terça-feira, setembro 28, 2021

Muitas outras prometem

Nilda, arranjei um namorado, ontem, às seis da manhã, na praia, acredita?

Não é novidade, Jussara, você namora todo mundo.

Não, Nilda, você não está entendendo. Arranjei um namorado dentro d’água, não é engraçado?, dentro d’água!

Deve ser alguém que já estava admirando você há algum tempo, deve ter te seguido, a cidade não é grande, alguém recém-chegado para trabalhar nas plataformas.

Você acha? Não tinha ninguém na praia, era cedo, de repente, quando reparo, o homem estava ao meu lado.

Vai dizer que você não gostou?

Não é que não tenha gostado, o problema foi que tomei um grande susto.

Isso não é problema, aparecer um homem ao nosso lado, tanto mais se for bonito, másculo, com um bom sorriso.

Quando vou à praia, cedo, antes do trabalho, não penso em arranjar namorado, e me apareceu um.

Se apareceu, foi porque você aceitou, podia ter dado as costas e ido embora.

Dado as costas e ido embora? Impossível.

Impossível? Como assim, o homem era algum príncipe?

Não, sou eu a princesa.

Você?

Não sou bonita como uma princesa, mas atabalhoada como uma em dificuldades.

Como assim, Jussara?

Você já foi à praia, bem cedo, ainda madrugada?

Hum, acho que sim, uma vez, quando viajei a Arraial, acho que nem tinha dormido e resolvi emendar com a praia.

Então, você já deve imaginar, saiu de uma boate, ou de um bar e foi à praia.

Isso, Jussara. Outro coisa, tomei banho nua, não estava de biquíni, como iria imaginar que depois de uma boate, ou de uma noitada, iria acabar tomando banho de mar?

Então, Nilda, não conte a ninguém, comigo foi a mesma coisa, só que eu não vinha de noitada nenhuma, mas de casa, e resolvi entrar n'água sem a parte inferior do biquíni!

Verdade, Jussara?

Sim, sinto enorme prazer em entrar n'água nua, acho que já te contei. Como ia dar as costas e ir embora?

Como fizeste?

Ah, imagina, como sou atabalhoada. O homem não desgrudava, eu imaginando o que faria pra ele me deixar em paz, pra eu poder sair d'água sem que percebesse a situação.

E depois, o que aconteceu?

Consegui pedir a ele que deixasse seu número dentro da minha bolsa, que estava lá na areia, apontei a ele. Prometi que telefonaria. Também disse o meu número, pedi que memorizasse. Ele saiu d'água e foi lá onde estava a bolsa. Ainda pegou meu telefone e ligou do seu para o número ficar registrado. Já pensou se fosse um ladrão? Se roubasse minhas coisas e eu pelada dentro d'água? O homem ainda voltou. Eu disse vá embora, já fiz o que você me pediu, logo mais a gente se encontra, agora não posso ser vista com ninguém. Obedeceu. Enviou mensagens o dia inteiro.

E aonde vocês foram, logo mais?

Adivinha.

Ah, Jussara, acho que você quis ir jantar primeiro.

Isso mesmo. Se me levasse primeiro pra um hotel, eu desistiria. Mas teve delicadeza.

Você teve sorte, que bom, Deus que a guarde, porque por aqui só tem esses bugres da serra, arranjar namorado de fora é ótimo.

Foi ótima a noite, e muitas outras prometem, Nilda. Mas te peço, não fale nada do que te contei pra ninguém, sabe como são as pessoas aqui.

Pode deixar, Jussara, você sabe que também te conto das minhas.

terça-feira, setembro 21, 2021

Tá bom, vou acreditando

Quando entrei para a empresa, não sabia que seria tão bom. Quero dizer, bom mas um pouquinho angustiante. Sério, quando conto as pessoas não acreditam. O meu patrão começou com sorrisinhos, depois com histórias inverossímeis, no final vieram os presentes, muitos presentes. Pedia que eu não contasse a ninguém. Achei aquilo muito estranho. Ele trazia pulseiras, roupas, utilidades para o lar e mesmo dinheiro, que vinha arrumadinho dentro de um envelope, as notas maiores na frente. Um dia quis falar com ele, basta o meu salário, sou uma mulher competente, cumpro as tarefas, nada deixo a desejar. Mas não consegui, toda vez que pensava ir a sua sala, acontecia um problema, e eu ia deixando o tempo passar.

Contei o caso a uma amiga. Ela achou o máximo. Como você pode achar uma coisa dessas o máximo?, perguntei angustiada. Caso eu estivesse no teu lugar, adoraria, completou. Mas gosto tanto do meu marido, aceitando todos esses presente sinto como se o estivesse traindo. Traindo nada, afirmou, os homens é que traem, não conheço um homem que não tenha traído a mulher. Voltei para casa pensando na tal conversa.

