domingo, dezembro 21, 2008

Sob um céu que não nos queria sós

É noite de domingo, estou na casa daquele por quem me apaixonei faz algumas semanas. E estou sem a blusa! Isso mesmo, nua da cintura para cima, com um fogo terrível, e sem o menor acanhamento. Ele está sentado à minha frente, numa cadeira de espaldar alto, olhando-me e sorrindo.

Encontramo-nos às quatro da tarde. Eu disse que queria ver uma árvore que flora apenas de duas em duas décadas; lera sobre ela nos jornais. A bela e vistosa árvore fica no Parque do Flamengo. Andamos grande parte do parque, entre muitos que passeavam ou andavam de bicicleta. Havia recantos vazios, convidativos ao namoro. Mas até ali ainda éramos simples amigos – conhecemo-nos há dois meses num evento sobre artes. Era a primeira vez que saíamos juntos. Quando já ia o sol adiantado, mas ainda claro o dia e de calor envolvente, descobri o grande tronco, os galhos fortes, as folhas rígidas e elegantes e, enfim, as flores. Tinham a beleza lustrosa, ousada, arrepiante, própria das mulheres.. Flores mais belas, jamais as vi...
Tudo resplandecia em êxtase, proporcionava prazer que não queríamos que tivesse fim. Quando ia quase em espasmos de alegria, senti um beijo úmido na nuca. Era ele que, de surpresa, me proporcionava prazer em dobro: a vegetação luminosa e o amor...

Dali em diante caminhamos sob um céu que não nos queria sós. A brisa marinha invadiu a costa e tornou nossos corpos temperados, abertos a arrepios que destemperam o coração. Por fora senti um calafrio gostoso; por dentro, ardia nas chamas de um sol de quase verão.

Tornamo-nos, sem precisar de palavras, namorados quase que antigos, amantes que mantém o fogo sempre aceso e que tem nos toques e beijos o idioma capaz dos mais sutis sonetos e mais complexas epopéias.

Quando a noite começou a cobrir os passeantes e todos se regozijavam com a frescura das horas altas de verão, fomos a um café.

O lugar era de arquitetura antiga, um tipo de palácio transformado em jardim público, museu, restaurante e bistrô. Bebemos devagar, envolvidos na magia do fim de tarde, em harmonia com a felicidade daqueles que também queriam a alegria.

Meu recente namorado beijou-me novamente. Carícia mais demorada e indiferente aos olhares desejosos de prazeres semelhantes. A garçonete sorriu. Imaginei que pensasse no namorado, estivesse ele próximo ou distante; ou mesmo o criasse em pensamento caso não o tivesse.

Quando a noite adentrava a oitava hora, fomos embora. Destino: a casa dele. O passeio findava deixando resquícios de saudade antecipada. Mas se avizinhava hora ainda mais calorenta, hora de corpos que se tocam.

Logo que entramos ele acendeu uma luminária lateral, colocou uma música suave e me ofereceu uma pequena garrafa de cerveja holandesa. Não consegui recusar. Tomamos. Ele também abriu uma garrafinha. O liquido gelado inundou-me; não demorou a me aquecer até às profundezas. Já vinha embriagada pelas flores, pela beleza do dia, pelo constante êxtase, pelo amor e, naquele momento, a cerveja holandesa completava-me o incêndio.

“Que calor terrível”, foi o que falei.
Ele levantou-se; quis ligar o ar-condicionado.
“Não, não precisa”, insisti.
Após deixá-lo sem palavras, irrompi:
“Vou tirar a blusa, posso?”
Assentiu sem se surpreender.
E agora, voltando ao início, estou sem a blusa!


Boas festas de fim de ano. Que em 2009 sejam muitas as realizações. E também muitas as fantasias!

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Vestido curtinho

Ia eu no Plaza, em Botafogo, numa quarta-feira à tardinha. De repente encontro a Vera.

“Oi, que bom encontrar você! Precisava mesmo lhe contar uma novidade. Que vestido lindo que você está usando! E é curtinho...”, falou.

Abraçamo-nos e trocamos beijos.

“Gostaste do meu vestido?”

“Adorei; agora está na moda, não é mesmo? Antes se usava com calças leg por baixo. Mas agora, distância das calças”, sorriu, tocou meu rosto, como se quisesse ajeitar uma mecha do meu cabelo.

“E a novidade que vais me contar? Sabe que adoro histórias.”

“Vamos sentar então na cafeteria do segundo piso”, sugeriu.

Caminhamos lado a lado, ela segurando um dos meus braços. Também estava elegantemente vestida. Os rapazes não a desprezavam; como toda mulher, caminhava vaidosa.

Na cafeteria, começou a contar:

“Olha, conheci um cara, estou com ele faz um mês. É show; me leva pra cada lugar... E eu deixo ele louco. Aprendi aquelas coisas com você.”

“Que coisas?”

“Ah, não se faça de inocente, foi você quem me ensinou.”

“Queres dizer que então estás feliz?”

“Felicíssima”, falou.

“E como ele é?”

“Alto, elegante, educado; e tem trinta anos.”

“Trinta?, que bom.”

“Vou comprar um vestidinho que nem o seu; onde foi?”, perguntou e tocou no tecido, que mal me cobria as coxas. “Vou deixar o homem louco. Esse vestido ressalta bem as pernas de fora!”, sorriu e levou aos lábios a pequena xícara de café.

“Vais dizer que não tens uma roupa curta parecida?”

“Tenho, mas esse seu está tão lindo...”

“Digo a loja e ajudo a escolher.”

“Você é maravilhosa.”

“Ainda proponho mais”, continuei. “Queres andar por aí com ele um pouquinho? Temos o mesmo corpo, empresto.”

“Empresta? Como?”

“Empresto, agora. Quem sabe arranjas mais um namorado?”

“Ah, Margarida, você é maravilhosa. Aceito a oferta. Como vamos fazer?”

Acabamos nossos cafés e fomos a um dos banheiros. Trocamos de roupa. Meu vestido ficou lindo sobre seu corpo. Como ela é talvez um centímetro mais alta que eu, ele ficou um tantinho mais curto. Vesti a calça comprida que ela usava e a blusinha bege.

Quando passamos de novo em frente à cafeteria, a garçonete nos olhou surpresa. Creio que reconheceu nossas roupas invertidas.

Os homens a admirá-la tornaram-se mais numerosos.

“Estás fazendo o maior sucesso, vou deixá-lo com você, depois passo na tua casa e o pego de volta.”

“Jura, Marg?”

“Juro”.

“Você é ótima; adoro você”, ela me beijou num êxtase de alegria.

Despedimo-nos. Ela estava com o corpo quente; ia excitada com a nova roupa.

“Quando você passa lá em casa?”

“Amanhã ao entardecer está bom?”

“Está! Até lá vou fazer o maior sucesso”, sorriu e apertou meus braços com as duas mãos, num último sinal de carinho e alegria.

“Então vá.”

“Tchau, depois de conto.”

“Ah, adivinhaste; vou querer saber tudinho.

Ela riu mais uma vez, virou-se, antes de desaparecer ainda me deu um adeusinho.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Três coisas importantes

A noite começou com três coisas importantes. Em primeiro lugar um namorado lindo; em segundo, um vestido curtíssimo, mais parecia um suéter que não passava da metade das coxas, nem mesmo me permitia levantar os braços; em terceiro, bem deixemos o terceiro pra mais tarde...

Entramos no carro e seguimos pela estrada litorânea. Já escurecera, uma brisa fresca nos refrescava provocando às vezes até mesmo um frêmito de frio. A música do aparelho de CD se espalhava alta. Ele, fugidio, olhava para mim nos momentos em que a estrada permitia. Outros automóveis vinham em sentido contrário, seus faróis eram dois olhos que invadiam prateados a noite recente.

Quando uma longa reta aparecia, meu namorado colocava a palma da mão direita sobre minhas pernas, enquanto segurava o volante com a esquerda. Permanecemos fazendo esse jogo durante boa parte da viagem. Quando avistamos o lugarejo a que ele me prometera levar, um mar ainda claro apareceu banhado por uma lua em fins de crescente. Ele contornou a enseada, parou o carro ante a um restaurante rústico, saltamos e entramos.

Na verdade, o restaurante era uma pequena casa voltada para as areias da praia. Seu interior estava iluminado por velas em castiçais. Uma moça veio nos dar as boas vindas e deixou uma espécie de cardápio, que tinha o formato de uma grande folha de coqueiro.

Lembrei-me da leitura de um capítulo de romance em que havia uma casa de praia e um restaurante parecidos.

Pedimos duas caipirinhas. Meu namorado escolheu camarões graúdos; preferi uma casquinha de siri; depois, talvez, comesse patas de caranguejo.

Olhamos na direção do mar. Escutávamos a explosão das ondas, víamos de relance as espumas, mas a praia estava escura; vez ou outra aparecia o reflexo luminoso de alguma embarcação longínqua, talvez pescadores à espera de um cardume, talvez navios que faziam alguma rota estrangeira.

Na varanda, onde estávamos, não havia mais ninguém; na parte, interna, um casal mantinha-se num namoro inquieto.

Bebemos nossas caipirinhas e logo um fogo interno alçou-nos a vôo mais arrojado. Agarramo-nos e beijamos um ao outro intensamente. Ele enfiou uma das mãos por entre minhas pernas. Permaneceu com a palma estacionada ali durante algum tempo. Quando terminávamos um beijo longo, pleno de volúpia, chegaram os camarões.

Comemos nossos pratos com entusiasmo; tudo estava muito gostoso. Pedimos outras duas caipirinhas. Quando cada um de nós bebeu a metade, o fogo que ardia tornou-se ainda mais intenso e, num momento de excitação, meu namorado arrancou-me a calcinha.

“Ai, você destruiu minha calcinha, coloquei só pra você, e ela era tão bonita”, falei em tom de choro.

“Não se preocupe, vou comprar muitas outras amanhã.”

“Será que vou agüentar sem calcinha tanto tempo?”, perguntei e acabei explodindo numa risada debochada, aconchegando-me mais ao seu lado. Ele me acariciava de todos os modos possíveis. Suas mãos me percorriam e me deixavam cada vez mais excitada.

“Vou tirar seu agasalho.”

“Que agasalho?”, perguntei encolhida.

“Esse vestido-agasalho.”

“Será que a garçonete não vai chamar nossa atenção?”

“Não; acho que aqui não tem problema. As pessoas não vêm aqui só pra jantar, esse lugar é favorável para que se devorem uns aos outros."

Foi então que ele me deixou nua. Pela primeira vez eu fiquei nua num restaurante. Juntei as pernas aos seios e deixei que ele me abraçasse. A garçonete desaparecera no negrume da casa. Acho que para nos deixar mais à vontade.

Embora estivesse escuro e o casal próximo não quisesse saber de nós, senti um pouco de vergonha. Pensei que podia parar um carro com faróis altos, saltar uma porção de gente e me surpreender nua num lugar público.

Meu namorado levantou o braço; chamava a garçonete.

“Não faça isso”, ainda tive tempo de dizer.

Mas ela veio rápido.

“Mais uma caipirinha, por favor.”

“A senhora também quer mais uma?”, perguntou-me; olhou natural, como se eu fosse a mulher mais vestida do mundo.

“Não, obrigada”, acho que deixei transparecer uma ponta de vergonha, mas o que há de se fazer? Ainda tomei um último gole. Encolhi-me mais. Pedi que ele me tateasse a pele. Estava tão gostoso.

Foi então que aconteceu a terceira coisa. Veio vindo lá do fundo, um orgasmo tão intenso, algo que eu jamais sentira, uma espécie de gozo, mesmo sem penetração. Sussurrei:

“Ai, nunca senti o que estou sentindo agora, uma coisa tão boa, me aperta mais, vai.”

Ele me apertou. Peguei uma de suas mãos e a encostei naquela parte em que as mulheres sentem mais desejo.

Depois, dentro do carro, antes de deixarmos aquele lugar maravilhoso, ele me deitou no banco, escalou meu corpo, abriu meu sexo e permaneceu lá dentro, quente, muito quente...

terça-feira, novembro 18, 2008

Certa vez me pediste que eu viesse nua a teu encontro

Bons são aqueles motéis em que se entra com o automóvel, percorre-se uma via estreita até encontrar o boxe desejado, e logo que se salta abaixa-se o toldo, ficando o carro às escondidas. Caso se decida por um deles já a noite escura ou madrugada, é possível lá chegar nua por inteiro. Ninguém terá o prazer de reparar, mesmo que o automóvel tenha vidros transparentes.

Certa vez tive um namorado que gostava de encontros em motéis desse tipo. Então, decidi fazer-lhe uma surpresa. Já saíramos juntos outras vezes, namoramos em hotéis do litoral; viajamos a fazendas, envolvemo-nos ambos nus, namoros secretos noturnos. Mas agora estávamos numa cidade grande. Mesmo assim aventurei-me a surpreendê-lo.

Marcamos num motel dos arrabaldes. Como as mulheres sempre se atrasam, não quis portar-me diferente. Ao chegar, ele já me esperava; e ia impaciente.

