quarta-feira, agosto 24, 2022

Presença de espírito

Naquela noite eu estava de namorado novo, saindo de um restaurante onde comemos e bebemos bem. Já na rua, ele me perguntou onde eu ainda desejava passear. Meu telefone vibrou, o homem percebeu. Nesses momentos, não é bom deixar o telefone à vista, mas eu estava num tamanho enlevo, que acabei não prestando atenção. Pode atender, ele disse. Não, claro que não vou atender; além disso, estamos na era das mensagens, não se telefona diretamente a ninguém nos tempos atuais, contrapus. Mas deve ser um admirador especial, para ligar a esta hora. Não, nada disso, eu argumentava tentando fazê-lo esquecer meu celular, você ligaria para alguém às onze da noite?, perguntei. Quem sabe, quando se está apaixonado, as horas são meras abstrações, sentenciou. Não atendi. Ao chegar ao apartamento do namorado, nos poucos segundos em que fiquei sozinha, vi que havia o nome de quem fizera a ligação, um ex-namorado. Quero dizer, não era tão ex assim, porque só saíramos duas vezes. Como eu não atendera, deixara a seguinte mensagem: vamos tomar café da manhã? Dizia a hora e local do encontro, para o dia seguinte. Ainda bem que o novo namorado nada sabia sobre isso. Eu iria já apagar a mensagem, quando ele apareceu. Fiz de conta que olhava um vídeo de uma amiga, quis mesmo lhe mostrar. Veja que engraçado, falei. Os homens são expertos, ele sabia que não era nada disso.

O homem que me convidava para o café da manhã era casado. Eu não me aborrecia por isso. Nas duas vezes em que saí com ele, passeáramos pela manhã. Na segunda vez, me levou para cama na hora do café da manhã, um hotel em Botafogo. Eu vestia biquíni de praia, uma camiseta e bermudinha de lycra. Tomamos café no hotel. Comemos tudo que veio na bandeja, depois nos entregamos ao amor.

Mas na tal noite, com o novo namorado, não queria estragar o prazer da primeira vez. O que fazer? Ou melhor, como desfazer a tal situação? De que você mais gosta?, perguntei. De uma namorada de olhos castanhos, de pele bronzeada e... Posso completar?, ele, tímido. Sim, complete, eu disse solícita. De peitos de fora. Ah, deixei escapar a interjeição e sorri, mas assim tão de repente. É como gosto, você perguntou, estou sendo sincero. Dei as costas, tirei a blusa, soltei o sutiã, larguei-os sobre o sofá lateral e me voltei ao namorado. Pensei que a história do telefonema estava esquecida, porém, na quentura do sexo, ele solta já sei, você é casada!, e ele está procurando onde a mulher pode estar numa hora dessas. Eu, casada?, repliquei, esqueça isso, vamos namorar. Tive uma namorada como você, adorava andar nua ao meu lado pra lá e pra cá, depois descobri que era casada, uma confusão e tanto. Venha, por favor, fiz seu pênis escorregar mais uma vez para dentro de mim, nada de histórias de outras namoradas nem de maridos. Se sou casada, prometo que você pode me deixar pelada na porta de casa. A seguir, beijei-o na boca e não mais permiti que falasse.

Esses namorados têm muita presença de espírito.

quarta-feira, agosto 17, 2022

Dois probleminhas

Bati à porta dele. A princípio, parecia não haver ninguém no apartamento. Eu entrara às escondidas, a portaria estava destravada e não havia funcionário do prédio na guarita de segurança. O elevador estava no andar térreo, o que me facilitou as coisas. Que desconcerto, se me descobrem, vão achar que sou louca.

Alguém pareceu chegar à porta, quem está aí? O que eu iria responder? Marilene, lembra de mim? O homem do outro lado silenciou, devia estar organizando as ideias. Havia-se passado dois meses. Marilene?, que Marilene? A do Pecado, você deve lembrar, do Ilhote Sul e da vinda para cá às quatro da manhã, e tem mais uma coisa, não consegui terminar. Como conseguiu entrar, insistiu? Pela portaria, fui lógica. Ele deve ter movido o rosto, num pequeno sorriso, mas eu não pude ver. O prédio tinha câmeras, dois empregados de serviço, e eu me apresentava ali sem ter deixado rastros, sem  ter chamado a atenção, era natural a desconfiança. Recue dois passos, pediu. Recuei. Após alguns segundos, ouvi a chave girando. Ele apareceu na fresta da porta. Antes que falasse alguma coisa, pedi você deixa eu ir ao banheiro, é urgente. Afastou a porta, corri sala adentro descobrindo por mim mesma o caminho do toalete.

