sexta-feira, dezembro 15, 2006

Rita

Sei que está frio e ventando, mas não posso sair de dentro d’água agora, ou melhor, não quero. Se você quer conversar comigo tem que ficar. Apesar de entardecer, a praia ainda está boa e até há sol. Escute, daqui a pouco eu saio, passeio um pouco com você, mas deixe antes eu contar uma coisa. Sou de Minas, sabe, por isso quero aproveitar o mar. Vim ao Rio a convite de um namorado que conheci pela net. Coloquei o endereço num desses sites de relacionamento e ele me fisgou, ou eu o fisguei, depende do ponto de vista. Cheguei há dois dias, passeamos bastante. Conhecemos juntos todas as praias deste litoral, de Búzios a Atafona. Conto um segredo: até fiquei nua em uma delas!, e agora estou aqui nesta praia, em Rio das Ostras, não é mesmo este o nome da cidade? Não sabia que esta região é tão linda. Você vai me perguntar: onde está ele?, respondo: não sei, talvez por aí. Meu namorado tinha tudo para ser o homem da minha vida; quer dizer, ainda tem, mas... agora estou achando-o esquisito em alguns aspectos. Em Barra de São João, passeamos de barco. Foi ótimo; apenas eu, ele e o barqueiro. Fomos tão longe que pensei que não mais voltaríamos. E à noite, que beleza, freqüentamos os melhores restaurantes, comemos maravilhosamente e bebemos até champanha. Depois de tantas extravagâncias, namoramos intensamente, fizemos cada coisa surpreendente. Coisas que eu jamais havia imaginado. Não me leve a mal, não sou nenhuma mulher à toa, foram coisas normais. Veja só, ele gosta de me deixar nua, tanto mais a céu aberto. No início tive medo, mas logo fiquei excitadíssima. Você deve estar se perguntando por que falo tanto de mim e de alguém que deveria estar aqui comigo, por que estou contando intimidades a alguém que acabo de conhecer, não?, mas não creio que ele volte. E se isso acontecer, não sei se vou aceitá-lo. Mas escute. Tomamos banho de mar numa praia chamada Cavaleiros; fica aqui perto. Foi ótimo, depois fomos a um bar maravilhoso, na orla. Hospedamo-nos no Sheraton. Veja onde ele me levou, no Sheraton!, chique, não?, sua única exigência foi que, após o jantar, eu o acompanhasse nua. Perguntei: como vou sair nua do hotel?, ele disse: “dou um jeito”. E não é que deu?, foi muito engraçado. Rodamos a cidade inteira. E eu pelada no carro, ao lado dele. Pensei: ai, se a polícia pára a gente? Mas nada aconteceu. Hoje ele me trouxe aqui. O quê? ah, o sol está se pondo? Tô vendo, lindo, não?, mas escute. Nem sei mais onde eu estava. Lembrei. Aí ele me trouxe a esta cidade. Fomos a todas as praias. Eu sou chata, falo demais, você não acha?, ah, ainda bem. Quis que ele me mostrasse todas as praias. Acho que da Joana, Águas Lindas, Areias Negras, Costa Azul e outras que não recordo o nome. Escolhi uma quase deserta àquela hora da manhã. Sim, chegamos aqui pela manhã. Depois foram chegando as pessoas e a praia ficou repleta. Então fomos almoçar. Comida baiana. Eu só de biquíni, fazendo o maior sucesso, e ele ao meu lado. Todos me olhavam. Quando entrei no carro, olharam mais, porque o carro dele é uma Mercedes. Almoçamos e bebemos caipirinha. Que delícia!, bebi demais, sabe?, e a bebida me deixou excitadíssima. A ele creio que também. Não, agora não estou bêbada; parece, não?, estou apenas um pouco alegre. Viemos parar aqui nesta praia depois do almoço, depois de duas ou três caipirinhas. Brincamos à vontade. Só que ele sumiu. Veja, sou bonita, você não acha?, e ele me deixou aqui. Sou de Minas, de BH, não tenho ninguém aqui no Rio. Vim pra encontrar com ele. Saímos, passeamos, comemos e bebemos, namoramos, fizemos mil e uma extravagâncias e ele me deixa aqui... Confesso que essa água fria, esse vento e outras circunstancias até me deixam excitada. Que circunstâncias?, vou contar. Sabe, já disse, sou de BH, não conheço ninguém aqui, todos os meus pertences estavam no carro dele e ele foi embora. Há mais uma coisa, mas deixo que você mesmo descubra. Venha, chegue mais perto, me abrace. Pode vir, sei que você está morrendo de vontade. Isso, assim, assim. Ah, você não tinha percebido? Nunca lhe aconteceu sair uma mulher nua do mar? Vai, me aperte; está frio, vamos aquecer nossos corpos. Quero sobretudo sentir. O resto é fácil resolver.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Renque acolhedor

Numa rua de um bairro da zona sul, havia um renque de árvores particularmente acolhedor. Por trás, em uma das casas que se alinhavam espaçosas, descobri uma senhora não tão jovem, mas ainda bela. Era uma daquelas pessoas que se mostram por dentro mas se escondem por fora. Gostava de conversar, na maioria das vezes ao entardecer, quando me contava tudo sobre si enquanto ouvíamos o canto dos pássaros e tomávamos, na varanda, uma chávena de chá. Narrava suas aventuras amorosas com entusiasmo. Mas jamais a vi fora de casa, ou vestida como quem vai a uma festa. Suas histórias soavam-me, à época, verossímeis. Hoje, no entanto, creio que tal verossimilhança devo creditar mais à maneira como ela as contava.

Certa vez, como eu demonstrasse dúvida, perguntou-me se aceitaria representar não papel principal, mas de coadjuvante em uma de suas aventuras. Confesso que ligeiro arrepio percorreu-me o corpo. Como eu hesitasse, ela se pôs a relatar o que se passava. Arranjara um namorado sem sair de casa. Dizia que ele estava apaixonado por ela. O namoro ia bem até que ele lhe pediu um favor surpreendente. Daria tudo que ela quisesse para levá-la nua a um passeio através da fileira de árvores, bem diante da casa. Sentira-se excitada no momento da proposta. Mas dizia que seu tempo de loucuras já havia passado. Embora não pretendesse fazer-lhe a vontade, não queria desapontá-lo, disse que pensaria no assunto. Ele cobrava-lhe a resposta e ela protelava. "Quem sabe você pudesse fazer o meu papel na aventura externa?", atirou-me a proposta. Recompensaria-me regiamente. "Ele vai descobrir, deve conhecer bem seu corpo", foi tudo que eu disse. "Deixa que isso eu resolvo", ligeiro sorriso entrecortou suas palavras.

Combinou o dia com o namorado e depois me comunicou: "está tudo acertado, a única exigência é que você esteja nua às onze da noite, na varanda. Vou deixar o portão encostado. Lógico que você virá vestida, mas tire toda a roupa e a deixe numa mochila que vai estar num dos cantos". "Mas como ele vai acreditar que a mulher nua é você?" perguntei. "Ele não poderá olhar para o seu corpo, estará de olhos vendados, vai apenas tatear sua pele para certificar-se da nudez, depois lhe tocará um dos ombros e você o guiará através das árvores. Ele também não poderá ver o momento em que eu vou sair de casa. Finjo que saio, e quando for a vez dele, já vai dar com você nua no meu lugar". Achei o plano engenhoso, mas apenas trejeito sinuoso ou emissão de som imprevisto de minha parte e a montanha ruiria estrepitosa. Mesmo assim concordei.

Na noite da aventura eu tremia muito. No momento de tirar toda a roupa tive vontade de desistir, mas consegui controlar-me. Tudo ocorreu com perfeição. Apenas um detalhe nos surpreendeu: quando voltamos, a porta estava trancada. Ele percebeu que eu demorava a abri-la. Então perguntou o que estava acontecendo. Como eu hesitasse responder, tirou a venda e deu com a nua errada. "Quem é você?" inquiriu assustado. "Uma atriz". "Atriz?" "Sim, uma atriz." "Então vamos", tomou-me nos braços e me colocou dentro de seu carro, "nossa representação ainda não terminou", falou em voz baixa. Deu a seguir a partida e me levou dali. No outro dia, quando a visitei de novo, ela ria alto como eu nunca vira. Depois, ainda muito alegre, disse-me: "eu quis dar a você um presente, vai dizer que não gostou?"

sexta-feira, novembro 17, 2006

Em Roma

Numa viagem a Roma em companhia de uma tia, há alguns anos, vivi momentos inesquecíveis. Acordávamos cedo e saíamos para descobrir a cidade. Confesso que tive predileção por lugares singelos, ruas simpáticas, lojas que vendiam pequenas bugigangas, algum apetrecho que ecoasse a simplicidade e alegria de um povo de muitos séculos.

Titia queria visitar todas os monumentos e ruínas do antigo império. Acompanhei-a ora com curiosidade, ora com um pouco de enfado, ora até mesmo assustada. Confesso que fiquei atemorizada ante à arena do Coliseu; imaginei a agonia de gladiadores ensangüentados e de todos os que eram devorados por leões; também não me foi difícil visualizar a multidão que há quase dois milênios gritava alucinada na assistência.

Nada semelhante a Roma dos dias de hoje, cidade até certo ponto tranqüila – apenas o ligeiro tráfego de automóveis nos assusta -, seu povo alegre, suas casas e prédios elegantes, a citá colorida, com lojas e butiques de marcas conhecidas.

Também admiramos os cafés; sim o café expresso é de invenção italiana e são muitas as cafeterias que se espalham pela cidade, plenas de gente bonita, principalmente ao entardecer, momento em que parávamos para tomar um capuccino.

Fora às visitas históricas e ida e vindas a restaurantes, onde não deixamos de saborear todo o tipo de prato típico, fizemos diversas compras. Era freqüente chegarmos ao hotel apinhadas de bolsas; um dos porteiros vinha então até o táxi, abria a porta do automóvel e nos ajudava a carregar todos aqueles objetos.

Fiz amizade com umas meninas italianas, ou melhor, umas jovens. Eram muito atiradas. Certa noite, convidaram-me para ir a uma boate que ficava nas proximidades do hotel. Falei com titia; ela decidiu descansar, já que o dia fora um dos mais movimentados.

Às nove horas, elas apareceram e a funcionária da recepção ligou para nosso apartamento. Desci rápida e embarcamos num pequeno automóvel.

Na verdade, era uma comemoração. Uma das amigas fazia aniversário e eram muitos os convidados. Logo apresentaram-me à maioria das pessoas. Percebi que muitos admiravam minha beleza e a roupa que eu vestia. Trajava vestido rosa tomara-que-caia, bem justo ao corpo e bem curto. Despertei os olhares de todos os homens e rapazes.

A festa transcorreu animada e sem incidentes. Predominava música americana; todos dançamos alegres e entusiasmados. Alguns rapazes aproximaram-se e queriam estar grudados a mim durante todo o tempo. É que no calor da música, meu vestido subia, as coxas ficavam de fora e por pouco não aparecia a calcinha; acho que em alguns momentos até apareceu, mas a aglomeração das pessoas, a dança, o piscar incessante de luzes coloridas não permitiram que os curiosos a percebessem mais do que durante breves segundos. Ao mesmo tempo, eu não podia esticar a parte de baixo do vestido, porque corria o risco de os meus seios saltarem. Só sei que foi tudo muito divertido. Deixei os italianos, que não demoraram a se tornar meus fãs e amigos, excitadíssimos.

No final da noite, quando as meninas me deixavam no hotel, tentava compreender o que uma delas me perguntava: queria saber onde eu comprara o vestido. Disse que o trouxera do Brasil.

Enquanto entrava no apartamento e observava titia dormindo, lembrei-me que estava num país que ditava a moda, mas que, naquela noite, eu tinha sido a pessoa que mais brilhara.

sábado, novembro 04, 2006

Seios nus

Desloco-me no mundo, ando a passos mínimos e tenho gestos e olhos convenientes. Deslizo sobre areias úmidas, vou com os pés banhados vez ou outra em fios fugidios de mar prateado. Largo e protetor chapéu isola-me de calor que desejo apenas como amante suave, pleno de desejos submersos. Arrepio ligeiro percorre minha pele branca, indício de explosão que se avizinha. Os olhos, quero aguá-los de claridade, perdem-se nas vagas nada perscrutadores; vou trêmula só de pensar em possível ser vivente, homem ou doutra espécie. Quero-me só, sob sol desnudo. Tenho a idade das ostras maduras, prenhes de sabor, que escorrem licor exótico, ocultas em praias milenares plenas de algas, festa entre as espumas, rendas desfiadas que me vestem e ao mesmo tempo me revelam. Quando transpiro sou sal, visco atrativo, suspiro original. Recosto-me na brancura de areias intermináveis, percebo horizontes múltiplos, miragens de além-mar. De repente o susto: alguém prepara o desembarque. Avisos, sinais, premonições. Calculo minhas possibilidades. Descubro a cabeça, meus cabelos voam; com uma das mãos comprimo contra os seios o chapéu; mas ele encolhe, o tamanho menor rouba-lhe a elegância, a altivez; torna-se minúsculo e enfim desaparece deixando-me nua. Qualquer presença estrangeira impede-me a fuga. Meus passos miúdos trouxeram-me distraída cinco quilômetros de costa azul, de costa sul; e agora, sereia fora d’água em corpo inteiro de mulher, Eva plena de pejo.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Margareth

Margareth adorava que os homens encostassem em seu corpo quando viajava em ônibus cheio. Fingia nada sentir, mas se deliciava. Era jovem, dissimulada. Como a maioria das pessoas, trabalhava e freqüentava os coletivos na hora do rush. Enquanto muitos reclamavam da demora e da superlotação, ela se excitava. Usava roupa curta, provocante. Fazia-se assim alvo mais fácil.

