quarta-feira, agosto 17, 2022

Dois probleminhas

Bati à porta dele. A princípio, parecia não haver ninguém no apartamento. Eu entrara às escondidas, a portaria estava destravada e não havia funcionário do prédio na guarita de segurança. O elevador estava no andar térreo, o que me facilitou as coisas. Que desconcerto, se me descobrem, vão achar que sou louca.

Alguém pareceu chegar à porta, quem está aí? O que eu iria responder? Marilene, lembra de mim? O homem do outro lado silenciou, devia estar organizando as ideias. Havia-se passado dois meses. Marilene?, que Marilene? A do Pecado, você deve lembrar, do Ilhote Sul e da vinda para cá às quatro da manhã, e tem mais uma coisa, não consegui terminar. Como conseguiu entrar, insistiu? Pela portaria, fui lógica. Ele deve ter movido o rosto, num pequeno sorriso, mas eu não pude ver. O prédio tinha câmeras, dois empregados de serviço, e eu me apresentava ali sem ter deixado rastros, sem  ter chamado a atenção, era natural a desconfiança. Recue dois passos, pediu. Recuei. Após alguns segundos, ouvi a chave girando. Ele apareceu na fresta da porta. Antes que falasse alguma coisa, pedi você deixa eu ir ao banheiro, é urgente. Afastou a porta, corri sala adentro descobrindo por mim mesma o caminho do toalete.

Depois de alguns minutos, ao voltar à sala e me sentar suave e já tranquila no estofado junto à janela, reparei seus olhos pregados no meu corpo. Foi a minha vez de sorrir. Está surpreso? Levou alguns segundos para retomar o diálogo, ele gostava de dominar a conversa, tentava disfarçar a surpresa por causa da minha sorte e esperteza. Podia ter sido presa, exclamou com discrição. Presa?, repeti, por quê?, tentava ser natural, lembra do dia em que saímos do restaurante?, você foi bem mais ousado. Ele sorriu pela primeira vez, tínhamos bebido demais, foi normal a minha atitude, rebateu. Dei de ombros, o importante era o momento presente, esperei por ele, queria que continuasse. Até onde ele iria, o que desejaria?, já que não me esperava no momento nem naquela situação. Você estava com problemas intestinais e veio me procurar, voltou ao assunto inicial. Não apenas intestinais, cheguei a dizer. Acho que os intestinais você já resolveu, agora quanto ao outro... Eram sete da manhã, dia claro, talvez ele tivesse algum compromisso, talvez um trabalho. Quando decidi pelo seu prédio, achei que poderia ainda estar dormindo. Pensando em tudo isso, continuava a olhá-lo como se esperasse uma decisão. Você deu sorte, completou, estou de boa maré, abri a porta pra você, deixei que se aliviasse, mas não quero você a me procurar, aquela noite já foi suficiente, não sou homem de compromisso nem de apenas uma mulher, meu erro foi revelar a você o meu endereço; agora, vou até o quarto, você sabe o que tem a fazer. Desapareceu no corredor que levava a um dos quartos. Olhei o encosto de uma cadeira e vi uma camisa de homem, de mangas compridas.

No térreo, depois que cumprimentei o funcionário da portaria, continuei a dobrar as mangas da camisa masculina, que caía larga no meu corpo. O porteiro deve ter pensado que eu, certamente, ia à praia.

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