“Pensei que não mais viesses”, falou-me um tanto taciturno; mas recobrou-se ao ver que nada me cobria a pele. “Como vieste nua?”

Tapei-lhe a boca, cobri-lhe a voz com mil beijos atrasados.

“Onde estão tuas roupas?”

“Em casa”, respondi; rolei sobre ele, abracei-lhe e procurei seu sexo excitada.

“Em casa?”, repetiu minhas palavras; demonstrava mais interesse pela história do que pela mulher nua ao lado.

“Não mais queiras saber coisa alguma”, abracei seu corpo com mais força e o aprisionei em outro longo beijo.

Abri-me tal qual flor de Andaluzia. Escorregou sem impedimentos, deslizou entre meus óleos naturais. Permanecemos unidos; eu mordia-lhe o pênis fazendo contrações com o músculo do meu sexo, não era preciso movimento além.

Durante hora e meia amamo-nos calorosos; de ruídos, apenas nossa respiração, parcos gemidos e suspiros de prazer.

Quando acabamos, ou melhor, essas coisas nunca se acabam, interrompem-se para logo após reiniciarem-se. Mas quando demos conta de que não poderíamos viver ali uma vida inteira, aprontamo-nos. Quer dizer, ele aprontou-se. Eu ainda ia nua. Sem dizer palavra alguma, levantou-se e por mim esperou. Acompanhei-o até o pequeno toldo. Meu carro ficara debaixo do toldo do boxe ao lado.

“Ainda bem que ninguém reclamou pelo apartamento ao lado, teríamos de interromper nosso namoro”, ele disse.

Beijei-o e corri para meu carro; sentei-me no banco do motorista; bati a porta e deslizei meio vidro para que ele viesse me beijar uma vez mais.

Até ali, tentou não demonstrar surpresa alguma. Mas, de repente, deixou escapar:

“Não acredito que não tens o que vestir.”

Percorreu os bancos com os olhos, depois falou:

“Deixa ver a mala.”

Não lhe dei tal permissão.

“Duvido que não trouxeste ao menos um curto vestido”, falou em voz embargada de desejo.

“Pensa como quiseres; certa vez não pediste que eu viesse nua a teu encontro? Devias estar satisfeito.”

“Claro que estou; mas estou também preocupado. Se te descobrem nua a caminho?”

“Não te preocupes; tenho meus recursos; e a noite sempre foi amiga das mulheres apaixonadas.”

Beijei-lhe ainda uma vez, dei a partida e mergulhei na madrugada nua.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Copacabana

A avenida Nossa Senhora de Copacabana é uma via atraente. Não só a taxistas que trafegam lentos, quase acompanhando o pedestre distraído, mas também a homens ou mulheres que vão às compras ou a passeio. Várias lojas alinham-se disformes, múltiplos os tamanhos, e às vezes há as galerias. Exibem de preferência roupas, mas se este não for o desejo, encontra-se todo tipo de produto. Poucos olham acima; e se o fazem surpreendem-se com os altos edifícios. Onde o céu?, onde o sol?, mas não é impossível a claridade. Esta vai no brilho dos olhos das mulheres e dos jovens, para quem são transparentes as torres de concreto. Perto do Posto Seis, nas ruas que atravessam a avenida, predomina uma atmosfera de bairro rico, morada de senhores e senhoras filhos da fortuna. Descendo, seguindo em busca do comércio popular e de corpos de maior temperatura, o bairro arrefece, encontra o homem comum, o passeante solitário, a mulher freqüentadora dos pequenos salões de beleza, os bares sempre cheios, o incógnito bebedor de cerveja. E no espaço aéreo, amontoa-se em conjugados o sangue quente, o pulsar constante. Andando pelo Posto Quatro é preciso ter cuidado. As tentações são várias, as cores se multiplicam, sente-se na boca amálgama lustroso, licor tentador que embriaga e embaraça. Então a roupa torna-se leve, sobretudo à mulher lívida; a saia ou o vestido sobe, o tecido parece que foge, e às vezes não se resiste a mergulho repentino em teia disfarçada e envolvente. Desliza-se da rua movimentada a prédios de corredores compridos, confunde o labirinto de portas e escadas; elevadores lentos, de sons arranhados, transportam a universos perfumados. Então não se sabem nomes, identidades ou procedências; mãos ávidas procuram a pele branca, os poucos pêlos, desfazem as amarras; e corpos antecipando suores, em meio a lâmpadas de dourado arredio, embebedam-se de caldo andaluz, vinho pleno de volúpia. Mas a rua me dá remate de sobrevida; meu coração, em ritmo de dançarina eslava, transpõe o primeiro obstáculo, vitória ainda que precária; deixo para despejar enzimas acre-doces em hora de mais valia. Um café expresso detém-me próxima à entrada de um hotel. Desfraldam-se as bandeiras sobre as marquises, um funcionário em traje a rigor abre a grande porta de vidro à comitiva estrangeira. Delicio-me na bebida de pó escuro, encorpada, quase amarga. Levanto os olhos em meio a sorrisos e espelhos, aprecio a silhueta de ator americano. Deixo-o em meio a fitas de outros tempos e, sobre o passeio, sou levada por torvelinho de rapazes sorridentes; cuido da bolsa e da carteira, mas sei que desperto interesses submersos. O ar da praia!, agora o percebo, chega-me em boa hora, aguça-me os sentidos, excita-me. Uma dúvida feliz arrebata-me. O que faço?, rumo à beira-mar?, ou engalfinho-me nos arredores urbanos da noite que se anuncia? Desfaço-me das dúvidas diante de loja requintada. Modelos e fazendas escarlates sobem-me como caldo que incendeia. Observo a blusa de fazenda leve, talvez algodão quase transparente. Visto uma saia comprida, argolas como cinto, dourada de espelhos. No pescoço, não dispenso um colar que parece fantasia, mas arrebata-me artesanato em ouro. Sou outra pessoa. Não mais desejo mergulhar no novelo urbano da ante-noite, mas na suíte de meu hotel. Aconchegada, sobre tapete de pétalas, envolta em cortinas e ar-fresco, na entre-sombra que antecede o crepúsculo, quero olhar-me no espelho. Depois, de roupa nova luzidia, inundar-me do calor próprio dos amantes, enquanto diplomata estrangeiro admira-me entre as mesas do salão de chá, no hotel que tem nome de palácio.

sábado, outubro 25, 2008

Coisa de cinema

O bar era em Pinheiros, pequeno mas chique. No interior, muitos copos e taças de cristal; bebidas diversas; revestimento todo em madeira; mesas pequenas, cada uma com um abajur; o balcão comprido com vários bancos ou cadeiras, todos altos e, do lado de dentro, um discreto e atencioso barman. Era para este local a que eu me dirigia todas as tardes, a partir das quatro horas. De lá era possível observar a rua através dos pequenos quadrados de vidro emoldurados pela porta de madeira. Quem passava lá fora via o contorno das poucas luzes sobre a decoração impecável. Sempre eu encontrava duas mulheres, que já estavam bebendo, de preferência uísque; cumprimentavam-me com cordialidade, mas jamais me convidaram para sentar junto a elas. O funcionário, jovem e bonito, compenetrado em seu trabalho, sempre me sorria e não se demorava a trazer-me a bebida que eu pedira nos dois primeiros dias, conhaque diluído em menta.

Um senhor de mais de 70 anos estreou no ambiente numa tarde de quarta-feira. Trajava um terno impecável. Seus cabelos eram brancos e tinha o rosto rosado. Chegou-se ao balcão e pediu uma dose dupla de uísque. Bebeu-a de uma vez. Em seguida, pediu outra. Levantou de novo o belo copo, como se talvez bebesse água, e fez o líquido dourado desaparecer suave em meio a seus lábios. Só então, tranqüilo, pousou o copo e disse algumas palavras. Todas dirigidas ao barman. Este o ouvia impávido, silencioso, para logo depois expressar ligeiro sorriso, voltando a seguir à fisionomia inicial. O senhor, já com a terceira dose nas mãos, lançou os olhos através do bar e descobriu, um tanto surpreso, as três mulheres que compunham a clientela até aquele momento. Sorriu para todas e recebeu em retribuição expressões semelhantes. As duas que sentavam à mesma mesa ainda se demoraram em seus sorrisos convidativos. Aguçando o ouvido era possível escutar, já que o bar era silencioso, a história que o senhor começara contar ao empregado.

Inicialmente perguntou: “o senhor é barman aqui há muito tempo?” esperou alguns instantes para o homem responder através de um movimento de cabeça. “Conhece então todos os clientes?” “Os habituais”, foi a resposta que obteve. “Procuro uma mulher, há alguns dias a vi sair daqui”. Explicou com poucas palavras como era a mulher. O funcionário entortou um tanto a cabeça enquanto passava álcool em alguns copos. “Não sei, talvez seja alguém que tenha vindo aqui uma única vez”. O senhor terminou de beber e colocou o copo sobre o balcão. “Pena, procuro-a há muitos anos; fui seu amigo, era uma mulher esplêndida”. Abriu a carteira e colocou sobre o balcão uma nota de valor elevado. Antes que o barman a apanhasse, pediu mais uma dose dupla. Foi atendido com presteza. Bebeu-a quase de um gole só; não quis troco.

No dia seguinte, a cena se repetiu. Apenas eu me acomodava na mesinha de costume, o senhor entrou de novo. Vinha trajado ainda impecável, de gravata borboleta preta. Sentou-se no mesmo banco de véspera. O barman lhe sorriu e despejou no copo a mesma bebida. “Como o senhor é atencioso! Nem precisei me manifestar! Como adivinhou que eu pediria uísque?” “As pessoas dificilmente mudam; os pedidos quase sempre são os mesmos”. Depois de alguns minutos indagou: “Gostaria de saber se a senhora sobre quem lhe falei ontem apareceu por aqui”. “Não, infelizmente”. “O senhor como é um barman deve ouvir muitas histórias. Vou contar-lhe em particular mais uma. Essa mulher representou muito para mim, gostei muito dela; tudo aconteceu vinte anos atrás...”

Eu entreouvia a conversa. Às vezes o tilintar dos copos das duas mulheres, ou algum ruído que o barman deixava escapar na sua furiosa ação de dar brilho às taças que lhe estavam pela frente, ou mesmo algum vestígio do som da cidade fervilhando lá fora não permitiam que a voz do homem chegasse a mim. Em síntese: tratava-se de uma mulher que, no passado, traía o marido todas as tardes; ela achava que casos extraconjugais ajudavam a manter o casamento; e o marido era verdadeiro em seu amor por ela. Apenas uma pessoa soubera de seus passos furtivos; o senhor que, agora, conversava com o barman. Este funcionava como uma espécie de psicanalista de boêmios ou alcoólicos; estava acostumado a histórias diversas e ainda pôde demonstrar surpresa pelo que ouvia, pela figura excêntrica de alguém que se portara, ao menos em aparência, de forma tão pudica e, mesmo ao se expor a ações tão transgressoras, conseguira se sair incólume. “Vou revelar uma coisa ao senhor. Já que confiou em mim e que está a se tornar um cliente habitual, vá ao Hotel Degar, ela reside ali. Procure-a pelo mesmo nome que o senhor me deu”. Já havia tomado duas doses duplas. Pediu ainda uma terceira e deixou sobre o balcão, sem esperar troco, outra nota de valor maior.

Na tarde do dia seguinte, eu ia com interesse ao mesmo bar. Queria saber a continuidade da história. Mas uma amiga me deteve nas imediações do Centro. Tivera um problema e pediu que a ajudasse. Interei-me do assunto; e o que ela queria eu tinha de reserva na bolsa. Agradeceu-me e se foi, pois precisava terminar de preparar-se caso não quisesse perder o dia. A aventura anterior, aliás, um verdadeiro despropósito, praticada sem os cuidados inerentes à profissão, quase a deixara em apuros. Desci do metrô, andei duas quadras e entrei um tanto perplexa e esbaforida no bar. O empregado sorriu quando me viu e trouxe a bebida de sempre. Nessa tarde, não vi nem as mulheres nem o senhor de terno.

Só na segunda-feira as encontrei mais uma vez; e, no balcão, o senhor impecavelmente vestido. Quando entrei, todos me olharam em sinal de cumprimento e aprovação. Creio que, como já fazia parte da clientela vespertina, sentiam a minha falta. Ele continuava a contar sua história ao barman. Creio que já bebera duas doses duplas e uma terceira jazia ante seus olhos. Ouvi-o, enquanto eu acendia um cigarro, “Consegui marcar um jantar a dois, eu e ela; ocorreu no sábado, no restaurante de um desses hotéis para turistas estrangeiros. Quis um reservado. Mas ouça-me, a coisa não se deu tão bem como eu esperava. Hoje ela é outra mulher, ou seja, uma mulher arrependida. E ainda se martiriza com uma dúvida”. O barman o olhava sério, sempre estava a fazer algo, como lustrar algum copo, ou arranjar o lugar apropriado a uma garrafa deslocada. “Dúvida?”, ainda repetiu, “mas não era tão atirada?”. “Isso, boa essa palavras, é das antigas: atirada. Ela era tão atirada! Sempre voltava antes do marido para casa, mas era atirada. Eis a dúvida: acha que o marido ao morrer sabia de suas artimanhas. Ela desconfia de que um amigo revelou a ele o segredo. E sabe de quem? De mim. Diz que eu era o único que sabia de sua história e que era amigo de ambos. Ora, veja... Mais um duplo, por favor!”