Nos finais de semana, não deixava de ir à praia. A Copacabana. Vestia biquíni de lacinhos e camiseta curta. Mal cobria parte do bumbum arrebitado. Estátua viva da beleza pura, convidava a um beliscão, ou mesmo a alfinete macio.

Num domingo, voltava da praia. Já passava das quatro. Calor forte, sol ainda quente. O ônibus vinha mais apinhado do que nunca. Preferia voltar de pé. Nada melhor do que o esfrega-esfrega após um dia quente de verão: o corpo suado, a pele rosada ardendo. A pouca roupa a fazia arder ainda mais. Deixou-se encostar. Cada curva era uma nova oportunidade de se apoiar no corpo do desconhecido. A viagem prosseguiu assim até Bonsucesso. Ela morava em Olaria. Quando o ônibus deixou para trás a praça das Nações, Margareth tinha o espaço livre às suas costas. Alguns assentos até já iam vazios. Não reparara quem lhe viera por trás durante a viagem. De repente, ouviu voz próxima e grave:

– Ei, moça, deixa eu lhe falar uma coisa.

Virou-se e deu com homem corpulento.

Ele continuou:

– Notei que você gosta da brincadeira.

Tentou ser séria, mas lhe escorreu uma ponta de sorriso.

– Então, peço mais uma coisa.

Olhou-o de lado, com ar indagativo.

– Pra completar a brincadeira, queria lhe dar um presente.

Tirou do bolso pequeno objeto. Desenrolou-o. Era uma pulseira de ouro.

Margareth olhou a jóia com interesse.

– É sua – depositou ligeiro em uma das mãos da jovem, acrescentando a seguir – mas com uma condição.

Ela deu ao rosto graciosa feição de curiosidade.

– Vamos fazer uma troca – sugeriu esticando-lhe os olhos na direção do biquíni.

Margareth, sem demonstrar surpresa, curvando a cabeça, continuou a examinar a pulseira.

– Você ainda tem tempo pra decidir – como os bons comerciantes, fingia desinteresse pela transação.

Ela, então, encostou os antebraços no corpo e fez subir parte da camiseta. Exibiu discreta as pontas dos laçarotes que sustentavam o biquíni.

Sem mais palavras, o desconhecido a envolveu num abraço voluptuoso, mas teatral.

Foi então que Margareth ofertou-lhe moeda maior: febre interna tornou mel encantado a fada nua, e três tremores anunciaram a rosa lúbrica.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Paletó azul

O paletó azul me separou da multidão. Felina de fauna estrangeira, arguta e silenciosa, destaquei-me alguns metros. Optava por inexistente praia deserta entre eufóricos sopros de turba levada ao delírio por metais e cordas. Deslizava sob o forro de cetim, os sentidos aguçados, a pele nua submersa transbordando-me. Eu era palavras de povo romano que se equilibravam tênues à beira de abismo povoado de línguas nórdicas, de sons bárbaros mas plenos de volúpia. Meus pés tocaram espumas de águas mornas, leve acariciar sobre planta que se levanta, veludo que se desfibra. Subiu-me contra-senso de vapores violáceos, aromas de outros tempos, tepidez prenhe de pré-gozo. Vigiei ao redor. Tentava ocultar mão invisível que me acarinhava, que me despia, que me separava do mundo físico. A multidão, ainda sussurrei, a multidão... É cega, é cega a prazeres gotejados em outras vias, foi o que ouvi, uma espécie de sussurro em mi menor. E continuaste enquanto me descobrias: oh, as rosas, são flores doutras plagas, e são duas. És poeta?, minha voz era gemido bom, dor de amor, canto de fado longínquo. Quase, disse a mão que me subia o ventre. E fingi escapar. Mas era seta que desejava a corda do arco rompida. Caí enfim sôfrega, sem resistência, arquejando. Entregava-me no intervalo silencioso de farol em mar bravio, sobrevida de navegantes; arfava: ora dor, ora prazer. Alegria de me sentir presa, imóvel, encaixe rígido sob peso redobrado, náufraga sob casco de ferro, navio interminável; embaraçava-me a algas que me serviam de algema e mordaça. Mas tentava o gozo: meus lábios trêmulos denunciavam, minha pele derramava camada de líquido translúcido, salpicado de odores viscerais, atrativo de aves oceânicas. Já era noite, espaço de cem anos de um cometa, quando me abordaste num dos quarteirões da praia; querias as horas. Interstícios estelares, momento de erupções em sóis noturnos de outras lácteas. Salpicavam astros fantasistas sobre a avenida, distavam vinte a vinte. E em silêncio trabalhaste, sulcaste a terra, desbastaste ervas imprestáveis, achaste atalho que te levou às portas de cidade encantada, povoada de silêncios e prazeres. Quando embuçado violaste a cidadela, te equilibraste sobre meus tremores. O paletó, o paletó, não mo leve, não possuo outras fibras. Teceste então renda fina: tens algodão invisível que te oculta a céu, a mar, a clarões abertos a sol a pino ou sob penumbra quase prata. E me deixaste nua, apenas águas de salinas escorrendo, a pele diáfana, os seios a palpitarem, estátua viva. Mas ao partires descobri que me mentias...

sexta-feira, setembro 22, 2006

Noite púrpura

Os sobrados da rua dos Inválidos se alinhavam à meia luz na noite quente de quinta-feira. Subimos o de número 97. Nossos passos sobre os degraus de madeira ecoaram escada acima. Uma lâmpada pendurada por um fio pendia numa pequena sala onde, após serpentearmos, desembocamos. Reflexos de faróis de automóvel entraram através da ampla janela e deslizaram pelo teto. Ouvi choro de criança vindo do primeiro andar; a seguir, um grito de mulher, que o interrompeu; ao mesmo tempo, a violência do bater de uma porta se estendeu por todo o casarão. Adão deu-me uma chave comprida e num movimento com a cabeça apontou-me o cômodo. Disse depois com voz baixa: "espere lá, tenho que resolver um problema antes". Enfiei a chave e abri a porta. O teto tinha altura assustadora. O quarto estava dividido por tapumes de madeira; colei o ouvido junto a um deles e pude sentir a vibração do som da televisão vizinha. Por uma fresta bem acima de minha altura, reparei a luz acesa. O choro de criança ressurgiu como que trazido por vento inexistente. Precipitei-me à janela, mas não consegui abri-la. Não pude ver a noite. Sentei-me sobre uma cadeira simples. Na meia escuridão, percebi uma mesa de fórmica; adiante havia uma cama antiga, de madeira.

A porta se abriu vagarosa. Vislumbrei Adão; resolvera o problema. Entrou e disse: "tenho meia hora". Minhas roupas imediatamente se espalharam pelo chão. Em meio ao quarto escuro, tentando conter meus gemidos e a respiração ofegante, eu vibrava à medida que suas mãos percorriam-me o corpo. Por momentos deixou-me livre; desfilei então fazendo vez de modelo em pele e pêlo, fantasia de homem extasiado. Vestia apenas sapatos de salto; tentava tornar as pisadas leves, pegadas de anjo, disfarce sobre tábuas compridas e ressonantes a pulsações de amante em constante delírio. "Vista esta capa", atirou-me sobre a pele tecido negro e translúcido. Rodeou-me o corpo; apertava-me enquanto eu me desmanchava em seu abraço. "Não a deixe escorregar". Namoramos durante os trinta minutos. Depois disse: "vamos". Quando pensei em vestir-me, impediu que eu recolhesse as poucas peças: "você vai só com a capa". "Por que não ficamos aqui?", ainda perguntei. "Tenho mais assuntos a tratar".

Deixamos a porta trancada. Guardou a chave em um dos bolsos, enquanto eu descia a escada enrolada apenas no leve tecido, atemorizada. Quando já íamos no automóvel, reparei a noite cheia de estrelas.

Transitamos através de ruas e vielas do centro velho. Adão não me dizia qual seu trabalho. Mas rondávamos hotéis baratos, cortiços e outros sobrados. Reparei que ele carregava os bolsos cheios de notas de cinqüenta. Vi mulheres mal vestidas, algumas embriagadas, outras fumando alguma coisa que não era tabaco. Arrastamo-nos por quartos sórdidos, quase sempre com as luzes apagadas, mal podíamos distinguir as sombras nas paredes. Ele pedia que esperasse; depois voltava, me roubava o manto e me acariciava lentamente. No último edifício, num andar soturno, guardado na entrada por um negro de terno e com o rosto suado, meu homem piscou-lhe enquanto me dava passagem; o empregado fingiu que não me via. Quando atravessamos uma espécie de bar sofisticado, reparei mulheres em trajes mínimos. Havia uma nua por inteiro; era a mais alegre. Atirou-se em minha direção e roubou-me o tecido. "Puxa, que corpo!", sua voz partiu o silêncio enquanto eu, surpreendida, cobria os seios por instinto, como adolescente despida por primeiro amante. "Deixe a moça, ela está comigo". Num gesto displicente, ela ainda segurou o pano pelas costas, depois envolveu-me nele atando as duas pontas que se destacavam; beijou-me, suave, os lábios; sussurrou então palavras sem sons - apenas emanações de ar - enquanto apertava uma das metades de meu bumbum com a mão direita: "venha um dia sozinha, quero namorar você". Confesso que suas palavras deixaram rastros de alegria em minha alma; e, em meu corpo, uma ponta de excitação.

O quarto tinha pintura rubra nas paredes e dois abajures que deixavam entrever estrelas prateadas pintadas em teto azul; corpos de mulheres nuas, bem desenhados, eram temas de dois quadros grandes. Adão mordeu-me os seios, me fez cócegas em torno do umbigo e deixou a mão que me acarinhava escorregar, até tocar-me os poucos pêlos...

Terminamos a noite em um hotel de luxo; não digo o nome para não comprometer. Ainda insinuei: "esse hotel é de turismo, cinco estrelas..."; "eles também negociam conosco", foram suas únicas palavras. Ao voltar, tivemos o namoro completo: uma transa intensa e alucinante. Quando precisei ir ao banheiro, levei um grato susto: era lindo. Imagine o banheiro mais bem transado, confortável, aconchegante, que você ainda não vai acertar. Senti no ar odor de alguma erva exótica, talvez oriental. Deixamos o hotel às quinze para as três; ainda ia enrolada em meu manto. "Estou morta de fome", sussurrei sensual.

Dirigiu durante um quarto de hora. Paramos numa casa que depois descobri ser restaurante. Tinha pouca luz, funcionários discretos. Relutei, não queria sair nua do automóvel. "Pode descer, aqui não tem problema". Entramos e ocupamos uma das mesas do lado direito. Tudo era iluminado por luz de velas. Saboreei carpaccio de salmão, duas colheres de arroz à piamontese e salada de rúcula. O garçom, sem me dirigir o olhar, serviu-nos duas grandes taças de champanha. No final, meu namorado soprou-me quase em surdina: "tenho uma surpresa". Primeiro pediu café, depois sorvete de chocolate com amêndoas, chantilly e licor de amarula. Falou então num tom mais alto, mas sem que sua voz quebrasse o misterioso silêncio: "o chocolate é dinamarquês, experimente". A taça refletia a chama bruxuleante de uma vela. "Que delícia!", foram as palavras de uma mulher apaixonada e em êxtase permanente, surpreendida por paladar encantador.

Rodamos mais um pouco pela cidade. Ao perceber a hora avançada, assustei-me: "vamos!, não posso ser surpreendida pelo amanhecer..."

Ainda éramos presas das últimas sombras quando me deixou junto ao portão de casa. Cheguei à janela do automóvel para tocar-lhe a face com meus lábios úmidos e trêmulos. "Amanhã, vamos comprar mais roupas para você", falou. Sorri e soltei a capa; fiz que escorregasse janela adentro: "leve meu cheiro, é para não me esquecer". De olhos fechados, sorveu o tecido com volúpia.

