sexta-feira, agosto 11, 2006

Chuva de algodão

Uma chuva dispersa, disposta, salpicava-me a pele. A noite descera súbita deixando-me desorientada. Sentia o corpo gelado, o vento cortava-me a alma. Não queria correr, procurar abrigo. Via apenas a linha de faróis que lá embaixo dividia a estrada. Permanecia paralisada; era porcelana chinesa que temia romper-se ao mais leve tilintar. A capa encharcara-se e a umidade já me chegara às roupas de tecido fino. Por breves momentos fiz dois giros com a cabeça; à esquerda e à direita tentei descobrir algum tipo de cobertura, abrigo furtivo ou fugidio. Ruídos de motor se aproximaram; na bruma, uma moto. Parou ao descobrir-me só e empapada pela chuva. O rapaz teve tempo de levantar o visor do capacete e me oferecer a garupa. Amazona resgatada em momento de desencanto, a retirada reavivou-me. Quando me perguntou o destino, surpreendeu-se com um ligeiro “não sei” que se perdeu junto à água que me corria pelos cabelos e rosto. O caminho percorrido em meio à tempestade tornou-se açoite violento. O motor zunia, o veículo saltava vencendo obstáculos em meio à estrada pedregosa. Ao atingirmos a via principal, fiz menção de saltar. “Você está encharcada”. Não via outra saída a não ser retornar a casa. Descobri o abrigo da parada de ônibus. Agradeci e corri. Foi então que tropecei e caí com espalhafato. Ele ainda não partira, deixou a moto e correu em minha direção. A capa enchera-se de lama e meu joelho gotejava; não água, mas sangue. Resgatou-me pela segunda vez. Colocou-me sobre a moto e batemos em retirada. Quando chegamos à sua casa, a chuva diminuíra. Caminhei com alguma dificuldade, amparada por um de seus braços. Senti-me vexada: a lama entranhara-me até nos cabelos.

Tomei banho quente e saí enrolada numa toalha. Os cabelos molhados ainda respingavam. Apesar de sozinha e trancada, continuava vítima de pudor nunca experimentado. “Minhas roupas, onde estão minhas roupas?", quis perguntar, mas me resignei.

Ainda envolta pelo pano felpudo que me cobria dos seios até parte das coxas e com os cabelos já penteados, enquanto tomava chá quente e forte, tentava não me mover nem descruzar as pernas; não queria que mínimo gesto partisse minha precária cobertura; de novo a porcelana chinesa. Meu amigo recente disfarçava, fingia nada ver. Ou melhor, tentava. Eu também tentava; mas a coragem de mulher nua, desafiadora de noites e madrugadas, naquele momento desaparecera. Eu tremia; e não era de frio.

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