na certa à prisão; portanto, ficaríamos longe um do outro."

"Você achou melhor facilitar as coisas", ele tentou interpretar.

"Nem tanto", interrompi, "lógico que a leveza de determinados tecidos e alguma possível transparência contribuíram, mas o que me leva à nudez sob as saias ou vestidos é uma certa alergia."

"Alergia?", surpreendeu-se.

"Isto mesmo", revirei os olhos, "e o conselho foi de minha médica: 'abandone as calcinhas por um bom período', assim o fiz."

"Nunca ninguém notou?", a pergunta de todos os homens.

"Não, jamais, apenas você. Ah, meu amor, as coisas são muito delicadas", tive de dizer.

Ele mostrou-se meticuloso.

"Delicadas", repetiu e enfatizou, "e você se acostumou", interessado, ele.

"Acostumei-me. No início me senti nua, preocupada, mas depois me acostumei, e até gostei. Enfim, lingerie apenas para os momentos de grande exaltação."

Ele comprou-me a lingerie para os momentos de grande exaltação.

"Lembre-se, amor, só posso vestir essas roupas por quinze minutos, a alergia", eu alertava.

"Oh, sim, não vou esquecer", sua fazenda nobre me dava garantias.

Alguns minutos a mais, ou a menos, e lá ia eu sem o tecido provocante.

Os homens respiram o fetiche. E a mulher anda nua. Talvez o calor. Ou, quem sabe, o desejo, sempre o desejo. E eles querem o momento supremo.

"Caso um dia nos separemos você vai continuar saindo assim?", respirou esbaforido.

"Assim?", fiz que não entendi.

"Assim, tão assim...", não conseguiu completar.

"Já sei", retruquei, "assim tão sem..."

"Isso, você definiu bem, tão sem", abraçou-me.

"Sabe", quis incendiar-lhe, "tive um namorado que me dava bombons na hora do amor, pedia-me para engolir o chocolate recheado no momento supremo do gozo."

"E você assim o fez", sua voz procurava o equilíbrio, mas vi suor em seus poros.

"Fiz, e quis mais, mais e mais", afirmei solícita.

"E não lhe fez mal, a alergia..."

"Gozar nunca é mal", assegurei, "e a alergia é apenas a calcinhas."

Dias de depois, trouxe-me um líquido que estranhei a princípio. Mas logo deduzi do que se tratava.

"Gosto", meus dentes brancos mergulharam num sorriso longo, "gosto muito."

E já sem as saias e blusas, nunca a roupa debaixo, me veio com o líquido na hora do gozo. Ele o deixara no copo, próximo à cabeceira; quando anunciei o supremo momento, entornou-me à boca a substância.

"A essência do ser... Só se conhece a coisa quando a gente se torna a própria coisa", sentenciou."

"Também sou clariciana", borbulhei, os olhos fechados.

Mais tarde, antes de dormir, voltei ao líquido, tomei mais dois grandes goles: banana com aveia!

"Clariciana?", quis ele saber.

"Lispector", endossei.

terça-feira, dezembro 22, 2015

Mulher Maravilha

“Mas você veio nua!”

“Vamos, essa hora sou invisível.”

“Invisível?”

“Isso mesmo, depois te conto.”

Caminhamos pela 312 Norte, passamos dois blocos de comércio. Entre dois restaurante, o Maranello e outro de nome também italiano, havia quatro apartamentos, Marcos tentou a fechadura do 308.

“Encontrei antes tua irmã”, falou.

“Irmã?”

“Uma moça muito parecida contigo, chamei por ela como se chamasse você.”

“Ah, a Mayara, é muito parecida comigo.”

“Isso. Ela disse não, não sou a Maristela, todos fazem confusão entre nós duas.”

“Acredita que já saímos uma trocada pela outra?” 

“Como assim?”

“Vê se primeiro consegue abrir a porta, depois conto, lembre que temos pouco tempo.”

“Já vou conseguir, falta testar apenas mais duas chaves.” 

“O homem não te explicou sobre qual delas?”

“Explicou”, falou e olhou para mim num átimo de segundo, logo enfiou mais uma das chaves na porta e escutamos a fechadura girar.