A culpa disso é a subserviência. Caso fôssemos bem remuneradas, cultas, de alto nível de emprego, uma diretora de empresa ou uma executiva como exemplo, ou mesmo uma médica, isso não aconteceria. A diretora de uma empresa ganha tantos presentes de quem está imediatamente  acima dela? Acho que não, ela não precisa. Quando um homem gosta de uma mulher dessas, as coisas acontecem de outra maneira. Um dia desses dia li numa revista que uma mulher importante recebe o namorado numa cobertura que fica num prédio dos Jardins, em São Paulo. Até aqui, nada de mais, mas leiam o que vem a seguir: ela morre de tesão quando o homem faz que ela deite nua no parapeito da janela, correndo o risco de despencar lá de cima; certa vez ele subiu sobre ela e treparam ali mesmo, o coração de cada um a mil por hora. Não é mentira, ela mesma contou.

Comigo acontecem os tais presente porque ganho pouco, aliás, todas do meu nível de emprego recebem pouco, então os homens se aproveitam, gostam de mostrar uma falsa generosidade. Passa um tempo e tenho que trepar com o meu patrão.

Não, diz minha amiga, é bom ganhar presentes, mas você só trepa se quiser; se ele te dá dinheiro, é problema dele. Tá bom, vou acreditando.

terça-feira, setembro 14, 2021

Nosso segredo

Tenho um ex-namorado que, com o passar do tempo, se tornou meu amigo. Sempre me telefona, pergunta como estou. A gente conversa muito, assuntos superinteressantes. Outro dia ele lembrou que sou namoradeira: você gosta muito de namorar, por isso está sempre de bom astral. Eu disse é mesmo, tenho amigas que dizem não ter homens há vários anos, minha irmã mesma não sabe o que é transar faz 20 anos. Você é feliz, acrescentou, hoje muitas mulheres sofrem de depressão, deve ser for falta de namoro.

Ele tem razão. Houve uma época que fiquei sozinha. Foi muito ruim. A gente adoece, até mesmo sente dores no corpo, além das dores no espírito. Eu ficava doidinha. Ia pra lá e pra cá querendo arranjar namorado. Me inscrevi numa porção de sites de relacionamento, contatei uma porção de homens, enviei fotos e mesmo pequenos vídeos onde eu aparecia. Às vezes, surgia alguém, mas apenas pra uma trepada. Eu aproveitava, mas o que desejava mesmo era ter alguém certo, com quem pudesse contar, que pelo menos viesse aqui pra casa uma vez na semana. Lembro que nessa época tinha um velho que me paquerava. Eu passava pela casa dele de propósito. Um  dia, me chamou e me deu uma bolsa de presente. No dia seguinte, quando eu atravessava a rua, me convidou para entrar, queria me oferece um café. Lá dentro, pediu para eu tirar a roupa, garantiu que me dava mais um presente!

Enfim, arranjei um namorado, e não foi em sites, não, foi alguém que me viu no mercado. Sério. Você já foi paquerada no mercado? Ninguém vai fazer compras com intenção de arranjar namorado, eu sei, mas acontece. Ele ficou olhando pra mim, olhava e mais olhava, então veio falar comigo, aquela velha história que ainda cola. Você não mora não sei onde, não frequenta não sei o quê? Quase respondi que sim, não queria dizer que a pessoa não era eu. Mas não sou de mentir. Deve ser alguém parecida comigo, mas como a pessoa não teve sorte de ser encontrada por você, vai eu mesmo, falei. O homem riu muito. E foi assim que tudo começou. Depois vieram com a história de que ele tem mulher, que ela depende dele, que é cheia de problemas. Não me conte essas coisas, eu disse. Ele passou a frequentar minha casa uma vez por semana, depois duas. Está ótimo, pensei, não preciso saber o que ele faz nos outros dias, já o conheci desse jeito.

Contei ao meu amigo, meu ex-namorado. Que achou ótimo. Você é uma mulher atirada, falou. Eu, atirada? Sim, você se atirou, e a piscina estava cheia d’água, você aproveitou. Entendi. E gostei da metáfora. Lembro uma vez, quando a gente namorava, ele adorava meu jeito de ser, eu não tinha medo de nada, uma vez fiquei nua na praia, dentro d’água, o biquíni nas mãos dele.

Sabem de uma coisa, só não gosto quando falam que eu namoro dois homens ao mesmo tempo. Gosto de ser fiel ao meu namorado, de fazer as coisas pra ele, de esperar por ele no dia marcado, de pensar tirando minha roupa pra ele. Quando alguém insinua que namoro dois homens, fico brava e não falo mais com a pessoa. Certa veza namorei dois, sim, mas foi só por uma noite, e aquilo nem pode ser considerado namoro. Na véspera, um homem tinha me telefonado, eu ainda não o conhecia pessoalmente. Ele ficou falando uma porção de saliências no telefone. Acabei aceitando, aproveitando, tirando a roupa e gozando. No dia seguinte, veio à minha casa um conhecido de outros tempos, alguém que eu gostava muito e não posso dizer quem é. Trepei com ele. Depois que foi embora, pensei, traí o homem de ontem, aliás, traí antes de conhecê-lo em carne e osso. Por isso, não se trata de verdadeira traição, tentei me conformar e, assim, não fiquei angustiada. Mas só foi aquela vez.

