segunda-feira, novembro 30, 2020

Passei a fazer sua vontade

Numa cidade pequena, é fácil conseguir formar clientela, principalmente quando a gente é simpática. Comecei a trazer roupas de grife, de São Paulo. No começo, eram para mim as roupas, mas as amigas me encontravam e perguntavam onde eu tinha comprado a tal saia, o vestido, o biquíni. Como todas adoram andar na moda, mesmo num lugar onde quase não se tem aonde ir, prometi trazer uns modelos novos na minha próxima viagem. E assim foi, arrisquei além da conta, mas o mulheril acabou com tudo em dois dias.

Sábado à noite as pessoas vão à única pizzaria da cidade, ou aos quiosques de churrasquinhos ou cachorro quente, mas não deixam de vestir a melhor roupa. As mulheres, então, nem se fala, sempre vivem na expectativa de conhecer o homem de suas vidas, alguém de fora que veio à cidade ao acaso para visitar um amigo ou um parente, para um trabalho que a gente não sabe que existe. É o momento em que todas as peças são retiradas dos armários, de bustiês a casaquinhos, passando por minissaias e vestidos compridos, calças e  blusas, camisas de abotoar. Caso faça calor, as costas vão nuas, as pernas de fora; caso o tempo ande fresco, quem sabe um pouquinho mais de fazenda. E quem é a responsável pela revolução em M? Eu, Célia. O sucesso foi tanto, que abri uma pequena loja. O sucesso avançou, atravessou as divisas da cidade e a fama chegou aos lugares mais distantes. Tenho encomendas de todos os tipos.

Não consigo viver sozinha. Sempre há alguém a me procurar. Outro dia apareceu uma mulher estranha, disse ter um vício. Ouvi, com atenção, o que tinha a me falar.

“Tenho muitas roupas, sabe, viajo muito e compro muita coisa, tenho além do que preciso. Não faz mal, ainda assim vou comprar algo com você. Mas quero te contar sobre o tal vício, do qual não consigo me libertar” Fiquei curiosa, ela embromava, embromava e não falava. Até que, depois de tanto rodeio, contou-me:

“Adoro andar nua”.

“Todas gostamos, ninguém explica o motivo, não é mesmo?”

“Não, mas não falo neste sentido. Gosto de sair nua, mesmo. Acordo de madrugada, entro no carro nua e saio a passear pela cidade. Nua mesmo, nenhuma peça.”

“Isso não é perigoso?”, fiz fisionomia de preocupada.

“Sim, claro que é, mas acho que é por isso que gosto.”

“Alguém sabe disso?”

“Não creio. Já me viram de carro, uma vez ou outra, mas não puderam notar que estava nua!”

“E o que você acha que eu posso fazer para te ajudar?”

“Não, não estou pedindo ajuda, apenas contei, acho que, assim, fico mais leve.”

“Mas se acontecer alguma coisa com você, não vai dizer que fui eu que contei.”

“Não. Sei que você não vai contar a ninguém. Você é boa comerciante, e bons comerciantes são calados. Meu avô foi bom comerciante.”

“Está bem, você procurou só pra me contar isso?”

“Não, quero fazer uma encomenda.”

Ela encomendou um biquíni caríssimo. Bom para mim.

Quando veio buscar, no mês seguinte., contou-me uma história.

