sexta-feira, janeiro 23, 2009

Tomara-que-caia

Fui a uma loja no Shopping Leblon e comprei um vestido lindo. Sou um pouco confusa sobre nomes de fazenda, mas é de uma brancura intensa, bem apropriada para combinar com minha pele bronzeada por esse sol de verão. O vestido é um tomara-que-caia. É justo dos seios até os quadris, depois escorrega um pouco larguinho, descendo até alguns centímetros acima dos joelhos. Sentada, com as pernas cruzadas, fica à mostra o lado externo daquele pedaço de coxa que todo homem gosta de apreciar.

Dias antes conheci um desses numa fila de cinema. Estava cansada de muitos livros e resolvi assistir a um filme. Será que não se pode sair sozinha sem que haja alguém a olhar uma mulher bonita? É sempre bom ser admirada, todas as mulheres gostam. Mas o homem soltou algumas palavras. Acabei por corresponder-lhe.
Ele ia a outro filme. E foi. Caso tivesse desistido só para ficar ao meu lado, eu o teria despedido. Naquele momento queria ficar sozinha; eu e meu filme. Havia poucas pessoas na sessão; pude esticar as pernas, recostar quase como se estivesse em casa. Mas na hora de ir embora, eis que o encontro. Esperava-me; estava no bistrô, justo onde parei para tomar um café expresso.

“Gostou do filme?”, perguntou.

“Adorei.”

“Também gostei do meu; se puder não deixe de assistir, é empolgante.”

Tomamos juntos o café. Ele também pedira o seu. Eu apenas sorria, mas aquele sorriso natural, que já faz parte da minha fisionomia.

Falou mais alguma coisa. Perguntou se queria acompanhá-lo à livraria. Entramos e nos pusemos a apreciar alguns títulos. A livraria, embora seja um local de venda de livros usados, é bastante atraente. Ficamos ali por quase trinta minutos.

Fui eu quem disse que precisava ir. Não se opôs. Deu-me um cartão. Disse que esperava encontrar-me de novo.

Liguei dias depois e marcamos no mesmo bistrô. O lugar é tão agradável, que sempre se tem vontade de lá voltar.

Conversamos amenidades. Descobri que ele não era de muita leitura.

Na terceira vez marcamos à noite. Levou-me ao Fiorentina, no Leme. Desconfiei que queria alguma coisa a mais. Bebemos vinho, comemos bem. A comida ali é boa porque não é muita; assim, não prejudica a elegância. Ele riu de minha observação.

Depois acabei indo parar na casa dele. Isso mesmo. Não gosto de ir à casa de alguém logo no primeiro nem no segundo encontro, mas já era o terceiro. O que um homem e uma mulher podem fazer quando saem juntos pela terceira vez? Sempre acho que podemos ter amigos, que é possível sair com gente que faz companhia e proporciona boa conversa. Ele, porém, tinha ar de volúpia.

Ah, esqueci de dizer, quando saímos para o jantarzito, fui com o vestido novo. Levei um xale azul para o caso de uma queda repentina de temperatura. Mas esta permaneceu alta; ou melhor, subiu.

Ele tratou-me com muito cavalheirismo. Acho que foi o que me fez cair em suas mãos. Sentei-me num estofado, acendi um cigarro. Ele ficou a me apreciar.

“Sempre achei que o cigarro dá mais charme às mulheres”, comentou.

Sorri enquanto expelia a fumaça.

“Fumo pouco; apenas quando estou apaixonada”.

Não precisei ir além. Aproximou-se, pois já sabia que o contemplado pela paixão era ele.

Abraçou-me. Depois disse: “seu vestido é tão bonito, mas vai ficar todo amarrotado.”

“O que você sugere?”

“Não sei.”

Então tive eu mesma a idéia. Perguntei:

“Incomodo se me despir?”

“Oh, claro que não”, respondeu demonstrando alegria.

Tirei o vestido e o entreguei a ele.

Segurou como se fora uma preciosidade. Levou-o depois para o quarto; creio que, pelo respeito, pendurou-o em algum lugar de destaque.

Quando voltou, seus braços envolveram-me. Sussurrou-me mil fantasias ao pé do ouvido. A que mais me agradou foi essa: “você parece a Cinderela nua.”

“Eu, Cinderela?”, arrepiei-me.

“Isso mesmo, Cinderela. Aquela que precisa fugir antes da meia-noite, porque caso passe da hora também perderá as roupas de princesa.”

“Acho então que vou então perder as minhas”, falei enquanto procurava-lhe os lábios.

“Quem sabe?”, ainda teve tempo de falar antes do beijo.

“Queres dizer que me vais deixar nuinha?”, tentava-o. “E os trezentos e quarenta que dei pelo vestido?”

“Dou seiscentos e oitenta.”

“Seiscentos e oitenta? Já não sinto desconforto algum em correr nua pra casa.”

Envolvi-o em mais beijos e abraços.

Levou-me no colo para o quarto, depositou-me sobre a cama. Abrasava-me o desejo. Fartou-se com a Cinderela nua...

O vestido... Bem, o vestido...

Querem mesmo saber sobre o vestido? É um tomara-que-caia lindo!

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Aniversário do blog

Faltam poucos dias para meu blog completar três anos de existência. Estou muito feliz por ter cumprido até aqui meu objetivo de publicar pelo menos dois contos por mês. Calculando apenas desde abril de 2008, já recebi quase duas mil visitas. Para um blog particular, praticamente sem divulgação alguma, que se mantém apenas pelo suave rumor das próprias palavras, é um grande sucesso.

Sempre recebo muitas mensagens de congratulações. Todos demonstram grande apreço por mim e por minhas histórias. Agradeço aos queridos leitores e às adoráveis leitoras.

Sei que há quem deseja que eu escreva com mais freqüência e narre mais detalhes da minha vida. Seria pedir demais. Acho a freqüência que escolhi para publicar os contos a melhor possível. Tudo que retrato é baseado em experiências minhas ou de pessoas próximas a mim. Faço muitas coisas interessantes no meu dia-a-dia, mas sou um pouco perfeccionista, não creio que escrevendo diariamente ou mesmo toda semana conseguiria agradar como agradei até aqui.

Acho que as histórias precisam transmitir alegria e privilegiar o prazer que a vida pode proporcionar.

Desejo continuar escrevendo por muito tempo.

Quando alguém, entusiasmado pelo que leu, me procura e deseja a todo custo estar comigo, digo: “cuidado, não vamos transformar a literatura em realidade; essa tentativa pode resultar em algo por demais explosivo.”
Um grande beijo a todos. Que possamos comemorar juntos esse aniversário; dessa vez, de forma pudica, ou se querem uma palavra mais terna: com recato.

