Estávamos na praia, na faixa de areia que ficava diante da casa de Júlia. Era um sábado à tarde, o sol brilhava enquanto uma leve brisa nos tocava a pele e levantava a folhagem dos coqueiros. Eu lia um livro, enquanto ela, de óculos escuros, estava deitada em uma espreguiçadeira, de modo que aproveitava para bronzear o corpo. Seus filhos brincavam próximos a nós, faziam montes de areia ou iam até a beira d’água e voltavam com um pequeno balde a respingar. Caíra-me nas mãos um exemplar de um autor gaúcho, livro interessante. Um homem se despencava pela cidade durante um dia inteiro em busca de dinheiro para saldar uma dívida, enquanto a esposa, em casa, esperava-o. Nesse percurso através de cafés, financistas, penhores, casas de jogo, ele se deparava com vários e estranhos personagens, todos pertencentes ao submundo dos “espertos”, aqueles que sempre têm algum negócio a propor. Mas eram homens que mantinham a linha, vestiam-se bem, tinham gestos calculados, mesas certas nos restaurantes, e até havia entre eles certa solidariedade. Trabalho honesto não era profissão de quase nenhum deles. O personagem em questão era funcionário público; no entanto, sua repartição representava o que grande parte desse setor sempre representou para todos: um obstáculo a mais. Eu continuava a leitura, embora o ambiente que me envolvia nada tivesse a ver com o da história do livro; divertia-me torcendo para que pobre homem se saísse bem. Minha amiga, em determinado momento, me interrompeu:
“Graça”.
“Oi”, respondi, olhando em sua direção e fechando o livro.
“Você pretende fazer o que hoje à noite?”
“Está tão agradável a praia, que nem pensei nisso”.
“Vamos ao festival de jazz?”
“Podemos ir, mas e as crianças?”
“Elas ficam sozinhas, a Carolina já tem doze anos”.
“Está bem. Mas aqui está tão bom, quero que a tarde dure bastante”.
“Lembra quando falei pra você que seria ótimo virmos para a casa de praia no feriado? No início você ficou indecisa, agora está gostando".
“Não pensei que a praia estivesse tão boa e pouco freqüentada. Achei que o feriado atrairia muita gente de fora”.
“Não é mais como antigamente. Esse lugar já foi bem cheio em outros tempos, agora anda mais selecionado”.
“E Ana, não quis vir?”, perguntei.
“Minha irmã não gosta de lugares despovoados. Pra ela tem que ter muita gente; apesar de quarentona, quer agitação; sempre paquera um homem ou outro”.
“Gosto dela, é uma boa pessoa”.
“Eu também gosto muito, mas ela não vem porque não quer”.
“E ao festival, vai vir muita gente, não?”
“Deve vir, mas não é um festival comum; o público de jazz é mais requintado”.
“Você conhece alguém que vai estar lá?”
“Você pergunta sobre os grupos de música?”
“Também”.
“Um ou outro de alguns CDs; quanto aos possíveis freqüentadores, conheço muita gente nessa cidade, acho que vamos encontrar uns caras legais, vamos nos divertir”.
Um dos filhos de Júlia, o menino, tinha nove anos; pediu para eu ir até a beira d’água com ele. Embora o mar fosse tranqüilo, tinha medo. Acompanhei-o e acabamos divertindo-nos muito. Se ele já gostava de mim, passou a gostar mais. Depois veio a menina e entrou também. Aprontamos os três muitas brincadeiras.
Quando voltei para junto de Júlia, não consegui mais ler meu livro; as crianças me chamavam para qualquer coisa. Acho que chegaram a pensar que eu era da idade delas.
Em certo momento, a menina falou para mim:
“Tia Graça, você usa um biquíni muito pequeno, até parece de criança”.
Ri muito e deitei-me na cadeira de praia para aproveitar o fim de tarde.
À noite fomos ao festival. Acontecia todos os anos e era um evento nobre na cidade. A administração local transformara um terreno grande, próximo a uma das praias, no que se convencionou chamar “Cidade do Jazz”. Durante quatro ou cinco dias, ocorriam apresentações de grupos musicais em diversos pontos da cidade e à noite, a partir das 8h, o evento principal era nesse grande local. Havia um grande palco e, nas laterais, os bares e restaurantes da cidade montavam seus estandes e suas mesas. O festival reunia muita gente interessada em música. Havia moradores locais e pessoas que vinham de longe. Como à noite a temperatura caía um pouco e era mês de junho, as pessoas se vestiam bem, algumas trajavam até mesmo sobretudos. Era uma boa oportunidade de se tirar roupas de raro uso dos armários e desfilar ante todos os presentes. O festival de Jazz e blues não era um evento popular mas, ali, pouco a pouco assim se transformava; as pessoas gostavam de se passar por gente sofisticada, que acompanhava aquele tipo de música; havia também quem aparecesse por curtição apenas. Mas todos acabavam de algum modo se interessando.