Pus-me a admirar aquele homem. Embora velho e solitário, encontrava sentido para a sua vida. Naquela tarde, antes de ele se retirar, ainda uma vez ouvi sua voz. “Disse então a ela: ‘veja estou velho, sou alcoólatra, mas mantenho a alegria de viver’. Ela levantou-se, derrubou a taça de vinho, algum talher e se retirou. Mas como ainda é bela!”.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Em suas mãos

Eu estava em casa, tinha acabado de almoçar, quando o telefone tocou.

“Oi, Marli?”

“Sim, sou eu.”

“Aqui é o R., tudo bem?”

“Oi, R, como vai?, quanto tempo...”

“Tudo, quanto tempo, não? Acho que vou aceitar aquele seu convite, continua de pé?”

“Que convite?”, perguntei com falsa ingenuidade.

“Aquele que você me fez há seis meses; passar alguns dias com você aí, em Guarapari.”

“Ah, claro que está de pé, terei imenso prazer em receber você.”

Marcamos os dias, conversamos mais algumas amenidades e desligamos. Ele chegaria numa quinta e ficaria até domingo.

É preciso dizer que eu e R. fomos namorados em outros tempos. Quando o conheci eu já não era tão jovem, mas tinha o mesmo ímpeto de uma garota nova. Ele adorava tirar toda a minha roupa; extasiava-se quando eu ia de saia curta e permitia que ele me roubasse a calcinha. O que fez aquele homem dez anos mais jovem do que eu atraído sempre por mim foi, no entanto, uma história que contei a ele.

Certa vez, enquanto fazíamos uma caminhada pela orla marítima no Rio, numa manhã de sol, narrei um fato que me acontecera.

“Sabe, desde muito jovem sempre gostei de usar biquíni, e desses bem pequenos.”

Ele me olhou demonstrando mais interesse.

“Um dia mergulhei de uma pedra, no tempo em que a praia do Flamengo era mais propícia ao banho; ao romper a superfície e deslizar sob as ondas, a temperatura fria da água do mar em contato com meu corpo quente provocou em mim tamanha excitação, que me levou ao orgasmo.”

Ele riu.

“Não acredita?, é sério, gozei com a temperatura da água; nunca tinha sentido aquilo antes. Foi tão bom!”

“Você estava sozinha?”

“Estava; eu morava perto da praia.”

“Então toda vez que você entrava na água isso acontecia?”

“Não, só aconteceu aquela vez. E olha que eu tentei muitas outras, tirava até o biquíni pra ver se conseguia, mas não gozei de novo daquela maneira.”

“Tirava o biquíni?”

“Isso, tirava ele todo.”

“As pessoas não reparavam que você estava nua?”

“Não, se a gente tirar só a parte de baixo ninguém repara.”

“E onde você o guardava?”

“Enrolava no braço, feito uma pulseira.”

Ele me olhou um tanto excitado, depois disse:

“Quando viermos à praia para tomar banho de mar, quero que você faça isso. Aí, roubo sua pulseira.”

“Não vou deixar. Até tiro o biquíni, mas não dou em suas mãos.”

Ele riu mais uma vez.

“Vou dizer a você”, continuei, “voltando ao assunto, por mais que eu tirasse o biquíni, nunca mais consegui o prazer que senti naquele dia. Foi uma vez única, nunca me esqueci. Até hoje tiro o biquíni, mas não com essa intenção. Acostumei ficar nua no mar.”

“As pessoas nunca te descobriram nua?”, perguntou de novo, muito interessado.

“Não, já disse. Nunca ninguém reparou. Até já conversei nua com um homem. Ele nem notou.”

Alguns dias depois, ao namorarmos na casa dele, ouvi sua voz, quase um sussurro:

“Qualquer dia desses vou levar você à Floresta da Tijuca, vou tirar toda a sua roupa, então vamos trepar. Quero também que você caminhe nua sobre a relva.”

Naquele momento, fui eu que fiquei excitada.

R. gostava que eu gritasse ao atingir o gozo. Eu já tinha esse costume, mas com ele gritava mais alto.

Uns dias depois saímos novamente. Fomos a vários lugares. Mas ele esqueceu sobre o passeio à Floresta. Então falei:

“Você não cumpriu sua promessa.”

“Que promessa?”, perguntou esquecido.

“De me deixar nua na Floresta!”

Olhou um tanto surpreso, depois falou:

“Assim que pudermos, iremos lá.”

Acreditei, mas nunca aconteceu.

A vida complicou-se, separamo-nos, deixei o Rio de Janeiro e passamos a falar um com o outro poucas vezes. Arranjei um namorado com quem fiquei por uns tempos. Há seis meses, quando fui ao Rio, encontrei R. novamente; fiz então o convite.

Guarapari é uma cidade bonita, tem muitas praias e alguns lugares desertos que podemos fazer passar por florestas. E tenho muitos biquínis, cada vez menores. Todos prontos a transformarem-se em pulseiras. Mas dessa vez entro n’água primeiro, não falo nada, deixo que ele descubra que estou nua. Depois, coloco a pulseira num dos braços dele e digo:

“Sou sua; estou inteira nas suas mãos!”

sexta-feira, outubro 03, 2008

Ilha Joaquina

As primeiras luzes do amanhecer já despontavam numa parte do céu. Miriam disse para mim:

“Ai, meu deus, se não formos nesse barco, vamos ter muitos problemas, é melhor não esperarmos mais.”

“Quer ir assim mesmo?", perguntei.

“Vamos”, ela afirmou.

Quando o homem encostou a pequena lancha no ancoradouro, mostrou-se a princípio sério, pois provavelmente era pessoa experiente e já se deparara com diversas situações semelhantes, mas depois estampou um meio sorriso malicioso, como se dissesse: “ah, essas mulheres...”

Miriam subiu na embarcação abraçada a mim. Num primeiro momento, alguém que a olhasse não notaria nada de estranho. Ela trajava saia preta que ia até um pouco acima dos joelhos e botas compridas, muito bonitas, que lhe cobriam os tornozelos.

“Você acha que alguém vai notar?”

“Claro que não, ainda está escuro, e ao chegarmos do outro lado entramos logo num táxi.”

“E como vou subir assim no meu prédio?”

“Vamos para minha casa, lá não há problema algum.”

Miriam fora convida para uma festa numa famosa ilha. O figurão que fizera o convite acrescentara: “traga uma amiga, será também muito bem recebida.”

No lugar, rodeado por praias lindíssimas, havia apenas duas residências; eram verdadeiras mansões. A vegetação cobria uma delas, enquanto a outra tinha um dos flancos que podia ser apreciado desde o momento em que pisávamos em terra. Além de usufruirmos uma noite belíssima, cheirosa, com o paladar de vinhos e champanhe franceses, teríamos à nossa disposição homens dos mais variados. O convite não falava explicitamente sobre uma exigência de praxe naquele tipo de festa: as mulheres, logo que desembarcavam, tinham de entregar a blusa numa barraquinha próxima; recebíamos uma pulseira com um pequeno número. Dali para frente, caso despíssemos outras peças, tínhamos de tomar conta. Não se podia vestir sutiã nem top, ou qualquer outro tipo de cobertura. Quaisquer roupas eram permitidas, desde que se estivesse com os seios à mostra. Como eu e minha amiga já éramos experientes em festas mais ousadas, fomos com muita animação.

A exibição foi intensa. Todas tinham muito orgulho em mostrar os seios. É lógico que a essas festas só comparecem mulheres que estão com tudo em cima, ou quase tudo. As mais jovens, no começo, demonstraram uma ponta de vexo, às vezes mesmo inconscientemente faziam algum gesto como se quisessem esconder os seios atrás das mãos, mas, depois de uma ou duas taças de vinho, soltavam-se e não tinham mais vergonha alguma. As mais velhas faziam questão de mostrar que possuíam os seios bastante rijos, mesmo que em conseqüência de algum tipo de cirurgia plástica; assim eles haviam voltado à posição de alguns anos atrás. Também vi algumas mulheres com os seios avantajados; ofereciam-nos aos rapazes mais jovens, que os tocavam sem embaraço.

Dançamos muito; namoramos principalmente; comemos e bebemos sem ter nada a reclamar. Houve várias entradas, canapés, pães, pastas, e um jantarzinho depois da meia-noite. Um entendimento era implícito: as pessoas não deviam circular totalmente nuas nem deviam fazer sexo dentro dos salões; nas varandas e na parte externa, porém, tudo era permitido.

À uma e trinta houve a eleição da mulher que tinha os seios mais bonitos. Todas as pessoas podiam votar e a todas as mulheres era permitido concorrer. Ganhou uma amiga nossa, a adorável Júlia, que estava na casa dos trinta anos. As mais jovens morreram de inveja.

Lá pelas duas da madrugada escolhi um bonitão, que me deixou nuazinha. Trepamos no jardim; eu sobre a grama e ele sobre mim, foi uma delícia. Depois fez que eu passeasse nua ao lado dele por toda a ilha. Encontramos, num trecho da praia, três jovens também despidas por inteiro, mas elas trepavam com apenas dois homens. Chamaram-nos; ficaram então quatro mulheres para três deles. Um dos rapazes, ao me ver, correu e me agarrou. Sussurrou no meu ouvido: ”adoro mulheres sem pêlos”.

Miriam também se perdeu pela ilha com vários bonitões. Disse ter cometido algum exagero. Sempre falou que normalmente não gosta de sexo anal, mas naquela noite, depois de três taças de champanha, acabou deixando um rapaz fazer amor com ela do jeito que ele queria; contou que gritava a ele: “por favor, não goza, fica mais tempo, não goza!”.

Lá pelas quatro e meia, após muita música, bebida, comida e namoro, resolvemos sair à cata de nossas roupas. Houve apenas um problema, Miriam perdeu a pulseira e, para recuperar a blusa na tal barraquinha, ela era necessária. A funcionária de plantão no local nos informou que, sem a senha, seria preciso esperar até que todas as mulheres tirassem as suas blusas.

Só que Miriam começou a ficar nervosa; viu que não demorava a amanhecer.

Então resolvemos ir embora assim mesmo.

Mas, no balanço final, valeu a pena. Adoramos a festa!

quinta-feira, setembro 18, 2008

Aposta

Tudo começou com uma aposta.

“Duvido que você faça isso”, disse minha amiga.

“Faço, não tenho medo nem vergonha.”

“Aposto que você não faz; não acredito.”

“Quer apostar mesmo? Digo que vai perder...”

Acabamos apostando. Agora não lembro a quantia, mas não era alta; o que valia era o intento.

A luz do corredor do meu andar apagava quando não havia presença humana. Mas o lugar onde eu decidira sentar, no quarto ou no quinto degrau da escada, entre o sexto e o sétimo andar, fazia que o sensor constantemente acendesse a lâmpada, o que de certa forma podia despertar a atenção de algum morador que estivesse acordado. Eu esperava aquele homem misterioso ali, quase junto à sua porta. Sabia que ele morava só e sempre chegava do trabalho por volta das duas da madrugada. Para completar, cumprindo as exigências da aposta, eu estava nua. Isso, nua em pêlo. Sentia a pedra fria da escada sob meu bumbum; a estação do ano não era de frio, mas a noite estava fresca; uma ligeira corrente de ar arrepiava minha pele.

Percebi quando o elevador começou a subir. O marcador enumerava os andares. Quando parou no sexto, senti um frio na barriga. Mas respirei fundo e aguardei os acontecimentos. Encolhi-me, encostei a parte da frente das coxas aos seios, envolvendo as pernas com os braços, feito um cordão. A única coisa que eu temia era que a pessoa que saísse do elevador não fosse quem eu esperava.

Não me enganei. Era ele mesmo, o morador do 603.

Ao me avistar, teve um ligeiro sobressalto. Depois olhou de novo, como se não acreditasse no que via. Em seguida chegou a sorrir, mas um sorriso nervoso.

Fiz fisionomia de desencanto.

“O que houve?”, perguntou ainda assustado.

“Uma separação”, respondi.

Ele abriu a porta um tanto atrapalhado e perguntou:

“Quer entrar?”

Levantei-me, cobri os seios com as mãos e caminhei para dentro do apartamento.

Fechou a porta e falou:

“Vou lhe dar alguma roupa”, fez um gesto de quem vai à procura de alguma coisa.

“Não é necessário, aqui dentro já me sinto segura.”

Ficamos os dois olhando um para o outro.

“Acho que daqui a pouco minha amiga já vai estar mais calma, então poderei voltar.”

“Mas, nua?”

“Está tarde, ninguém vai perceber”, falei.

“Apenas eu a vi nua?”, quis saber.

“Sim.”

“E o que fazemos, agora?”, disse ainda assustado, como se minha nudez fosse um grande estorvo.

“Não há problema algum, podemos conversar um pouquinho até que a minha amiga se acalme.”

