segunda-feira, novembro 16, 2020

A bolsa

À noite, sonhei com ele. Acordei envergonhada. Não por ter estado nua ao seu lado, mas por me ter tornado mulher de fácil conquista. Está pronta para o nosso passeio?, perguntou enquanto me oferecia uma bolsa de butique. Tomei-a nas mãos, reparei que estava vazia.


Sempre que passava pela porta daquele homem, recebia seu olhar malicioso. Ele é velho, disse a mim mesma, em silêncio. Cidade pequena é fogo, todo mundo conhece a gente, e qualquer escapada é logo descoberta. Não podia ficar perguntando pra uma ou pra outra quem era o tal que me paquerava. As mulheres daqui, quando querem beber de outra caneca, pulam pra cidade vizinha, a cinquenta quilômetros. No dia seguinte, ele me chamou.

"Meu nome é Manoel, e o seu?"

Parei, por educação, e me apresentei.

"Reparo que você passa sempre aqui", disse ele.

Bem que eu queria falar passo sim, e você está sempre a me comer com os olhos, porque acho que o peru já não funciona. Mas arrefeci. Me fiz de boazinha.

"Verdade."

"Aceite um café, entre, moro sozinho, vamos tomar uma xícara."

Declinei do convite, pedi desculpas e segui em frente.

Nos dias que se seguiram, evitei passar em frente à sua casa. Segui outro caminho naquele meu passeio matinal, sempre à procura de tomar um pouco de ar e comprar algo para o almoço.

Dois dias depois, como por coincidência, ouvi dizer que o tal gostava de mulher jovem, e pagava bem. Uma amiga chegou a dizer:

"Acho que vou me oferecer ao Manoel, dizem que distribui dinheiro."

"Verdade? Sabe que nunca reparei esse homem.", tentei mostrar surpresa. "O que será que deseja em troca?"

"Ah, imagine", ela moveu a cabeça, "o óbvio".

"Mas ele é tão velho, será que ainda consegue."

Ele se satisfaz ao modo dele, completou a amiga.

Quis perguntar se já tinha entrado pra tomar café, mas preferi o silêncio. Enquanto voltava pra casa, pensei no tal dinheiro que o homem devia distribuir. Eu, sempre devendo, sempre precisando de pagar uma prestação, as dívidas se alongando.

Voltei a trilhar o tal caminho, Manoel parecia estar esperando-me.

Hoje, você vai tomar um café.

Sim, vou.

Foi o suficiente. Ele sabe fazer um café muito gostoso. Elogiei. Olhou pra mim, queria dizer que a gostosa era eu. Bebemos, em silêncio. Após alguns minutos, começou a contar uma história. Não era a dele, ainda bem.

Nos dias que se seguiram, não saí de casa. Aproveitei para organizar alguns papéis. Na semana seguinte, quando passei em frente a casa dele, ouvi:

"Sumida, fiz café todos os dias e você não apareceu."

Dei um ligeiro sorriso, aceitei o café.

"Caso você precise de alguma coisa, fale comigo, sou um homem generoso."

"Alguma coisa?", eu quis saber que coisa.

Ah, imagine.

Dois dias depois, parei de fronte à sua casa. Ele não estava. Achei estranho. Será que aconteceu alguma coisa? Quis entrar, olhar lá dentro. Sabia que encontraria a porta sem tranca, mas não tive coragem. As janelas estavam abertas, via-se a sala arrumada, mas ele não apareceu. Evitei bater. Será que contava a mesma história a todas as mulheres que passavam ali em frente? Vai ver estava com uma delas na cama. Atravessei o portão do quintal e fui, sorrateira, olhar o quarto através da janela. Mas não havia sinal de vida. Temendo ser surpreendida, corri pra fora. Antes de partir, encontrei uma bolsa de butique, estava encostada à porta, do lado de fora, como esperasse ser levada por alguém. Tomei-a nas mãos e reparei que continha roupas de mulher.

Na semana seguinte, aconteceu. Estava sentada na poltrona; ele, no pequeno sofá. Bebíamos café. Você sabe fazer café muito bem, ele disse, segurava a xícara e olhava os meus peitos nus. Além do café, você tem o corpo bonito, uma mulher bonita fazendo café, e me fazendo feliz. Tomou mais um gole e sorriu. Descruzei as pernas e mudei de posição, numa das mãos a pequena xícara; na outra, o pires. Não tive outra saída senão rir. Vi, como num filme, tudo o que vivemos até àquele momento. Me surpreendi, não era nada mais do que uma mulher fácil. Mas o que fazer? Era generoso o homem; eu, cheia de dívidas. Quando me levantei para levar a xícara vazia à cozinha, sabia que ia me apreciar pelas costas. Ao voltar à sala, parei diante dele e cruzei os braços sob os seios: "será que vim só pra tomar café e passear nua?", falei em tom de galhofa.

"Claro que não."

Manuel, então, me comeu. Momeu profundamente. Quanto à bolsa, melhor não perguntar.

Nenhum comentário: