quarta-feira, junho 29, 2022

Puteiro

Eu ainda estava na escola, sozinha na sala de aula, corrigia algumas provas quando meu amigo, o professor de filosofia, entrou. Você sabe onde é a rua das Marrecas?, perguntei. Ele explicou. Preciso ir ao tal endereço para acertar um contrato de plano de saúde. Havia tempo procurava atendimento, o plano anterior não dava conta da minha situação e a da minha mãe, pessoa idosa. Ele me ouviu, logo depois se ofereceu para me acompanhar. Fica no centro, completou. Essa rua é um puteiro, eu disse e ri. Isso foi no passado, ele de certa forma confirmou, agora os puteiros acabaram, já não se veem mulheres fazendo ponto na calçada, a característica do local mudou. Senti-me atrasada no tempo, acho que já passara vinte anos desde que os puteiros encerraram suas atividades na rua das Marrecas. Será que eu tinha alguma afinidade com puteiros?, cheguei a me perguntar. Sou pessoa sóbria, dedicada às aulas de inglês. Enquanto caminhávamos até a sala dos professores, reparei que a maioria dos alunos e dos outros funcionários já havia deixado a escola, passava do meio-dia. Guardamos os diários de classe e descemos a escada que dava para o salão de entrada. Pedi licença, que esperasse um ou dois minutos. Não disse aonde iria, mas estava na cara que era ao toalete.

Já na rua, optamos pelo ônibus, na calçada à direita, distante a uma caminhada de cerca de cem metros. Não demoramos a embarcar, sentei-me num banco de corredor, o outro lugar estava ocupado por um homem de seus sessenta anos. Meu amigo ficou em pé, ao meu lado. Ora trocávamos duas palavras sobre o tempo, sobre a paisagem, sobre uma construção local, ora nada dizíamos.

Saltamos no Passeio, atravessamos a rua e caminhamos à rua das Marrecas. Encontramos o prédio, entramos. Subimos três andares, uma recepcionista indicou onde eu deveria entrar. Ele ficou esperando numa espécie de antessala. Não demorei a voltar. Tudo correra bem, me deram um formulário e um contrato, o que mais precisava eu já enviara com antecedência. A partir daquele momento, eu e minha mãe já tínhamos um seguro saúde.

Descemos, voltamos à rua. Eu me perguntava o que faríamos a partir daquele momento. Na verdade, tinha de voltar para casa, mas temia ter de anunciar tal propósito. As oportunidades de sairmos juntos eram poucas e meu amigo demonstrava muito prazer por eu estar ao seu lado. Andamos na direção da Rio Branco, pela Evaristo da Veiga. O ambiente aqui na cidade está agradável,  vamos até a Confeitaria Colombo, sugeriu. Hum, apenas deixei escapar minha admiração. Ele me olhou na esperança de que eu aceitasse o convite. Nada falei, apenas segurei sua mão direita, e passamos a caminhar, como dois recentes namorados.

Ao atravessarmos o largo da Carioca, olhei ao Mosteiro. Sabe que já fiz promessa a Santo Antônio, cheguei a dizer. Apertei sua mão. E olha que o dia dele está próximo, ele falou. A rua Senador Dantas tinha um hotel, um dia um namorado de ocasião me conduziu para lá sem que eu desse conta para onde íamos. Não sei dizer por que me veio à mente esse acontecimento. Logo adiante, porém, avistamos a confeitaria. Um salão todo espelhado estava repleto de gente alegre; uma mesa lateral nos aguardava; um garçom um pouco gordinho veio nos apresentar os cardápios. A Colombo era um bom lugar para um começo de namoro.

quarta-feira, junho 22, 2022

Entrevendo

Eu vinha do toalete, o namorado me aguardava na porta; o restaurante, mimoso e acolhedor. Um homem saía da porta ao lado – o toalete masculino –, olhou-me, surpreso. O motivo: além do corpo mignon, eu estava nua, ou melhor, trajava uma saída de praia rendada, dessas que descem até abaixo dos joelhos, deixava entrever o que se veste por baixo, vinha abotoada até o umbigo, daí em diante escorregava aberta. Um segredinho: pareço mulher, mas não sou. Por isso, a surpresa maior do tal homem. Ele entreviu, por causa do movimento fugidio do tecido, algo inesperado: meu pênis soltinho. Há quem diga que sou pervertida, que adoro me exibir, que há hora para essas coisas; num lugar público, minha atitude seria indecente. A nudez é a nossa natureza, argumento. Além disso, caso se pense de modo diferente, digo: os tempos estão mudados, existem mulheres que andam nuas e ninguém reclama, as pessoas as apreciam, querem observá-las de perto, por que eu, uma pessoa trans, não posso também andar nua? Preconceito? Outro ponto, caso cada pessoa esteja preocupada com a sua vida, não vai dar por mim nem pelo que visto ou não por baixo da renda. Os proprietários do restaurante já me conhecem, conhecem o namorado, cumprimentam-nos, agradecem nossa presença. Caminhamos até uma das mesas laterais, sentamo-nos. Cruzei as pernas, cobria assim meu sexo, sentia-me protegida caso descobrisse algum outro olhar maldoso. O namorado pediu duas caipirinhas.

A praia, em frente, não permite o nudismo total, uma pena. Quando a frequento, visto um biquininho lindo. Ao ir ao restaurante, corro sempre ao toalete e dispo-me, assim me sinto mais confortável, de bem com a vida; uma ponta de excitação me completa. O namorado adora, já me conheceu com esse costume. No começo, pensou que teríamos problemas, mas depois chegou à conclusão de que o problema é das pessoas que querem nos reparar.

Descobri Célia numa mesa próxima. Você não vai me contar uma história, por escrito?, quero publicar, viu?, ela me segredou, quando seu acompanhante deu uma saidinha para fumar; você tem coisas interessantes para contar, e nos últimos tempos estamos com uma audiência enorme. Quando seu homem voltou, ela correu para a mesa onde estavam. Vestia uma saída de praia curtinha, certa vez me disse que não era tão ousada quanto eu.

Naquele dia ficamos até o final da tarde, bebemos duas caipirinhas cada um, comemos frutos do mar.

Quero namorar, segredei-lhe no ouvido. Aqui?, ele. O que você acha?, devolvi. Ele me beijou na boca, um beijo comprido. Troquei as pernas de posição, a esquerda sobre a direita. Meu pênis não é pequeno, e não ficou rijo, ainda bem. Nesse ponto sou quase uma mulher. Só não posso gozar. Porque, depois, morro de vergonha.

quarta-feira, junho 15, 2022

Nete e Nara

Tenho uma amiga chamada Nete. Ela já é entrada nos cinquenta anos, mas é bonita mesmo. Gosta de se arrumar e sair para passear. Paquera muito os homens, mas é muito dissimulada. Certa vez veio me contar uns gostos estranhos que lhe assediam. O principal deles é descobrir mendigos bonitos.

“Nete, existem mendigos bonitos, nessa nossa cidade tão mal tratada?”, perguntei.

“Claro, é só prestar atenção. Lá pelos lados do Miramar, há um que é louro, os olhos verdes.”

“E como você faz?”, insisti, minha curiosidade é de matar.

“Não faço, só fico olhando. Aliás, houve uma época em que eu conversava com um ou outro, mas é arriscado. As pessoas acabam vendo a gente conversando com mendigos e falam muito por aí, uma fofocada atroz.”

Descobri que ela não apenas fica olhando, sorrateira, como afirmou, mas conversa com eles. Houve um que ela quis levar para casa e dar um banho. Ele a olhou assustado. Nete acabou me contando a verdade.

“Você não quer se arrumar, sair por aí, passear comigo?”, propôs ao tal.

Ele continuou a olhá-la assustado. Segundo ela, ele não foi. Mas Nete às vezes não me fala a verdade inteira.

Houve um final de semana em que a convidei para irmos, nós duas, a Lumiar. Procurei a mulher pela cidade o dia todo, nada de encontrá-la. Dias depois, quando a vi perto da rodoviária, ela se engasgou toda para me dizer o que fizera no tal fim de semana. Antes de se despedir, disse que uma hora dessas me contaria direito o que aconteceu, mas nada, até hoje não sei.