“Sente-se, por favor, tem certeza de que não quer vestir nada?”

“Tenho”, acomodei-me numa poltrona, cruzando as pernas.

“Bebe então algo?”

“Bebo.”

O engraçado foi o seguinte: a nua era eu, mas ele é que continuava nervoso.

Bebemos. A bebida fez que ele relaxasse.

Sorri algumas vezes.

Então compreendeu minhas intenções. Aproximou-se, mas demorou para tocar meu corpo.

“Por essa eu não esperava, acho que acertei na loteria”, falou e também sorriu.

Saí de lá por volta das quatro da madrugada.

“Tem certeza de que não quer vestir nada? Você vai sair assim, nua?”

“Vou.”

“Caso sua amiga não abra a porta, pode voltar, tá?”

Depois de cinco minutos, bati com o nó do dedo médio três vezes em sua porta.

Ele abriu.

Eu, ainda nua e cobrindo os seios com as mãos, sorri para ele:

“Voltei!”.

quinta-feira, setembro 04, 2008

O xale

I

“Ele nos convidou.”

“Quem?”

“O Diógenes.”

“Que Diógenes?”

“O magnata; aparece em todas as revistas de celebridades; nunca ouviu falar dele?”

“Ah, o que mora na Viera Souto?”

“Esse.”

Marieta olhou-me e esperou o motivo do convite. Como nada falei, perguntou:

“Convidou pra quê?”

“O que você acha que ele deseja?”

“Ele é capaz de conquistar mulheres mais jovens e mais belas; o que há de querer de nós?”

“Não percebe, Marieta? Ele gosta de nossa ousadia.”

“Verdade, não existem mulheres mais ousadas do que nós.”

A garçonete chegou com nossos pedidos. Estávamos numa cafeteria, na Visconde de Pirajá. O cheiro agradável da bebida estimulou nossos sentidos. A moça trazia também um quiche de legumes para mim e um cheese cake para minha amiga. Outras pessoas aqui e ali nas mesinhas de madeira circundavam-nos.

“Mas esses milionários parecem que são tarados; ele faz uma exigência particular”, falei.

“Qual?”

“Como sabe que somos mulheres ousadas, quer o seguinte: eu e você temos de vestir a mesma roupa.”

“Mesma roupa? Então quer dizer que temos de ir exatamente vestidas de modo idêntico?”

“Não, não é isso.”

“O que é então? Não entendo...”

“Preste atenção, o que ele quer é o seguinte...”, interrompi para beber mais um gole do meu expresso, “...devemos dividir as roupas que caberiam a uma só pessoa.”

“Esse homem é louco?”

“Pelo que me consta não, mas quem sabe?”

“Você acha possível irmos como ele exige?”

“Marieta, você sabe que para obtermos nossas vantagens sempre damos um jeito.”

“Mas vamos fazer o papel de ridículas, vamos nuas ou seminuas...”

“Pior é sair vestida e voltar nua...”

“Por favor, não me lembre sobre isso!”

“Creio que tenho uma solução.”

Marieta levava à boca o último pedaço de seu cake.

“Qual?”, ela quis saber.

“Ele não disse a quantidade de roupas que podemos vestir.”

“Pessoas desse tipo são exigentes; caso não sigamos o que ele quer não vamos ganhar coisa alguma.”

“Querida, não vamos exagerar; lembre-se de que estamos no inverno; vamos fazer assim: você vai vestida como de costume, eu arranjo um xale, envolvo o pescoço e depois o resto do corpo. Vamos de carro; poderemos deixá-lo na garagem.”

Acabei de tomar os últimos goles do café, chamei a garçonete e pedi um pedaço de torta de morango com chocolate. Marieta deu-se por satisfeita.

II

Sobre uma pequena mesa lateral, havia uma estátua mediana de uma deusa grega. A base era de mármore e o corpo da deusa de bronze. Nua, ela destacava-se em meio a outras pequenas obras de arte que se espalhavam pelo salão. Uma vez que a noite estava clara, podia-se admirar o mar através dos vidros da grande janela que ocupava toda a frente do apartamento.

Não foi necessário que uma de nós chegasse nua. Através de um telefonema, ele nos deixou livres para encontrá-lo vestidas do jeito que bem desejássemos. Aproveitamos a época de inverno, que não é tão intenso no Rio, para vestirmos tecidos sensuais. Ao mesmo tempo em que nos insinuávamos, instigávamos a imaginação dele.

Tentou o mais que pôde ser gentil. Falou sobre arte, que era sua especialidade. Ficamos ouvindo-o, enquanto percebíamos o som ambiente; algumas vezes Mozart; outras, Chopin.

Em certo momento, Marieta soltou o cinto. O vestido dela era daqueles que se assemelham a um balão; fecham-se na parte de baixo em relação à cintura e despertam nos homens a vontade de enfiar uma das mãos sob o tecido e escalar as pernas de quem os usa. Nosso anfitrião a olhou com maior intensidade. Percebemos que o desejo tomou-lhe quase num golpe súbito. De repente, falou:

“Fiquem à vontade, não há mais ninguém aqui, além de nós três.”

Retirou-se durante alguns minutos; foi até a copa para nos trazer alguma coisa para saborearmos. Entendemos o que queria.

Marieta, num impulso intuitivo, tirou toda a roupa. Segui-a nos mesmos gestos.

Quando ele voltou, fez de conta que nada de mais havia acontecido.

“Querem um pouco de frios? É bom para acompanhar o vinho.”

Ele trouxera uma tábua arrumada artisticamente. Tudo o que fazia tinha um toque de beleza.

Eu e Marieta mantivemo-nos sentadas, de pernas cruzadas, em postura altiva e glacial. Trajávamos apenas nossos adornos: brincos, colares, pulseiras, anéis; e nos mantínhamos sobre saltos.

“Nunca estivemos aqui”, falou em voz baixa minha amiga, olhando ao mesmo tempo para a decoração do ambiente.

“Faltavam-me meios de encontrá-las; agora podem vir quando quiserem.”

“Obrigada, é muito gentil”, foi minha vez de falar.

“Adoro mulheres maduras e lindas.”

“Há muitas lendas a seu respeito”, continuei.

Marieta acendeu um cigarro.

“As lendas multiplicam-se mas, como vocês podem constatar, sou uma pessoa simples.”

“Também somos”, falei.

“Vocês sempre saem juntas?”

“Quando nos convidam...”, Marieta sussurrou, soltando a seguir a fumaça do cigarro.

“Dizem que andam nuas pela cidade.”

“Também são lendas”, repliquei, “nunca nos cobrimos tanto.”

“Posso fotografar vocês”, pediu-nos com delicadeza.

“Claro”, falei, “ficaremos muito lisonjeadas.”

Fez-se então a sessão de fotos. Ajudamos nas poses. Ele mostrava-se cada vez mais excitado.

Depois, convidou-me a segui-lo. Marieta permaneceu na sala, em meio à luz de abajures e envolta na magia da fumaça do próprio cigarro.

Não preciso dizer tudo que proporcionei a ele; houve vários momentos em que se viu imerso em intenso frêmito.

Depois pediu que Marieta entrasse. Quis que eu ainda permanecesse. Exercitou-se num jogo duplo, difícil para alguém de sua idade.

Disse para nós: “vocês são capazes de voltar nuas para casa?”

Marieta arregalou os olhos.

Antecipei-me com naturalidade:

“É claro que sim.”

Enquanto falava o acariciávamos.

“Não se assuste, depois que ele gozar não vai falar mais nisso”, pude dizer à minha amiga quando ele se demorou num gemido mais alto e prolongado.

“Ah, adoro mulheres como vocês; são capazes de tocar os homens no que há de mais fundo.”

Trabalhamos intensamente a sua sensibilidade. Ele mostrava-se à beira do gozo, chegava a urrar, mas equilibrava-se num fio tênue, conseguindo prolongar o prazer que proporcionávamos. Pensei que morreria.

“Vamos parar, ele pode ter um troço”, sussurrei.

“Que tenha, quero minhas roupas de volta.”

Apontei para o pênis e para a boca de minha amiga. Ela acudiu.

Passei minhas mãos por baixo das nádegas do homem, segurei-lhe a parte posterior do pênis puxando seus testículos carinhosamente na direção oposta a que ia a boca de Marieta. Então ele gritou terrivelmente. Ejaculava. Quando acabou, minha amiga ameaçou correr ao banheiro. Segurei-a, colei meus lábios aos dela e fiz que me passasse todo aquele mel. Quando a tarefa se deu por terminada, virei para ele, abri ligeiramente a boca e deslizei a língua com vagar pelo meu lábio superior. Ele, num novo grito de regozijo e num último lampejo, como um foguete que ainda explode atrasado, lançou ainda um jato de esperma. Caiu então para trás, mergulhando numa branda sonolência.

Deixamos o quarto. Vestimo-nos. Sobre uma das mesas havia dois envelopes com nossos nomes. Guardamos os envelopes.

Voltei ao quarto para me despedir. Beijei-o. Ele abriu os olhos; estava exausto. Sorriu.

“Ainda deseja alguma coisa, querido?”, soprei em seu ouvido.

“Não, obrigado; se vocês quiserem, podem ir.”

Fiz sinal para que Marieta o beijasse.

Falei mais uma vez: ”tens certeza de que não desejas mais nada?”

Marieta, após beijá-lo, arregalou os olhos em minha direção.

“Não; mas voltem sempre; não esquecerei vocês.”

terça-feira, agosto 19, 2008

Litoral norte

Sempre gostei de dormir apenas de camiseta, nada por baixo a me apertar. Quando fui passar uns dias de férias na casa de uma amiga, no litoral norte, continuei agindo da mesma forma. Certa noite procurei uma um pouquinho mais comprida, que me disfarçasse a nudez, mas não a encontrei. Já fazia alguns dias que estávamos ali e nossos pertences se encontravam meio bagunçados. Para não dormir totalmente nua, vesti uma pequena blusa que ia no máximo até o umbigo. No dia seguinte acordei cedo como sempre e fui fazer o café. Adoro fazer café e tomar a primeira xícara. As outras pessoas costumavam dormir até bem mais tarde, e eu sempre me via só na ampla cozinha. Fui como acordei, apenas a pequena blusa sobre o corpo. Quando o café já estava pronto e eu segurava com uma das mãos a xícara, percebi outra pessoa. Era um rapaz que fazia parte dos hóspedes, talvez dez anos mais jovem que eu. Ficou a me olhar demorado. Só então me dei conta de meu estado; mas, com frieza, mantive-me impassível, continuei tomando meu café com naturalidade, como se nada tivesse acontecendo. Ele não desistiu; olhava-me insistente. Então perguntei:

“O que foi, nunca viu uma mulher nua?”

Virei de costas para colocar a xícara sobre a pia. Mas na verdade quis mostrar meu bumbum. Depois me voltei e fiquei à espera da sua reação. De início se manteve quieto, como que enfeitiçado por minha nudez, depois chegou a se aproximar, mas de repente se deteve, olhou para porta e estacou. Deixei-o ali mesmo e fui para o meu quarto. Creio que o decepcionei. Naquele dia, não mais o vi.

Na manhã seguinte fui novamente preparar o café. Mas já usava a blusa que fazia as vezes de um mini-vestido. Ao acabar, enquanto lavava a louça, senti que alguém se aproximara por trás, bem junto a mim, e me levantava a blusa. Fiz de conta que nada percebi. Quando terminei, permaneci na mesma posição, virada ainda para pia. Senti então que um membro bastante enrijecido me forçava as pernas. Abri-as lentamente e, sem me dar conta de quem se tratava, permiti que me penetrasse. Com movimentos ferozes, deixou-me ardida. Não demorou a gozar e, quando isso aconteceu, ainda permaneceu por um tempo com o pênis inteiro dentro de mim. Depois que se soltou, ainda esperei na mesma posição. Ao me virar, ele já partira.

No dia seguinte voltei ao mesmo local. Para provocar, apareci com a camiseta curta; tudo de fora. Fiquei durante longos minutos voltada para a pia; sabia que alguém me apreciava. Mas não houve aproximação; e ao olhar na direção da porta, caso mesmo houvera alguém a me espiar, já desaparecera.

Nos dias que se seguiram fiz questão de dormir até mais tarde. Não consegui distinguir ruídos que dessem sinal de pessoa alguma nem na cozinha nem nos outros cômodos.

No domingo, uns cinco dias após a apressada relação sexual, já sem pensar no que acontecera, senti de novo um leve respirar às minhas costas. Eu tomava os últimos goles de café voltada para a pia. Quis virar-me para ver se se tratava do jovem da primeira vez. A pessoa, no entanto, me reteve com firmeza, imobilizando-me.

“Não quero”, sussurrei, “você precisa respeitar os meus desejos”, concluí. Roubou-me então a blusa, deixando-me nua, e se foi sem que eu pudesse distingui-lo.

Passados mais dois dias, não notei presença alguma na cozinha pela manhã. Tomava meu café e ia ler um pouco. Dali a uma ou duas horas, as outras pessoas acordavam.

Quando já quase esquecera o caso, novamente a misteriosa presença se fez notar no mesmo local, dessa vez imobilizando-me pelas costas.

