quarta-feira, agosto 26, 2015

Tempestade

Senti na alma uma espécie de calor que só me tomava em ocasiões especiais. O pátio ainda estava úmido do orvalho da madrugada. Olavo, do portão, continuava a me olhar.

“Por que você não veio mais cedo? Ou mesmo ontem à noite?”, perguntei enquanto levantava a trava do portão, mas sem demonstrar que ia em brasas por causa dele.

“Eu bem que tentei, mas as estradas estão intransitáveis, a tempestade... Não foi por mal.”

“Sei dos estragos, vi na TV, os prejuízos são grandes, há muitos desalojados, parece que foram levados para as escolas. Dizem que duas pessoas morreram.”

“É o que estão comentando na estação de trens.”

“Foi bom você ter vindo, mesmo a essa hora, as crianças estão dormindo.”

“Então, é melhor eu não entrar, não quero incomodar”, ele fez de conta que partiria.

Não, por favor, entre, você não incomoda. Eu queria receber você em grande estilo, sozinha em casa, ter uma noite inteira para nós dois. Separei uma garrafa de vinho. Quando percebi que você não chegaria, peguei as crianças na casa da Vânia.”

“Então vamos beber o vinho agora”, falou e sorriu.

“Entre, por favor.”

Passamos pela porta de vidro, atravessamos a sala e fomos para a cozinha. Olavo sentou numa cadeira que havia na copa, mais adiante ficava a área de serviço.

“Não está gelado, aí?”, perguntei.

“Não. Para quem veio lá de fora, está uma maravilha”, ele esticou os braços e cerrou os olhos, um gesto de quem se descontraía..

“Você não prefere café, no lugar do vinho?”

“Não. O vinho, por favor.”

Depois que servi duas taças, um pouco de queijo e umas rodelas de pão, perguntei sobre seu trabalho.

“E a composição?, uma sonata, não?”

“Ah, está caminhando. Nesses dias conturbados não foi possível ir adiante. Mas assim que as coisas estiverem nos devidos lugares acho que conseguirei terminar.”

“Que bom”, sorri, “sempre adorei sua música.”

“Você é minha musa inspiradora”, ele deu dois passos até onde eu estava, me beijou e voltou para a cadeira.

“Musa, eu? Com quase quarenta anos, dois filhos pré-adolescentes?”

“Isso não a impede de ser minha musa.”

Ri de novo. Que bom você pensar assim. Espero que seja verdade.

“Está a duvidar de mim?”

“Não sei. Aprendi a desconfiar dos homens.”

“Depois vou ao piano e você canta aquela ária da Tosca? Pra mim, você sempre foi a melhor nisso”, ele demonstrou certa ansiedade no final da pergunta.

“A área da Tosca?”, é muito triste. Para eu cantar o trecho, preciso de inspiração, fechei os olhos e fingi que me compenetrava.”

“Espere, vamos beber primeiro”, Olavo alertou.

“Sei, não vou cantar agora, na verdade nem sei se consigo cantar em meio à catástrofe.”

“Catástrofes sempre vão ocorrer. Eu estava pensando quando saltei na estação: daqui a cinquenta anos mais da metade das pessoa vivas hoje estarão mortas; mais cem anos e ainda haverá pessoas caminhando por essas ruas, mas o restante das que vivem hoje também estarão mortas, inclusive nós.”

“Que conversa interessante”, ironizei. “Você se tornou um filósofo existencialista depois do nosso último encontro?”

“Não. O que digo, porém, é verdade”, sentenciou.

“Quer uma história engraçada para animar o  ambiente, enquanto terminamos o vinho?”

“Engraçada?”

“Isso mesmo, e põe engraçada nisso; vamos nos divertir um pouco. Sábado passado, a vizinha aqui do lado chegou pelada em casa.”

“Verdade?”

“Claro, por que eu mentiria?”, olhei para Olavo e levei minha taça à boca.

“O que aconteceu?”

“Não sei, e ela não estava triste. Saiu do carro, abriu o portão e correu para a porta de casa. Ainda mandou um beijo para quem lhe deu carona.”

“Seria uma aposta?”, Olavo insinuou.

“Não sei. O que percebo é que se trata de uma pessoa muito atirada.”

“Então foi isso, ela atirou as roupas fora.”

“Quem sabe? Certa vez ouvi falar de uma mulher que gostava de ser deixada nua na estrada. Seu namorado dava umas voltas e depois voltava para buscá-la. Acontecia sempre à noite.”

“Vai ver o namorado não voltou. E ela teve de recorrer a outra pessoa. Talvez a um estranho.”

“Mas e o beijo? Ela lançou um beijo ao homem, toda animada.”

“É, então há um enigma”, Olavo falou enquanto tomava o último gole de vinho.

“Vamos esperar as crianças acordarem, aí você senta ao piano e eu canto a ária.”

“Ok. Que tal mais uma taça?”, Olavo levantou a garrafa e encheu a sua, depois derramou mais vinho na minha.

“E então?", queria ainda saber sobre a vizinha.

“Não sei, não a vi mais. Mas é lógico que não vou ter coragem de perguntar sobre isso.”

“Fique a espreita, quem sabe acontece outra vez?”

“Não, nada disso, não gosto de tomar conta da vida dos outros. Eu a vi por mero acidente. E ela nem deu pela minha presença. Vamos deixar a mulher andar nua o tanto que quiser!”

Brindamos a última taça. Sentei no colo de Olavo.

“A boa arte é sempre séria”, acrescentei, “por isso esse seu pensamento existencialista, enquanto caminhava pela estação. Quem sabe você aproveita e compõe uma de suas músicas, será bastante trágica”, sorri.

“Nada de mulher pelada dentro da noite. nem conversas comezinhas à beira do fogão”, acrescentou.

Rimos os dois e nos beijamos.

quarta-feira, agosto 19, 2015

Wimereux

Estive numa praia no norte da França, Wimereux, na cidade de Boulogne-sur-Mer. Que lugar lindo! Apesar do verão europeu, a temperatura estava amena, acho que vinte e um graus. As pessoas divertiam-se. A praia tinha cabines sobre o calçadão, pertenciam aos moradores que vivem no local. Todos têm sua casa e, junto à praia, uma cabine para trocarem de roupa ou guardarem os apetrechos de praia. Aqueles que não moram ali, podem usar as cabines dos hotéis. As areias eram compridas, o mar distante, vez ou outra via-se alguma piscina natural entre a parte baixa da praia e a longínqua maré. As pessoas praticavam esportes, ou sentavam ao sol, conversavam, e havia aquelas que andavam de um lado a outro. Em algum momento, vi uma mulher de biquíni, mas usava um casaco. Engraçada a silhueta, o casaco a cobria até a cintura e, como prolongamento, o biquíni e as coxas nuas. Eu não podia perder aquele momento. Aluguei uma cabine num hotel próximo e troquei de roupa. Saí dali apenas de biquíni. Mas senti um pouquinho de frio, cheguei a cruzar os braços sob os seios. As pessoas, de início, não reparam nada demais em mim, mas percebi que, pouco a pouco, alguns homens levantavam os olhos quando cruzavam comigo. Desci à areia e me pus a caminhar à beira d’água, mas junto à primeira orla, porque a maré mesmo estava muito distante. Após andar uns quinhentos metros, ouvi duas jovens me chamarem.

Ei, venha até nós, fique com a gente; se você sente frio temos uma pequena barraca, pode descansar lá dentro, apontaram areia acima.

Eram duas francesas, e falavam como se eu fosse uma delas. Respondi que sim, ficaria com elas. Perguntaram de onde eu era. Disse que de Paris. Como estudo francês desde criança, consegui fazê-las acreditar. Eram estudantes, mas não moravam em Paris, apenas estudavam na capital.

Você usa um biquíni muito curto, onde comprou?, perguntou Céline, a mais loura.

Comprei em Roma, respondi.

Elas se entreolharam admiradas, chegaram a repetir:

Em Roma, e depois, tre joli, e sorriram.

Você gosta de namorar?, perguntou a outra, que disse chamar-se Ceci.

Gosto, respondi com um largo sorriso.

Virão alguns rapazes, quem sabe?, acrescentou.

Ficamos as três a olhar o mar. As duas não tinham a mesma sensualidade de nós, brasileiras, eram um pouco desajeitadas e brancas de dar dó.

Você é morena, Céline alisou-me a pele.

Uma delas apontou o outro lado do Canal da Mancha:

Veja, a Inglaterra.

Podia-se perceber ao longe a parte sul de uma grande ilha.

Fica a cinquenta quilômetros daqui, acrescentou.

Chegaram os rapazes. Elas os beijaram e fizeram as apresentações. Ele estavam viajando de férias, por toda a França, gostaram de me conhecer. Estabeleceu-se uma conversa vaga.

Eles tinham uma bola de futebol e ficaram jogando durante algum tempo. Nós, mulheres, observamos seus passes, embaixadas e cabeçadas. Depois, o mais alto segurou a bola e os três voltaram-se para nós. Pareciam não ter muito assunto. Um deles tirou o maço de cigarros, ofereceu-nos. Apenas eu aceitei, e tive muita dificuldade para acendê-lo, porque o vento era intenso.