Certa vez, tive um namorado aqui da cidade, sabe? Mas ele já foi embora, abriu um negócio em outro estado. Às vezes ainda me telefona, me convida para ir encontrar com ele. Fui uma única vez, fiquei de voltar, mas ainda não voltei. Ele foi o único que me descobriu nua. Estava eu na beira da lagoa, bem escondida, não tinha levado nem uma calcinha. Ele me descobriu por causa do carro. Não se consegue esconder um carro, não é mesmo?, tanto mais numa cidade pequena. Todo mundo sabe que o carro é de fulano, de sicrana, de beltrana. Ele viu o meu carro e ficou preocupado. Ficou de plantão bem ao lado, e eu lá embaixo, na areia, sem que ele soubesse que eu estava lá. Meu Deus, como vou voltar com esse homem de plantão? Daqui a pouco amanhece, não posso voltar nua à luz do dia. O pior foi que ele entrou no carro e virou a chave, ligou o motor. Ah, não, vão roubar o carro, agora é que estou perdida. Confesso que a possibilidade me deixou arrepiada. Você está pensando que saí correndo, querendo sabe quem era o homem? Não, nada disso. Resisti, firme. Você sabe que sei assobiar forte? Quer ver? Viu, dá até dor no ouvido. O homem acabou descendo à areia. Fiquei sentadinha. Ele procurando de quem era o assovio. Fiu, fiz de novo. Ele me viu, mas não reparou que eu estava nua. Quando chegou perto, eu estava com as pernas cruzadas e o braço cobrindo os seios, ele ainda não notou. Só quando soltei os braços, que ele perguntou o que aconteceu, você foi assaltada? Claro que não, nesta cidade não tem ladrões, cheguei a dizer. Mas você está nua. Dei então uma grande gargalhada. E lhe contei a história. Acabamos namorados. E te confesso que, algumas vezes, saí nua ao lado dele, no banco do carona. Mas ele não gostava. Preferia que eu vestisse as melhores roupas. Passei a fazer sua vontade.

“Mas você continua saindo nua. Tem vontade que outro homem te descubra?”

“Não sei. Às vezes, sim. Mas fico molhadinha quando estou nua, de madrugada, na borda da lagoa. Não sei se um homem vai estragar tudo.”

Ainda ficou algum tempo conversando, falou de algumas amigas, da paquera no único restaurante da cidade. Depois marcamos o dia de receber a encomenda, e ela foi embora. Ainda me disse:

“Conto com a tua discrição, viu, sei que és uma pessoa séria. Meu avô foi comerciante.”

segunda-feira, novembro 23, 2020

Peitos de fora

Nesta cidade existe uma porção de fofoqueiros, se a gente sai com um homem hoje e com outro semana que vem fica logo com má fama, imagine ficar com os seios de fora quando se vai à praia. A conversa aconteceu na casa da Dorita, e foi ela quem disse sentir imenso prazer ao ir à praia e ficar sem o sutiã, um orgasmo.

Não sei por que me lembrei dela, eu estava em frente ao Country, trecho onde ficam as pessoas mais ricas. Quando reparei a Lilian, resolvi caminhar um pouco mais e parar no início da praia do Pecado. Ela não me viu, pelo menos é o que acho. Não queria falar com ela, sua conversa é a mesma de sempre, só fala de homens, de namorados, das festas que foi, e dos convites recebidos, gesticula e gosta de mostrar a bunda, o biquíni cada vez menor, o corpinho mignon. É bonita, mas como é convencida disso.

Acho que ela e muita gente têm inveja de mim porque sou uma pessoa bem sucedida. Meu consultório sempre está cheio. Quando falam em dentista, na cidade, falam de mim. Mas muita gente pensa que uma dentista não tem vida própria, que está sempre a trabalhar e nada mais tem pra fazer. Não é bem assim, gosto de sair, dos restaurantes durante a noite e da praia nos dias de folga. Não posso. porém, permanecer em lugares muito frequentados, logo aparece alguém pra conversar, e mesmo pra me pedir pra dar uma olhadinha num dente. Como é possível a pessoa abrir a boca em plena praia e querer mostrar um dente pra eu examinar?

Houve um tempo em que ia a Búzios, porque aqui não era possível frequentar a praia. Pros lados do Pecado, fico sossegada, não vejo nenhum conhecido. Armei o guarda-sol, abri a cadeira e sentei. Tinha levado uma revista e um livro, comecei a olhar primeiro a revista. Depois de algum tempo, passou um rapaz vendendo cerveja, dessas que estão na moda, Heineken, acho. Comprei duas, deixei uma dentro de uma bolsa térmica e abri a outra. Que delícia! A cerveja tem outro sabor quando se está na praia. Depois de trinta minutos, tive de entrar n'água, tanto era o calor. Mergulhei, fiquei de molho por uns vinte minutos. A água não estava fria totalmente, como é o costume aqui, mas dava um arrepio gostoso. Depois que voltei ao guarda-sol, sentei novamente e continuei minha leitura, Em determinado momento, abri a segunda cerveja. Poucas pessoas passavam pelo local, e eu não dava importância a isso. Um homem passou bem rente ao guarda-sol. acho que foi a única maneira pra me despertar do torpor que o sol e a revista me colocavam. Ele era realmente bonito, não tenho como fazer reparação alguma.