“Preciso ver você, preciso saber de quem se trata”, falei.

Uma lufada de ar misturada com ruídos de voz chegou-me aos ouvidos.

“Vamos à praia.”

“Só se eu puder saber de quem se trata.”

“Na praia eu prometo que deixo você saber.”

“Mas estou nua...”

Arrastou-me mesmo assim. Então descobri quem era. Não se tratava do rapaz que me surpreendera nua no café da manhã, mas do marido da dona da casa, a amiga que me convidara.

“Não, por favor, não quero”, afirmei livrando-me de suas mãos.

“Quem você esperava?”

“Ninguém.”

“Como ninguém? Houve dias em que você se mostrou nua na cozinha. Para quem era?”

“Não interessa, jamais pensei que era você. Deixe-me vestir sua camisa, por favor”, pedi enquanto cobria os seios com as duas mãos.

“Sei que você não vai falar nada para a Ana”, insinuou.

Depois deu as costas e se foi.

Após alguns minutos, quando pensei em voltar, apareceu o rapaz.

“Oi”, falou com timidez.

Ainda estava nua e ele se pôs a me olhar como na primeira vez.

“Venha”, eu disse; “estou nua pra você”.

Fizemos amor. Ele mostrou-se muito carinhoso, não era o selvagem da primeira vez; ou melhor, o selvagem era o marido de minha amiga.

Enquanto estive de férias naquela casa, passei a me exibir só para ele (o rapaz) todo dia bem cedinho, não mais na cozinha, mas nas areias da praia!

Até que as férias acabaram.

domingo, agosto 03, 2008

"É a primeira vez?"

A noite entrava pelas horas. Eu estava um pouco assustada, era a primeira vez que visitava a casa dele. E pelo jeito ia passar a noite ali. Os objetos que eu levara denunciavam-me, viera com uma bolsa grande e plena. Não sabia, porém, como fazer para trocar de roupa e me recostar na cabeceira da cama. Tínhamos bebido uma garrafa de vinho, cujo ato fora quase um ritual; demoramos a esvaziá-la, esquecíamos dela enquanto conversávamos. Depois nos sentamos lado a lado; ele se aproximava, eu reparava que queria me beijar, mas acho que devido à minha timidez eu o assustava; então ele se afastava e enveredávamos por outra conversa. Falamos muito sobre lugares que conhecemos, viagens que fizemos, museus, galerias de arte. Quando voltávamos a nossos corpos, eu não sabia o que dizer, e ele sempre me olhando com encanto.

Foi aí que perguntou: “Você quer descansar?”

Respondi que sim. Fomos para o quarto.

“Você quer trocar de roupa aqui ou quer ir ao banheiro?”, ainda acrescentou: “quer que eu saia?”

Acho que quase enrubescida, disse a ele que iria me trocar no banheiro. Ele acompanhou-me, mas deteve-se na sala; sentou-se no pequeno estofado e voltou-se para os livros que estavam sobre a mesa.

Após alguns minutos, voltei; vestia uma camisola curta, mas recatada. Ele olhou e sorriu, procurava me deixar à vontade. “Como vamos fazer?”, perguntou.

Emudeci e esperei pela decisão dele.

“Você quer que eu durma aqui na sala e deixe o quarto para você?”, perguntou.

“Não quero incomodar, posso dormir aqui no estofado”, falei baixinho.

“Não, não, é desconfortável.”

“Podemos dormir os dois na cama”, falei demonstrando não estar constrangida.

“Então está bem”, finalizou.

Deitei-me, acendi o abajur que havia bem ao lado que eu escolhera.

Ele voltou e deitou-se ao meu lado. Ficou de barriga para cima; parecia refletir sobre alguma coisa.

Desliguei a pequena lâmpada e o quarto mergulhou na escuridão; através da janela era possível ver que a noite estava clara.

Em alguns segundos visualizei todo o percurso, desde o momento em que o conheci até àquela hora. Não pensei que estaríamos juntos após apenas uma semana do primeiro encontro. Estava tomada de uma intensa timidez. Caso ele se virasse em minha direção e me tomasse nos braços, eu não saberia o que fazer. Diria que não, que ainda era cedo, que eu nem deveria estar ali. Onde eu estava com a cabeça quando aceitei seu convite para passarmos juntos o fim de semana? Achei que seria melhor eu levantar, vestir-me e chamar um táxi. Mas se tomasse essa decisão, acho que seria o fim do relacionamento; e ele era tão agradável. Ele parecia ressonar. Acho que entendera toda a minha aflição e me proporcionava algum tempo para que eu pensasse melhor a questão. Não virei para o outro lado, ele poderia receber tal atitude como uma ofensa. Fiquei meio inclinada, não de todo virada para ele, mas também não demonstrando uma retirada brusca. Então ele tocou num de meus braços; tocou suave, lúcido, com tamanho carinho que fingi não perceber. Mantive-me na mesma posição. Então se aproximou e enfiou os braços por baixo de minha coberta, tocou as partes nuas de meu corpo. Arrepie-me, misturava timidez e excitação. Eu o enfrentaria? Não era um enfrentamento. Na verdade, relações amorosas não são enfrentamentos, são entregas, entregas suaves, límpidas; mas eu tinha tanto medo... O que faria? A solução foi manter-me estática, mas esforcei-me para ter os músculos relaxados. Não queria que ele me percebesse enrijecida e o coração a palpitar. Então se aproximou ainda mais, de mansinho. Não consegui manter-me quieta.

“Estou morrendo de medo”, revelei.

“Medo?” Medo de quê?”

“Não sei...”

“É a primeira vez?”

“Não!”, apressei-me em responder.

“Então não há o que temer.”

“Você se importaria se apenas namorássemos e deixássemos o principal para outro dia? Se você me respeitar, vai conseguir tudo de mim.”

“Tudo?”

“Dou a roupa do corpo.”

“Tudo bem, podemos esperar.”

Ele me deu um longo beijo. Eu pegava fogo.

A madrugada, moça nua úmida de orvalho, transcorreu suave.

Ainda antes do amanhecer não resisti, escalei seu corpo: borboleta a bater asas, tentando equilibrar-se sobre o galho mais alto de árvore robusta.

domingo, julho 20, 2008

Gotas d'água sobre meu corpo reluziam como pequenos diamantes

Quando na noite avançada a luz prateada do holofote me acertava em cheio, as gotas d’água sobre meu corpo reluziam como pequenos diamantes. Meu namorado achava a brincadeira excitante, e eu acabava por embarcar nas loucuras que ele inventava. Depois, já desligada a lâmpada, ele me abraçava e me possuía ali mesmo, sobre as areias da praia, com o marulhar a nos cantar o amor. Às vezes eu tremia de frio, tentava absorver o calor do seu corpo e ao mesmo tempo sonhava com algum pano comprido, algum tipo de veludo a me roçar a pele. Mas ele me deixava nua durante a maior parte do tempo. Tentava aquecer-me com a fricção do próprio corpo e me queria provar que eu esqueceria o frio à proximidade do orgasmo. Depois que gozávamos, eu, além do frio, sentia uma vergonha imensa, dizia então:

”Vai buscar minha canga, alguém ainda me encontra nua.”

Mas ele demorava e queria uma vez mais.

Encontrávamo-nos para essa aventura uma vez na semana.

“Por que não nos basta uma boa cama de hotel?”, eu perguntava.

“Assim é mais agradável, ao ar livre, e sob todos os riscos.”

“Mas está frio, ainda pego uma doença.”

“Se o tempo continuar assim, vamos a um lugar mais quente.”

Ele ia até o carro e vinha então com minha canga; depois de voltas e rodeios, como a amansar um touro bravio, envolvia-me e íamos jantar num restaurante rústico, onde a proprietária já nos conhecia. Discreta, ela nunca perguntou porque eu me vestia daquele jeito. Cada semana, pontuais, aparecíamos ali; e eu com um pano diferente a me cobrir o corpo. Talvez nos achasse veranistas loucos. Embora já fosse longe a estação do sol, continuávamos a nos divertir como se o verão, desatento, permanecesse. Apesar de eu reclamar, na verdade gostava das intempéries desse namorado extravagante.

Levava-me a algumas festas também exageradas. Aconteciam em apartamentos grandes, de inumeráveis salas e quartos, onde a música rápida girava nossos corpos. Havia salas, sempre às escuras ou sob tênues lâmpadas de abajures laterais, convidativas a contatos íntimos. Agarrávamo-nos então sobre estofados macios; poucas palavras e beijos de amantes demorados. Garçons jovens serviam-nos bebidas coloridas. Excitávamo-nos. As mulheres que freqüentavam tais festas não deixavam de mostrar-se extremadas. Além de parecerem amar em demasia seus homens, vestiam saias curtíssimas, tops mínimos. Certa noite quando fui ao banheiro, encontrei três jovens totalmente nuas. Diziam que sairiam assim para dançar; surpreenderiam seus pares. Perguntei se a dona da casa não se oporia à inteira nudez. Elas se entreolharam, riram e disseram que não tinham perguntado a ela. Uma propôs que tirassem apenas a calça de liga e fossem com aquelas blusas, vestidos curtos disfarçados, assim não assustariam os mais conservadores. E foram.

“Não nos acompanha? Tenho uma blusa que em você vai parecer um vestido lindo”, uma delas me ofereceu.

“Obrigada”, repliquei, “tenho andado nua o tempo todo.”

Riram e saíram as três. Uma esqueceu a calcinha sobre o pino da toalha. De propósito. E dançaram. Os homens com elas, cada vez mais enlouquecidos. Lá pelas tantas se enfiaram por outros cômodos. Discretas, namoravam. Agiam como se ainda trouxessem o arremedo de vestido, mas na verdade já os tinham perdido. As pequenas lâmpadas apagadas disfarçavam-lhes a nudez. Às vezes, seios se iluminavam furtivos, era a chama de um isqueiro que ia em direção ao cigarro a transbordar dos lábios de uma delas. Podia-se dançar inteiramente só e podia-se entregar a braços outros. Em certa noite escorreguei em mãos alheias. Meu namorado também ia em outra companhia. Um homem negro puxou-me junto a si, abocanhou-me os lábios. Permiti; no começo, um tanto medrosa, mas, em seguida, percebendo a penumbra, entreguei meu corpo pequeno a seu largo abraço. Após dançarmos uma ou duas músicas, levou-me para um canto. Ainda brilhava o abajur, mas ali éramos apenas os dois. Escorregou as mãos sob minha saia e me deixou nua.

“Você é muito grande para mim, vai me machucar”, sussurrei ao senti-lo.

“Não se preocupe”, revidou, “vou cuidar bem de você.”

E cuidou. Gozei como nunca; quis mais uma vez.

Quando a festa ia perto do fim, esforcei-me para não perdê-lo; queria algum meio de contato. Meu namorado, pelo que percebi, trazia um sorriso estampado. Vi quando uma morena piscou para ele. Ela usava um short curtíssimo, pensei até que estivesse de biquíni.

Dias depois encontrei meu homem negro. Levou-me para o melhor hotel da cidade. De novo, fez tudo na penumbra; e eu a senti-lo crescer dentro de mim, crescer até não poder mais. Mas com carinho, com esmero.

A estada com o amante foi apenas por três vezes; depois o perdi. Não havia apenas eu a desejá-lo.

Meu namorado continuou a envolver-me com suas surpresas. Eu atendia-lhe todos os desejos. E quando íamos àquelas festas, passei a fazer coro com as mulheres que queriam sair nuas do banheiro.

sábado, julho 05, 2008

Seus amigos teimaram que eu tinha de escrever um conto especial para eles, e eram três horas da madrugada

Querido Dantas,

O que aconteceu foi um tanto inesperado. Seus amigos teimaram que eu tinha de escrever um conto especial para eles, e eram três horas da madrugada.

“Estou muito cansada, é melhor deixarmos para amanhã”, sugeri.

Mas eles não arredaram pé; mostraram-se intransigentes, insistiam.

“Não vai dar em boa coisa, o cansaço é inimigo de todo dote artístico”, eu disse.

Minhas palavras, no entanto, não fizeram eco no ouvido deles. Disseram que você prometera que enquanto a noite durasse, ainda antes do prenúncio das primeiras luzes do amanhecer, eu os surpreenderia com uma obra prima.

“Não acredito que meu amigo Dantas tenha prometido isso a vocês.”

“Não só prometeu, como afirmou que você nos atenderia com grande prazer.”

“Por que vocês não pediram no começo da noite? Seria mais fácil; eu, então, deixaria o champanhe para depois da escrita.”

Em meio a dois ou três spots de luz baixa, a quadros de gosto clássico em que predominavam mulheres nuas, a estofados macios, ao ar frio e a um fundo musical de piano, trouxeram-me um notebook, tão pequenino, incapaz de tapar minhas vergonhas.

“Vamos, há de sair uma bela história”, disse um deles, e ambos sorriram. Completaram os copos com mais uísque.

“E se nada sair?”, indaguei.

“Como nada sair?”, interpelou o de cabelos brancos, “você é capaz de tantas surpresas, é capaz até mesmo de fazer aparecer um veludo azul, traje a rigor.”