Já ia entre o gramado e a porta principal, quando me voltei para lhe dar um último adeus.

sexta-feira, setembro 08, 2006

O ovo

Agachada, descalça, nua e plantada sobre chão frio, meu corpo era de contorcionista em evolução. Perdia-me em movimentos ora para dentro, ora em sentido inverso; tentava todo empenho numa façanha quase inexeqüível.

– O ovo, eu quero, você tem de fazê-lo –, a voz do homem explodia pela sala.

Tremia, arrepiava-me, suava.

– Por favor, dê-me mais uma chance, garanto que consigo.

– Ponha então o ovo!

Fechei os olhos. Concentrei-me. Tentava reunir todas as forças.

Foi aí que meu ventre num salto quase olímpico e em movimentos concêntricos anunciou algo expresso e frágil. De entre as pernas rolou coisa macia, sem cor, matéria visceral, que se aninhou atrás, sob minhas nádegas.

– Isso não é um ovo, e nem branco é.

– As mulheres põem-se ao labor de acordo com suas possibilidades; é um ovo sim; e, além disso, sei eu o que sai de mim –, anunciei séria.

Ele se aproximou, tomou-o nas mãos, levou-o próximo ao nariz. Fez expressão de dúvida. Sua cabeça pendeu um pouco para a esquerda; parecia tentar convencer-se de minhas palavras. Depois estendeu-o a mim:

– Se realmente é um ovo, experimente-o.

– Não posso provar o que produzo; o julgamento não cabe a mim, experimente-o você –, ainda agachada, sem me mover, falei resoluta.

– Você prometeu satisfazer todos os meus desejos; acho que esse você não vai conseguir. Não vejo a forma de um ovo.

– As mulheres dão forma vária. Você já olhou na direção do sol? Talvez pense que ele seja laranja!

– Sim, o sol, mas o ovo...

– Não precisa ser sempre branco, nem ter forma de ovo...

– Você quer convencer-me do que não vejo.

– Veja o que quiser; tenho certeza das coisas que faço.

– Você é esperta, não recua.

– Não há o que recuar ante evidência tão convincente – sentenciei.

– Evidências, evidências...

Ainda agachada, esforcei-me em posição fetal; juntei os braços, fechei as pernas, depois pronunciei em voz baixa, mantinha a calma e a convicção:

– Olhe-me, perceba: sou eu o próprio ovo. Veja minhas formas, toque minha pele; venha.

Ele pareceu hesitar.

– Teme aproximação maior? Toque-me, toque o ovo gerador.

– Ou a galinha...

– Sim, isso, ela também não deixa de ser ovo.

Resolveu-se. Agachou-se ao meu lado. Começou a tatear minha pele. Percorria ora vales que se moldavam à mão própria, ora montanhas, ora músculos rijos, intumescidos. Eu, pétrea, resistia a tremores internos; tentava não denunciar as batidas rápidas do coração; o fluir ligeiro de meu sangue; a fogueira que me ardia o baixo ventre. Avançou. Apalpou-me entre as pernas. Vagaroso. Qual cego que tateia caminho duvidoso. Então aconteceu. Deixei em uma de suas mãos mucosa translúcida e brilhante, cintilância reveladora de minhas ardências.

Não me poupou. Ovo ou ave, prendeu-me as curtas asas – não queria adorno sobre telhado alheio –; depois, untou-me de minha própria seiva e me penetrou com a violência do primeiro Homem. Proibia a fuga mas incitava o gozo. Eu tinha pressa. Agitava-me, sacudia sôfrega todo o corpo; não queria perder vôo interno e intenso, mergulho no inefável.

quinta-feira, agosto 24, 2006

Sobressalto e prazer

- Ah, você tem medo dele...

- Não se trata disso, Eduarda, mas veja o que aconteceu.

- Então me conta, vai.

- Tudo começou com um telefonema naquele sábado, às duas da tarde.

- E daí?

- E daí que ele me convidou para sair.

- Você não aceitou?

- De início, alguma coisa me dizia que era para não aceitar, mas depois, como não tinha o que fazer, acabei cedendo.

- Então, Marlen, não foi bom o passeio?

- Foi e não foi.

- Por que você chega a falar assim, até mesmo com tremor na voz?

- Escuta só, você também iria tremer, confesso que senti medo; depois, uma ponta de prazer, e, afinal, descobri algo em mim que de certa forma me atemoriza...

- Se você sentiu prazer, foi bom.

- Eduarda, isso é que me preocupa; apesar de tudo que aconteceu, ainda gostei, senti prazer, e marcamos um novo encontro, mas escuta, não interrompa mais.

- Ok, prometo!

- Então, depois do telefonema, continuei arrumando alguma coisa em meu quarto, ouvi um pouco de música, manuseei um livro e às oito e trinta estava lá, na entrada do meu prédio, esperando por ele.

- Vou pedir mais um chope, você quer?

- Quero.

- Garçom, por favor...

- Saímos, demos umas voltas pela orla, perguntou se queria ir a um cinema; como eu já tinha visto os principais filmes, disse que não; então rodamos mais, paramos no Leblon, caminhamos um pouco, entramos numa livraria, vimos algumas revistas, ele tomou um café. Até ali, nada aceitei.

- Hum, livraria? Sofisticado, não?

- Sim, parece.

- Uma hora depois, me convidou para jantar; não era um lugar como este onde estamos, mas um restaurante chique, em Copacabana, restaurante de um hotel; ficamos numa varanda, subimos por um elevador panorâmico, fomos recebidos por uma maitre muito bem vestida, nos indicou uma boa mesa; estava fresco o ar, como agora. De onde sentei, podia ver toda a praia.

- Que maravilha! Quisera eu arranjar um homem desses...

- Escuta, por favor!

- Fala.

- O garçom nos entregou um cardápio imenso; cada coisa sofisticadíssima, comida francesa e coisa e tal; havia também grande variedade de saladas; pedi uma. Deliciosa. Ele quis alguma coisa que não entendi e perguntou se eu gostaria de beber vinho. "Vinho?" repeti, "bebo uma ou duas taças". Escolheu então vinho francês, levemente seco. Que maravilha!

- Então, eu teria adorado...

- Adorei; ah, até que enfim que o garçom chegou com nossos chopes!

- Está bom, não?

- Está, mas deixa eu continuar; para resumir: comemos, bebemos, foi tudo muito bom; ele ainda pediu sobremesa, parece que um tipo de sorvete com calda de licor. Eu nada mais quis. Depois saímos. Então perguntou aonde eu queria ir. Confesso que o vinho me deixou um pouco alegre e excitada, mas procurava não demonstrar; respondi: "vamos passear mais um pouco". Passeamos de carro de novo pela orla, mais uma ou duas vezes.

- Por que você não o levou para sua casa?

- Antes tivesse feito isso, mas foi ele que me levou pra dele.

- Que legal! Logo na primeira vez...

- Eduarda, não sou louca, mas confiei nele. Como é amigo de alguém que conheço muito, achei que não seria nada demais.

- Pelo visto, a coisa foi boa.

- Foi, mas eu queria que não tivesse sido.

- Como assim, Marlen?

- Explico. Chegamos à casa dele, na verdade, uma gracinha de apartamento; ele colocou alguns CDs, Jazz, música instrumental, não sei bem, mas até que gostei; abriu mais uma bebida, me perguntou se queria, disse que não; ficamos no sofá de uma espécie de ante-sala, lugar bem decorado, agradável. A seguir, ele foi apanhar alguma coisa na cozinha; acho que aí é que cometi um erro, sabe qual?

- Nem imagino.

- Deitei no sofá!

- E daí?

- E daí foi que quando ele voltou, trazendo um pequeno prato, acho que com um pedaço de camembert, eu disse baixinho: "me abrace". Ele obedeceu. Depois continuei: "vou ficar toda amarrotada". Nada falou, mas me olhou com uma expressão de que "quanto a isso, apenas você pode resolver". Então tirei o vestido. Fiquei só de calcinha. Estava sem sutiã.

- E ele?

- Fingiu não se surpreender, mas depois me abraçou forte e deitou por cima de mim. Não demorou, a calcinha, oh!, evaporou. Ao fundo, apenas a luz do abajur e aquela música; creio que som de piano.

- Que maravilha!

- Maravilha? Ouça agora, Eduarda.

- Estou ouvindo.

- Começamos a transar; ele me tratou com maior carinho, mas pedi que não se apressasse, porque tenho dificuldade de chegar ao orgasmo. Foi aí que ele falou: "vou fazer você gozar, não se preocupe". Fingi não me preocupar, mas sabia que aquilo seria difícil. Fez, então, a proposta, e o pior que aceitei!

- Que proposta?

- Falou baixinho num de meus ouvidos: "vamos fingir, fantasiar, vamos fazer o seguinte..." então eu fiz... e gostei e gozei!

- Peraí, Marlen, me conta primeiro o que você fez, assim você me mata de curiosidade!

- Fiquei de pé, nuazinha. Enquanto pisava sobre saltos, ele ajeitou a tira da bolsa em torno de um de meus ombros. Depois abriu a porta do apartamento. Tinha de fazer de conta que chegava nua na casa dele. Caminhando em direção ao corredor, ainda disse: "se eu pudesse ao menos cobrir os seios...". Ele retrucou: "você nem veio de top...". Saí. Quando ele fechou a porta, confesso que gelei. Aquele pequeno obstáculo de madeira transformou-se em muralha gigantesca, intransponível. Eu era um ser minúsculo às portas de uma cidade adormecida; tinha de encontrar abrigo após haver perdido o último véu, e sem que habitante algum desse por meu vulto, mesmo que em sonho fugidio. Bati logo em seguida; uma batida fraquinha. Temia despertar hordas estrangeiras. Bati de novo. Ele não abriu. De onde eu saíra tudo estava escuro e vinha um silêncio aterrador. De repente fui tomada por vertigem: não conseguia me controlar, girava de uma lado a outro, tropeçava sobre degraus de escada lúgubre e escorregadia; os caminhos se misturavam, passagem secreta que se dissipava; sentia-me ora em fosso profundo, ora exposta a luz prateada e ofuscante. Ao dar novamente por mim, sem enxergar coisa alguma, pensei: ai, meu deus, ele vai me abandonar aqui. Comecei a imaginar o que faria, ali, nua; como sairia daquela situação. Suava frio quando ouvi giro de metal; depois, o movimento de maçaneta. Saltei entre os vãos da cidadela inimiga e me atirei nos braços de quem pensei ser meu salvador. Transbordei de um jato só: "por favor, moço, me dê abrigo, aconteceu um sério problema". Retrucou: "me conte, depende do problema; se não me convencer, você vai ter que sair como está, e nem tenho roupa de mulher pra emprestar". "Mas, moço," eu tentava continuar... "Me conte". Aí inventei uma história. Disse que costumava sair com alguém bem mais velho do que eu, que naquele dia fizemos um brincadeira que não deu certo; acabamos nos desencontrando e minhas roupas tinham ficado no carro do homem, na garagem. "Sua história é muito fraca, você não tem chance alguma". Comecei a chorar; cobria ora os seios, ora a parte de baixo. "Ainda há o caso do elevador...", entre soluços continuei. "Elevador, como assim?". "Ele me colocou nua no elevador e premeu o décimo segundo andar; a porta se fechou apenas comigo lá dentro, mas, no décimo, parou; já estava preparada para ser surpreendida quando vi somente o corredor escuro; o sensor captou minha presença e a luz se acendeu; mais um susto, meu coração disparou; depois a porta se fechou de novo e continuei o martírio; quando voltei, não encontrei nem ele nem o carro, por isso estou aqui, bati na primeira porta que encontrei". Aí foi a vez dele: "primeira, porta?, aqui é o décimo quarto!". Não disfarcei um ligeiro sorriso. "Está bem, eu ajudo", disse enfim, "mas quero algo em troca". "Peça, dou tudo que você quiser". "Quero sua virgindade". "Ah, isso não posso". "Por quê?". "Porque não a tenho", respondi, "já a deixei na casa de outro". "Mas deve haver algum outro lugar em que você ainda é virgem...". "Ah, isso há", falei, enfim, aliviada. Eduarda, transamos de todas as maneiras possíveis e durante muito tempo. Há mais uma coisa.

- O quê?

- Nunca gozei tanto em minha vida!

- E a virgindade?

- Ah, isso eu não conto!

- E o que você ainda teme ao se relacionar com um homem que parece ser maravilhoso?

- Com qual deles?

- Ué, com esse...

- Ah, acho que não fui clara, mas não faz mal; escute: primeiro, não acho normal gozar nessas circunstâncias.

- E o que é normal hoje, Marlen?