Depois de alguns minutos, ao voltar à sala e me sentar suave e já tranquila no estofado junto à janela, reparei seus olhos pregados no meu corpo. Foi a minha vez de sorrir. Está surpreso? Levou alguns segundos para retomar o diálogo, ele gostava de dominar a conversa, tentava disfarçar a surpresa por causa da minha sorte e esperteza. Podia ter sido presa, exclamou com discrição. Presa?, repeti, por quê?, tentava ser natural, lembra do dia em que saímos do restaurante?, você foi bem mais ousado. Ele sorriu pela primeira vez, tínhamos bebido demais, foi normal a minha atitude, rebateu. Dei de ombros, o importante era o momento presente, esperei por ele, queria que continuasse. Até onde ele iria, o que desejaria?, já que não me esperava no momento nem naquela situação. Você estava com problemas intestinais e veio me procurar, voltou ao assunto inicial. Não apenas intestinais, cheguei a dizer. Acho que os intestinais você já resolveu, agora quanto ao outro... Eram sete da manhã, dia claro, talvez ele tivesse algum compromisso, talvez um trabalho. Quando decidi pelo seu prédio, achei que poderia ainda estar dormindo. Pensando em tudo isso, continuava a olhá-lo como se esperasse uma decisão. Você deu sorte, completou, estou de boa maré, abri a porta pra você, deixei que se aliviasse, mas não quero você a me procurar, aquela noite já foi suficiente, não sou homem de compromisso nem de apenas uma mulher, meu erro foi revelar a você o meu endereço; agora, vou até o quarto, você sabe o que tem a fazer. Desapareceu no corredor que levava a um dos quartos. Olhei o encosto de uma cadeira e vi uma camisa de homem, de mangas compridas.

No térreo, depois que cumprimentei o funcionário da portaria, continuei a dobrar as mangas da camisa masculina, que caía larga no meu corpo. O porteiro deve ter pensado que eu, certamente, ia à praia.

quarta-feira, agosto 10, 2022

Temos companhia

Minha avó saía com todos os homens que conhecia, tinha 57 anos, era magra, bem cuidada, tinha facilidade de arranjar namorados. Soube de tudo quando vi o celular dela se iluminar. Tomava banho e deixou o telefone sobre a mesa da sala. Você vai mandar ou não a foto de teu bumbum?, a mensagem que li. Peguei o telefone e procurei outras mensagens do mesmo homem. Que safada, ela provocava, dizia que iria pensar, que ele não era fiel a ela. Isso foi em outros tempos, ele rebatia, tua bunda sempre fui muito bonita, continuava a mensagem. Coloquei o celular no mesmo local e fingi que fazia outra coisa quando minha avó saiu do banheiro.

Nos dias que se seguiram, consegui olhar de novo seu celular, li outras mensagens, de outros homens, pelo menos uns cinco diferentes. Todos queriam fotos, diziam que ela era gostosa. Um lembrou uma vez que transou com ela numa praia em M, depois da meia-noite, que sensação, jámais senti algo igual. Ele parecia vidrado. Ela respondeu quem sabe a gente vai lá de novo.

Passaram-se alguns dias e achei que aquilo tudo era apenas conversa de zap, apenas para passar o tempo. Um dia, porém, encontrei minha avó no Ilhote Sul. Eu estava com duas amigas da minha idade, dezenove, vinte anos, todas da faculdade. Como o restaurante estava cheio, ela não me reparou. Minha avó estava acompanhada de um homem jovem, que podia ser meu namorado! Fiz de conta que não a conhecia. Pensei segui-la, mas não daria certo. O que fazer?

No dia seguinte, descobri no celular dela quem era o tal homem. Ela o chamava de meu amor, ele a apelidara de gostosinha. Havia um dia e endereço onde iriam se encontrar de novo. Mas, naquele mesmo dia, encontrei outra mensagem, de outro homem. Ela respondia que sim, que sairia com ele dois dias depois.

Eu não sentia necessidade de sexo, chegava a conversar sobre isso com algumas amigas. Elas diziam que era assim mesmo, toda garota que se inicia na vida sexual, no começo não sente prazer. Comecei a achar que minha avó era o exemplo disso, cada vez que ficava com mais idade o prazer era maior. Será que com o passar dos anos a vontade de trepar aumenta, ou será que minha avó é uma safada de primeira linha? Cheguei a perguntar a algumas pessoas sobre sexo. Elas diziam você está tão interessada nisso agora, o que está acontecendo? Eu tinha que desconversar. Eu tivera apenas dois namorados, naquele momento estava sozinha, transara mesmo apenas com um, e não tinha sentido muito prazer.

Algumas semanas depois, deixei de lado o telefone dela. Eu arranjara um namoradinho. Ele começou a me levar para passear nos mais diversos lugares. Como era mais velho do que eu quase dez anos, já tinha a vida estabilizada.

Uma noite comemos muito e paramos o automóvel diante de um hotel na praia do pecado. Entramos e alugamos um apartamento por boa parte da noite. Quando saímos, já quase pela manhã, resolvemos descer até a praia. Era um local que não dava para chegar pela orla, foi preciso caminhar por uma rua interna, cercada de vegetação alta de ambos os lados. O carro não conseguia atravessar. Nossa intenção era sentar na areia e apreciar o amanhecer.

