Val, eu sei que é difícil a gente consolar alguém. Só cada
um sabe o que sente na pele. Um segredinho, viu, isso que você acabou de me
contar também já aconteceu comigo. Há coisas que supomos que só nós
experimentamos, mas, acredite, também já aconteceram com muitas outras mulheres. Não
menosprezo o teu sofrimento. Ele passa; depois as pessoas esquecem. Quero
dizer, você e as pessoas. Posso te contar a minha história. É praticamente
a mesma, só que aconteceu faz uns três anos, quando eu ainda morava em M., e o
final foi um pouquinho diferente. Na época, até conversei sobre o assunto com
uma amiga minha que é psicóloga. Ela tem consultório e uma porção de pacientes.
Ouça, por favor.
Há pessoas que preferem a imaginação à vida real, foi o que
ela me falou. Era o caso daquele meu namorado. Ele me fizera um pedido que a
maioria das mulheres relutaria em aceitar. Mas, assim como você, aceitei. Eu
achava que não deveria recusar desafios, precisava viver novas experiências, a adrenalina
alta e coisa e tal, como beber demais ou experimentar pela primeira vez
alguma droga. Saltei nua do carro dele, às duas da madrugada de um sábado
de verão, na rodovia que leva a Glicério. Estava escuro e, naquele momento, não
passava veículo algum. Ele pediu que eu o esperasse agachada, em meio à
vegetação do lado esquerdo de quem sobe a serra. Disse que logo estaria de
volta. Acelerou o carro e se foi. Ao contrário do que prometeu, não voltou.
Ou melhor, apareceu quinze horas depois, porém na minha casa, me convidando
para comer uma pizza. Não falou por que não cumpriu a palavra. Estava excitado,
curioso para saber o que tinha me acontecido durante o resto da noite. Nada
respondi. Apenas sorri, um sorriso enigmático, expressão de quem gostou da
experiência. E até que gostei mesmo, sabia? Não consegui dormir um instante se quer, ele disse, fiquei
a madrugada inteira pensando o que poderia estar acontecendo contigo,
acrescentou. Será que eu ainda tinha esperança de que ele voltaria para me
apanhar ou estava escondida, trêmula, ante a perspectiva do amanhecer, que me
revelaria nua e indefesa?, foram as palavras dele. Muito engraçado, não? Ou
ainda: algum homem me havia encontrado e me levado em seu carro; será que eu estaria
transando com ele naquele momento? Acho que meu namorado gozou apenas ao
imaginar o que estaria acontecendo comigo. Foi o que acabei concluindo. Minha
amiga psicóloga tem razão. Ela diz que isso se chama fetiche. É como se um
homem, no lugar de gozar com a namorada, gozasse com a calcinha dela. Há homens
que saem com a gente e roubam a nossa calcinha, não é mesmo? Você já deve ter
passado por isso. Aceitei a pizza, mas nada relatei. Se já gozara com a
imaginação, não precisava gozar por intermédio da minha narrativa. O namoro durou
mais alguns meses, e eu jamais mencionei a tal noite. Deixei o homem maluquinho.
Quando ele insistia em saber o que havia acontecido, eu apenas perguntava o que
você acha? Além da minha amiga psicóloga, nunca falei sobre isso a ninguém. Estou contando pela
primeira vez a você. Quer saber o final dessa história? Não tenho problema nenhum em te contar. Minha amiga psicóloga também quis saber
o final. Consegui ligar a um amigo. Apesar de sair nua do carro, não esqueci o celular. Esclarecendo, o homem não era bem um amigo. Era um cara casado com quem eu já
saíra algumas vezes. Acho que a mulher dele também tinha um amante e não se
preocupava com o que ele fazia durante as madrugadas quando andava ausente de
casa. Ele veio me buscar. Contei a verdade a ele. Ficou surpreso, a princípio. Acabou
achando a história engraçada e disse que eu era um tanto louca. Transamos
naquela mesma noite, dentro do carro, numa saída da rodovia em que não há
asfalto. Depois ele começou a pensar como me ajudaria para eu não chegar nua em
casa. Tirou a camisa e me ofereceu. Foi isso. Cheguei em casa pela manhã, ainda
estava todo mundo dormindo. Ao contrário do que aconteceu a você, ninguém me surpreendeu nua. Ele ainda esperou até que eu lhe telefonasse de dentro de casa
dizendo que estava tudo bem.
É isso, Val, o tempo passa e a gente esquece. As pessoas também esquecem. Sei que saiu um pouco caro pra você, que teve até de se mudar para um bairro onde ninguém te conhece. Eu acho que não teria feito isso; ninguém tem nada a ver com a minha vida. Agora, quanto a ti, não há mais com que te preocupar. E também existem namorados normais. Você pode arranjar um. Mas será que nós, mulheres, somos normais, Val? É engraçado, não? No fundo, é a pura verdade.
É isso, Val, o tempo passa e a gente esquece. As pessoas também esquecem. Sei que saiu um pouco caro pra você, que teve até de se mudar para um bairro onde ninguém te conhece. Eu acho que não teria feito isso; ninguém tem nada a ver com a minha vida. Agora, quanto a ti, não há mais com que te preocupar. E também existem namorados normais. Você pode arranjar um. Mas será que nós, mulheres, somos normais, Val? É engraçado, não? No fundo, é a pura verdade.
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