- Segundo: tenho certeza de que essa fantasia ainda vai se repetir muitas vezes. Então me vem o ligeiro sobressalto: o que me aguarda numa terceira porta? Mas quando penso nisso, me excito; e conto os dias para o próximo encontro!

sexta-feira, agosto 11, 2006

Chuva de algodão

Uma chuva dispersa, disposta, salpicava-me a pele. A noite descera súbita deixando-me desorientada. Sentia o corpo gelado, o vento cortava-me a alma. Não queria correr, procurar abrigo. Via apenas a linha de faróis que lá embaixo dividia a estrada. Permanecia paralisada; era porcelana chinesa que temia romper-se ao mais leve tilintar. A capa encharcara-se e a umidade já me chegara às roupas de tecido fino. Por breves momentos fiz dois giros com a cabeça; à esquerda e à direita tentei descobrir algum tipo de cobertura, abrigo furtivo ou fugidio. Ruídos de motor se aproximaram; na bruma, uma moto. Parou ao descobrir-me só e empapada pela chuva. O rapaz teve tempo de levantar o visor do capacete e me oferecer a garupa. Amazona resgatada em momento de desencanto, a retirada reavivou-me. Quando me perguntou o destino, surpreendeu-se com um ligeiro “não sei” que se perdeu junto à água que me corria pelos cabelos e rosto. O caminho percorrido em meio à tempestade tornou-se açoite violento. O motor zunia, o veículo saltava vencendo obstáculos em meio à estrada pedregosa. Ao atingirmos a via principal, fiz menção de saltar. “Você está encharcada”. Não via outra saída a não ser retornar a casa. Descobri o abrigo da parada de ônibus. Agradeci e corri. Foi então que tropecei e caí com espalhafato. Ele ainda não partira, deixou a moto e correu em minha direção. A capa enchera-se de lama e meu joelho gotejava; não água, mas sangue. Resgatou-me pela segunda vez. Colocou-me sobre a moto e batemos em retirada. Quando chegamos à sua casa, a chuva diminuíra. Caminhei com alguma dificuldade, amparada por um de seus braços. Senti-me vexada: a lama entranhara-me até nos cabelos.

Tomei banho quente e saí enrolada numa toalha. Os cabelos molhados ainda respingavam. Apesar de sozinha e trancada, continuava vítima de pudor nunca experimentado. “Minhas roupas, onde estão minhas roupas?", quis perguntar, mas me resignei.

Ainda envolta pelo pano felpudo que me cobria dos seios até parte das coxas e com os cabelos já penteados, enquanto tomava chá quente e forte, tentava não me mover nem descruzar as pernas; não queria que mínimo gesto partisse minha precária cobertura; de novo a porcelana chinesa. Meu amigo recente disfarçava, fingia nada ver. Ou melhor, tentava. Eu também tentava; mas a coragem de mulher nua, desafiadora de noites e madrugadas, naquele momento desaparecera. Eu tremia; e não era de frio.

segunda-feira, julho 24, 2006

Espumas de preamar

Quando ele me abraçou e depois deslizou um dos braços sobre minhas costas até atingir um ponto abaixo do cóccix, ainda segurei-lhe a mão, mas não consegui evitar que descobrisse que eu nada vestia sob o leve tecido. Levei um dos dedos a seus lábios pedindo-lhe silêncio e deixei que continuasse enroscado em mim. Caminhávamos rente à vegetação que margeava a estrada. Lá embaixo, o mar explodia. Como ainda não amanhecera, percebíamos apenas as espumas irregulares da preamar. Os outros rapazes iam à nossa frente; cantavam e dançavam, sinal de muita alegria. Joana caminhava no meio deles; vez ou outra um se aproximava, tentava abraçá-la. Ela de início permitia, mas logo o afastava com delicadeza; talvez ainda sentisse uma ponta de temor.

Eram dez da noite quando os dois desconhecidos nos ofereceram carona. O céu estava escuro mas estrelado, a noite era quente, convidativa. Não tínhamos o que fazer, acabamos aceitando. Entramos no carro e eles nos levaram para os confins da Barra. Naquele tempo o local era ermo, quase não havia casas nem edifícios. Acabamos a noite num camping, onde eles disseram que tinham uma barraca. A princípio, relutamos. Queríamos o passeio, mas sem que nos tocassem. Vimos que nosso desejo seria impossível ao descobrirmos que um deles tinha uma arma. Ainda sussurrei a Joana: “vamos fugir!”, ela não teve tempo de rebater. Mesmo se tivesse, a fuga era temerária. Coletivos não havia, automóveis rareavam e duas mulheres sozinhas a pedir ajuda ali seria apenas deslocar ou adiar o perigo. Mas eles queriam apenas se divertir, não nos fariam mal.

O rapaz deixou que os outros se afastassem. Quando olhei para Joana, ela estava abraçada a dois deles, um a cada lado. De repente, fui surpreendida por um precipitado beijo na boca. Sua língua tentava encontrar a minha; quando conseguiu, senti uma de suas mãos subir-me as pernas, tocar meus pelos. Encontrou-me úmida, talvez até melada, mas ele nada disse. Afastei um pouco as pernas e permiti que me tocasse com mais leveza. Depois, de modo brusco, desvencilhei-me do beijo, cerrei as pernas e tomei-lhe as mãos, beijando-o sobre uma das faces. Vi um automóvel antigo parado adiante e percebi que os jovens e Joana conversavam com um senhor de idade já avançada.

Já no carro, os dois nos deixaram nuas. Ao deslizarmos pela alameda que dava para o camping, reparamos que o local estava quase deserto. Saltamos no estacionamento e corremos até a barraca; éramos duas Evas surpreendidas pelo pudor. Não vimos viva alma. Transamos com ambos alternadamente. Eles abriram uma garrafa de uísque; beberam até a embriaguez. Quando demonstramos desejo de partir, um deles nos disparou: “só ao amanhecer”. Às quatro e trinta, fugimos. Com dificuldade, recuperamos parte de nossas roupas. Saltamos a cerca para escapar de um vigia. Alguns latidos de cão fizeram nossos corações dispararem. Na praia, encontramos o grupo de rapazes.

Joana gritou para mim: “este senhor diz que nos leva, ele vai para Copacabana”. Entramos no automóvel. Antes, os rapazes nos beijaram; e enquanto partíamos, puseram-se a pular e a gritar dando-nos adeus, fazendo enorme algazarra. Num ponto do horizonte, sobre o mar, o céu avermelhava-se.

quinta-feira, julho 06, 2006

Por volta do entardecer

Joana estava sentada numa pequena cadeira de ferro, na varanda de casa; cruzara uma perna sobre a outra, e, com o braço direito, como correia em meia diagonal, tentava tapar os seios. A postura não era de vexo nem de desdém, caía-lhe bem a inteira nudez; beleza e uma ponta de ousadia moldavam-lhe a silhueta. Sua face esboçava ligeiro sorriso.

- Vou pedir a você uma coisa – falou na direção do namorado, que despertou do encanto em que ela o mantinha até então -, quando estivermos em minha cidade, na casa de meu pai, não poderemos dormir no mesmo quarto.

- Como assim?

- É que para papai, como ainda não me casei, não posso dormir com um homem.

O namorado sorriu debochado:

- Será que seu pai acha que você, com quarenta e dois anos, ainda é virgem?

- Não sei; o que posso dizer é que na casa dele me porto como tal.

Ele riu de novo, agora alto.

Joana descruzou as pernas mantendo-as unidas durante breves instantes; ao perceber o olhar frontal do namorado, não demorou a cruzá-las de novo, quase de modo instintivo e em sentido inverso. Por segundos, deixou escapar um dos seios. Mas logo o recuperou, embora de forma precária.

- Se você deseja ir à minha cidade para conhecer minha família, tem de ser assim.

- Não vou poder namorar você em momento algum, durante nossa estada lá?

- Vai, a gente dá um jeito, mas teremos de dormir em cômodos separados.

- À noite, então, poderemos sair? – perguntou excitado -, já que a cidade é pequena, talvez existam lugares discretos para namorarmos...

- Quanto a isso, não se preocupe.

- Você já teve alguém, nessa cidade?

- Já, mas o que isso tem a ver?

- Você já namorou alguém pelos ermos da cidade, à noite?

- Ah! Você está querendo saber demais!

- Sim ou não?, responda...

- Se você quer saber mesmo, sim; e olha que já fiquei nuazinha, como estou agora.

- Nua?

- Isso, e ainda aconteceu uma coisa muito engraçada.

- Conta, então, vai – excitava-se cada vez mais.

- Depois, tá? Agora me abrace e me beije!

George se aproximou e lhe percorreu com a ponta dos dedos a pele sutil. Joana era roseira ao entardecer e o namorado, cedro protetor; ela subiu-lhe o tronco, envolveu os ramos mais salientes e exalou néctar original.

Após desprender-se e voltar à posição anterior, narrou o episódio:

- Você, que se excita tanto com histórias, vai adorar. O fato foi o seguinte: eu namorava o filho do dono da única farmácia da cidade. Quase nos casamos, sabe? Ele adorava me ver com os seios soltos; dizia que eram sinais de fartura e prosperidade. Numa determinada noite, seguimos um caminho que leva a um arraial que fica a dez quilômetros da cidade. É um local deserto, quase ninguém transita por ali, apenas os poucos moradores. Paramos e enfiamos o carro num atalho. Tirei toda a roupa e pedi que ele me seguisse. Entramos pelo mato. Quando atingimos as margens de um regato, ouvimos vozes e alguns gemidos. Pensei que fosse algum bicho. Senti medo. Reparamos, porém, que os ruídos vinham de um casal que namorava no local. Minas é um estado muito conservador, as pessoas vivem de aparências e, provavelmente, aqueles dois não tinham onde namorar. Abaixei-me para não ser vista; meu namorado fez o mesmo. Depois, percebi de quem se tratava. A moça era minha amiga e, assim como eu, estava nua. Resolvi, então, pregar-lhe uma peça. Descobri as roupas dos dois nas proximidades. Como ela tinha também os seios avantajados, furtei-lhe o sutiã.

- Logo o sutiã?

- As mulheres, ao contrário do que os homens pensam, valorizam muito os seios. Sabia que sem o sutiã ela ficaria desesperada. Saímos dali às escondidas e fomos em busca de um lugar mais tranqüilo. No dia seguinte, fiz-lhe uma visita. Lembro que ela tinha uma loja. De roupas íntimas! Fui até lá. Levei um embrulho de presente, muito bem arranjado. Disse ao vê-la: "tenho uma surpresa pra você!". "Surpresa?, mas por que será que mereço um presente?". Abriu o pequeno pacote e descobriu o sutiã que perdera na véspera. Realmente se surpreendeu. Olhou-me sem entender. Então, foi minha vez: "eu também estava lá; e sorte sua que só precisei do sutiã!". Caímos ambas na gargalhada. Ainda completou: "puxa, você me deixou em apuros!".

quinta-feira, junho 22, 2006

Passeio noturno em BH

A madrugada ia alta; a rua, silenciosa. O mês de junho deixava-me com a pele fria, às vezes, gelada. Mesmo assim desabotoei o vestido de cima até embaixo, movi os braços um pouco para trás e ele deslizou até se aninhar junto a meus pés. George fingiu se surpreender porque eu nada mais trazia sobre o corpo. Agasalhado e emanando calor próprio dos amantes, abraçou-me; procurava substituir o veludo anterior proporcionando-me temperatura ainda elevada. A rua e a galeria comercial mantinham-se à sombra e em silêncio; os dois cinemas, ao fundo, faziam-se notar apenas pelos cartazes dos filmes que estavam ou que entrariam em exibição.

Eram mais ou menos onze da noite quando saímos de automóvel. Escolhemos, primeiro, percorrer os bairros nobres; depois, o centro. Preferimos as ruas elegantes, mas tranqüilas; paisagens compostas por casas de dois andares, muros que deixavam entrever pequenos jardins e alguns trechos de grama; vez ou outra surgia um pequeno edifício. As poucas lojas mantinham-se com os letreiros apagados. A cidade dormia.

Mais tarde, quando trafegávamos lenta e preguiçosamente por algumas ruas do centro, ainda foi possível percebermos um ou outro restaurante com seus últimos clientes. Na avenida central, alguns luminosos do comércio, mas numa impecável discrição.

Sussurrei em um dos seus ouvidos, tentava não desfazer o ar sóbrio e misterioso do avançar da noite: "deixe-me por alguns instantes, quero ver como se convive com o imprevisto, quero estar sozinha à sombra, desejo gozar com o risco". Quando saía, estendi-lhe uma das mãos, ainda que trêmula, e completei com minha voz: " leve-me o vestido".

Havia alguns dias, ele convidara-me para passear: "vamos dar umas voltas de carro, deslizar silenciosos, à noite, vamos escorregar nossos corpos na penumbra". Desfiz então o embrulho com cuidado, não queria amassar o papel de presente: "que lindo", tive tempo de exclamar antes de me atirar em seus braços. Ele completou: "vista-o para o nosso passeio, é para lhe acariciar a pele".