Nesses momentos, é difícil começar a estabelecer um contato, apesar de termos vontade. Como se deve fazer? Chamar? Ei, venha aqui, você é muito bonito, quero te namorar. Não fica bem. E ele, caso seja tímido, como deve se aproximar? Estamos num tempo em que o assédio às mulheres é condenável, por isso muitos homens apenas nos olham e nada mais têm a fazer. Ele venceu sua timidez ao passar rente ao guarda-sol, com a praia vazia, e não mais tentou ação alguma. Aliás, o que fez foi parar trinta metros adiante, olhar o mar e vez ou outra voltar os olhos pra mim. Eu jamais fui a primeira a falar com um homem, mesmo achando-o muito bonito e simpático.

Continuei a ler a revista, vez ou outra olhava por cima, para ver se ele ainda estava lá. Tive a ideia de dar um novo mergulho, quem sabe se tirasse o top o homem viria até a mim, com mais facilidade. Mas se eu não chegava a dar a primeira tacada, como iria ficar de peitos de fora? Resisti ao mergulho ainda durante dez minutos. Levantei-me, ele ainda estava lá, naquele momento olhava o mar. Caminhei lentamente, molhei os pés, esperei um pouco, depois, ainda vagarosa, entrei até o nível da água ultrapassar meu ventre. Mergulhei, nadei um pouco na direção das ondas. O mar não estava violento, mas tinha ondas. Venci duas delas e permaneci atrás da arrebentação. Ele mergulhou, não sei se estimulado por mim. Nadou um pouco, foi além do ponto onde eu estava e manteve sempre a distância de uns trinta metros. Num momento, tive a impressão de que sorria para mim. Permaneci nas imediações durante uns quinze minutos, depois voltei para o guarda-sol. Quando sentei ao sol e me voltei para o mar, ele ainda estava no mesmo lugar, era possível repará-lo a cortar as ondas.

Se fosse Lilian, será que tentaria estabelecer um contato? Talvez, ela adora pessoas diferentes, gente que jamais viu na cidade. Mas, quanto a mim, não é o meu costume. Ele poderia vir, perguntar se eu tinha fogo para acender um cigarro, ou mesmo perguntar algo sobre a cidade, dizendo que era de fora e nada conhecia por aqui. Mas não foi assim que as coisas aconteceram.

O que me salvou, ou melhor, nos salvou, foi o vento. Sério, quando conto, ninguém acredita. Um forte vento começou a soprar e tudo começou a voar, nesse tudo, levou as minhas coisas. O homem voltou à areia e correu pra onde eu estava, recolheu o que pode, ajudando-me, inclusive conseguiu ir atrás e recuperar o guarda-sol, que se soltara como alguém que se revira de pernas para o ar. Quando tudo estava em ordem, rimos um pouco. Ele ajudou-me a levar os objetos para o carro.

Apresentou-se, Fernando. Maria Célia, retribuí. Você é da cidade?, perguntei. Não, e me disse o motivo de sua temporada no local, do seu trabalho, o que fazia. Fiquei calada, esperei que pedisse pra que falasse sobre mim. Assim começou nosso namoro. Achei melhor, dali em diante, encontrar com ele em R O, onde a poderíamos ficar à vontade, porque a possibilidade de encontrar conhecidos era menor.

Acho que Dorita está certa, talvez um dia eu consiga seguir seu exemplo. Se tem vontade de ficar com os peitos de fora, ninguém nada com isso.

segunda-feira, novembro 16, 2020

A bolsa

À noite, sonhei com ele. Acordei envergonhada. Não por ter estado nua ao seu lado, mas por me ter tornado mulher de fácil conquista. Está pronta para o nosso passeio?, perguntou enquanto me oferecia uma bolsa de butique. Tomei-a nas mãos, reparei que estava vazia.


