terça-feira, dezembro 01, 2015

Ela diz que isso se chama fetiche

Val, eu sei que é difícil a gente consolar alguém. Só cada um sabe o que sente na pele. Um segredinho, viu, isso que você acabou de me contar também já aconteceu comigo. Há coisas que supomos que só nós experimentamos, mas, acredite, também já aconteceram com muitas outras mulheres. Não menosprezo o teu sofrimento. Ele passa; depois as pessoas esquecem. Quero dizer, você e as pessoas. Posso te contar a minha história. É praticamente a mesma, só que aconteceu faz uns três anos, quando eu ainda morava em M., e o final foi um pouquinho diferente. Na época, até conversei sobre o assunto com uma amiga minha que é psicóloga. Ela tem consultório e uma porção de pacientes. Ouça, por favor.

Há pessoas que preferem a imaginação à vida real, foi o que ela me falou. Era o caso daquele meu namorado. Ele me fizera um pedido que a maioria das mulheres relutaria em aceitar. Mas, assim como você, aceitei. Eu achava que não deveria recusar desafios, precisava viver novas experiências, a adrenalina alta e coisa e tal, como beber demais ou experimentar pela primeira vez alguma droga. Saltei nua do carro dele, às duas da madrugada de um sábado de verão, na rodovia que leva a Glicério. Estava escuro e, naquele momento, não passava veículo algum. Ele pediu que eu o esperasse agachada, em meio à vegetação do lado esquerdo de quem sobe a serra. Disse que logo estaria de volta. Acelerou o carro e se foi. Ao contrário do que prometeu, não voltou. Ou melhor, apareceu quinze horas depois, porém na minha casa, me convidando para comer uma pizza. Não falou por que não cumpriu a palavra. Estava excitado, curioso para saber o que tinha me acontecido durante o resto da noite. Nada respondi. Apenas sorri, um sorriso enigmático, expressão de quem gostou da experiência. E até que gostei mesmo, sabia? Não consegui dormir um instante se quer, ele disse, fiquei a madrugada inteira pensando o que poderia estar acontecendo contigo, acrescentou. Será que eu ainda tinha esperança de que ele voltaria para me apanhar ou estava escondida, trêmula, ante a perspectiva do amanhecer, que me revelaria nua e indefesa?, foram as palavras dele. Muito engraçado, não? Ou ainda: algum homem me havia encontrado e me levado em seu carro; será que eu estaria transando com ele naquele momento? Acho que meu namorado gozou apenas ao imaginar o que estaria acontecendo comigo. Foi o que acabei concluindo. Minha amiga psicóloga tem razão. Ela diz que isso se chama fetiche. É como se um homem, no lugar de gozar com a namorada, gozasse com a calcinha dela. Há homens que saem com a gente e roubam a nossa calcinha, não é mesmo? Você já deve ter passado por isso. Aceitei a pizza, mas nada relatei. Se já gozara com a imaginação, não precisava gozar por intermédio da minha narrativa. O namoro durou mais alguns meses, e eu jamais mencionei a tal noite. Deixei o homem maluquinho. Quando ele insistia em saber o que havia acontecido, eu apenas perguntava o que você acha? Além da minha amiga psicóloga, nunca falei sobre isso a ninguém. Estou contando pela primeira vez a você. Quer saber o final dessa história? Não tenho problema nenhum em te contar. Minha amiga psicóloga também quis saber o final. Consegui ligar a um amigo. Apesar de sair nua do carro, não esqueci o celular. Esclarecendo, o homem não era bem um amigo. Era um cara casado com quem eu já saíra algumas vezes. Acho que a mulher dele também tinha um amante e não se preocupava com o que ele fazia durante as madrugadas quando andava ausente de casa. Ele veio me buscar. Contei a verdade a ele. Ficou surpreso, a princípio. Acabou achando a história engraçada e disse que eu era um tanto louca. Transamos naquela mesma noite, dentro do carro, numa saída da rodovia em que não há asfalto. Depois ele começou a pensar como me ajudaria para eu não chegar nua em casa. Tirou a camisa e me ofereceu. Foi isso. Cheguei em casa pela manhã, ainda estava todo mundo dormindo. Ao contrário do que aconteceu a você, ninguém me surpreendeu nua. Ele ainda esperou até que eu lhe telefonasse de dentro de casa dizendo que estava tudo bem.

É isso, Val, o tempo passa e a gente esquece. As pessoas também esquecem. Sei que saiu um pouco caro pra você, que teve até de se mudar para um bairro onde ninguém te conhece. Eu acho que não teria feito isso; ninguém tem nada a ver com a minha vida. Agora, quanto a ti, não há mais com que te preocupar. E também existem namorados normais. Você pode arranjar um. Mas será que nós, mulheres, somos normais, Val? É engraçado, não? No fundo, é a pura verdade.

Nenhum comentário: