sexta-feira, janeiro 02, 2009

Réveillon

Muitas pessoas circulavam no Shopping Nacional; era 30 de dezembro. Eu vestia uma blusa verde de algodão com pequenas estrelas pretas, calça jeans e sandália plataforma. Parei num quiosque de café expresso, no terceiro piso. Acabara de ver vitrines de roupas femininas. Cada modelo lindo. Os manequins ainda estavam vestidos para o Natal. As vendedoras tentavam capturar mulheres como eu, que adoram roupas bonitas. O clima de fim de ano, com a perspectiva de um réveillon maravilhoso, contagiava a todos, a beleza em volta ajudava no entusiasmo. Ao levar meu café à boca, notei num banquinho do lado oposto uma mulher mais jovem que eu. Parecia ter chorado. Também tomava café, mas suas mãos estavam trêmulas. Colocou a xícara sobre o pires e, com uma das mãos, tapou o rosto. A seguir, reparei que lhe escorreu uma lágrima. Fui até ela.
“Você precisa de ajuda?”
Parece que minha aproximação fez que se comovesse mais. Apoiou a mão direita sobre um dos meus braços e pôs-se a chorar com mais intensidade.
“Aconteceu alguma coisa com você, ou com alguém de sua família?”, perguntei.
“Comigo”, falou entre um soluço e outro.
Usei meu argumento principal para esses momentos:
“Se ninguém morreu, é possível encontrar solução para qualquer coisa.”
“O que aconteceu foi uma besteira, mas me feriu profundamente.”
“Olhe, acho que você perdeu um grande amor”, disse e sorri.
“Antes fosse isso, mas nem amor chegou a ser.”
“Vamos fazer o seguinte”, sugeri, “aqui, outras pessoas já nos repararam, vamos para outro lugar.”
Ela concordou. Paguei nossos dois cafés e caminhamos em meio às amplas galerias. Descemos a escada rolante, encontramos um banco grande, de madeira, que estava vazio e à espera de nossa companhia. Sentamos.
Já se mostrando mais animada, falou:
“Não foi nada demais, é que conheci um homem hoje”, interrompeu um tanto sem jeito e olhou-me. “Besteira, não?”
“Claro que não. O que pode haver melhor do que um homem?”
“Acho que você me compreende.”
“Compreendo, mas acabe de contar.”
Começou a narrar uma história que acontecera havia pouco; uma situação um tanto tortuosa.
“Conheci um homem hoje. Estou há tanto tempo sozinha, que pensei: que sorte minha, e trata-se de alguém com certa beleza. Almoçamos juntos, acredita? Almoçamos naquele restaurante aconchegante que fica numa das extremidades do terceiro piso. Me tratou com tanta elegância, que pensei que ele seria o homem da minha vida. É Carlos o nome dele. Mas ouça só o que se deu depois. Quando acabamos, ele ainda me ofereceu um café. Aceitei. Fomos ao café da livraria, ali perto de onde você me viu chorando. Depois descemos ao estacionamento. Ele disse que tinha de fazer algumas coisas importantes Perguntou se eu podia ir com ele. Fiz um pouco de encenação, disse que tinha um compromisso. Ele insistiu. Acabei por dizer que o acompanharia. Prometeu-me levar depois a um lugar maravilhoso. Não queria dizer de antemão para não estragar a surpresa. Entramos no carro dele. É um desses carros grandes, de aspecto robusto, tinha os vidros escuros. Do lado de fora, não dava para se perceber coisa alguma lá dentro. Logo que fechou a porta, me beijou. Um beijo tão gostoso. Depois começou a me acariciar. Ainda falei: 'você vai se atrasar no seu compromisso'. Mas nada respondeu. Continuou a me fazer carinho, a avançar com as mãos sobre o meu corpo, até que começou a tirar minha roupa. Falei um pouco preocupada: 'olha, aqui há outras pessoas'; ele, porém, foi rápido na resposta: 'ninguém pode nos ver'. Fiquei um tanto apavorada. O homem tirava minhas roupas, as pessoas passavam em direção a seus carros e nem davam por nós."
“Já passei por uma situação dessas”, interrompi.
“Já? E como foi?”
“Foi ótimo.”
Ela abriu um ligeiro sorriso. Falou:
“Você é desinibida, não?”
“Apenas desinibida?”
“Parece.”
“Mas continue. Sua história é uma delícia”, queria que ela retomasse.
“Então ele me deixou peladinha.”
“Peladinha peladinha?”
“Isso. Tirou minha roupa toda. Fizemos amor. Foi ótimo. Após acabarmos, falou com ternura ao meu ouvido: ‘você pode me esperar um instante? Tenho que pagar o estacionamento, mas prefiro que não fique no carro’. Eu disse que não havia problema, iria ao banheiro enquanto ele procurava o guichê.”
“Ao voltar ao local, não mais o encontrei. Já se passaram duas horas. Acho que depois que gozou, cansou de mim.”
“Será que você não errou a referência?”
“Não, tenho certeza do local. Conheço bem aqui.”
“Não se entristeça por isso. Você aproveitou, passou por momentos de prazer que não esperava. O que deseja, além disso?”
“Quero o homem para mim.”
“Desculpe-me, mas deixe de ser ingênua. No final, tudo ia dar num grande aborrecimento.”
“Como você sabe?”
“Apenas os amores passageiros são eternos; sobrevivem na nossa lembrança. Já passei por situações semelhantes. Vou fazer um convite a você: venha amanhã encontrar comigo. Vou a uma festa de réveillon no apartamento de uma amiga. Uma cobertura na asa norte. Lá vão estar pessoas interessantes. E já que o seu negócio é casar, pode ser que conheça alguém que também tenha as mesmas intenções.”
“Você jamais desejou alguém para conviver?”
“Já, mas acho mais interessante o modo como vivo hoje.”
Despedimo-nos, beijei-a.
Encontramo-nos à noite, no dia seguinte.
E ela, ao menos para o réveillon, descobriu seu príncipe encantado.

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