Era a cor do vestido com que eu chegara no início da noite.

“Diga-me então uma palavra”, sugeri.

“Amplidão”, disse um deles, “é ideal para uma mulher como você.”

“Não é uma boa palavra”, repliquei, “repita-a algumas vezes, atenha-se apenas ao som, tente despi-la de todo significado, repare que ela terá apenas um eco vazio.”

“Então vá de ‘despi-la’”, falou o outro com certa malícia.

“Também não serve”, eu disse, “a sílaba que antecede o pronome não é boa para a poesia, a letra pe seguida do i parece algo vulgar.”

“Que tal veludo, como seu vestido?”, perguntou o mais jovem, como que lançando uma carta derradeira.

“Sim, veludo”, concordei, “com o final quase inaudível, a letra o se transformando num suave u; veludo, veludo, veludo; uma boa palavra. Veludo que cobre as paredes, os divãs, a pele suave das mulheres, que poderia estar cobrindo meu corpo.”

Deitei a palavra na tela luminosa, e então a narrativa ameaçou expandir-se, como minhas pernas nuas, que escorregavam aos olhares dos dois homens.

Havia algumas horas que eu descera de um táxi na avenida, ante ao imponente prédio onde marcaram comigo aqueles senhores de aparência respeitável. A única coisa que exigiam, ou melhor, as duas únicas coisas eram o perfume francês, de casa centenária indicada por eles, e o vestido curto azul...

Pensei apenas em uma noite de divertimento, de conversas descompromissadas e boas bebidas, mas queriam meus dotes de escritora.

Contei então a experiência dinamarquesa.

Viajei a Copenhague a convite de um ilustre senhor que alguns meses antes ficara maravilhado com a nudez das mulheres brasileiras (assim dizia ele), que encontrara nas belas praias desse imenso litoral. Disse que elas não se vexavam em despir-se para ele, até mesmo sem preço algum. Ao convidar-me, porém, assegurou-me que pagaria todas as minhas despesas. Era assim como vocês, depois que bebia uma ou duas doses, pedia para a mulher tirar toda a roupa. Segundo ele, não havia resistência alguma da parte delas; às vezes as agraciava com algum mimo, mas nada de tão dispendioso; evitava as menores, temia complicações com as autoridades. Nuas, elas sentavam e portavam-se com extrema naturalidade. A única exigência é que pudessem ficar sobre saltos; não dispensavam a elegância. Bebiam, comiam, conversavam e contavam casos.

Cheguei então à Europa; pela primeira vez na Dinamarca, e meu anfitrião esperava-me eufórico no aeroporto.

Fomos para sua casa. Uma casa de dois andares, nos subúrbios, o ambiente tinha um ar de campo, tantas eram as árvores que circundavam as quadras. Logo conheci três moças que ficaram encantadas comigo. Aliás, elas já me esperavam e se mostravam entusiasmadas devido ao que lhes contara meu namorado. Pegaram as fotos que ele fizera quando estivera no Brasil e ficaram comparando com meu aspecto físico, ali junto a elas. Eu não entendia o que elas falavam e perguntavam, mas meu anfitrião traduziu à sua maneira e eu concluí que elas estavam admiradas com meu corpo e que tinham gostado muito das fotos em que eu aparecia de biquíni. A Dinamarca é um país gelado, lá o sol aparece pouco durante o ano; ficaram encantadas porque eu vinha de um lugar onde se podia andar quase nua durante boa parte do ano.

No dia seguinte passeamos pela cidade e paramos em dois parques, verdadeiros bosques, dificilmente encontráveis aqui no Brasil. Como era verão, vi pessoas tomando sol nuas. Tinham a pele branca, bem leitosa, estavam deitadas como se quisessem aproveitar todo o sol que lhes chegava ao corpo. Minhas companheiras – a filha dele e duas amigas dela – insistiram em parar à beira de um lago, onde havia uma grande árvore. Tiraram a roupa e ficaram apenas de calcinha. Todas mostraram os seios sem vergonha alguma. Entendi que desejavam que eu também me despisse. Atendia-as e ficamos sob o sol. Minha pele diferia muita da delas; mesmo sem ir à praia havia um bom tempo, a tonalidade de meu corpo era bem mais escura. Elas mostraram-se admiradas e desejaram ter a pele também da mesma cor. Quem transitava por ali em momento algum nos voltou os olhos. O interessante era que as pessoas ficavam nuas, mas o ambiente era muito natural; o nudismo não significava erotismo, era apenas um encontro com a natureza. Assim como um cão que anda a esmo e ninguém se assusta por ele não trazer roupa alguma, homens ou mulheres nada reparavam naquele local. Meu namorado ainda disse que não havia regras ou leis que proibissem a nudez em público, mas aquela prática era limitada a praias ou a locais como aquele. Por exemplo, ninguém saía nu de casa para ir ao centro ou para comprar alguma coisa no comércio local. Perguntei se era possível passear nua à noite pela cidade, ir sem roupa alguma, dentro do carro, ou mesmo ir a algum lugar afastado para namorarmos ao ar livre. Achou a pergunta e a idéia interessantes; observou que essas extravagâncias aconteciam em maior número entre os jovens, que as pessoas, de modo geral, preferiam os lugares fechados para terem relações sexuais.

À noite, mantive-me contida. Ele convidou-me para irmos a um restaurante. Tomamos vinho francês. Sua filha nos acompanhou; apesar de ter levado um casaco, ela usava uma saia muito curta, usava também meias. Reparei que eles gostam de beber muito; e, quando bebem, ficam muito excitados. Mas temem despir as mulheres, principalmente em lugares públicos. Todas as vezes que me acariciou foi dentro do quarto. Minha idéia de andar pelada pela cidade se concretizou num dos últimos dias. Ele bebera três ou quatro doses de uísque e eu dois cálices de vinho do Porto. Então mostrei a ele que o vestido que eu usava era na verdade uma canga enrolada ao corpo. Primeiro, não entendeu; mas quando ameacei desfazer o nó que segurava o tecido ao lado do meu seio direito, reparou a abertura lateral e mostrou-se muito interessado. Insinuei minha pele por inteiro e ele viu que nada marcava meu corpo por baixo da fazenda fina.

“No Brasil, as mulheres saem assim”, falei. Ele sorriu e retribuiu: “o Brasil é o paraíso.”

Quando deixamos o bar, soltei o pano no banco de trás e sentei nua a seu lado. Pedi que dirigisse por algumas ruas do centro. Em determinado local, fiz que parasse o automóvel e me deixasse só por alguns instantes. “Como? Você pode ser presa.” “Presa?, aqui na Dinamarca?, pois se nunca fui no Brasil.” Falei para que desse a partida e fiquei nuinha atrás de um automóvel estacionado. Ele deu uma volta rápida e retornou. “Agora já posso dizer que sou uma nua internacional.” Sei que se fosse no Brasil, o homem me agarraria e treparíamos ali mesmo, mas esperou chegar em casa. Eu quis sair do carro nua, mas ele não deixou.

Quando me despedi dele no aeroporto, ameacei: ”acho que vou entrar nua no avião!". “Não, por favor, em seu país tudo é permitido, aqui nem tanto...” Prometeu vir de novo ao Brasil, diz que vem no fim do ano; sempre me telefona.

Querido Dantas, já eram cinco e quinze (faltava pouco para amanhecer) quando acabei essa história para seus inquietos amigos. Deixei-a pronta na tela do notebook para que lessem.

Após alguns minutos, um deles falou para mim:

“Acho que você poderia dar mais um tempero.”

“Tempero? Literatura e tempero não combinam.”

“Ah, mas você entende o que queremos...”

Tomei novamente o pequeno computador sobre as pernas e dei o final que os fez – creio eu, pois mais nada reclamaram – satisfeitos.

Chamaram então um táxi e pediram ao motorista que me deixasse em casa.

Quando estávamos quase chegando, ainda enlevada pelo calor da noite, só então reparei que eu ainda ia... , como dizer?, como as meninas se mostram ao sol durante o verão nos parques dinamarqueses. Acho que era esse o final que seus amigos queriam. O motorista, discretíssimo, nem olhou para mim. Ao chegarmos diante do meu prédio, ainda me fez um favor.

Seus amigos são ótimos. Mas, oh, me deram uma canseira...

E gostam mais de histórias do que de mulheres!

Beijos,
Margarida.

PS. Quanto ao vestido de veludo, não se preocupe, pedi à minha secretária para buscá-lo no final da tarde.

sexta-feira, junho 20, 2008

Jazz and blues

Estávamos na praia, na faixa de areia que ficava diante da casa de Júlia. Era um sábado à tarde, o sol brilhava enquanto uma leve brisa nos tocava a pele e levantava a folhagem dos coqueiros. Eu lia um livro, enquanto ela, de óculos escuros, estava deitada em uma espreguiçadeira, de modo que aproveitava para bronzear o corpo. Seus filhos brincavam próximos a nós, faziam montes de areia ou iam até a beira d’água e voltavam com um pequeno balde a respingar. Caíra-me nas mãos um exemplar de um autor gaúcho, livro interessante. Um homem se despencava pela cidade durante um dia inteiro em busca de dinheiro para saldar uma dívida, enquanto a esposa, em casa, esperava-o. Nesse percurso através de cafés, financistas, penhores, casas de jogo, ele se deparava com vários e estranhos personagens, todos pertencentes ao submundo dos “espertos”, aqueles que sempre têm algum negócio a propor. Mas eram homens que mantinham a linha, vestiam-se bem, tinham gestos calculados, mesas certas nos restaurantes, e até havia entre eles certa solidariedade. Trabalho honesto não era profissão de quase nenhum deles. O personagem em questão era funcionário público; no entanto, sua repartição representava o que grande parte desse setor sempre representou para todos: um obstáculo a mais. Eu continuava a leitura, embora o ambiente que me envolvia nada tivesse a ver com o da história do livro; divertia-me torcendo para que pobre homem se saísse bem. Minha amiga, em determinado momento, me interrompeu:

“Graça”.

“Oi”, respondi, olhando em sua direção e fechando o livro.

“Você pretende fazer o que hoje à noite?”

“Está tão agradável a praia, que nem pensei nisso”.

“Vamos ao festival de jazz?”

“Podemos ir, mas e as crianças?”

“Elas ficam sozinhas, a Carolina já tem doze anos”.

“Está bem. Mas aqui está tão bom, quero que a tarde dure bastante”.

“Lembra quando falei pra você que seria ótimo virmos para a casa de praia no feriado? No início você ficou indecisa, agora está gostando".

“Não pensei que a praia estivesse tão boa e pouco freqüentada. Achei que o feriado atrairia muita gente de fora”.

“Não é mais como antigamente. Esse lugar já foi bem cheio em outros tempos, agora anda mais selecionado”.

“E Ana, não quis vir?”, perguntei.

“Minha irmã não gosta de lugares despovoados. Pra ela tem que ter muita gente; apesar de quarentona, quer agitação; sempre paquera um homem ou outro”.

“Gosto dela, é uma boa pessoa”.

“Eu também gosto muito, mas ela não vem porque não quer”.

“E ao festival, vai vir muita gente, não?”

“Deve vir, mas não é um festival comum; o público de jazz é mais requintado”.

“Você conhece alguém que vai estar lá?”

“Você pergunta sobre os grupos de música?”

“Também”.

“Um ou outro de alguns CDs; quanto aos possíveis freqüentadores, conheço muita gente nessa cidade, acho que vamos encontrar uns caras legais, vamos nos divertir”.

Um dos filhos de Júlia, o menino, tinha nove anos; pediu para eu ir até a beira d’água com ele. Embora o mar fosse tranqüilo, tinha medo. Acompanhei-o e acabamos divertindo-nos muito. Se ele já gostava de mim, passou a gostar mais. Depois veio a menina e entrou também. Aprontamos os três muitas brincadeiras.

Quando voltei para junto de Júlia, não consegui mais ler meu livro; as crianças me chamavam para qualquer coisa. Acho que chegaram a pensar que eu era da idade delas.

Em certo momento, a menina falou para mim:

“Tia Graça, você usa um biquíni muito pequeno, até parece de criança”.

Ri muito e deitei-me na cadeira de praia para aproveitar o fim de tarde.

À noite fomos ao festival. Acontecia todos os anos e era um evento nobre na cidade. A administração local transformara um terreno grande, próximo a uma das praias, no que se convencionou chamar “Cidade do Jazz”. Durante quatro ou cinco dias, ocorriam apresentações de grupos musicais em diversos pontos da cidade e à noite, a partir das 8h, o evento principal era nesse grande local. Havia um grande palco e, nas laterais, os bares e restaurantes da cidade montavam seus estandes e suas mesas. O festival reunia muita gente interessada em música. Havia moradores locais e pessoas que vinham de longe. Como à noite a temperatura caía um pouco e era mês de junho, as pessoas se vestiam bem, algumas trajavam até mesmo sobretudos. Era uma boa oportunidade de se tirar roupas de raro uso dos armários e desfilar ante todos os presentes. O festival de Jazz e blues não era um evento popular mas, ali, pouco a pouco assim se transformava; as pessoas gostavam de se passar por gente sofisticada, que acompanhava aquele tipo de música; havia também quem aparecesse por curtição apenas. Mas todos acabavam de algum modo se interessando.