“Ainda bem”, falei.

Entramos.

“Quer dizer que você e a Mayara trocam de identidade?”

“Só aconteceu uma vez.”

Terminamos de subir os dois lances de escada. A porta do apartamento foi aberta com mais facilidade do que a da entrada do prédio.

“Veja, há até um sofá”, deixei escapar minha surpresa.

“Ele me falou sobre isso, o morador anterior deixou o sofá, quem vem aqui pode usá-lo. Mas espere.”

Tirou um lenço do bolso, foi até o banheiro e voltou com ele molhado, passou sobre o vinil.

“Agora pode sentar, está limpo.”

“Obrigada.”

“Mayara nada me falou sobre isso, e já conheço ela faz um tempinho”, afirmou.

“Coisa de namorados e paqueras, o cara ficou em cima de mim o tempo todo, até que falei a ela quer sair com um carinha?, ele até é bonitinho. Jura? Foi a resposta dela, sempre em forma de pergunta, a Mayara adora efeitos de linguagem. Quando ele telefonou passei a ela, então marcaram e saíram. Disse cuidado, Mayara, essa noite você se chama Maristela. E ela foi, adorou, encontrou o cara mais duas vezes, depois não sei mais o que aconteceu."

“Será que não casou com ele?”

“Não, caso isso acontecesse teria me convidado.”

Deitei no pequeno estofado. Marcos começou a me fazer carinho.

“Você é bonita, sabe?”

“Sei.”

Puxei seu pescoço e o beijei no rosto.

“Venha, suba sobre mim, já te falei que temos pouco tempo, e estamos nos perdendo em conversas paralelas.”

“Conversas paralelas?”, riu.


Antes de sairmos, perguntou:

“Você não tem vergonha?”

“Vergonha de quê?”

“Muitas morrem de vergonha quando acabam.”

Quando acabam?

Depois que gozam.

“Ah, entendi. Não, não tenho vergonha.”

“Mulher corajosa, e veio nua...”

“Lembra que sou a Mulher Maravilha? Gosto de aventuras, apenas isso.”

“Temos ainda quantos minutos?”

“Ah! Nossa, um minuto, isto é, cinqüenta segundos, vamos”, gritei.

“Espere.”

“Sou invisível por apenas mais trinta, tenho que chegar ao carro, tchau.”

Despenquei escada abaixo, e ele embaralhado nas chaves.