A madrugada tem ruídos próprios, apenas os amantes podem percebê-los. Sons que ora se mostram delicados, ora se apresentam como sinais de advertência. Há motores que passam distantes, há algo que parece ser o farfalhar de invisível ave noturna. A cidade ainda que próxima disfarça-se longínqua, percebe-se seu leve respirar, sua calma aparente que se equilibra num fio de arame.

Estátua de alabastro, pelas costas apenas a porta corrediça da galeria; envolviam-me o ar brumoso das últimas horas e as derradeiras sombras. Em um árvore sobre o passeio, o movimento de um ramo maior acelerou-me o peito, mas, em segundos, a languidez perfumada da hora tardia aconchegou-se de novo.

Não houve desconhecido ou inesperado, nem cavaleiro noturno sobre animal metálico a seqüestrar-me. Somente o zumbir ininterrupto do resistor da lâmpada alta e fria. A madrugada com seus mistérios, com seus dizeres indecifráveis ignorou-me por completo; fez-se cega à mulher nua que quis experimentá-la como se experimenta um homem que não se revela sob a máscara, à mulher que queria gozar com suas múltiplas presenças mas transpirou temerosa e ansiou, durante demorado quarto de hora, pela rápida volta do amante.

quinta-feira, junho 08, 2006

Tear primevo

O céu espelha enxame de lanternas prateadas; não há rugir que não seja o das águas geradoras, explosões em cadeia, espuma que ao eterno se renova, resíduos de intempérie. Degrau de areia, rastro involuntário de preamar, serve-me de recosto. Ligeira brisa atraiçoa-me a tez. Sem tranças de algodão ou seda púrpura a cobrir-me, tento ungir-me à natureza. Um cão se aconchega, tenta roçar-me o pelo. Sou mulher-loba que o recebe, cadela ruiva à beira do cio. O que espero? Que a noite passe com lentidão; que suas sombras não se dissipem; que o inseguro tracejar de luz fria refletido em lua quase finda não me revele. Deixei-me surpreender por amante ancestral, amor primeiro. Quis levá-lo ao gozo, extremar-lhe prazeres noturnos. Saqueou minhas naus, privou-me de regresso. Disse que intenta resgatar-me, rígido, sem demência, tal qual anêmonas luzidias em inverno de hemisférios invertidos. Resta-me o cão, ainda que precário. Às últimas sombras, espreguiça-se, sacode o pelo. Acaricio-o, mas ele parte. Vai sob alvas de céu já rosáceo. Não o acompanho, não lhe pertenço. Fiz parte momentânea de seu mundo, onde a fome é perene e não ultraja a ausência de tear primevo. Espero. Sou massa esmeráldica a ser lavrada à primeira luz.

quinta-feira, maio 25, 2006

Nua em Itaúna

Descubro o estreito túnel que me leva à sua porta. Ouço sons indecifráveis, vejo luzes abatidas em pequenos lilases, sinto ameaças veladas aos irregulares passos de meus pés. Não domino o arfar de meus pulmões. A penumbra que me oculta é frágil, pode partir-se a qualquer momento. Temo algo maior, talvez farol que se intercale a meu caminho, algo que dissipe a noite que me envolve e me lance contra muro ofuscado pela luz, a ponto de não me permitir esconderijo algum. Temo por minha total nudez revelada. O espaço que me separa de meu destino é fenda incerta e abstrata, que ora me aponta a direção, ora a desvia...

Tudo começou quando percebi aquele homem forte e saudável que estava hospedado em um dos chalés. Descobri-o só, em plenas férias de verão. As mulheres que também aproveitavam o mês de janeiro ali em Itaúna, naquela pequena pousada perto das dunas e do mar sempre agitado, tiveram, da mesma forma que eu, súbita excitação. Será que ele seria adepto do amor pelas mulheres? Era a pergunta que não deixavam de fazer, embora sempre sem a resposta desejada. Ele acordava cedo. Quem o espreitava, podia vê-lo saindo em direção à praia. Depois de cerca de trinta ou quarenta minutos, voltava gotejando água salgada, perfumado pela maresia, com os cabelos pretos molhados. Era hora de as pessoas irem ao café da manhã. A pousada não era grande, mas comportava bem uns doze pequenos chalés. No mais, havia o prédio principal, em que ficavam a administração e o restaurante; mais abaixo, num pequeno declive, havia a piscina, onde as pessoas se banhavam na maioria das vezes ao entardecer. Duas famílias com algumas crianças, rapazes com namoradas, ele - o homem desejado -, e, no mais, mulheres em grupo; por fim, eu, sozinha, em um dos pequenos chalés, que para mim não deixava de ser imenso; éramos todos os habitantes provisórios daquele lugar. Levara livros, CDs, tudo para um descanso de quinze dias, mas a chegada daquele desconhecido foi vento fugidio que, a princípio, levantou-me os véus para, em seguida, levá-los de forma irremediável. Cruzei com ele algumas vezes, ora na praia, ora no restaurante, ora na piscina. Voltou-me o olhar, porém, apenas uma vez e pareceu não demonstrar interesse.

Numa das tardes, encontrava-me à beira da piscina. Lia uma revista qualquer. Três mulheres, das que estavam em grupo, apareceram de repente. Vinham apenas de biquíni. Voltavam da praia e, pelo modo extravagante como se comportavam, pareciam ter se excedido na bebida. Uma, inclusive, se mostrava ligeiramente trôpega. Duas delas, talvez devido à caminhada pelas dunas, logo se sentaram em cadeiras reclinadas, no lado contrário ao que eu estava, enquanto a mais alegre, ou mais bêbada, abriu o chuveiro e tomou um rápido banho; tinha a intenção de livrar o corpo da água salgada; em seguida, mergulhou na piscina. Após alguns minutos os olhares delas, surpresos, se voltaram para o pequeno portão gradeado que ficava à entrada do caminho que vinha dar ali. Era ele que se aproximava. O homem só, desejado por todas, inclusive por mim. Cumprimentou-nos respeitosamente e tencionava seguir em frente, em direção talvez a seu aposento. Elas entreolharam-se; a que se encontrava dentro d'água não deixou de emitir algum tipo de gracejo. Fiz como se nada tivesse acontecendo, continuei minha leitura. Ele parou. Pareceu entender o que ela tanto desejava. Então, para romper o embaraço, ouviu-se a voz de uma delas: " você joga cartas?". Ele assentiu. Elas imediatamente o convidaram e combinaram jogo para depois do jantar. Sueli, assim chamava-se a que nadava, convidou-o para entrar na água. Num primeiro momento, ele hesitou, mas, depois, dirigiu-se ao chuveiro, tirou do corpo a água salgada e a areia que trazia nas pernas; em seguida mergulhou. Enquanto as duas, que permaneciam nas espreguiçadeiras, entreolharam-se indagativas, a da piscina aproximou-se quando ele voltou à tona. Eu fingia ler a revista, tentava demonstrar pouco interesse, mas vez ou outra, de soslaio, olhava para dentro d'água. Estabeleceram algum tipo de conversa. Ele percebeu que a mulher não estava em seu estado normal. Mexia-se muito, falava mais alto e o agarrava pelos braços a todo momento. Súbito, ouvimos a voz dela: "já sei que vou perder, jogo cartas muito mal, é melhor nos distrairmos com outra coisa". Ela já estava quase agarrada a ele, mas, de modo inesperado, soltou-se e mergulhou fazendo barulho e espirrando água. Quando reapareceu, a água escorria pelo seus cabelos pretos e, no contra-fluxo dos raios de sol do entardecer, o rosto dela espelhou alguma beleza. Creio que tal detalhe não passou despercebido a ele. Numa fala um tanto tresloucada, Sueli deu prosseguimento: "se jogarmos a valer, vou perder mesmo, então vou lhe pagar agora". As duas amigas se entreolharam novamente; esperavam um gesto louco daquela que era a mais atirada. Num movimento rápido, soltou os laçarotes do biquíni e o entregou nas mãos do homem com as seguintes palavras: "toma, fica de presente para você, pagamento, já que vou perder no jogo de cartas". O homem olhou para mim um tanto embaraçado, sem saber o que fazer. A única coisa que conseguiu proferir foi: " é melhor você cuidar da sua amiga". Olhei na direção das outras duas que, vendo meu constrangimento e percebendo que eu nada tinha a ver com aquela situação, se precipitaram dentro da água em socorro à mulher nua. Vestiram-na, pediram desculpas e a levaram para dentro. Prometeram que, se ela estivesse melhor, apareceriam para jogar cartas. Também me convidaram.

O jogo de cartas transcorreu dentro da normalidade. Acabáramos de jantar e sentamo-nos a uma das mesas da sala que antecedia o restaurante. Sueli, a nua da piscina, chegou atrasada, mas misturou-se ao grupo e participou das partidas; agia como se nada tivesse acontecido. Nenhuma das amigas tampouco referiu-se ao episódio. Como éramos cinco, revezávamo-nos nas parcerias. Quando formei dupla com ele, sempre que colocava a dama em jogo lançava-lhe olhar desafiador. Não sei se queria muito, mas o que pretendia era que ele me percebesse a lançar-me, também nua, mas de forma mais discreta; senha de encontro tardio. Com o correr das horas, para não incomodarmos o silêncio local, alguém sugeriu que continuássemos as partidas no aposento das mulheres. Houve consenso, apenas eu não quis continuar. Aleguei cansaço. As outras lamentaram, mas não insistiram. Enfim, todas, em companhia do amigo recente, dirigiram-se ao novo local, enquanto eu retornei ao meu chalé.

Abri uma das janelas e procurei entre as árvores distinguir o mar lá embaixo. Respirei fundo. Ar morno misturado com maresia invadiu meus pulmões provocando-me enorme excitação. O coração bateu mais acelerado. Uma energia repentina tomou-me. Senti vontade de descer as dunas e caminhar à beira-mar. Não pensei duas vezes, do jeito que estava, saí. Encostei a porta e desci a rampa.

Não tardou e eu já caminhava com os pés dentro d'água. O mar rugia ora ameaçador ora arrefecido. Espuma clara e ligeira tocava-me as pernas e se dissipava, como que tragada pelas areias brancas. As águas mornas em braços espessos me acariciavam vez ou outra as coxas; respingos prateavam-me a pele e a pouca roupa. O céu coberto de estrelas destacava-se na noite de poucas luzes. Na praia, não havia viva alma. Até que não resisti. Não perderia um banho noturno, acompanhada apenas pela paisagem anterior à nossa chegada, à chegada do primeiro humano. Ouvia e sentia na pele o vento sedutor, sopro quente bafejando a expansão marinha nos extremos limites de meu corpo, ardendo-me o desejo. Despi-me. Larguei as roupas, livres, sobre a areia. Depois mergulhei e me pus - sempre nadei bem - em direção às ondas. Apesar da iluminação precária das estrelas, entendia-me bem na sombra noturna e na bruma natural. Nadei até onde pôde meu fôlego. Sentia o mar envolver-me como homem vigoroso que me acarinhava, começando com sutilezas e indo até ponto mais íngreme. Minha pele deslizava pelas águas escuras que poriam medo a qualquer das criaturas, mas a mim era seio natural, berço protetor. Eu era sereia impossível de se perder na vastidão do mar, sentia-me em morada original, que atingia as barras do infinito. Procurava estar sensível ao roçar das águas sobre meu corpo, sobre meus poucos pêlos, sobre meus cabelos. Então compreendi como as criaturas marinhas são prenhes de gozo e jamais abandonam o mar. Meu corpo era termômetro natural, sensível à mínima nuança de frio e calor. Águas geladas que me passavam entre as pernas alternavam-se com águas quentes, provocando-me excitação e me levando a gozo irrefreável, a gozo quase que sem fim. Extasiada, lamentei que, em breve, as sombras se dissipariam, e não poderia, nua, atrasar-me no retorno.

Quando de volta subi a rampa e penetrei nos domínios da habitação humana, reparei que todos dormiam. Ruídos, somente os de pequenos bichos noturnos e, ao longe, ainda o rugir do mar. Não parei à minha porta, desejava porta alheia. Sentia que era o momento. Encostei-me junto a seu chalé. Minha respiração era ofegante, meu coração ia aos saltos. O corpo ainda molhado, o cabelo respingando. As roupas? Deixara-as de propósito na praia. Agora já teriam sido levadas pela maré que subia. A mesma que me empurrava na direção do primeiro homem. Permaneci junto à porta. Talvez não soubesse ir além. Esperava.

Deságuo, ligeiro córrego a recender odor de rosas, à saída do estreito túnel que me leva à sua porta...

Não precisei bater...

O gozo da loba

São cinco da tarde. Olho as vitrines num shopping da zona sul do Rio: quatro andares de lojas de todos os tipos, entre roupas, jóias, presentes, perfumes, alimentos, cafeterias, etc.. Ah, cafeterias!, como eu as adoro. E é aqui que tudo começa. Tomo um expresso, reparo o semblante da garçonete. Ela arruma salgados de forno em uma bandeja. Uma senhora pede um pedaço de torta. A moça que nos atende sorri. "Parecem felizes esses empregados", ouço a voz que me vem do lado esquerdo. É de um homem moreno, jovial, talvez quarentão. Sorvo os últimos goles, coloco a xícara sobre o pequeno balcão e preparo-me para continuar o passeio. A cafeteria fica num quiosque, uma interseção entre dois corredores. No ar paira música americana, uma balada, bonita canção. Após alguns metros, paro diante da vitrine de uma loja de roupas para mulheres; roupas de estilo, modelos para senhoras, mulheres maduras. Há vários manequins com vestidos que escorrem até abaixo do joelho, modelos clássicos, cores sóbrias, vejo um modelo todo negro, maravilhoso. Mas hoje não compro nada, vim a passeio. Entro por outro corredor. Muitas pessoas também passeiam, olham vitrines; os letreiros luminosos colorem o local, escadas rolantes sobem e descem. Enfio-me em uma delas e meus saltos tocam, após alguns segundos, o terceiro pavimento. Noto o homem que falou comigo no café. Ele me aguarda assim que dobro à direita e passo junto a uma loja de roupas infantis. "Senhora ou senhorita?", me pergunta. Não respondo. Passo séria, não quero assunto. Mas observo no contra fluxo, através do espelho de uma ótica, que ele me segue. Começo a ficar preocupada. Penso em me ir embora. Mas vim me distrair, não posso ficar perturbada por causa de uma paquera barata. Barata? Não adiantemos os fatos. Ele me olha e me segue porque sou bonita, estou bem vestida, perfumada. E nem estou de saia tão curta assim... Empino-me, faço-me a mulher mais linda entre as mais lindas; continuo meu percurso. Desfilo. Percebo então que ele é todo olhos em minha direção. Quando sou tomada por uma ponta de temor, desvencilho-me dela. Sou estrela inatingível cuja beleza cor de prata incendeia aqueles que se aproximam. Meu perfume é capaz de inebriar os seres de toda a floresta, capaz de transformar os animais mais mansos em selvagens, levar ao cio até mesmo preguiça renitente. Desperto no homem tigre veloz e voraz, predador que não me dá trégua nem espaço para fuga; sinto-me fêmea que vai ter o pescoço ferido, mas não deixará de rugir de gozo ante o embate final. Aceito o jogo. Sei que é perigoso, mas aceito. Tenho uma estratégia: entro no toalete. Demoro. Quando saio, sei que me espera. Sigo. Tomo a escada que me leva ao quarto piso. Mais um andar de volúpia, jogo, passeio, encontros e desencontros. Quando circulo todo o pavimento, tendo visto várias lojas de decorações e comprado um docinho, ele me aborda. Olho-o sem mover a cabeça. Assumo postura elegante; tenho estilo. Ele sabe que correspondo. "Tenho um presente pra você", afirma. Permaneço estática, faço pouco caso. Ele não sabe mais o que dizer. "Presente?". "Sim", sorri ao ouvir minha voz pela primeira vez. "Ouro?", indago mercenária. "Como adivinhou?", surpreso, me faz a pergunta. Sentamos nas cadeiras de outra cafeteria. A garçonete se aproxima; esta é loura. Outro ritual: café com creme, agora para dois. "Não, apenas um," ele diz, e completa: "tomo chá, de hortelã". A garçonete se retira. Ele leva as mãos ao bolso do paletó, tira uma pequena caixa. Coloca o delicado pacote sobre a mesa e o empurra em minha direção. O papel é de joalheria famosa. A moça retorna, traz a bandeja com as xícaras. Vou desfazendo as amarras, o barbante dourado reluzente. Ao abrir a caixinha dou um gritinho de prazer. Um friozinho me percorre a barriga. É uma gargantilha de ouro, toda trabalhada, tem uma pérola, difícil descrever... Olho na direção dele. Está sorvendo um gole de chá, mas não deixa de reparar minha emoção. Tenho de retribuí-lhe, mas como? "Sabe, sou rico", diz, "isso pra mim não é quase nada, gostei de você, vamos à minha casa?". "Depende", respondo misteriosa. Dissolvo o creme e tomo a pequenos goles meu café. Quando termino, imponho: "só se você for primeiro até ali comigo". Ele paga a conta, depois me segue. Entro pela escada interna, um tipo saída a ser usada em caso de incêndio. A luz é baixa, não ouvimos vozes, apenas ecos longínquos, sons que se perdem em outros andares; onde estamos, apenas o risco. Viro-me na direção dele. Peço que me coloque a gargantilha. Estou eufórica, sou adrenalina pura. Ele cobre meu pescoço nu com gestos singelos. De um golpe, arranco toda a roupa. Meus seios saltam em sua direção. Mantenho-me nua; apenas a gargantilha no pescoço e a calcinha, uma coisinha à toa. Ele, assustado, me aponta a porta. "podem abri-la a qualquer momento". "Me abrace", rogo humílima. Sinto-me explodir; sou estopim a dar início a céu de fogos de artifício, partículas de pequenas estrelas transformando-se em lágrimas luminosas que pouco a pouco mergulham incandescentes, até se esfriarem num mar espumoso, camada de creme, espécie de marshmallow do prazer, estuário de gozos inumeráveis.

sábado, maio 06, 2006

Eu, metáforas

Meus cabelos,
orquídea selvagem que derrama fios iluminados de sol ancestral.

Meu rosto,
tessitura incorpórea, alga sublime, amálgama inaudito de deusa pagã.

Olhos,
Anêmonas milenares cujo brilho espelha pélagos, abismos insondáveis.

Nariz,
singelo deleite, desenho de pena cristalina, via a apurar rastros de perfumes originários.

Lábios e boca,
abertura serena, paladar preparado para mel curtido ao longo de eras extintas.

Orelhas,
música distante, ecos de harpas, de coros de anjos, de ninfas nuas sorrindo e correndo por campos floridos sob a sombra de álamos.

Pescoço,
alturas possíveis, deslumbre de cumes e mares imaginários.

Seios,
derramar do alimento perene, eflúvio original, protuberâncias ora altivas ora cobertas por pequenas mãos plenas de pejo; elementos de prazer.

Braços,
veludos vorazes, tentáculos tentações, abraços feitiços, mãos prontas a seduzirem e a acarinharem.

Ventre,
campo aberto, planície derramada ora sob louros solares ora sob sombras noturnas.

Púbis,
floresta lúdica onde pigmeus se perdem, labirinto de medo e de prazer escondendo cava capaz de conduzir quem nela penetre a delírios e a esquecimentos, capaz de levar navegante solitário a margear mundos sem rotas de regresso; musculatura untada por óleo original, secreções de aves gigantescas ou de insondáveis seres marítimos, embarque em planadores de alturas impossíveis ou de distâncias ainda não percorridas, cartas de navegação perdidas, bússolas avariadas.

Pernas,
manancial, espessura, linearidade e altitude ora desveladas ora cobertas por tecidos lúbricos, diáfanos, deixando entrever sombras na terra de homens menores.

Pés,
plana de perfeições, curvas sutis a deslizarem lépidas, cuidadosas; vexo de pisar pequenas partículas humanas, que me desejam nua e próxima, às vezes, atada.

Perigos,
não os da noite, mas o de holofote inesperado, luz súbita do dia, farol mágico que não me dê guarida e me arremesse nua em evidências impossíveis de refúgio, em mãos estranhas, ásperas, que me arranhem a pele branca e ponham-me a vazar líquido rubro.

Temores,
ficar à deriva, desviar de escolhos invisíveis mas bater em praias apinhadas, onde a capa semitransparente e provisória das águas e espumas não me permita demorá-la como veste única; temor de aproximações inoportunas, de vozes que ecoem meu estado de transparência cintilante, de ser surpreendida tendo como invólucro apenas gotículas escorreitas, prestes a secarem deixando-me ao desamparo, aos olhos curiosos de platéias estrangeiras; temor de que me obriguem a perfilar desguarnecida entre hostes bárbaras.

Prazeres,
Desfiar de líquidos aquecidos, explosões interiores, canal a receber braço de mar em estação de sol de ilhas tropicais.

sábado, abril 22, 2006

O presente

Vinha de Belo Horizonte dirigindo pela BR 040 em direção ao pequeno povoado conhecido como Macacos, onde moro atualmente. Anoitecia. De repente senti intenso desejo de me masturbar. Como estou acostumada a me satisfazer dessa maneira, parei o carro numa estrada lateral, estrada improvisada e de terra, situada logo após ao acostamento. Assim me manteria escondida.

Levantei o vestido e comecei a tocar, com a ponta dos dedos de uma das mãos, as próprias coxas. Ia pouco a pouco subindo em direção ao clitóris. Enquanto me apalpava, desejava, ao mesmo tempo, acariciar com a outra mão um dos seios, algo que deixa a maioria das mulheres muito excitada. Mas o vestido justo me apertava. Achei melhor então despir-me por completo. Livrei-me dele rápida e o arremessei sobre o banco traseiro. Continuei a me acariciar, só que inteiramente nua.

Quando beirava o orgasmo, surpreendeu-me, na janela do carona, a fisionomia de um garoto. Devia ter uns quatorze ou quinze anos. Um tanto tímido ao ver que eu o descobrira, ameaçou fugir, mas algo mais forte o reteve ali. Sem ter como esconder minha nudez, pensei em pegar o vestido e jogá-lo sobre o corpo. Permaneci, entretanto, onde estava, só que estática e com as mãos cobrindo apenas os seios.

- Nunca viu uma mulher nua? - acabei perguntando ante a insistência de seu olhar.

- Não.

De repente emendou:

- Posso entrar?

Após hesitar durante alguns instantes, fiz gesto afirmativo com a cabeça.

Sem pestanejar, ele abriu a porta e sentou-se a meu lado.

- Será que a senhora pode dar a partida?

- Você entrou pra passear de automóvel? - ainda relutei em perguntar.

- Primeiro quero dar umas voltas, mas peço que dirija nua, como a senhora se encontra - falou e olhou mais uma vez na direção do meu corpo e depois à estrada.

Insistia em me chamar de senhora, porque, na verdade, eu devia ser uns trinta anos mais velha do que ele.

- Quer dizer que você também tem suas fantasias, não é? - perguntei debochada.

Liguei o carro e partimos. Confesso que foi a primeira vez que dirigi nua.

Quando já andávamos havia uns dez minutos, ele tomou nas mãos meu vestido e se pôs a acariciá-lo.

Perguntei então:

- Não é melhor me acariciar em vez de esfregar as mãos num pedaço de pano?

Foi aí que ele mergulhou nas minhas pernas.

Achei que seria difícil e perigoso dirigir daquele jeito, mas ainda insisti durante mais alguns quilômetros. Já escurecera. Guiei a seguir para fora da pista e entrei numa estrada lateral. Parei ali.

Namoramos. Por ser muito jovem e inexperiente, creio que era virgem. Deixei que se divertisse e se deliciasse o máximo possível.

Na maioria das vezes, só consigo gozar me masturbando, mas lembro que naquele dia consegui chegar ao orgasmo com seu pênis a me penetrar.

Na volta, me pediu que continuasse dirigindo nua. Fiz a vontade dele.

Quando chegamos perto de onde ele desceria, ouvi sua voz sedutora:

- A senhora deixa eu levar seu vestido, de lembrança?

- Claro que não, como vou voltar pelada pra casa? - ainda perguntei.

- A senhora é muito bonita, é capaz de dar um jeito.

Parei o carro. Ele saltou e se foi.

Deixei que me levasse o vestido. Sabia que assim jamais me esqueceria e que, talvez, jamais viveria toda aquela experiência com qualquer outra mulher.

quarta-feira, abril 12, 2006

Borrifos de prazer

O rugir do mar e o sibilar do vento chegam-nos como música. Apesar da noite adiantada, o tráfego de automóveis na avenida é intenso. Há também pessoas que a atravessam; outras caminham pelo calçadão. Permanecemos agarrados um ao outro dentro do automóvel estacionado. Os vidros escuros nos retiram do mundo. Não contenho a transpiração, escapam-me emanações de entusiasmo e desejo. Paulo percorre-me a pele branca com a ponta dos dedos, aperta-me súbito e violento, permaneço imobilizada, atada agora a seus lábios por beijo longo e úmido.