Chegamos ao local por volta das nove horas. As apresentações ainda não haviam começado; ouviam-se sons desconexos vindos de músicos que preparavam seus instrumentos nos bastidores. Eu e Júlia andamos por grande parte do local. Ela, como gostava de roupa curta, viera com uma blusa colante ao corpo e uma saia curta, mas sobre a blusa vestia um casaco que lhe ia um pouco além das coxas. Tinha as pernas cobertas por meias azuis e calçava botas que atingiam quase o tornozelo. Eu ia vestida mais simples, um vestido comum – esquecera ao ir à casa dela de levar roupas mais chiques – e um casaco fino de mangas três quartos. Calçava as sandálias com as quais havia saído pela manhã.

“Viu o Humberto?, ele está lá naquela ponta”, disse minha amiga.

Humberto era um homem forte, cinco anos mais novo que ela, com quem tivera um caso logo após se separar do pai das crianças.

“Ele está sozinho”, ainda completou. “Vamos tomar uma cerveja?” Sugeriu sorridente.

Fomos até um dos bares. As mesas tomavam toda a frente e àquela hora já estavam quase todas ocupadas. Muitos jovens desfilavam de um lado a outro. As moças, principalmente, sorriam muito e conversavam. Suas roupas ora curtas, ora um pouco compridas, eram coloridas, mas tudo ajeitado de maneira muito sensual.

Júlia pediu uma cerveja; perguntou se eu não desejava alguma coisa. Disse que não, ainda era cedo para começar a beber. Com algum sacrifício, conseguimos dois lugares junto a duas moças que se mostraram receptivas a terem duas mulheres como companhia. Quando sentamos, a cortina do grande palco se abriu e a voz do locutor apresentou a primeira atração.

O grupo começou a tocar de forma que logo contagiou a platéia. A maior parte das pessoas estava diante do palco. A prefeitura colocara algumas cadeiras, mas muitos trouxeram cadeiras de armar de casa. Fez-se silêncio durante um tempo e uma mulher negra empunhou um violino, a banda a acompanhou. Após a primeira música, pararam por alguns momentos, foram muito aplaudidos pelo público. A mulher do violino se dirigiu em inglês à platéia, falou algumas palavras elogiosas sobre o local e sobre o prazer de estar apresentando-se ali. Voltaram a tocar.

As moças sorriam em aprovação aos músicos. Uma delas acendeu um cigarro; a outra começara a conversar com Júlia. Humberto, o amigo de Júlia, passou diante de nós e fez menção em parar. Minha amiga o chamou. Ele cumprimentou também as duas outras; conhecia uma delas. Acabei descobrindo que se chamava Marisa. Elas se levantaram e o beijaram. Arranjamos mais uma cadeira e ele se sentou entre mim e uma das moças. Depois, como quisesse falar algo em particular com Júlia, deslocou sua cadeira até ela e ficou a seu lado com o braço sobre o encosto da cadeira, numa posição que o fazia parecer estar a abraçá-la.

“Eu trouxe um baseado e estou doida para acender”, Marisa falou e olhou para os lados como se perguntasse se seria possível fazê-lo ali.

“É melhor em meio ao público, não vai demorar as outras pessoas por também vão estar fumando, espere um pouco”, disse o ex-namorado de Júlia.

Pouco a pouco chegava mais gente. Numa das entradas, dois holofotes deslocavam-se em sentido contrário, proporcionando um bonito efeito luminoso na direção do céu.

Percebi um conhecido que passou do lado de fora do conjunto de mesas; acenou para mim. Correspondi-lhe. Fez sinal de que depois viria falar comigo.

Pedi a um dos garçons uma caipirinha. Os garçons eram rapazes solícitos e bem vestidos, seguindo o estilo daquele bar. Seus cabelos eram cobertos por uma bandana negra, vestiam camisa e avental da mesma cor.
Júlia conversava animadamente com Humberto. As outras duas ora apontavam alguma coisa na direção do palco, ora acompanhavam a música com interesse. Minha amiga interrompeu a conversa e falou para Marisa:

“Vamos lá para o meio da multidão, assim você acende o baseado e eu dou uns tragos”.

“Ótima idéia”, ela falou levantando-se.

“Graça, você pode ficar aqui com ela”, apontou para Célia, a amiga de Marisa, “assim a gente não perde a mesa”.

Fiz que sim com a cabeça. Ela, o homem e a que trouxera o baseado se foram.

Um dos rapazes serviu minha caipirinha. Veio bastante enfeitada, como era tradição daquele bar, estava também muito gostosa. Comecei a tomá-la devagar, procurando saborear a bebida. O álcool logo me esquentou e provocou aquele frisson que sempre surge quando estamos em meio a algo que nos entusiasma. Célia pedira uma cerveja, mas também experimentou um gole da caipirinha.

“Está uma delícia, acho que daqui a pouco vou querer uma”.

“Não vai fazer mal?”

Ela já tomava a segunda lata de cerveja.

“Acho que não, uma só não dá pileque”.

Um rapaz acenou a ela, devia ter uns vinte anos, ela trinta. Subiu ao patamar das mesas e veio até nós.

“Oi, Davi, como vai?”, levantou-se e o beijou. “Aqui está minha amiga... Como você se chama mesmo?”

“Graça, muito prazer”, estendi-lhe a mão de onde estava sem me levantar.

Ele correspondeu, depois sorriu, fez um gesto de que desejava ficar junto a nós.

“Será que eu incomodo?”, perguntou.

“Claro que não, é um prazer ter você com a gente; aqui na mesa há mais gente, mas precisaram se ausentar um pouquinho”, Célia falou e sorriu em minha direção.

O rapaz sentou-se agradecido e olhou em busca de alguém que o atendesse. Apareceu dessa vez uma garçonete. Ela se vestia como os rapazes, mas não parecia trazer calça comprida sob o comprido avental; seus cabelos eram avermelhados e estavam presos em forma de rabo de cavalo.

“Bom grupo esse que está tocando, não?”, falou Davi, como se quisesse puxar conversa. “Está contagiando o público, a violinista é muito boa”.

Todos olhamos para o palco concordando com ele.

“Acho que conheço você de algum lugar”, falou voltando-se para mim.

“Pode ser”, sugeri, enquanto suguei pelo canudinho mais um gole da caipirinha.

Escutamos mais uma série de músicas, apreciávamos a performance da banda. Quando acabaram de tocar, as luzes do palco se acenderam. A mulher agradeceu muito e apresentou os outros músicos. Fingiram que se retiravam, mas devido aos aplausos incessantes voltaram para o bis. Quando acabaram, a cortina se fechou sob mais aplausos, enquanto a voz do apresentador anunciava que dentro de instantes teríamos a próxima atração.

Júlia, Marisa e Humberto voltaram para a mesa. Pareciam muito alegres e entusiasmados.

“Ah, estava ótimo o baseado”, disse Júlia para mim, “foi maravilhoso, e olha que estamos ainda no começo”.

Célia apresentou seu amigo. Marisa foi quem demonstrou mais interesse por ele. Aliás, é bom explicar aqui: ela já não era jovem, mas jovial. Descobri logo que gostava de rapazes. Talvez isso disfarçasse sua idade. A maneira de ela se vestir também revelava que não deixara totalmente a adolescência. Lembro que depois disse isso a Júlia, que retrucou: “e quem deixou?”. Talvez tivesse um pouco de razão.

Todos sentaram de novo, arranjamos mais uma cadeira. Ficamos conversando de modo que se formaram dois pares: Humberto e Júlia, Marisa e Davi. Eu e Célia ficamos à parte, mas os quatro, vez ou outra, tentavam nos incluir na conversa.

Nesse momento, o fluxo de pessoas era maior. Enquanto durava o intervalo, muitos procuravam os bares; outros iam em direção às outras partes do terreno. Descobri que havia estandes de venda de camisetas, CDs e que, próximo à entrada secundária, numa casa que parecia ser da administração, pequenos grupos de jazz e blues se apresentavam seguidamente, num show mais intimista.

Aquele conhecido que me acenara acabou por aparecer junto a nós. Apresentei-o a todos. Perguntou se incomodava caso ficasse em nossa companhia. Educada, disse que não, mas tentei deixar no ar um pouco de frieza; não o queria ao meu lado durante toda a noite. Sentou-se e pôs-se a conversar. Célia aproximou-se e deu mais atenção ao homem. Os dois deviam ser mais ou menos a mesma idade, lá pelos trinta ou trinta e dois anos.

A segunda atração fez a platéia assistir ao espetáculo de modo silencioso. O grupo era composto por três músicos e uma cantora. As canções eram estilo jazz-bossa, e a cantora se apresentou sentada num banco comprido; pode-se dizer que o show era cool, mas todos davam mostras de estar gostando muito.

Ficamos assistindo a distância. O barulho do bar onde estávamos e a circulação das pessoas atrapalharam um pouco a recepção daquele tipo de música. Não seria ainda dessa vez que Marisa e Júlia se aventurariam no meio da multidão para fumar um novo baseado. Pedi mais uma caipirinha e, quando olhei à esquerda, vi Júlia beijando Humberto na boca. Os outros conversavam e ouviam o show ao mesmo tempo.

“Nós vamos dar uma volta”, disse Marisa e arrastou consigo Davi.

“Não desapareça, olha o nosso trato”, falou Júlia.

O trato estava claro a todos, amigas de baseado.

Eu bebia minha caipirinha. Júlia mantinha-se agarrada a Humberto; parecia que as cervejas já faziam algum efeito. Ela se mostrava lânguida, sensível às carícias do homem. Célia discutia com Jorge, o meu conhecido. Falavam sobre o significado da palavra jazz no presente. O rapaz afirmava que o estilo significava tudo que desse margem a algum tipo de improvisação musical. Célia parecia concordar, mas dizia que, para ela, o jazz tinha que ser o autêntico, aquele dos negros americanos. O máximo de concessão que fazia era para Chet Baker.

“O estilo deles é inimitável, já não existe nos dias de hoje”, afirmou.

O rapaz devolveu que poderia não existir o jazz do jeito que eles interpretavam, mas que havia muita gente boa, principalmente em Nova York. Quando falou no nome da cidade, parece que causou um certo encanto em Célia. Ela então perguntou se ele já estivera lá.

A segunda apresentação acabara e o número de pessoas continuava aumentando. Os bares tinham gente por todo os lados, inclusive nos balcões; os empregados demoravam para atender. Humberto conseguiu mais uma cerveja e Célia pediu dessa vez a caipirinha.

Quando começou a terceira apresentação, executada por um ágil grupo de blues, os quatro já se mostravam muito entusiasmados, queriam dançar. Pediram a mim que tomasse conta da mesa e se foram novamente para junto do palco. Aconteceu então algo interessante. Uma moça, quase menina, perguntou se podia sentar com o grupinho dela nas cadeiras vagas. Eu disse que sim, mas só enquanto meus amigos não voltavam. A mais jovem devia ter uns dezesseis anos, acendeu um cigarro. Antes perguntou se o cigarro incomodava; ofereceu um também a mim.

“Obrigada, tenho aqui”, peguei um e acendi.

Ela puxou conversa; disse que não entendia muito aquele tipo de música, mas que estava gostando, que dali em diante ia procurar se interessar mais. Não sabia que existia tanta gente ligada em jazz e blues. Observou que as pessoas eram de boa aparência e bem vestidas.

“Parece até que estamos num outro país, nunca vi tanta gente bonita”.

Tomei mais um gole da minha bebida. Ela falou:

“Tudo, menos bebida alcoólica, não desce”, sorriu depois da última palavra. O grupinho conversava animado, o mais velho apontava para a banda e explicava para o colega ao lado alguma coisa que eu não ouvia.

“Meus amigos não são agradáveis?”, segredou-me a pergunta; continuou: “conheci-os ontem, ficamos juntos o dia inteiro; e, em doze horas, já namorei dois deles”.

“Não houve confusão?”, eu quis saber.

“Confusão, como?”, pareceu não entender.

“Isso não gera ciúmes entre eles?”

“Ah, não, eles nem querem ter ninguém por muito tempo, gostam que seja assim, são muito amigos”.

Olhei em direção ao público, depois levantei a cabeça e soltei a fumaça do cigarro.

“A senhora não tem par?”

Achei engraçada a palavra senhora, mas não quis decepcioná-la.

“Até agora, não.”

“Se quiser, arranjo alguém, quer?”

“Verdade?”, eu incentivava.

“Verdade!, não acredita?”

“Acredito, então arranje”, embarquei na fantasia.

Ela olhou em meio às pessoas que iam lá junto ao balcão do segundo bar. Disse de repente:

“Espere um instante”.

Levantou e se afastou; não demorou a voltar com um rapaz tão jovem quanto ela. Depois descobri que ele tinha vinte anos.

“Aqui está seu jovem apaixonado”, disse entregando-o a mim.

Ele sorriu, aproximou-se e me beijou na boca. Então falou:

“Sua caipirinha deve estar ótima, vou pedir uma pra mim”, sentou-se ao meu lado e permaneceu ali, com o braço envolto em meu ombro.