terça-feira, dezembro 15, 2015

Suas mãos beliscavam o meu bumbum

Oh como era bom estar de volta, realmente de volta, sorri satisfeita. Eram quinze para as cinco da manhã, o ar fresco, o céu ainda escuro. Sentei numa das poltronas e cruzei as pernas. Minha aventura fora demorada, um tanto precipitada, sentia-me, porém, reconfortada. Há momentos em que a gente vê tudo prestes a ruir. Mas a madrugada acabava bem. Ao menos para mim. Faltava-me apenas o descanso, o sono ligeiro, mais repousante, no meu caso sempre ao amanhecer. Fechei os olhos e me veio à mente Marina. Gostava de encontrar o amante à hora do almoço, sempre no mesmo hotel. Ela entrava primeiro. A recepcionista, já de longa data, a conhecia. Marina subia alguns degraus, bom dia, o sorriso discreto. A empregada entregava-lhe a chave, o mesmo apartamento. Voltava alguns passos e entrava no elevador. Saía no sexto andar. O homem chegava um quarto de hora depois, sempre pronto a lhe dar muitos beijos. Ele podia ficar apenas duas ou três horas; ela permanecia mais um pouco, adormecia sozinha. Gostava de adormecer sozinha num quarto de hotel, ia embora ao entardecer. Certa vez, depois do amor, antes que o homem partisse, resolveu pregar-lhe uma peça. Pegou a própria roupa, bem enrolada, e a enfiou na pasta dele, uma valise para transportar algum livro e papéis. Você é louca?, ele lhe diria horas depois, pensou que eu poderia não ter voltado?, você nua neste centro de cidade grande. Marina apenas sorriu e o abraçou. Fizeram amor mais uma vez. A partir daquele dia, antes de sair, ele olhava dentro da valise, depois a beijava. Oh como é bom estar de volta, realmente de volta, sorri satisfeita voltando à poltrona onde eu sentava. Descruzei as pernas e inverti a posição, a direita agora sobre a esquerda. A chave do carro ainda estava ao meu lado, dei-me conta de que saíra sem documento algum. E que ainda precisaria pedir que buscassem o carro. Dirigira dentro da noite, incógnita, ninguém a poder provar minha identidade. Poderia eu fazer acreditar outra pessoa quem sou? O passeio durante a madrugada, ou a perspectiva dele, sempre me excitava, mesmo antes de começar a praticá-lo. Sair com o carro da garagem e dar umas voltas pelos quarteirões, quadras de filme americano. Às vezes vou mais longe, tomo confiança com a distância. Até a rodovia estadual. Mas lá, vez ou outra, mesmo durante a madrugada, vê-se um automóvel, um caminhão. A placa a revelar o meu condado, talvez a minha identidade. Por que o temor?, alguém perguntaria. Não se trata de temor, um meio de resguardar a individualidade, a privacidade, coisas assim. Pode-se fazer qualquer coisa incógnita dentro de casa, mas não pelas ruas da cidade. Sempre há alguém conhecido, sempre alguém a levantar véus, a nos desnudar. E por falar em véus, no princípio queria ir sem eles, em pele, mas o tremor. Isso mesmo, o tremor impedia-me de pisar os pedais, e era preciso dirigir, ir e voltar. Depois de algumas semanas, a primeira experiência; a seguir outra e mais outra. Até que foi possível sair de casa apenas o automóvel, sua lataria, vestido discreto, cor de prata envolto na noite. Quem dirá não? Por que uma mulher não pode usar como vestido a carroceria de seu automóvel ? Não me fure um dos pneus! Tão novos, seguros. O tanque, sempre cheio. Mas há a bomba de gasolina. Por que fora falhar logo naquele dia? Na verdade, o acaso pode trazer surpresas agradáveis. O combustível não passava, e eu a duas milhas da minha poltrona. Então, o garoto, dezoito ou dezenove anos. Um militar. Você vai para as forças armadas?, minha pergunta, já abrigada no seu carro. Ainda bem que vinha sozinho. Vou, é minha última noite. Ainda bem, pensei, ele não terá tempo de contar pra ninguém. E a senhora?, ele quis saber. Senhora?, quase ri. Onde foram parar suas roupas? Ali, apontei o carro. Por que não veste?, ele. Por que é muito pesada, respondi. Quer entrar?, perguntei quando parou seu automóvel junto ao meu jardim. Acompanhou-me à porta, beliscou-me o bumbum. Trepamos na garagem. Ali há um colchonete. Ele se lavou na torneira que há do lado de fora. Depois se despediu. Desejei que tivesse sucesso nas forças armadas. Onde? Primeiro o treinamento, disse, depois alguma base. Que não seja no Afeganistão, falei temerosa. Mas ele era o homem mais corajoso do mundo. Venha mais uma vez, nunca se sabe o amanhã. Preciso ir, está quase na hora, passei a noite acordado porque sei que não conseguiria dormir, mas volto, prometo, falou com dignidade e com muita segurança. Quem sabe, pensei. Quis lhe falar que também não dormira. Meu motivo era outro. Mas não consegui. Oh como era bom estar de volta, realmente de volta, sorri satisfeita. Quanto ao soldado, nunca se sabe. Eu volto, prometo, sua voz ressoava na minha cabeça, suas mãos beliscavam o meu bumbum.

terça-feira, dezembro 08, 2015

Chá e biscoitos

“Você não comeu nada”, disse Ana, ofendida, ao reparar os biscoitos intactos.

“É que estou surpresa”, repliquei.

“Surpresa?”

“Sim”, falei ainda olhando a foto. “Se ele mostra a alguém?”

“E o que os outros têm a ver comigo?”, respondeu sorridente, apanhando um dos biscoitos e mordiscando.

“Não sei, mas poderia causar algum prejuízo a você.”

“Nada disso, não preciso de ninguém, tenho meu próprio negócio e isso jamais me prejudicaria.”