Depois de um quarto de hora, Céline caminhou à barraca. Um dos rapazes a seguiu. A seguir, foi a vez de Ceci. O outro pôs-se a caminhar atrás dela. Sobrou um, que tinha de ser meu. Puxa, nem tive escolha. Mas não levantei, como fizeram as duas, permaneci onde estava, sentada sobre um pano, abraçada às próprias pernas. Ele então sentou ao meu lado e me abraçou. Pelo menos isso, não preciso tomar a iniciativa. Começou a me acariciar. Após um ou dois minutos estirei-me sobre a areia, ele ficou a me bordear o corpo. Que sorte, pensei, saio de minha casa, não conheço ninguém nesse lugar e agora estou nas mãos de um homem bonito e jovem. Ele aproximou-se e me beijou, um longo beijo na boca. Depois soltou o meu top. Continuei deitada, com os seios apontando ao céu, sorria e esperava por ele. Uma das moças veio correndo da barraca, enrolada numa toalha, percebia-se que ela já se despira do biquíni. Falou a mim, atabalhoada.

Venha com a gente, você não pode ficar nua aqui, o pessoal é muito conservador.

Fomos os três à barraca. Ela, à frente, com sua toalha desajeitada a lhe ocultar parte do corpo e eu de peito de fora, atrás dela, ao meu lado vinha o namorado. Foi uma tarde de muito amor. Já fazia tempo que eu não trepava cercada por outras pessoas que também trepavam. Mas foi muito divertido. Quando tudo terminou, a mais loura perguntou onde eu estava hospedada e quantos dias eu ficaria na praia. Respondi a ela.

Vamos buscar você, falou, enquanto estiver aqui vamos sair as três juntas.

Em algumas noites andamos pelas ruas internas de Wimereux, pudemos então apreciar as construções típicas do local, casas elegantes, centenárias, que se enfileiram, todas altas, com dois ou três andares, arcadas, floreiras, tudo muito peculiar. Ceci, a mais interessada na arquitetura do lugar, explicava as características de cada construção e até mesmo sabia a história de algumas casas. Contou sobre o tempo da ocupação nazista, quando os invasores intimaram os moradores a abandonarem o local em duas horas levando consigo o que pudessem, pois não permitiriam que retornassem. Enquanto durou a guerra, os oficiais alemães que ficaram naquela região residiram nas melhores casas. E não é preciso dizer que também as dilapidaram. A moça narrou também a história de uma antiga moradora que viveu a infância em uma delas: quando voltou, muito tempo depois, bateu à porta e pediu para entrar, queria rever os cômodos e o pátio onde vivera seus primeiros anos. Em uma das construções havia a inscrição “Esperanto”, esclareceu-nos que se trata de uma língua, em 1905 ocorreu na cidade o primeiro congresso mundial do idioma; na casa, alguns participantes do evento hospedaram-se. Quando saíamos à noite por aquelas ruas, sempre encontrávamos algum bar onde parávamos para bebermos um refresco, ou mesmo saborear algum coquetel.

Ficamos quinze dias naquela praia, namoramos muito. No dia de ir embora, Céline pediu meu biquíni de presente. Como estávamos na praia, soltei os laços e o entreguei a ela.

S'il vous plaît, vous ne pouvez pas être nue ici!

Rimos muito todas as três.

No dia seguinte, nos despedimos na estação de trens. Eu voltava a Paris; elas, à cidade de origem.

Há ainda um fato interessante, que me lembrei agora. Aconteceu numa das minhas primeiras noites em Wimereux, antes de conhecer as duas mulheres e os rapazes. Queria encontrar o caminho de volta ao meu hotel e não conseguia. Reparei que andava em círculos e acabava sempre numa mesma rua. Resolvi então bater à porta de uma casa e pedir ajuda. Um homem veio atender. Ele tinha uns trinta e poucos anos. Após me ouvir, disse que me levaria ao endereço descrito. Pediu, no entanto, que entrasse e esperasse um pouquinho. Ele fervia água para fazer café. Reparei sobre a mesa um exemplar de Austerlitz, de Sebald, em francês. O homem notou meu interesse pelo livro e perguntou se o havia lido. Disse que sim, e que gostara muito. Ele o estava lendo, afirmou que concordava com Sebald quando este demonstrava certo desgosto pela Bélgica. Sorri. Continuou falando enquanto terminava de fazer o café. “Foram as fortificações que fizeram Sebald virar as costas para o país, foram muitas as guerras, muitos infortúnios, elas transmitem certo ar lúgubre.” No final, trouxe a xícara e ofereceu-me. Bebemos o café em silêncio. Antes de me ensinar o caminho de volta, ele disse que dali a alguns dias precisaria ir à Bélgica, e confessou que o seu sentimento sobre o país era o mesmo de Sebald. Dei a ele o meu endereço de Paris e sugeri "concordo com você, o que importa é que Austerlitz é um grande livro. Quem sabe depois da Bélgica você possa ir a Paris, então conversaremos mais e ainda nos divertiremos." Ele moveu a cabeça como se aceitasse o convite e pousou o meu cartão ao lado do livro.

