Bati à porta dele. A princípio, parecia não haver ninguém no apartamento. Eu entrara às escondidas, a portaria estava destravada e não havia funcionário do prédio na guarita de segurança. O elevador estava no andar térreo, o que me facilitou as coisas. Que desconcerto, se me descobrem, vão achar que sou louca.
Alguém pareceu chegar à porta, quem está aí? O que eu iria responder?
Marilene, lembra de mim? O homem do outro lado silenciou, devia estar
organizando as ideias. Havia-se passado dois meses. Marilene?, que Marilene? A do
Pecado, você deve lembrar, do Ilhote Sul e da vinda para cá às quatro da manhã,
e tem mais uma coisa, não consegui terminar. Como conseguiu entrar, insistiu? Pela portaria, fui lógica. Ele deve ter movido o rosto, num pequeno
sorriso, mas eu não pude ver. O prédio tinha câmeras, dois empregados de
serviço, e eu me apresentava ali sem ter deixado rastros, sem ter chamado a atenção, era natural a
desconfiança. Recue dois passos, pediu. Recuei. Após alguns segundos, ouvi a
chave girando. Ele apareceu na fresta da porta. Antes que falasse alguma coisa,
pedi você deixa eu ir ao banheiro, é urgente. Afastou a porta, corri sala
adentro descobrindo por mim mesma o caminho do toalete.
Depois de alguns minutos, ao voltar à sala e me sentar suave
e já tranquila no estofado junto à janela, reparei seus olhos pregados no meu corpo.
Foi a minha vez de sorrir. Está surpreso? Levou alguns
segundos para retomar o diálogo, ele gostava de dominar a conversa, tentava
disfarçar a surpresa por causa da minha sorte e esperteza. Podia ter sido presa,
exclamou com discrição. Presa?, repeti, por quê?, tentava ser natural, lembra
do dia em que saímos do restaurante?, você foi bem mais ousado. Ele sorriu pela
primeira vez, tínhamos bebido demais, foi normal a minha atitude, rebateu. Dei
de ombros, o importante era o momento presente, esperei por ele, queria que continuasse. Até onde ele iria, o que desejaria?, já que não me esperava no momento nem naquela
situação. Você estava com problemas intestinais e veio me procurar, voltou ao
assunto inicial. Não apenas intestinais, cheguei a dizer. Acho que os
intestinais você já resolveu, agora quanto ao outro... Eram sete da manhã, dia
claro, talvez ele tivesse algum compromisso, talvez um trabalho. Quando decidi
pelo seu prédio, achei que poderia ainda estar dormindo. Pensando em tudo isso,
continuava a olhá-lo como se esperasse uma decisão. Você deu sorte,
completou, estou de boa maré, abri a porta pra você, deixei que se aliviasse,
mas não quero você a me procurar, aquela noite já foi suficiente, não sou homem
de compromisso nem de apenas uma mulher, meu erro foi revelar a você o meu
endereço; agora, vou até o quarto, você sabe o que tem a fazer. Desapareceu no
corredor que levava a um dos quartos. Olhei o encosto de uma cadeira e vi uma
camisa de homem, de mangas compridas.
No térreo, depois que cumprimentei o funcionário da
portaria, continuei a dobrar as mangas da camisa masculina, que caía larga no
meu corpo. O porteiro deve ter pensado que eu, certamente, ia à praia.
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