Devolvi-lhe a foto. Ela a pousou sobre a mesa, ao lado do pratinho de biscoitos. Pegou sua xícara e tomou um pouco do chá.

Imaginei a situação em relação a mim. Jamais teria coragem de me deixar fotografar naquela pose. Ana estava de pé, na foto, num gramado, ao lado do tronco de uma pequena árvore. Vestia apenas o top, as mãos cruzadas abaixo do umbigo cobriam seu sexo. Andei durante muito tempo à procura de um namorado, não acho que com aquela atitude facilitaria as coisas. Minha amiga, no entanto, era espevitada. Tudo para ela era motivo de alegria.

“E como estão vocês agora?”, eu quis saber.

“Estamos ótimos.”

“Tomara que vocês nunca briguem.”

“E se brigarmos, o que tem?”, ela me olhou com o rosto desafiador.

“Ele pode chantagear você.”

“Bobagem”, acrescentou tranquila, “hoje as mulheres estão cansadas de andar nuas por aí.”

Suspirei e fiquei quieta no meu canto. Segurei a xícara e bebi um gole de chá, comi um dos biscoitos.

“Não quer ir com a gente, no Carnaval?”, sugeriu com ar de expectativa.

“Aonde?”

“Angra dos Reis.”

“Só se você deixar ele tirar uma foto minha, assim como essa que você mostrou?”, falei com ar de pilhéria.

“Jura?, ela arregalou os olhos. “Deixo, caso você permita que posemos junto.”

“Brincadeira, Ana, e quanto ao meu trabalho? Se o juiz me vir nua é capaz de me transferir.”

“Mas aposto que antes ele te convida para um hotel.”

“Você acha mesmo, Ana? Ele é tão bonito.”

“Claro que sim. Se eu fosse você, não perderia tempo. E o que é que tem trabalhar em outra seção?”

“Vou com vocês. Mas no pictures”, acrescentei.

“Ok.” Seus olhos grandes sempre me contagiavam. Senti uma coceirinha. Eu acabaria também tirando a roupa? Ela comeu mais um biscoito.

“Tem mais uma coisa, Ana, vou sair esta noite com o namorado que fez a foto”, ela disse.

“O que tem de mais nisso?”, olhei enquanto segurava a xícara.

“É que vou nua.”

“Nua?”, assustei-me.

“Nua, pelada, sem roupa alguma.”

“Mas, Ana, logo você uma mulher tão elegante...”

“É que ele afirmou um dia desses que poucas são as mulheres bonitas quando se mostram nuas por inteiro, e eu sou uma delas”, interrompeu.

“Você já não sabia disso?”

“Claro, mas nas palavras dele é outra coisa.”

“E como você vai fazer?”

“Surpresa!”, sorriu.

“E se alguém encontra você, Ana?”

Não encontra, não, Vera, e a cidade é pequena; as estradas, escuras. Quem sabe como um cachorro quente na Serra?, sorriu de novo após a sugestão.

“Você é louca.”

“Nada disso, prefiro que você diga que eu sei aproveitar a vida.”

“Talvez, mas eu não aceitaria sair nua por aí. Ele sabe ou é surpresa?”

“Sabe, foi ele quem pediu”.

“Cuidado, Ana. Se ele te larga pelada por aí?”

“Se isso acontecer, é ele quem sai perdendo”, ela deu uma imensa gargalhada e comeu o último biscoito.

terça-feira, dezembro 01, 2015

Ela diz que isso se chama fetiche

Val, eu sei que é difícil a gente consolar alguém. Só cada um sabe o que sente na pele. Um segredinho, viu, isso que você acabou de me contar também já aconteceu comigo. Há coisas que supomos que só nós experimentamos, mas, acredite, também já aconteceram com muitas outras mulheres. Não menosprezo o teu sofrimento. Ele passa; depois as pessoas esquecem. Quero dizer, você e as pessoas. Posso te contar a minha história. É praticamente a mesma, só que aconteceu faz uns três anos, quando eu ainda morava em M., e o final foi um pouquinho diferente. Na época, até conversei sobre o assunto com uma amiga minha que é psicóloga. Ela tem consultório e uma porção de pacientes. Ouça, por favor.