quarta-feira, agosto 12, 2015

Fogo

A moça respirava modesta, calma. Já esperava que tal surpresa não tardaria. Arriscava-se com frequência e, ultimamente, vinha até mesmo exagerando. Por isso teve tempo de pensar, de examinar suas possibilidades, e a respiração era o que havia de mais importante, seria ela que lhe daria o prumo, a altivez, um sorriso ainda que distante e frio, um nada de mais à nudez às duas da manhã junto ao portão de entrada da própria casa. O homem, na verdade, foi quem demonstrou maior surpresa, uma espécie de susto e êxtase; a princípio, nada conseguiu dizer. Ela sentiu que viria uma pergunta, talvez quisesse saber se ela precisava de ajuda. A resposta, já pronta, seria o silêncio. Ninguém pede ajuda em silêncio. Talvez o pior fosse o correr dos segundos e dos minutos, porque depois do torpor inicial, depois daquela espécie de breve congelamento, o tal sujeito, antes estupefato, perderia pouco a pouco a rigidez e começaria a pensar. Aí então a ponta do iceberg, isto é, do perigo. Não se deve temer as atitudes das pessoas tomadas pela surpresa, mas das pessoas quando pensam. E quando derretesse o cascalho de gelo que cobria o homem, ela já não teria domínio sobre os acontecimentos. Era necessário que tudo se resolvesse em frações de segundos, caso não fosse possível, em meio minuto, daí em diante estaria nas mãos dele. Uma pasta escura a lhe lambuzar o corpo. Não tinha nada pra dizer e sabia que não devia desculpas, pois nada fizera de mal que exigisse tal pedido. O homem, porém, era um homem, da espécie mais masculina, um macho como um cavalo ou mesmo um touro, e para essas espécies as palavras não servem. Talvez ele achasse que teve sorte, que algo caiu do céu a seu favor, era um bem aventurado. E isso tudo sem formulação alguma, nada de conceitos, apenas a pele como entendimento. Despejaria sua macheza assim como despeja as fezes ou a urina, assim como almoça e não precisa saber o nome do prato. Ela era uma estátua que esperava o movimento da casa, mas a casa era escura, quase inabitada e, quem sabe, ela poderia ser tomada por uma ladra que age sem deixar rastros, sem precisar de roupas que soltem fios de algodão e lhe revelem. Virou de frente, encarou o desconhecido. Ele chegou mais perto, cobriu a luz que vinha da rua com seu corpo imenso. A sombra dele subiu pelo ventre de Aparecida. O que houve, moça?, ele não falou mas ela podia ouvir, era o torpor que ainda o cobria. Não merecia resposta. Impávida, as mãos estendidas lateralmente e a expressão de que o nu era ele. Olhe sempre numa direção indefinida, assim nada será presente, ela lembrou um ensinamento básico. O que houve, moça?, repetia a voz inexistente. Ante o silêncio da casa, ante os ruídos longínquos da estrada, ela diria não estamos sós. A resposta o desarmaria por trinta segundos intermináveis, ela tinha certeza. O que tem estar ou não a sós?, ele desejaria saber. Ela moveria os ombros, como se dissesse nada, não tem nada. Você vem comigo, ele sugeriu numa meia ordem, estou lhe oferecendo ajuda. Tirou o paletó e o estendeu diante dela, ocultando a si o corpo da mulher. Mas ela meneou a cabeça em negativa, não precisava de paletós, assim como ele nada podia ofertar a ela, nenhuma ajuda, ninguém na verdade precisa de ajuda, ela chegou a dizer. Ele a empurrou em direção ao pequeno muro. Ela não teve como contrapor, apenas a parede gelada a lhe apalpar as nádegas. Aparecida não queria perder o carteado. Vamos, ligeiro, enquanto há sombra, ela acrescentou. Sempre há uma saída. O homem ocupou todo o espaço, não queria deixar a noite em aberto. E ela sabia dos riscos desde o começo, sabia também que a altivez era um modo de resistência, não podia recuar. Aparecida mostrou os olhos grandes pela primeira vez, encarou o homem com olhos enormes, assustou-o. Venha cá, não fuja, não sou louca. Ele tremeu ante a palavra louca, chegou a retroceder dois passos. Volte aqui, era ela agora quem ordenava. Ou você se abre ou se deixa queimar, tanto é o fogo, disse a si mesma. Reparou, então, que estava só.