Comecei a aproveitar a festa tanto quanto aqueles jovens. Agarrei o rapaz e ficamos nos beijando por longo tempo. Ele parecia ser hábil na arte de amar, tinha as mãos delicadas, sabia tocar meu corpo. Logo me pôs num fogo que eu não sabia para onde correr. Se o lugar não tivesse tão cheio, já estaríamos num outro tipo de relação.

Quando meu grupo voltou, pedi que eles levantassem. Júlia parecia estar excitadíssima, e vinha agarrada a Humberto. Marisa viera junto com Davi e Célia também se acertara com o outro homem.

Falei:

“Agora sou eu que vou me divertir um pouco”, e segui o grupo de jovens, agarradinha a meu recente namorado.

Nas duas últimas apresentações, dançamos muito. O jazz não costuma ser um ritmo dançante, mas em meio a todo aquele som arranjamos um jeito. As outras pessoas, da mesma forma, não ficaram para trás. Quando vinha do palco o som de blues, principalmente o mais recente, que é muito semelhante ao rock clássico, dançávamos com mais ímpeto.

Antes da última apresentação, voltamos à mesa onde ainda se encontravam meus primeiros amigos.

“Graça, ainda bem que você voltou, preciso de um favor seu”, Julia falou.

“Pois, peça”.

“Vou sair daqui a pouco com o Humberto, mas não vou pra casa. Ainda vamos andar um pouco por aí, ele está de carro. Será que você pode voltar pra lá e ficar com as crianças? Elas devem estar dormindo”.

Olhei para o meu pequeno grupo. Eles não me abandonavam. Acho que pensavam que eu pudesse ser uma tia mais velha. Júlia pareceu entender.

“Quando acabar, pode levá-los todos para lá, se quiserem. Mas peço que não façam barulho, nem muita extravagância”.

“Você já sabe qual é a nossa extravagância predileta, não?”

“Ah, imagino. Tanto que não acordem as crianças...”

“Tudo bem, vou falar com eles”.

“Vou te pedir mais um favor”, ainda disse, “leve essa sacola pra mim”.

“O que tem aí?”

“Depois você olha”.

Ainda nos divertimos muito durante o último show. Mas o jazz foi tradicional, estilo dos grandes clássicos. Aplaudimos muito quando acabou.

Ao sairmos, eles já sabiam para onde iríamos. Na casa de Júlia, fizemos uma outra festa.

Logo que entramos, um deles acendeu um baseado.

“Por favor, fume isso lá fora, aqui tem criança” falei em surdina.

Fumaram na varanda.

Servi alguma coisa para eles comerem. Também havia umas bebidas na geladeira. Todos namoramos. Espalhamo-nos pela sala, pela varanda, e houve quem fosse para as areias da praia, que ficava bem diante da casa.

Durante duas ou três horas os pares se agarraram e namoraram em silêncio. Mas apenas minha primeira amiga, aquela que me trouxera o rapaz, ficou nua, e só da cintura para cima. Os outros, se transaram, fizeram-no sem tirar a roupa.

Eu e meu namoradinho também aproveitamos a oportunidade. Nunca beijei tanto nem fui beijada tantas vezes como naquela madrugada. E nosso contato foi mais vibrante quando nos enfiamos sob um edredom.

Depois que se foram, já quase ao amanhecer, lembrei-me do embrulho de Júlia. Abri-o. Toda a roupa que ela vestira estava ali, com exceção do casaco.

Encerro aqui a novela iniciada em A galeria. Se tiver de dar um nome ao conjunto, será o mesmo desse último capítulo. Nada impede, no entanto, que os seis segmentos sejam lidos como contos independentes.

terça-feira, junho 03, 2008

Namorado

“Graça, eu queria pedir a você um favor”.

Era uma quarta ou quinta à tardinha; Jackie entrou na loja olhando para os lados e de maneira atabalhoada.

“Alguma coisa em que eu possa ajudar?”, perguntei.

“Claro, você pode ajudar e muito”.

“Tenho um ou dois modelos que vão ficar ótimos em você”.

“Não, Graça, não é isso; hoje não entrei para comprar roupa, vim apenas pedir um favor”.

“Claro, pode pedir”.

“Você lembra o último sábado?”.

“O último, Jackie, nem sei; deixe ver...”

“Eu ajudo; você estava com um rapaz no principal restaurante da orla, está lembrada?”

“Ah, sim, agora lembro”.

“Você estava no mesmo restaurante que eu!”, falou.

“Estava? E o que tem?”, perguntei um tanto ingênua.

“Vai dizer que você é tão inocente, Graça?”

“Como assim? Não estou entendendo”.

“Você me viu, não? Eu estava com um homem assim assim...” e fez uns gestos como se quisesse transcrever através das mãos o aspecto do homem.

“Agora, lembro”, acabei por concordar, “acho que vi você; mas nesta cidade todos se encontram”.

“Mas não era para encontrar”.

“Como?”, acabei ficando curiosa.

“É que eu não podia estar com aquele homem naquele momento e naquele lugar”.

“E por que você foi logo para o principal restaurante da cidade?”

“Não sei, um momento de loucura, talvez”.

“Acho que já entendi”, disse a ela e sorri. “Sou uma pessoa discreta, você sabe”.

“Eu deveria ter ido com ele para Rio das Ostras”.

“Querida Jackie, vou lhe revelar uma coisa. Nunca leve um namorado para Rio das Ostras. O resultado será negativo. Enfurne-se num hotel daqui mesmo e fique por lá algumas horas. Assim será mais difícil que a descubram”.

Ela pôs-se a rir e não demorou a dizer:

“Graça, você é muito esperta, adoro você. Mas veja bem, sou dona de uma pousada. Sé é para ficar num hotel, fico por lá mesmo”. Arremessou um beijo e partiu.

Minha amiga era dona de uma pousada, aliás, ela e o marido. Mas não estavam se dando bem ultimamente. Descobrira que ele saía com outra. Ela, Jackie, decidiu então fazer o mesmo. Só que era uma mulher atabalhoada; naquela altura todos na cidade já sabiam do caso que estava tendo. O pior é que o homem era um hóspede constante da pousada e conhecia seu marido.

Passou a se relacionar com o amante ali mesmo. Certa vez me disse que bateu nua à porta dele e, quando estavam em plena atividade, pressentiu que o marido chegava a casa. Segundo ela, conseguiu escapar; mas por pouco ele não a surpreendeu.

A cidade era cheia de acontecimentos desse tipo; e quando alguém sabia uma novidade, aparecia para dar a entender que estava por dentro de tudo e que até mesmo recebera confidências da própria protagonista. Eu nada falava, porque minha profissão exigia polidez, caso quisesse manter a clientela.

Havia casais que não se divorciavam porque não queriam dividir bens ou propriedades. Para eles, era mais adequado que cada um tivesse sua vida amorosa e não comentasse nada com pessoa alguma. Mas às vezes aconteciam alguns escândalos. Sobretudo quando eram mulheres que descobriam com quem o marido saía. Iam até a amante e agrediam-na através de palavras ou mesmo fisicamente. Por isso eu também precisava tomar cuidado, tanto mais quando homens bem mais velhos que eu se colocavam à minha procura. Quando eu saía com alguém assim, nada perguntava sobre sua vida particular; não me interessava. Nunca quis nenhum relacionamento sério e quanto menos soubesse sobre o outro, melhor. Depois que presenciei alguns fatos desagradáveis, passei a tomar minhas precauções. Era preferível namorar homens de outras cidades.
Alguns dias depois, uma cliente me convidou para uma festa. A comemoração ocorria num restaurante mexicano que, como quase todos os bons restaurantes da cidade, situava-se próximo à orla marítima. A aniversariante reservara uma grande parte do local; convidara praticamente todas as amigas. Sentei ao lado de uma que se chamava Deise. Pediu uma tequila com suco de laranja e logo se mostrou muito excitada. Começou a contar sobre todos os homens com quem já saíra (mas sem citar nomes); solteiros e casados; sabia quem gostava de mulher e quem não; também conhecia as lésbicas. Em determinado momento falou sobre um caso que tivera recentemente com uma pessoa importante. Num dos encontros, ele apareceu com a esposa. Ela, a mulher que nos contava o caso, tentou esconder-se, mas a tentativa foi vã. Quando temia um grande escândalo, o homem lhe disse que não se preocupasse, porque viera para lhe fazer uma proposta.

“Qual proposta?” alguém à volta perguntou.

“Vocês querem mesmo saber?”

As mulheres que acompanhavam a narrativa olharam-na com curiosidade; ela continuou.

“Ele queria trepar comigo e com a esposa ao mesmo tempo”.

“E o que você fez?”, perguntou a mais curiosa.

“Trepei”.

Todas caíram na gargalhada. Quem estava mais distante quis que a história fosse repetida. A narradora, não abriu mão de um princípio básico: não disse o nome do amante nem o da mulher dele.

Uma outra relatou a história de uma professora que tinha um amante e era constantemente agredida pela esposa dele. Certa vez, quando saía do colégio onde trabalhava, viu a mulher caminhando em sua direção. Tentou voltar, mas era tarde. Foi agredida, caiu no chão e se sujou toda, pois vestia uma calça branca. Voltou então à escola para se recompor. Quando alguém perguntou o que acontecera, as próprias amigas correram em seu socorro: ”há uma mulher louca na cidade que sempre bate na fulana quando a encontra; é uma coisa inexplicável”. E ela mesma, sem graça, concordou com apenas um monossílabo: “é”.

Entre as presentes na festa de aniversário, podia-se notar uma grande quantidade de mulheres que não tinha marido nem namorado. Reclamavam que os homens estavam em falta na cidade.

“Não só na cidade, mas em todo lugar”, alguém afirmou.

Eu não me preocupava com esse problema, porque sempre havia algum homem atrás de mim. Na maioria das vezes era eu que o recusava.

“Por isso acho certo o que faz uma amiga”, disse uma loura de mais ou menos uns trinta e cinco anos, “quando percebe que alguém está interessado nela, logo aceita a companhia e até mesmo trepa na primeira vez que sai com ele”.

“Na primeira vez? É muito perigoso”, interferiu a que estava quase ao lado da aniversariante.

“Eu não vou pro motel na primeira vez, mas essa minha amiga vai, e acho que não está errada; do jeito que os homens estão em falta, não se pode perder a oportunidade”.

“Mas há alguns que são loucos; hoje em dia tudo é muito perigoso”.

“Viver é perigoso, como sempre se ouve por aí, e não vai ser um homem que se conhece pela primeira vez que vai tornar a coisa pior”.

“Se você fala, assim, por que não trepa na primeira vez?” quis saber a que dialogava com ela.

“Bem... Vamos ver...”

“Ela falou sobre uma amiga, mas acho que não há amiga alguma; ela mesma é que vai logo de primeira” sorriu a que sentava no lado oposto.

Todas rimos, enquanto o garçom chegava com uma bandeja cheia chopes e duas caipirinhas.

“Cuidado”, disse a que estava ao meu lado direito, creio que se chamava Ana, “dizem que há um estuprador na cidade”.

“Ah, se há, quero que me encontre e me estupre”, afirmou a loura.

“Há um outro que, dizem, está deixando as mulheres nuas!”

“Tanto que me coma antes, não há problema algum”, concluiu ainda a loura.

Na final da festa Jackie – ela também estava lá – veio em minha direção. Primeiro me beijou, depois falou:

“Graça, preciso de um favor teu”.

“Fale”.

“O Gustavo vem me buscar; você pode ficar um pouco comigo?”, Gustavo era seu amante-namorado.

Andamos em silêncio pela orla. A temperatura era amena. Acendi um cigarro enquanto o esperávamos.

“Vou te pedir mais um favor”.

“Mais um?”, retruquei.

“Só mais unzinho, ta?” Falou em tom carinhoso. “Você fica com a gente? Assim não haverá margem para suspeitas. Se alguém nos vir, pode pensar que o namorado é teu”.

“Você ainda vai demorar, por aqui?”

“Não, talvez uma meia-hora”.

Concordei. Ela ficou exultante.

Quando o homem chegou e ela apresentou-o a mim, pusemo-nos a caminhar na direção do Confort. Quando terminou o calçamento, ambos desceram para a faixa de areia.

“Você vem conosco?”

“O que você acha?”, perguntei.

“Quero que venha”, disse e me lançou o olhar em tom de súplica.

Caminhamos cerca de trezentos metros.

De repente, ela pediu que ele se destacasse um pouco adiante, virou-se para mim e fez mais um pedido:

“Você fica aqui e toma conta da minha roupa?”

Antes que eu respondesse, já havia tirado o vestido.

“Jackie, você é louca!”

“Estou muito excitada, deve ter sido a bebida, vai ser rapidinho...”

“Está bem”, sentei-me na areia enquanto ela se foi na direção do homem, vestia apenas a calcinha.

Voltou depois de quarenta minutos. E voltou nua.

Depois desse dia, tornou-se ainda mais minha amiga. Preferi, no entanto, manter alguma frieza em relação a ela. Temia que a cumplicidade pudesse me trazer complicações.