segunda-feira, novembro 23, 2020

Peitos de fora

Nesta cidade existe uma porção de fofoqueiros, se a gente sai com um homem hoje e com outro semana que vem fica logo com má fama, imagine ficar com os seios de fora quando se vai à praia. A conversa aconteceu na casa da Dorita, e foi ela quem disse sentir imenso prazer ao ir à praia e ficar sem o sutiã, um orgasmo.

Não sei por que me lembrei dela, eu estava em frente ao Country, trecho onde ficam as pessoas mais ricas. Quando reparei a Lilian, resolvi caminhar um pouco mais e parar no início da praia do Pecado. Ela não me viu, pelo menos é o que acho. Não queria falar com ela, sua conversa é a mesma de sempre, só fala de homens, de namorados, das festas que foi, e dos convites recebidos, gesticula e gosta de mostrar a bunda, o biquíni cada vez menor, o corpinho mignon. É bonita, mas como é convencida disso.

Acho que ela e muita gente têm inveja de mim porque sou uma pessoa bem sucedida. Meu consultório sempre está cheio. Quando falam em dentista, na cidade, falam de mim. Mas muita gente pensa que uma dentista não tem vida própria, que está sempre a trabalhar e nada mais tem pra fazer. Não é bem assim, gosto de sair, dos restaurantes durante a noite e da praia nos dias de folga. Não posso. porém, permanecer em lugares muito frequentados, logo aparece alguém pra conversar, e mesmo pra me pedir pra dar uma olhadinha num dente. Como é possível a pessoa abrir a boca em plena praia e querer mostrar um dente pra eu examinar?

Houve um tempo em que ia a Búzios, porque aqui não era possível frequentar a praia. Pros lados do Pecado, fico sossegada, não vejo nenhum conhecido. Armei o guarda-sol, abri a cadeira e sentei. Tinha levado uma revista e um livro, comecei a olhar primeiro a revista. Depois de algum tempo, passou um rapaz vendendo cerveja, dessas que estão na moda, Heineken, acho. Comprei duas, deixei uma dentro de uma bolsa térmica e abri a outra. Que delícia! A cerveja tem outro sabor quando se está na praia. Depois de trinta minutos, tive de entrar n'água, tanto era o calor. Mergulhei, fiquei de molho por uns vinte minutos. A água não estava fria totalmente, como é o costume aqui, mas dava um arrepio gostoso. Depois que voltei ao guarda-sol, sentei novamente e continuei minha leitura, Em determinado momento, abri a segunda cerveja. Poucas pessoas passavam pelo local, e eu não dava importância a isso. Um homem passou bem rente ao guarda-sol. acho que foi a única maneira pra me despertar do torpor que o sol e a revista me colocavam. Ele era realmente bonito, não tenho como fazer reparação alguma.

Nesses momentos, é difícil começar a estabelecer um contato, apesar de termos vontade. Como se deve fazer? Chamar? Ei, venha aqui, você é muito bonito, quero te namorar. Não fica bem. E ele, caso seja tímido, como deve se aproximar? Estamos num tempo em que o assédio às mulheres é condenável, por isso muitos homens apenas nos olham e nada mais têm a fazer. Ele venceu sua timidez ao passar rente ao guarda-sol, com a praia vazia, e não mais tentou ação alguma. Aliás, o que fez foi parar trinta metros adiante, olhar o mar e vez ou outra voltar os olhos pra mim. Eu jamais fui a primeira a falar com um homem, mesmo achando-o muito bonito e simpático.

Continuei a ler a revista, vez ou outra olhava por cima, para ver se ele ainda estava lá. Tive a ideia de dar um novo mergulho, quem sabe se tirasse o top o homem viria até a mim, com mais facilidade. Mas se eu não chegava a dar a primeira tacada, como iria ficar de peitos de fora? Resisti ao mergulho ainda durante dez minutos. Levantei-me, ele ainda estava lá, naquele momento olhava o mar. Caminhei lentamente, molhei os pés, esperei um pouco, depois, ainda vagarosa, entrei até o nível da água ultrapassar meu ventre. Mergulhei, nadei um pouco na direção das ondas. O mar não estava violento, mas tinha ondas. Venci duas delas e permaneci atrás da arrebentação. Ele mergulhou, não sei se estimulado por mim. Nadou um pouco, foi além do ponto onde eu estava e manteve sempre a distância de uns trinta metros. Num momento, tive a impressão de que sorria para mim. Permaneci nas imediações durante uns quinze minutos, depois voltei para o guarda-sol. Quando sentei ao sol e me voltei para o mar, ele ainda estava no mesmo lugar, era possível repará-lo a cortar as ondas.

Se fosse Lilian, será que tentaria estabelecer um contato? Talvez, ela adora pessoas diferentes, gente que jamais viu na cidade. Mas, quanto a mim, não é o meu costume. Ele poderia vir, perguntar se eu tinha fogo para acender um cigarro, ou mesmo perguntar algo sobre a cidade, dizendo que era de fora e nada conhecia por aqui. Mas não foi assim que as coisas aconteceram.

O que me salvou, ou melhor, nos salvou, foi o vento. Sério, quando conto, ninguém acredita. Um forte vento começou a soprar e tudo começou a voar, nesse tudo, levou as minhas coisas. O homem voltou à areia e correu pra onde eu estava, recolheu o que pode, ajudando-me, inclusive conseguiu ir atrás e recuperar o guarda-sol, que se soltara como alguém que se revira de pernas para o ar. Quando tudo estava em ordem, rimos um pouco. Ele ajudou-me a levar os objetos para o carro.

Apresentou-se, Fernando. Maria Célia, retribuí. Você é da cidade?, perguntei. Não, e me disse o motivo de sua temporada no local, do seu trabalho, o que fazia. Fiquei calada, esperei que pedisse pra que falasse sobre mim. Assim começou nosso namoro. Achei melhor, dali em diante, encontrar com ele em R O, onde a poderíamos ficar à vontade, porque a possibilidade de encontrar conhecidos era menor.

Acho que Dorita está certa, talvez um dia eu consiga seguir seu exemplo. Se tem vontade de ficar com os peitos de fora, ninguém nada com isso.

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