A festa volta-me à mente: a música marcada e rápida como coração trepidante; cores esvoaçantes salpicando-nos lavas multiformes; a bebida livre e as primeiras manifestações de júbilo e liberdade; os seios à mostra da primeira nua; depois as outras; pessoas atracadas, longas permanências, licor adocicado a escorrer dos corpos, abelhas em busca de mel. Ajudamos a desnudar as mulheres que tinham pudor excessivo. Algumas só de calcinha ainda cobriam os seios. Houve uma loura em pêlo. Uma mulher de longos cabelos pretos assustou-se quando lhe escapuliu o biquíni. Os homens, devido à embriaguez, também deixavam escapar os excessos. Descemos a seguir pelas escadas quase delirantes; rimos muito já no interior do veículo. Paulo deu a partida. Na rua seria mais excitante, disse ele. Voltaríamos à festa mais tarde.

Nada tememos. Mordo-lhe os lábios prazerosa. Um casal pára sobre o passeio, recosta na corroceria; o homem envolve a mulher num amplo e demorado abraço. Eu, sem que eles percebam, abraço também meu homem, abro-me, minhas trilhas estão untadas para o prazer; sinto-me segura sob o frágil e delicado manto translúcido que apenas trago sobre a pele, tecido que se desfaz a sutis toques de carícias: gotículas de gozo, borrifos de paixão.

quarta-feira, março 22, 2006

A nua de Drummond

Eu havia entrado no bar, daqueles bem pé sujo. Pedi ao senhor do caixa será que posso dar um telefonema? Ele respondeu não senhorita, o telefone é para uso exclusivo da casa. Então insisti, falei com dengo, usei todo o meu charme, parecia até que ia fazer carinho no homem, deixa é só por um instantinho. Ele retrucou não, já disse que não é possível. Algumas pessoas que estavam ali tomando cerveja e conversando começaram a me apoiar. Disseram deixa, deixa, deixa a belezinha telefonar. Ah, esqueci de dizer, eu estava de biquíni. O bar era perto da praia e o biquíni bem pequenininho, uma coisinha à toa. No início gostei do apoio que recebi daqueles homens. Mas só no início. Insisti mais um pouco. Insinuei minha quase nudez, tentava seduzir o guardião do telefone. O dono do bar não cedeu. Então reparei que o coro foi crescendo a meu favor. Àquelas pessoas juntaram-se outras. Apesar da forte oposição, ele era irredutível. De repente, começou a confusão. Voou uma garrafa, um prato, copos, tudo na direção dele. Concluí que eu precisava escapar. Só então percebi que as pessoas eram muitas, me impediam a passagem. Nem sei de onde surgiu toda aquela gente. Me vi espremida contra o balcão, aquele empurra-empurra. Tentei me proteger. Senti, porém, um ligeiro beliscão quase junto à virilha esquerda. Depois alguém me apalpou um dos seios. A seguir, palmearam minha bunda. Mãos anônimas se multiplicaram e avançaram em minha direção. Muito assustada, mal conseguia me esquivar de tantos beliscões e apalpadelas. E de nada valeram meus protestos quando uma daquelas mãos me arrancou o biquíni. No meio da confusão, alguém deu um tiro para o ar. O estampido provocou correria e abriu espaço no salão. Ouviu-se som de sirene. Alguém gritou é a polícia. A multidão precipitou-se porta afora. Na confusão, ainda uma daquelas mãos, ágil e anônima, teve de tempo de me deixar sem o sutiã. Então foi minha vez de correr dali. Peladinha.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Oito dias em Porto Seguro

Domingo:
Chegamos a Porto Seguro às 12:30h, hora local. Céu azul, sol maravilhoso. Nosso hotel é o Resort Boa Vista, fica bem de fronte à praia de Taperapoã; está lotado, mas de gente bonita, é lógico. Almoçamos e fomos à piscina do hotel; as mulheres, principalmente as mineiras - já conheci duas - usam biquínis mínimos. Depois das quatro, eu e Júlia fomos até a praia. Sentamos numa das barracas, tomamos duas cervejas, depois mergulhamos. A Júlia já botou as manguinhas de fora, ou melhor, os seios; soltou o sutiã dentro d'água e deixou que ele flutuasse. Acabou a tarde com os bicos dos seios fora d'água. Chamou a atenção de dois homens que se aproximaram e já queriam nos abraçar. Fugimos delicadamente. À noite, assistimos à música ao vivo no próprio hotel. Misturamo-nos aos jovens. Dançamos, nos divetimos; eu, de shortinho e miniblusa; Júlia, de minissaia e bustiê.


Segunda:
Fomos a Trancoso, praia ao sul, vinte quilômetros de automóvel. Tomamos um táxi e combinamos a volta para o final da tarde. O motorista fingiu não se surpreender ao reparar sob nossas cangas transparentes os menores biquínis que trazemos. Após saltarmos, caminhamos durante trinta minutos até um lugar deserto. Ali não havia mais estrada, apenas vegetação nativa; o céu estava muito azul, o mar límpido e translúcido. Os raios de sol refletiam pontos luminosos na superfície da água criando efeitos semelhantes ao brilho de diamantes sob luz intensa. Um arrepio me correu todo o corpo ao observar a envolvente beleza. Mergulhamos. A temperatura alta da água do mar – que é característica nas praias de todo o Nordeste - faz que a gente se demore em banho envolvente e sensual. Não resistimos à tamanha sensação de liberdade: soltamos nossos laços e deixamos as pequenas peças flutuarem, como Júlia fizera na véspera; depois, ela achou melhor guardá-las junto aos nossos pertences, na faixa de areia. Nossos corpos nus com a água escorrendo pela pele bronzeada vez ou outra refletindo os raios dourados de sol encheriam de gozo um eventual observador. Éramos, sem falsa modéstia, deusas vivas esculpidas pelas mãos do mais refinado artista. Nesse momento, houve uma divertida complicação. Com o passar do tempo, começaram a surgir algumas pessoas; mantivemo-nos, a princípio, ocultas até o pescoço pela capa provisória e semitransparente das águas do mar; os primeiros caminhantes não deram por nossa presença. Mas, depois, alguém reparou que apenas nossos biquínis, acanhados e vazios, tomavam sol sobre nossas cangas (Júlia esquecera de escondê-los), então eles – eram dois homens –, aflitos, puseram-se à procura dos corpos femininos nus e fugitivos. Ao nos localizarem, aguardaram ansiosos que saíssemos de dentro d'água. Fiquei muito excitada e Júlia, gelada; depois, acenei a um deles. Quando se aproximou, fiz ao desconhecido a seguinte proposta: o endereço de onde estávamos hospedadas em troca ao menos da calcinha. Ele atendeu e trouxe de lambuja nossos tops.

À noite, houve show dos Paralamas, quase diante de nosso hotel, na barraca Axé Moi. Em todo Nordeste, essas barracas são verdadeiras casas de show sobre as areias da praia. Dançamos até as duas da madrugada enquanto a banda tocava sobre um palco gigantesco. No mexe remexe da multidão, fui beliscada e apalpada, mas não liguei. Beijei na boca três rapazes. A Júlia se perdeu de mim e apareceu no hotel somente uma hora após o fim do espetáculo. Mas contou casos surpreendentes. O mais interessante foi sobre o namorado que arranjou já no final da apresentação. Disse que ele se apressou em deslizar as mãos sob sua saia e surpreendeu-se com falta da calcinha. Para não falar que ela quase não a usa, disse que presenteou um admirador anterior, ainda durante o show. Segundo ela, não houve nada além de alguns beijinhos; marcou encontro com ele para o dia seguinte. Diz que não tem intenção de aparecer. Também demos bolo nos dois de Trancoso. Queremos nos divertir.


Terça:
Acordamos tarde, mais de onze. Café da manhã já encerrado. Fomos ao bar da piscina e comemos por nossa conta. Depois atravessamos para a praia. Mas dessa vez, caminhamos até a altura da barraca Toa Toa. Ali havia gente alegre e colorida. Entramos nas águas do mar e reparamos que era possível caminhar boa distância sem que o nível nos ultrapassasse a cintura. Quando nossos seios ficaram submersos, estávamos bem longe, e junto a poucas pessoas. Conhecemos dois senhores. São de Mato Grosso. Disseram que são fazendeiros. Tenho minhas dúvidas. Ficaram muito próximos e o que estava conversando comigo chegou a tocar-me os quadris. Devorava-me com os olhos, mas não acredito que funcionaria caso eu resolvesse baixar o biquíni. Acabamos por acompanhá-los em terra firme, no restaurante à beira-mar. Pagaram tudo que pedimos, queriam nos encontrar mais tarde. Júlia ficou de pensar, eu descartei, mas delicadamente. Ele percebeu que minha praia é frequentada por gente jovem.


À noite, mais música no hotel. Júlia bebeu duas Margaritas e arrastou um garoto, devia ter dezessete ou dezoito anos, para beira da praia. Eu permaneci e quando a música terminou fui dormir. Depois, eis o que ela me contou. O rapaz deu-lhe mais uma dose de outra bebida. Logo o álcool subiu. Foram para um lugar deserto e então ela – não sabe dizer se de propósito ou levada pelo excesso de bebida – começou a gritar descontrolada ante a um jovem atônito: "rasga minha roupa toda, me deixa nua, vai, atende, me rasga, me amordaça, me bate, me come, depois me abandona nua e amarrada, vai, por favor, anda, é só assim que eu consigo gozar". Segundo ela, seu par, inexperiente e atemorizado, fugiu desesperado. Ao reparar que estava só e tinha atraído a curiosidade de dois ou três casais que namoravam por ali, jogou o vestido sobre o corpo e correu para o hotel. Amanhã vai procurar as sandálias.


Quarta:
Enquanto eu voltava ao apartamento após o café da manhã, minha amiga foi até a praia em busca das sandálias. Lógico que nada encontrou. Às dez horas, decidimos ir a Arraial da Ajuda. Vesti um outro biquíni que trouxe na bagagem. É azul com motivos floridos em rosa; um pouquinho maior do que aquele que deixei flutuar em Trancoso. Júlia também preparou-se com cuidado. Sempre sai como se fosse conhecer o homem de sua vida. Desta vez, tomamos um ônibus. Embarcou nele também uma rapaziada alegre. Mais homens do que mulheres. Levavam instrumentos musicais e foram cantando e tocando até o ponto final, junto à estação da balsa. Atravessamos o canal em grande euforia. Cantamos algumas músicas baianas e alguns sambas cariocas. Após desembarcamos em Arraial, despedimo-nos deles. Em primeiro lugar, passeamos pelo centro. Queria comprar alguns presentes para os amigos. Observei o casario antigo, as lojas de lembranças, os bares e restaurantes; estes últimos já estavam funcionando, com muita gente bebendo cerveja. Um ou outro nos olhava com mais atenção. Não deixavam de nos lançar uma piada, ou alguma gracinha, às vezes até mesmo inteligente. Depois de percorrermos o pequeno comércio local, fomos à praia. O litoral se estendia da mesma forma, vistoso, azul e muito atraente. Resolvemos ficar logo em uma das primeiras barracas. Passamos o bronzeador, colocamos os óculos escuros e deitamos sob pleno sol. Depois de mais ou menos uma hora, entramos nas águas quentes daquele trecho de mar. Então, deu-se a aventura do dia. Três rapazes se aproximaram. Disseram-nos que eram paulistas. Estavam de posse de um pequeno barco a motor. Convidaram-nos a um passeio. Olhei para Júlia, que me retribuiu o gesto como se dissesse: "o que você decidir, estou de acordo". Voltei-me a eles e disse que iríamos. Queríamos levar nossos pertences, eles, porém, acharam melhor que os deixássemos na própria barraca, já que havia quem os guardasse. A embarcação não era grande, comportava três ou quatro pessoas, mas apertamo-nos os cinco. Foi um passeio muito agradável. Distanciamo-nos da costa de maneira prudente e quando nos aproximamos dos recifes, o rapaz que guiava desligou o motor; disse, a seguir, que todos mergulhariam, porque ali o mar é mais propício ao banho. E realmente era. A maré estava baixa e a água não era tão quente como junto à costa; produzia, porém, sensação deliciosa; não dava pé, mas nos foi possível bom divertimento. Todos mergulhávamos e nadávamos de volta ao barco. Quando desejávamos subir a bordo, era necessário que alguém contrabalançasse o peso, segurando do lado oposto. A seguir, surgiu outra pequena embarcação, com três pessoas. Desta vez, duas mulheres e um homem. Encostaram. Uma das mulheres me reconheceu; está hospedada em nosso hotel. Após nos cumprimentar, disse que fora a Trancoso e ficara decepcionada, não vira a praia de nudismo. "Nessa época de alta temporada, há muitos curiosos, muitas famílias, as pessoas quase que não tiram a roupa lá". Júlia não se conteve, exclamou: "nós tiramos, fomos lá na segunda-feira". As pessoas se excitaram. Primeiro a mulher, depois os rapazes. Quiseram saber todos os detalhes. O frisson aumentou quando contei a distração de Júlia, que fez os dois homens nos descobrirem nuas. Os rapazes começaram a nos olhar de outra maneira. Não resistiram e pediram que tirássemos a roupa ali também. Júlia me olhou sorrateira, eu disse rápida: "agora não há clima, essas coisas tem que acontecer naturalmente. E, além de tudo, quando chegamos lá, não havia ninguém, aqui há vários espectadores". Eles riram, depois uma das duas mulheres falou. "não tenho esse problema, mergulhou e quando veio a tona, lançou para dentro do barco primeiro a parte superior, depois, o biquíni. Os rapazes ficaram em silêncio por alguns instantes, em seguida mergulharam para junto dela. Após alguns instantes, sua companheira também arremessou barco adentro o pequeno traje. Então foi a vez dos rapazes; tiraram as sungas e nadaram nus. Júlia não resistiu por muito tempo. Apenas eu permaneci de biquíni e mesmo que pequenino sentia-me a mulher mais vestida do mundo. Não houve jeito: pelada uma, pelados todos. Mas juro, só tomamos banho, não permiti que ninguém me tocasse o corpo. Na despedida, marcamos encontro com todos para a noite do mesmo dia, haveria em nosso hotel show do J. Quest.