Há pessoas que preferem a imaginação à vida real, foi o que ela me falou. Era o caso daquele meu namorado. Ele me fizera um pedido que a maioria das mulheres relutaria em aceitar. Mas, assim como você, aceitei. Eu achava que não deveria recusar desafios, precisava viver novas experiências, a adrenalina alta e coisa e tal, como beber demais ou experimentar pela primeira vez alguma droga. Saltei nua do carro dele, às duas da madrugada de um sábado de verão, na rodovia que leva a Glicério. Estava escuro e, naquele momento, não passava veículo algum. Ele pediu que eu o esperasse agachada, em meio à vegetação do lado esquerdo de quem sobe a serra. Disse que logo estaria de volta. Acelerou o carro e se foi. Ao contrário do que prometeu, não voltou. Ou melhor, apareceu quinze horas depois, porém na minha casa, me convidando para comer uma pizza. Não falou por que não cumpriu a palavra. Estava excitado, curioso para saber o que tinha me acontecido durante o resto da noite. Nada respondi. Apenas sorri, um sorriso enigmático, expressão de quem gostou da experiência. E até que gostei mesmo, sabia? Não consegui dormir um instante se quer, ele disse, fiquei a madrugada inteira pensando o que poderia estar acontecendo contigo, acrescentou. Será que eu ainda tinha esperança de que ele voltaria para me apanhar ou estava escondida, trêmula, ante a perspectiva do amanhecer, que me revelaria nua e indefesa?, foram as palavras dele. Muito engraçado, não? Ou ainda: algum homem me havia encontrado e me levado em seu carro; será que eu estaria transando com ele naquele momento? Acho que meu namorado gozou apenas ao imaginar o que estaria acontecendo comigo. Foi o que acabei concluindo. Minha amiga psicóloga tem razão. Ela diz que isso se chama fetiche. É como se um homem, no lugar de gozar com a namorada, gozasse com a calcinha dela. Há homens que saem com a gente e roubam a nossa calcinha, não é mesmo? Você já deve ter passado por isso. Aceitei a pizza, mas nada relatei. Se já gozara com a imaginação, não precisava gozar por intermédio da minha narrativa. O namoro durou mais alguns meses, e eu jamais mencionei a tal noite. Deixei o homem maluquinho. Quando ele insistia em saber o que havia acontecido, eu apenas perguntava o que você acha? Além da minha amiga psicóloga, nunca falei sobre isso a ninguém. Estou contando pela primeira vez a você. Quer saber o final dessa história? Não tenho problema nenhum em te contar. Minha amiga psicóloga também quis saber o final. Consegui ligar a um amigo. Apesar de sair nua do carro, não esqueci o celular. Esclarecendo, o homem não era bem um amigo. Era um cara casado com quem eu já saíra algumas vezes. Acho que a mulher dele também tinha um amante e não se preocupava com o que ele fazia durante as madrugadas quando andava ausente de casa. Ele veio me buscar. Contei a verdade a ele. Ficou surpreso, a princípio. Acabou achando a história engraçada e disse que eu era um tanto louca. Transamos naquela mesma noite, dentro do carro, numa saída da rodovia em que não há asfalto. Depois ele começou a pensar como me ajudaria para eu não chegar nua em casa. Tirou a camisa e me ofereceu. Foi isso. Cheguei em casa pela manhã, ainda estava todo mundo dormindo. Ao contrário do que aconteceu a você, ninguém me surpreendeu nua. Ele ainda esperou até que eu lhe telefonasse de dentro de casa dizendo que estava tudo bem.

É isso, Val, o tempo passa e a gente esquece. As pessoas também esquecem. Sei que saiu um pouco caro pra você, que teve até de se mudar para um bairro onde ninguém te conhece. Eu acho que não teria feito isso; ninguém tem nada a ver com a minha vida. Agora, quanto a ti, não há mais com que te preocupar. E também existem namorados normais. Você pode arranjar um. Mas será que nós, mulheres, somos normais, Val? É engraçado, não? No fundo, é a pura verdade.