Margarida

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Réveillon

Muitas pessoas circulavam no Shopping Nacional; era 30 de dezembro. Eu vestia uma blusa verde de algodão com pequenas estrelas pretas, calça jeans e sandália plataforma. Parei num quiosque de café expresso, no terceiro piso. Acabara de ver vitrines de roupas femininas. Cada modelo lindo. Os manequins ainda estavam vestidos para o Natal. As vendedoras tentavam capturar mulheres como eu, que adoram roupas bonitas. O clima de fim de ano, com a perspectiva de um réveillon maravilhoso, contagiava a todos, a beleza em volta ajudava no entusiasmo. Ao levar meu café à boca, notei num banquinho do lado oposto uma mulher mais jovem que eu. Parecia ter chorado. Também tomava café, mas suas mãos estavam trêmulas. Colocou a xícara sobre o pires e, com uma das mãos, tapou o rosto. A seguir, reparei que lhe escorreu uma lágrima. Fui até ela.
“Você precisa de ajuda?”
Parece que minha aproximação fez que se comovesse mais. Apoiou a mão direita sobre um dos meus braços e pôs-se a chorar com mais intensidade.
“Aconteceu alguma coisa com você, ou com alguém de sua família?”, perguntei.
“Comigo”, falou entre um soluço e outro.
Usei meu argumento principal para esses momentos:
“Se ninguém morreu, é possível encontrar solução para qualquer coisa.”
“O que aconteceu foi uma besteira, mas me feriu profundamente.”
“Olhe, acho que você perdeu um grande amor”, disse e sorri.
“Antes fosse isso, mas nem amor chegou a ser.”
“Vamos fazer o seguinte”, sugeri, “aqui, outras pessoas já nos repararam, vamos para outro lugar.”
Ela concordou. Paguei nossos dois cafés e caminhamos em meio às amplas galerias. Descemos a escada rolante, encontramos um banco grande, de madeira, que estava vazio e à espera de nossa companhia. Sentamos.
Já se mostrando mais animada, falou:
“Não foi nada demais, é que conheci um homem hoje”, interrompeu um tanto sem jeito e olhou-me. “Besteira, não?”
“Claro que não. O que pode haver melhor do que um homem?”
“Acho que você me compreende.”
“Compreendo, mas acabe de contar.”
Começou a narrar uma história que acontecera havia pouco; uma situação um tanto tortuosa.
“Conheci um homem hoje. Estou há tanto tempo sozinha, que pensei: que sorte minha, e trata-se de alguém com certa beleza. Almoçamos juntos, acredita? Almoçamos naquele restaurante aconchegante que fica numa das extremidades do terceiro piso. Me tratou com tanta elegância, que pensei que ele seria o homem da minha vida. É Carlos o nome dele. Mas ouça só o que se deu depois. Quando acabamos, ele ainda me ofereceu um café. Aceitei. Fomos ao café da livraria, ali perto de onde você me viu chorando. Depois descemos ao estacionamento. Ele disse que tinha de fazer algumas coisas importantes Perguntou se eu podia ir com ele. Fiz um pouco de encenação, disse que tinha um compromisso. Ele insistiu. Acabei por dizer que o acompanharia. Prometeu-me levar depois a um lugar maravilhoso. Não queria dizer de antemão para não estragar a surpresa. Entramos no carro dele. É um desses carros grandes, de aspecto robusto, tinha os vidros escuros. Do lado de fora, não dava para se perceber coisa alguma lá dentro. Logo que fechou a porta, me beijou. Um beijo tão gostoso. Depois começou a me acariciar. Ainda falei: 'você vai se atrasar no seu compromisso'. Mas nada respondeu. Continuou a me fazer carinho, a avançar com as mãos sobre o meu corpo, até que começou a tirar minha roupa. Falei um pouco preocupada: 'olha, aqui há outras pessoas'; ele, porém, foi rápido na resposta: 'ninguém pode nos ver'. Fiquei um tanto apavorada. O homem tirava minhas roupas, as pessoas passavam em direção a seus carros e nem davam por nós."
“Já passei por uma situação dessas”, interrompi.
“Já? E como foi?”
“Foi ótimo.”
Ela abriu um ligeiro sorriso. Falou:
“Você é desinibida, não?”
“Apenas desinibida?”
“Parece.”
“Mas continue. Sua história é uma delícia”, queria que ela retomasse.
“Então ele me deixou peladinha.”
“Peladinha peladinha?”
“Isso. Tirou minha roupa toda. Fizemos amor. Foi ótimo. Após acabarmos, falou com ternura ao meu ouvido: ‘você pode me esperar um instante? Tenho que pagar o estacionamento, mas prefiro que não fique no carro’. Eu disse que não havia problema, iria ao banheiro enquanto ele procurava o guichê.”
“Ao voltar ao local, não mais o encontrei. Já se passaram duas horas. Acho que depois que gozou, cansou de mim.”
“Será que você não errou a referência?”
“Não, tenho certeza do local. Conheço bem aqui.”
“Não se entristeça por isso. Você aproveitou, passou por momentos de prazer que não esperava. O que deseja, além disso?”
“Quero o homem para mim.”
“Desculpe-me, mas deixe de ser ingênua. No final, tudo ia dar num grande aborrecimento.”
“Como você sabe?”
“Apenas os amores passageiros são eternos; sobrevivem na nossa lembrança. Já passei por situações semelhantes. Vou fazer um convite a você: venha amanhã encontrar comigo. Vou a uma festa de réveillon no apartamento de uma amiga. Uma cobertura na asa norte. Lá vão estar pessoas interessantes. E já que o seu negócio é casar, pode ser que conheça alguém que também tenha as mesmas intenções.”
“Você jamais desejou alguém para conviver?”
“Já, mas acho mais interessante o modo como vivo hoje.”
Despedimo-nos, beijei-a.
Encontramo-nos à noite, no dia seguinte.
E ela, ao menos para o réveillon, descobriu seu príncipe encantado.