O meu namorado diz que sou muito gostosa, que tenho um jeito de namorar que ele nunca viu em outras mulheres. E mais uma coisa. ele mete, dou uma mordidinha. Os homens adoram. Dou uma mordidinha e vou logo gozando, porque você sabe como são os homens. É importante a gente gozar. O gozo vence a angústia. Mas não fale isso pra ninguém, viu. é o nosso segredo.

segunda-feira, setembro 06, 2021

A sorte de Lourdinha

Tenho uma prima que tirou a sorte grande, como dizem as pessoas mais velhas. Mas não sabe dar valor. Venho à praia todo dia, visto meu menor biquíni, passo protetor e fico debaixo do sol, às vezes não aguento e vou pra sombra, sob a barraca. Gosto de deitar de bunda pra cima, e você há de convir que não é apenas pra me bronzear nas costas. Os homens adoram me ver assim. Mesmo com todo o trabalho, o zelo, o cuidado, ou seja lá qual for a palavra, não tenho a sorte de Lourdinha. Mas mesmo sortuda do jeito que é, morre de vergonha. Tem vergonha de tudo. Lourdinha, por favor, compre um biquíni menor. Lourdinha, você não se manca, vem à praia de maiô, as mulheres estão todas nuas, olhe. Mas não adianta, ela continua do mesmo jeito. Outro dia veio me contar que arranjou um namorado. A tal sorte grande. O homem gostou dela, chamou pra tomar um café. Veja se isso é possível em M, a gente conhecer um homem e ele convidar pra tomar um café numa cafeteria bonita, cheia de bolos, de pedaços de tortas, de doces. Os caras daqui querem levar a gente direto pra cama, sem conversa nenhuma. Não que não seja boa a cama, muito pelo contrário; às vezes, o tal é tão gostoso que é bom que nada fale, assim não estraga. Mas a Lourdinha conseguiu o homem certo, embora não seja o que ela pense. Conversaram das quatro às seis da tarde, tomando cappuccino e comendo pedaços de torta. Lourdinha comeu dois. Ela é magra. Não sei como é possível. O namorado, digamos assim, porque nada havia acontecido entre eles, telefonou várias vezes, conversava e mais conversava. Você está imaginando que não ficou apenas nisso. Claro que não. Ele a convidou ao melhor restaurante da orla. Aquele que se chama... como é mesmo? Ah, lembrei, Ilhote. Pode pedir o que quiser, ele disse. Imagine se arranjo um namorado que me convide e que me diz que posso pedir o que quiser. Já sabe o que vou querer. Lourdinha, morta de vergonha, não sabia, disse que comeria o mesmo que ele. Lourdinha, falei, lá tem camarões grandes, caldeirada, salmão, também carnes de todos os tipos, e você disse que não sabia o que comer, o que deu em você? Jantaram lá o que ele pediu, depois de olhar cuidadosamente o cardápio. Era um peixe muito gostoso, segundo ela, mas não lembra o nome do prato. Depois do jantar, o que aconteceu? Nada. Ele a deixou em casa. Ainda bem, ela disse; caso me convidasse a outro lugar diria que não poderia, que tomo conta de uma pessoa doente, coisa e tal; não posso sair sem o conhecer melhor. Veja, você, se aqui nesta cidade, neste lugarejo, a gente vai conversar mais pra conhecer alguém melhor antes de ir pra cama! Logo o homem desaparece e a gene fica chupando dedo. Mas as coisas não acabam aqui. Ele ligou várias vezes; numa das ligações, perguntou se ela tinha conta em banco. Com a resposta afirmativa, pediu o número. Pra que você quer o número da minha conta?, Lourdinha perguntou. Quero te dar um presente, respondeu o namorado. Lourdinha ainda ficou desconfiada se o homem queria o número para lhe dar um presente ou um golpe. Que golpe ele vai te dar, mulher?, você nunca tem saldo na conta. Ela ainda demorou uma semana pra dar o número. Então, no dia seguinte, ela recebeu um depósito de trezentos reais. Veja você se alguém vai depositar assim trezentos reais na minha conta, mesmo eu de biquíni mínimo e de bunda pra cima nas areias da praia de Cavaleiros. Lourdinha ganhou, sem precisar fazer nada, apenas sair com ele pra tomar café e jantar. Ontem ela me telefonou, disse que precisava da minha ajuda, está apaixonada pelo homem. Que ajuda eu posso te oferecer?, perguntei; você está apaixonada, ele te faz convites, vocês saem duas vezes na semana, o homem faz depósitos na tua conta, tudo está resolvido. Não, Lúcia, ela me disse, o problema não é esse. Qual é o problema então, Lourdinha? Você vai rir de mim, mas o problema é que estou doidinha pra trepar com ele mas estou morrendo de vergonha; ele me convidou pra passarmos o final de semana num hotel, em Búzios, mas não sei, o que vou sentir quando estiver pelada na frente dele? Olhe, Lourdinha, vá logo, ao contrário roubo este teu namorado, vou aparecer nua batendo lá na porta dele, e sei mesmo onde ele mora!