Sempre que passava pela porta daquele homem, recebia seu olhar malicioso. Ele é velho, disse a mim mesma, em silêncio. Cidade pequena é fogo, todo mundo conhece a gente, e qualquer escapada é logo descoberta. Não podia ficar perguntando pra uma ou pra outra quem era o tal que me paquerava. As mulheres daqui, quando querem beber de outra caneca, pulam pra cidade vizinha, a cinquenta quilômetros. No dia seguinte, ele me chamou.

"Meu nome é Manoel, e o seu?"

Parei, por educação, e me apresentei.

"Reparo que você passa sempre aqui", disse ele.

Bem que eu queria falar passo sim, e você está sempre a me comer com os olhos, porque acho que o peru já não funciona. Mas arrefeci. Me fiz de boazinha.

"Verdade."

"Aceite um café, entre, moro sozinho, vamos tomar uma xícara."

Declinei do convite, pedi desculpas e segui em frente.

Nos dias que se seguiram, evitei passar em frente à sua casa. Segui outro caminho naquele meu passeio matinal, sempre à procura de tomar um pouco de ar e comprar algo para o almoço.

Dois dias depois, como por coincidência, ouvi dizer que o tal gostava de mulher jovem, e pagava bem. Uma amiga chegou a dizer:

"Acho que vou me oferecer ao Manoel, dizem que distribui dinheiro."

"Verdade? Sabe que nunca reparei esse homem.", tentei mostrar surpresa. "O que será que deseja em troca?"

"Ah, imagine", ela moveu a cabeça, "o óbvio".

"Mas ele é tão velho, será que ainda consegue."

Ele se satisfaz ao modo dele, completou a amiga.

Quis perguntar se já tinha entrado pra tomar café, mas preferi o silêncio. Enquanto voltava pra casa, pensei no tal dinheiro que o homem devia distribuir. Eu, sempre devendo, sempre precisando de pagar uma prestação, as dívidas se alongando.

Voltei a trilhar o tal caminho, Manoel parecia estar esperando-me.

Hoje, você vai tomar um café.

Sim, vou.

Foi o suficiente. Ele sabe fazer um café muito gostoso. Elogiei. Olhou pra mim, queria dizer que a gostosa era eu. Bebemos, em silêncio. Após alguns minutos, começou a contar uma história. Não era a dele, ainda bem.

Nos dias que se seguiram, não saí de casa. Aproveitei para organizar alguns papéis. Na semana seguinte, quando passei em frente a casa dele, ouvi:

"Sumida, fiz café todos os dias e você não apareceu."

Dei um ligeiro sorriso, aceitei o café.

"Caso você precise de alguma coisa, fale comigo, sou um homem generoso."

"Alguma coisa?", eu quis saber que coisa.

Ah, imagine.

Dois dias depois, parei de fronte à sua casa. Ele não estava. Achei estranho. Será que aconteceu alguma coisa? Quis entrar, olhar lá dentro. Sabia que encontraria a porta sem tranca, mas não tive coragem. As janelas estavam abertas, via-se a sala arrumada, mas ele não apareceu. Evitei bater. Será que contava a mesma história a todas as mulheres que passavam ali em frente? Vai ver estava com uma delas na cama. Atravessei o portão do quintal e fui, sorrateira, olhar o quarto através da janela. Mas não havia sinal de vida. Temendo ser surpreendida, corri pra fora. Antes de partir, encontrei uma bolsa de butique, estava encostada à porta, do lado de fora, como se esperasse ser levada por alguém. Tomei-a nas mãos e reparei que continha roupas de mulher.

Na semana seguinte, aconteceu. Estava sentada na poltrona; ele, no pequeno sofá. Bebíamos café. Você sabe fazer café muito bem, ele disse, segurava a xícara e olhava os meus peitos nus. Além do café, você tem o corpo bonito, uma mulher bonita fazendo café, e me fazendo feliz. Tomou mais um gole e sorriu. Descruzei as pernas e mudei de posição, numa das mãos a pequena xícara; na outra, o pires. Não tive outra saída senão rir. Vi, como num filme, tudo o que vivemos até àquele momento. Me surpreendi, não era nada mais do que uma mulher fácil. Mas o que fazer? Era generoso o homem; eu, cheia de dívidas. Quando me levantei para levar a xícara vazia à cozinha, sabia que ia me apreciar pelas costas. Ao voltar à sala, parei diante dele e cruzei os braços sob os seios: "será que vim só pra tomar café e passear nua?", falei em tom de galhofa.