quarta-feira, agosto 05, 2015

O melhor de todos

Outro dia, andava eu pela Av. Rio Branco quando ouvi uma voz de mulher às minhas costas: “não sei como essas garotas têm coragem de usar esse tipo de roupa, tão curta para andar pelo centro da cidade.” Depois de vinte segundos, olhei para trás e pude reparar que a mulher falara a um homem jovem. Ambos caminhavam juntos, e a garota do assunto deles era eu. Mal sabem que a garota aqui já beira os quarenta. Continuei o meu caminho e não mais os vi. Depois de atravessar a avenida, reparei que outro homem me olhava. Lembrei-me então de uma amiga de tempos atrás. Ela sempre me falava:

“Não consigo usar roupas tão curtas como você, me sinto nua."

Eu brincava:

"Roupas, que roupas?"

"Essas, como as tuas."

Eu então retrucava:

“No começo isso acontece, mas depois a gente acostuma.”

“Não sei”, ela de novo, “sempre acho arriscado roupa muito curta, quem sabe eu não encontre meu shortinho depois de fazer amor?”

Eu ria.

“Tereza, isso só vai acontecer se você quiser voltar nua pra casa. Nunca vi um short desaparecer.”

“Acontece, sim. Há homens que são tarados. São doidos por deixar a gente pelada.”

“O problema então é outro, Teresa”, continuei, “é preciso saber com quem você está saindo.”

“Mas você mesma diz que às vezes topa sair com um homem no momento que o conhece...”

“Verdade, mas faço isso muito raramente.”

Voltando ao meu passeio pelo centro, senti um frisson. Não sei por quê. Talvez pelas palavras da senhora, talvez pelo olhar dos homens. Fazer amor no primeiro encontro, quem sabe? Lembrei-me de outro fato.

Havia um hotel na Senador Dantas, nem sei se ainda existe. Certa vez fui lá com um namorado. Não se tratava de sexo no primeiro encontro, já estávamos junto fazia um ou dois meses. Ele tirou toda a minha roupa. Era verão, e eu usava também um shortinho. Na época, estava na moda a miniblusa. Eu, quase nua. Almoçamos no apartamento. Ainda ganhamos uma garrafinha de espumante. Acho que meio litro. Era dezembro, época de festas, de ofertas. Sei que a bebida me deixou num fogo... Transamos duas ou três vezes, e o meu fogo não abrandava.

“Estou em brasas”, repeti ao namorado.

“O que você deseja que eu faça?”

“Que comece de novo.”

“Ok”, falava ele e recomeçava.

Em determinado momento, alertou:

“Temos de ir embora, vai acabar o período e não tenho mais dinheiro.”

“Paga com o meu short”, sussurrei no seu ouvido.

“Será que eles aceitam?”, brincou.

“Não sei, mas podemos tentar.”

“E se não aceitarem?”, olhou para mim ansioso.

“Não vamos pensar nisso agora, vem, vem mais uma vez.”

Ele veio. E transamos de novo. Ainda bem que esse namorado tinha uma saúde e tanto.

Quando pedimos a conta, ele olhou pra mim e disse:

“E agora?”

Coloquei as mãos dentro do short e comecei a esticá-lo de um lado e de outro, fazia como se fosse descê-lo.

O namorado chegou a dizer:

“Não, por favor.”

“Não é nada disso”, sorri debochada.

Tirei então uma nota de cinquenta e coloquei na mão dele.

“É pra ajudar a pagar.”

Saímos do hotel e ele me levou pra casa.

Nos dias seguintes fui ao Centro, sozinha. Entrei numa livraria. Fiquei mais de uma hora olhando e folheando alguns livros. No final, percebi um paquera. Ele veio até onde eu estava. O que será que vai falar?, pensei.

Ele me pegou pelo braço:

“Vamos, você chegou cedo hoje.”

Fiz de conta que o conhecia. Saímos da livraria. Namoramos naquela mesma tarde. Nada falamos. Apenas gemidos de ambas as partes.

Foi o melhor de todos.

Você quer o meu shortinho?, pensei mas nada disse.

Ele entendeu.