Durante o espetáculo, outra grande badalação. Dançamos a todo vapor. No final da festa, estava exausta. Não queria outra coisa a não ser uma boa cama. Encontrei as duas mineiras que conhecera no domingo; disseram-me, furtivas, que descobriram um meio de levar os namorados para o apartamento sem que entrassem pela porta da frente do hotel. Prometeram-me contar amanhã. Júlia só apareceu ao amanhecer, tinha viajado para curtir a natureza e se divertir, mas alega, e não sem razão, que sexo faz parte da natureza e também é diversão. Seu par? Depois me conta.


Quinta:
Dia tirado para descanso. Ao menos para mim. Permaneci no apartamento até as quatro da tarde. Depois, saí para comer. Às cinco, entrei em uma das piscinas. Muita gente bronzeada nas espreguiçadeiras. Axé-music rolava no quiosque do hotel; algumas meninas dançavam de biquíni. A mineirinha, recostada em uma das cadeiras, me acenou. Contou sobre o namorado e o fim de noite que vivera. "Ele é daqueles machões que segura com força, aperta, joga na parede e tudo mais", nesse momento sorriu, "de início, fiquei com medo, afinal o conheço há dois dias, mas logo percebi que não me queria mal, queria sim, me proporcionar prazer". Perguntei pela outra, "ela? Está lá no quarto com o seu; tiramos a sorte, ganhei a noite e ela ficou com o dia, depois vamos inverter", sorriu de novo e bebeu um gole de caipirinha. Convidou-me a ir com ela, a amiga e outros mais, ao centro; querem aproveitar a vida noturna da cidade. Concordei e prometi levar a Júlia.


No centro da cidade, há uma rua chamada Passarela do Álcool; nome pitoresco, porque possivelmente se imagina que há gente bêbada por toda a parte, mas não é nada disso. Trata-se de uma extensa rua, por sinal muito agradável, em que se enfileiram bares, restaurantes, lojas que vendem camisetas com motivos locais e lojas de suvenires. Há também pequenas barracas de bijuterias e outros objetos, como brinquedos artesanais. O que mais me chamou atenção foi a quantidade e diversidade dos bares e restaurantes, daí o nome da rua. Vi também algumas pequenas casas noturnas com música ao vivo, muito diversificada. Quem viaja a Porto Seguro pensando que vai encontrar apenas trios elétricos e música baiana está enganado; minha experiência a respeito da região é bem diferente. Caminhamos por toda a extensão da rua eu, Júlia e as duas mineiras com seus namorados baianos, até desembocarmos numa praça, que mantém a mesma paisagem da Passarela. Entramos por uma rua lateral e paramos em um dos bares. Um músico cantava "Você é linda", de Caetano; cantava e tocava muito bem. Eram mais ou menos dez da noite. Pedimos vários chopes e procuramos no cardápio a indicação de alguma comida gostosa. Como éramos seis, o local estava cheio e sobravam duas cadeiras à nossa mesa, duas mulheres se aproximaram e pediram para sentar junto a nós. Eu e Júlia começamos a conversar com elas enquanto as mineiras namoricavam. Uma delas falou: “Viemos de Goiânia para tomar banho de mar”. A mais falante nos disse que é médica, se não me engano pediatra, a outra, não pude saber em que trabalhava. Estavam felizes porque fizeram vários passeios e também porque conheceram várias pessoas, dentre elas dois homens com quem haviam marcado encontro para mais tarde. Falaram muito neste assunto. Disseram que eles tinham casa alugada em Taperapoã. Mencionamos que estamos hospedadas próximo àquele local. Elas acabaram nos convidando para acompanhá-las, porque eles tinham pedido que trouxessem mais algumas pessoas. Júlia me olhou de soslaio, sua fisionomia demonstrava aprovação. Agradeci, mas disse que precisava descansar. À meia noite e meia deixamos o restaurante, o lugar fervia de gente. As mineiras com seus pares se despediram e embarcaram num táxi; nós, em outro, junto com nossas recém conhecidas, já que elas ofereceram carona. Durante o trajeto insistiram que as acompanhássemos ao encontro. Júlia concordou, mas eu mantive-me irredutível. Quando chegamos ao local onde elas saltariam, os homens – eles eram jovens – as estavam esperando. Ao verem a mim e Júlia, mostraram-se muito animados. Falei que só aproveitara a carona; eles, então, também insistiram para que eu permanecesse. Disseram que tinham preparado um pequeno coquetel, que não fizesse tal desfeita. Acabei cedendo. A casa era grande e confortável. Na parte posterior, havia um gramado iluminado por alguns spots; podia-se perceber uma convidativa piscina ao centro; algumas árvores nativas cercavam o local. Entre os fundos da casa e a piscina, estava arrumada com requinte uma mesa comprida. Ali havia frios, pastas, diversos tipos de queijos e pães. Para beber, três garrafas de champanha e duas de vinho. Descobri um pequeno freezer junto à porta dos fundos com cerveja, água e refrigerante. O que em definitivo me seduziu foi uma pequena mesa lateral, que abrigava doces típicos e abacaxi em calda. As mulheres disseram que precisavam relaxar. Mergulharam. Só que inteiramente nuas. Os rapazes continuaram conversando com elas e conosco, agiam com se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Abriram uma das garrafas de champanha. A médica e a amiga saíram d'água em pêlo, com muita naturalidade, seguraram suas taças e todos brindamos. Depois, entre dois tipos de carícia: a brisa da madrugada e a água morna da piscina, escolheram pela última. Júlia, inicialmente surpresa, em alguns segundos se refez e mergulhou, também nua. Os rapazes entraram, mas não foi ainda aí que se despiram. Relutei durante uns bons quinze minutos, mas depois, sem alternativa, acabei cedendo. Saudaram-me com entusiasmo. O que aconteceu daí em diante, queridos leitores que me acompanham nesses dias de férias, fica a cargo da imaginação de cada um de vocês. Só mais uma coisa: lá pelas tantas, enquanto eu relaxava em uma das espreguiçadeiras junto a uma das bordas da piscina, senti alguém derramar sobre meu corpo uma espécie de creme, era a calda do doce de abacaxi. Fingi que cochilava enquanto a mão hábil me lambuzava.


Sexta:
Eis o mais interessante desse dia: às duas da tarde, estávamos na praia, vestira novamente meu menor biquíni e tomava sol com o bumbum para cima, poucas pessoas passavam pelo trecho que escolhemos, fugíamos um pouco das grandes barracas. De repente, surgiu um rapaz que se ofereceu para me tatuar. Disse que era tatuagem de hena. Como me achou simpática, deixaria quase de graça. Fizemos negócio. Mostrou-me diversos modelos. Olhei todos, depois falei: "o que desejo como tatuagem não é nenhum desses modelos." Ele me olhou surpreso. Continuei: "quero que você faça sobre meu bumbum a tatuagem de um minúsculo biquíni, menor que esse aqui." Ele me olhou muito assustado. "Como assim?", parecia não entender. Reafirmei: "quero como tatuagem um mini biquíni fio dental". Retrucou: "nunca fiz tatuagem assim, mas vou tentar". Soltei os lacinhos e puxei a peça para debaixo de meu ventre. Ele começou a fazer o desenho. Com o bumbum de fora ainda brinquei: "não vai tremer, viu?". Respondeu: "pode deixar, dona, sou profissional". Júlia, que estivera dentro d'água, reapareceu. Como já conhece minhas loucuras, olhou para minha bunda e depois para mim. Deitou para se bronzear sem dizer nada. Quando o rapaz terminou, perguntou a ela: "Vai querer também?". "Não, obrigada", respondeu. Ele disse que eu esperasse um pouco antes de entrar na água. Paguei e ele se foi. O desenho ficou ótimo. Na verdade, era o menor traje de banho que eu já vestira, mas só possuía a parte de trás. Passado o tempo, olhei para um lado, para outro, me levantei e entrei no mar. Foi uma sensação ótima. Permaneci dentro d'água durante um bom tempo. Quando saí, dirigi-me ao mesmo local e deitei novamente sempre de bumbum para cima. Entrei e saí da água mais duas ou três vezes. As pessoas que passaram nem notaram a diferença. Depois fomos embora para o hotel. Sobre o corpo, apenas a canga. À noite, fomos ao luau da Barramares. Havia ali uma confraternização. Muita música, muita paquera. Tomamos, cada uma, duas caipirinhas. Dançamos, mas não ficamos com ninguém.


Sábado:
Resolvemos ir a Coroa Vermelha. Aproveitamos a praia. Almoçamos camarão. Bebemos algumas cervejas. Não fizemos nenhuma arte. Antes de voltarmos, visitamos o local onde se supõe ter sido celebrada a primeira missa, depois fomos conhecer a aldeia dos Pataxós. Diante daquela grande cruz de concreto, não pude deixar de refletir: há quinhentos e seis anos, ao fincar mastro naquele lugar os portugueses cometiam o primeiro estupro na terra recém-descoberta. Daí em diante, violência sobre violência, extermínio sobre extermínio, até restarem apenas alguns poucos nativos, como estes que moram em pequenas casas com antenas parabólicas, como a menina índia em trajes típicos sobre a saia jeans, que me vendeu na praia um pente de pau-brasil. Não somos nós as pervertidas.


À noite, no ponto de ônibus, enquanto pensávamos como aproveitaríamos nossa última noite em Porto Seguro, duas adolescentes – deviam ter quinze ou dezesseis anos – nos perguntaram se tínhamos fogo. Júlia lhes ofereceu o isqueiro. A mais nova acendeu o cigarro, a outra pronunciou um sonoro palavrão. Como aquilo nos causou surpresa, pediu desculpas e disse: "estamos muito aborrecidas, nossos namorados nos abandonaram". Foi então minha vez: "meus amores, alegrem-se, foi a melhor coisa que podia ter acontecido a vocês". A mais velha franziu a testa e me olhou desconfiada. Perguntou: "como assim?” Olhei para Júlia, que sorriu, depois me voltei à surpreendida jovem: "basta que nos acompanhem para que vocês se arrependam de terem namorado um dia alguém por duas horas seguidas.” Acabamos todas rindo. "Olhem, lá vem o ônibus", foi a vez de Júlia dizer alguma coisa. Embarcamos, nós e as duas quase meninas. Só para resumir, naquela noite houve de tudo: barzinho, chope, caipirinha, refrigerante e pizza (elas não bebiam e tinham predileção por massas ­- ah, essas jovens!); houve uma boate, uma casa de forró, flertamos com variados homens e rapazes. No fim da madrugada, dançamos coladinhas com outros jovens na festa de uma barraca próxima ao hotel. Já perto do amanhecer, Júlia inventou de tomar banho de mar. Tirou toda a roupa e entrou na água sob os olhares assustados das meninas. Depois, foi a minha vez. Não demorou e elas também apareceram. Temiam que alguém lhes roubassem as roupas deixadas sobre a faixa de areia. "Procurem aproveitar a vida, não é sempre que se tem uma oportunidade dessas", tentei relaxá-las. Às primeiras manchas do vermelhas do céu, corremos para nossos pertences, vestimo-nos e nos apressamos para o hotel. As duas estavam muito felizes. "Puxa, não pensei que nos divertiríamos tanto, vocês tinham razão, ainda bem que aqueles caras não apareceram!", disse Clarice, a mais nova. Antes de nos despedirmos, passei nossos números e endereços eletrônicos a elas. "Entrem em contato, venham nos visitar", convidei. Elas nos abraçaram e nos beijaram. Depois, a mais velha falou: "vocês é que sabem viver!".


Domingo:
O avião decolou na direção do oceano. Da pequena janela pude apreciar em primeiro lugar o litoral sul; depois que fez a curva, o norte. Agora, voamos continente adentro. Vamos para São Paulo. Temos lá alguns amigos. Continuaremos a nos divertir. Um grande beijo a todos.