Quando nos aproximamos do final da praia, meu namoradinho disse silêncio, acho que ouvi alguma coisa. Nos agachamos e ficamos observando. Uma mulher inteiramente nua estava deitada sobre um uma canga e um homem acariciava suas costas.

Temos companhia, vamos mais adiante.

Não, eu disse, quero ver se conheço a pessoa. 

Para que fui falar tal besteira. A mulher se levantou e caminhou para a beira d’água, nua como viera ao mundo. Pela estatura e pelo corte de cabelo, pude reparar que era a minha avó. Ela estava tão bonita, combinava com o lusco-fusco do amanhecer que se anunciava, era capaz de irradiar uma bondade que apenas eu podia perceber. Naquele momento, quis ser igual a ela. Cheguei a prometer que faria tudo para seguir seus passos na vida, descobrir o prazer que ela sentia em cada gesto, o êxtase que a natureza irradiava do corpo dela. Todo o preconceito que eu tinha contra ela desaparecera como num toque de mágica.

Nada falei ao namorado, ele conhecia a minha avó, sabia que a mulher ali à beira d'água era ela. Teve a elegância de nada comentar.

Como estava nua, ficou. O homem a seu lado a acariciava.

Afastamo-nos sem sermos percebidos. Eu também ficaria nua, mas em outro lugar.

Dali em diante, minha vida seria outra.

quarta-feira, agosto 03, 2022

Você nem imagina

Aqui no prédio onde moro, um homem lindo veio morar no quinto andar. E sozinho! Ao passar por mim, cumprimenta-me, muito sorridente. Não sou uma mulher de dar conversa a vizinhos; no máximo, digo bom dia. Quando encontro alguém do prédio na rua, finjo que não vejo. Ele, porém, encontrei outro dia cruzando uma esquina, nas proximidades. Senti uma vontade louca de parar para falar com ele. Passou rápido, mas sem deixar de me olhar. Moveu a cabeça e disse alguma coisa. Eu estava passeando com o cachorro. Ele ainda se voltou para o animal e sorriu, como se desejasse alguma interação. Continuei a caminhada e continuei a pensar no admirador.

Às vezes, o fato de a gente não ser simpática, provoca muitos obstáculos. Como me fecho no meu mutismo e em geral não olho quem está passando ou cruzando comigo na rua, torna-se difícil passar a falar com todo mundo de uma hora para outra. Por exemplo, não consigo chamar esse homem e inventar uma história, ficar conversando, convidar para um cafezinho. Tais ações são contrárias à minha natureza. Além disso, na zona sul do Rio, a maior parte das pessoas é calada. Tenho uma conhecida que diz preferir o modo de vida da zona norte da cidade. Lá, as pessoas se aproximam uma das outras com mais facilidade. Mas, mesmo aqui, há exceções. Tenho amigas que criariam oportunidades para a aproximação. Diriam, Miriam, você é muito idiota, como pode deixar passar um homem desse tipo, e logo você que é rica. A qualidade "rica" fica por conta delas. Insinuar-se-iam até conseguir um pretexto para tê-lo ao seu lado. Muitas vezes, inventam uma recepção, com taças de vinho ou de champanhe, para convidar o homem.  

Outro dia, estava eu conversando com o porteiro sobre um problema do nosso condomínio, quando o tal novo morador passou por nós. Cumprimentou-nos efusivamente, um bom dia que, na minha opinião, ecoou pelo resto da manhã. Em frações de segundo, imaginei-me ao lado dele na praia, num bar da orla bebendo um coquetel, ou na minha casa em Itaipava, eu e ele, sozinhos, a passar um final de semana! Mas como vou chegar a isso? Fico apenas na vontade. O homem passou, acho que foi para o trabalho. O porteiro respondeu ao que eu perguntava. Depois, fui para casa e fiquei olhando para o meu cão, que gosta de sentar aos meus pés e sentir o calor do meu corpo. Histórias de calor do corpo deveria acontecer com meu recente enamorado. Aliás, como lhe dizer que estou enamorada?

Conversei sobre ele com a minha analista. Ela disse que é um bom sinal. Por que você não toca na campainha do apartamento do homem e não conversa com ele? Pergunte se ele gosta de cinema. Não há nada de mal nisso.

Suas palavras ficaram na minha cabeça. Às vezes estou lendo um livro, a história começa a passar em branco porque o homem me invade o pensamento.

Fernanda, pedi à pessoa mais próxima a mim no prédio, alguém que conheço há muitos anos, você me ajuda organizar uma festa? Festa?, Miriam, que bom!, jamais ouvi você falar uma coisa assim. Qual o motivo da comemoração? Ah, você nem imagina...