Imagino Nete levando o mendigo louro para casa. Ou para um hotel. O problema seria entrar num hotel com ele. De repente, ela arranjou uma roupa, um vidro de perfume, ajudou o homem a melhorar a aparência e os odores e entrou com ele naquele hotel que fica atrás do antigo parque. Há umas suítes com banheira, ou minipiscina, não sei bem. Nete enfiou o homem dentro e ensaboou-o até brilhar a pele, até seus cabelos ficarem novamente totalmente louros. Depois, ela tirou a roupa e levou o homem para cama. Aqui no hotel não tem cachaça, ela deve ter falado. Pediu, então, um espumante. O homem bem que gostou. Da bebida e da mulher.

Numa outra data, ela foi para Rio das Ostras, hospedou-se sozinha numa pousada em Costa Azul, baixa temporada. Foi à praia durante o dia. À tarde, ela entrou na tal pousada com um rapaz, ele apenas de sunga. Nete, como vou embora de sunga de noite?, perguntou assustado. Nada de ir embora, só amanhã. E ficaram namorando à noite inteira. Ela lhe contou que também já viveu algo parecido. Saiu numa sexta-feira para ir à praia, de biquíni e envolta numa canga de renda transparente; arranjou um namorado, voltou para casa domingo à tarde; que festa. O rapaz adorou a história.

Minha amiga é de um fogo difícil de apagar. Sei que este não vai ser o único mendigo a quem vai dar um trato. Depois virão outros, e mais outros. Caso não consiga convencer um deles a deixá-la lavá-lo, acho que, mesmo assim, arranja um jeito de trepar com ele.

“Você sabe, Nara, já vi uma mulher de pernas abertas sobre um mendigo, passava de uma da madrugada. Ela dizia, mete, mete fundo, mas não toca em mim, e olha que eu limpei bem o teu peru.”

Às vezes penso que a tal, de pernas abertas sobre o mendigo, seria a própria Nete!

quarta-feira, junho 08, 2022

Elas não sabem nada disso

Outro dia conversava com uma amiga:

"Há namorados que se contentam em nos levar para cama e simplesmente trepar, outros não se satisfazem apenas com a conquista e a trepação, gostam de fantasias, pedem a mulher que invente algo novo, que fale alguma coisa excitante ou mesmo desejam ações de nossa parte impossíveis. Um deles chegou a me perguntar se já saí sem calcinha. Respondi que sim, mas que já havia um bom tempo que isso acontecera. Ele quis saber o motivo. Não foi por falta de calcinha, respondi. Passaram-se alguns dias, ele me desejou ao seu lado sem a calcinha. Houve uma vez em que  não me deixou vesti-la, levou-a no bolso da calça depois de termos trepado às mil maravilhas no apartamento dele.

Minha amiga contou uma história parecida. Seu namorado, porém, prefere que ela fale saliências no ouvido dele enquanto trepam, mas ela pede para ele se controlar, que a espere gozar.

"Digo cada coisa, você nem imagina", ela me fala. "Ouve um dia em que fiquei sem saída."

Sussurrou no ouvido do homem depois de dizer uma porção de aberrações:

"você mete no meu cu?"

Ele a virou violentamente e começou a tentar lhe penetrar. Tendo muita dificuldade, reparou que era a primeira vez dela, na posição.

"Estava brincando", tentei me voltar a ele.

"Com essas coisas não se brinca, disse. Tirou uma pomada não sei de onde, passou na ponta do pênis e me penetrou. Ai, está doendo, está doendo, eu repetia. Promessa é dívida, continuou. Não tive saída, a trepada demorou muito, e o namorado gozou lá dentro, gozou tudo que podia. Na semana seguinte, pensei em terminar o namoro, mas não tive coragem, pedi então que me comprasse um anel, na joalheria do shopping. O homem atendeu de primeira. Quando voltamos à cama, eu disse meu amor, espere um instantinho, tirei a roupa e fui virando de costas. Daí em diante, além das histórias maravilhosas que conto, ele ganha de lambuja a minha bunda. Estamos assim há três anos!"

"O meu pediu, numa noite dessas, que eu saísse nua ao lado dele, no automóvel", foi a minha vez de contar. "Se eu for presa?, perguntei. Nesta cidade não existe polícia, afirmou. Adivinhe o que aconteceu!"

"Já sei", disse a amiga, "a polícia resolveu atuar naquele bendito dia..."

Caímos numa intensa gargalhada.

"Com fantasia, o namoro tem mais tempero, e o namorado não procura as garotas mais jovens", completo, "elas não sabem nada disso."