"Claro que não."

Manuel, então, me comeu. Me comeu profundamente. Quanto à bolsa, melhor não perguntar.

segunda-feira, novembro 09, 2020

Plantando bananeira

Gosto de ir à praia cedo, tanto mais depois que vim morar pertinho, na Riviera. O apartamento é pequeno, mas a proximidade do mar, a brisa matinal e vesperal me causam enorme prazer. Há dias em que saio arrepiada de casa. Outra vantagem de tomar sol e banho de mar bem cedo, é que não há ninguém na praia, quando muito uma ou outra pessoa a caminhar ou a fazer algum tipo de ginástica. Ainda não houve, por aqui, ninguém a me incomodar, a tentar puxar conversa ou a pedir alguma coisa. Quando morei na Costa Azul, tive um problema, aliás, não sei se posso nomear assim o que aconteceu, mas o fato me incomodou um pouquinho.

Jovens não gostam de acordar de madrugada, mas o costume de sair cedo de casa já me era comum à época. As primeiras horas da manhã são também comuns a pessoas mais velhas. Um senhor, então, começou a me observar. No começo, gostei. Toda mulher gosta de ser admirada e paquerada. Ele acabou vindo falar comigo. Começou com aqueles assuntos sobre o tempo, sobre a beleza do mar, da paisagem etc.. Passou a aparecer todos os dias, pontualmente. Como sempre usei biquínis mínimos, o homem me comia com os olhos. Os dias se passavam e ele não avançava. Lembro uma semana em que choveu todos os dias. À manhã do primeiro sol, estava o tal na praia a minha espera. Voltou aos seus assuntos. 

Se continuar assim, vamos nos tornar amigos, não haverá mais clima, pensei. Normalmente é isso que acontece. Quando conhecemos alguém, as intenções precisam vir no segundo ou terceiro encontro, caso isso não aconteça a relação torna-se amizade. Não que amizade não seja boa coisa, mas os homens geralmente querem mesmo o meu corpo.

Falava da cidade, dos prédios públicos, da política local, do jornal que só existia para trazer anúncios, como é possível um jornal sem notícia alguma? As notícias são as mercadorias, cheguei a sugerir dando de ombros. Meus seios balançaram. Ele riu. Num dia, convidei-o ao banho de mar. Surpreendeu-se. Jamais me vira dentro d’água. Segurei seu braço, me ajude, por favor, não posso me afogar. Num determinado momento, abraçou-me pelas costas. Fiz de conta que não percebia, ou que talvez fosse a ação mais natural do mundo. Ele se demorou no abraço; depois ainda escorregaram as mãos pelo meu ventre, tocou nas tirinhas do meu biquíni. Dissimulada, eu, olhos de ressaca. Ressaca do mar e da taça de vinho da véspera.

Dias depois, uma senhora veio falar comigo. Eu estava bolinando o marido dela. Engraçada a palavra, bolinando. Como soube da minha relação com seu marido? Não sei, jamais descobri. Pediu-me que não fizesse mais isso, a cidade era pequena e todos iriam comentar. Engraçado, a mulher não se mostrava incomodada pela traição, mas pelo que os outros iriam dizer. Não tive palavras para responder. Escutei, cumprimentei-a e parti. Acho que o máximo que falei foi tudo bem. De que valeria explicar que a investida foi dele, que a cada dia vinha com um assunto diferente, que me comia com os olhos. Achei melhor o silêncio. Desapareci daquela praia por algum tempo, ou passei a frequentá-la em outros horários, não sei. Nada de confusão.

Além de ter de mudar os meus hábitos, não valeu a pena a rápida relação. Uns dias antes de estar com a mulher dele, o homem me convidou a uma casa, ali mesmo na praia. Era uma casa de veraneio. Disse que a bela construção pertencia a ele. Entramos, serviu-me alguma coisa. Na parte de trás, havia uma piscina, bem pequena. Para resumir a situação. O homem quis trepar comigo, eu nua dentro da tal piscina. Tudo bem. Meu costume de responder às questões dizendo tudo bem. Ele veio me tocar, me fazer carinho. Onde o biquininho? Estou procurando até hoje. Tive de plantar bananeira para ver se ele conseguia uma ereção. Conseguiu? Apesar de ela saber, devia ter contado à mulher dele.

terça-feira, novembro 03, 2020

Valeu a pena

Aquele meu amigo já estava me deixando louca. Não sei por que toda vez que via uma mensagem sua no Zap, eu me arrepiava. Melhor ainda se a tal mensagem fosse de voz. Ouvia-o durante várias vezes. O arrepio aumentava, tinha vontade de ficar nua! Não pense que não é possível a uma mulher tornar-se excitada de repente. Comigo acontece, e lembro dos verões no litoral, quando eu fingia ler uma revista mas observava os homens por baixo das páginas. Meu amigo me trazia não só essa lembrança, mas rememorações de outros tempos, juventude em boates, sainhas, perninhas de fora.

Volto aos dias de hoje. Com a reunião pelo Zoom então, nem pensar, onde será que ele está?, fico a imaginar seu quarto, sua cama que não é possível avistar por trás de sua face sempre alegre. Por falar em alegria, ele não dever pensar na vida, digamos, na condição humana. Uma pessoa que está sempre com o sorriso nos lábios não é capaz de pensar que vamos envelhecer e morrer um dia. Ou talvez achem essas coisas naturais. Natural a efemeridade da vida, o escapar das horas e dos momentos que desejávamos eternos.

Meu amigo é casado, não posso negar. Mas não ligo, o importante é que me dá atenção como nenhum outro, ou nenhuma outra. Também não demonstra intenção de me paquerar. Verdade. Não é que eu queria a tal paquera? É bom quando alguém demonstra interesse pela gente. Ele demonstra, mas não de que eu seja sua amante. Que palavra pesada, muitos dirão: amante. Está fora de moda.

Houve uma época em que todos (ou quase) tinham amantes, tantos os homens como as mulheres. Tive um. Encontrávamos uma vez por semana no centro da cidade, tomávamos um café, numa cafeteria bonita, e depois corríamos ao hotel próximo, na Senador Dantas, ainda com o gosto do café na boca. Outro dia passei por lá, o hotel ainda existe. Quanto ao amante... Bem, não dá para se ter um amante a vida inteira, acontecem muitas coisas. Além disso, o amante (ou a amante) não é o principal na vida de uma pessoa, é para quando há uma brechinha de tempo.

Como justificar um amante em nossas vidas?, eis a resposta. Na França, muitos têm amantes, serve para esquentar o relacionamento do casal, quero dizer, do casal de marido e mulher. Há quem diga que na França não é mais assim. Agora, as pessoas são verdadeiras (é possível a verdade?). Não faz mal, no Brasil as coisas chegam um pouquinho atrasadas.

Mas meu amigo me viu deitada na cama. Sério. Meu amigo estava participando da mesma reunião virtual que eu e me viu na minha cama. Você estava deitada, falou, descansando. Ri, esqueci de desligar a câmera, disse a ele. Engraçadas as reuniões virtuais, acontecem coisas indiscretas. Ainda bem que não estava nua. Caso fosse apenas para ele me apreciar, bem que não me incomodaria. Mas não para o escritório inteiro!

Certa vez, domingo pela manhã, ele me enviou uma mensagem: estou caminhando pela orla, resolvi enviar esta mensagem para te dizer sobre aquilo que você me perguntou ontem, complementar a minha resposta. O que perguntei mesmo? Nem lembrava. Acho que foi num dia em que estava ardida, resolvi então criar uma dúvida para ouvir a voz dele. Fantasias. A voz veio meia hora depois, e eu gozei. Lógico que não foi assim tão de repente, mas imaginem como uma mulher goza. Às vezes, dá algum trabalho. Mas na tal noite (esqueci de dizer que o sol já ia pela outra banda), fiquei molhadinha. Valeu a pena.