Chegamos ao local por volta das nove horas. As apresentações ainda não haviam começado; ouviam-se sons desconexos vindos de músicos que preparavam seus instrumentos nos bastidores. Eu e Júlia andamos por grande parte do local. Ela, como gostava de roupa curta, viera com uma blusa colante ao corpo e uma saia curta, mas sobre a blusa vestia um casaco que lhe ia um pouco além das coxas. Tinha as pernas cobertas por meias azuis e calçava botas que atingiam quase o tornozelo. Eu ia vestida mais simples, um vestido comum – esquecera ao ir à casa dela de levar roupas mais chiques – e um casaco fino de mangas três quartos. Calçava as sandálias com as quais havia saído pela manhã.
“Viu o Humberto?, ele está lá naquela ponta”, disse minha amiga.
Humberto era um homem forte, cinco anos mais novo que ela, com quem tivera um caso logo após se separar do pai das crianças.
“Ele está sozinho”, ainda completou. “Vamos tomar uma cerveja?” Sugeriu sorridente.
Fomos até um dos bares. As mesas tomavam toda a frente e àquela hora já estavam quase todas ocupadas. Muitos jovens desfilavam de um lado a outro. As moças, principalmente, sorriam muito e conversavam. Suas roupas ora curtas, ora um pouco compridas, eram coloridas, mas tudo ajeitado de maneira muito sensual.
Júlia pediu uma cerveja; perguntou se eu não desejava alguma coisa. Disse que não, ainda era cedo para começar a beber. Com algum sacrifício, conseguimos dois lugares junto a duas moças que se mostraram receptivas a terem duas mulheres como companhia. Quando sentamos, a cortina do grande palco se abriu e a voz do locutor apresentou a primeira atração.
O grupo começou a tocar de forma que logo contagiou a platéia. A maior parte das pessoas estava diante do palco. A prefeitura colocara algumas cadeiras, mas muitos trouxeram cadeiras de armar de casa. Fez-se silêncio durante um tempo e uma mulher negra empunhou um violino, a banda a acompanhou. Após a primeira música, pararam por alguns momentos, foram muito aplaudidos pelo público. A mulher do violino se dirigiu em inglês à platéia, falou algumas palavras elogiosas sobre o local e sobre o prazer de estar apresentando-se ali. Voltaram a tocar.
As moças sorriam em aprovação aos músicos. Uma delas acendeu um cigarro; a outra começara a conversar com Júlia. Humberto, o amigo de Júlia, passou diante de nós e fez menção em parar. Minha amiga o chamou. Ele cumprimentou também as duas outras; conhecia uma delas. Acabei descobrindo que se chamava Marisa. Elas se levantaram e o beijaram. Arranjamos mais uma cadeira e ele se sentou entre mim e uma das moças. Depois, como quisesse falar algo em particular com Júlia, deslocou sua cadeira até ela e ficou a seu lado com o braço sobre o encosto da cadeira, numa posição que o fazia parecer estar a abraçá-la.
“Eu trouxe um baseado e estou doida para acender”, Marisa falou e olhou para os lados como se perguntasse se seria possível fazê-lo ali.
“É melhor em meio ao público, não vai demorar as outras pessoas por também vão estar fumando, espere um pouco”, disse o ex-namorado de Júlia.
Pouco a pouco chegava mais gente. Numa das entradas, dois holofotes deslocavam-se em sentido contrário, proporcionando um bonito efeito luminoso na direção do céu.
Percebi um conhecido que passou do lado de fora do conjunto de mesas; acenou para mim. Correspondi-lhe. Fez sinal de que depois viria falar comigo.
Pedi a um dos garçons uma caipirinha. Os garçons eram rapazes solícitos e bem vestidos, seguindo o estilo daquele bar. Seus cabelos eram cobertos por uma bandana negra, vestiam camisa e avental da mesma cor.
Júlia conversava animadamente com Humberto. As outras duas ora apontavam alguma coisa na direção do palco, ora acompanhavam a música com interesse. Minha amiga interrompeu a conversa e falou para Marisa:
“Vamos lá para o meio da multidão, assim você acende o baseado e eu dou uns tragos”.
“Ótima idéia”, ela falou levantando-se.
“Graça, você pode ficar aqui com ela”, apontou para Célia, a amiga de Marisa, “assim a gente não perde a mesa”.
Fiz que sim com a cabeça. Ela, o homem e a que trouxera o baseado se foram.
Um dos rapazes serviu minha caipirinha. Veio bastante enfeitada, como era tradição daquele bar, estava também muito gostosa. Comecei a tomá-la devagar, procurando saborear a bebida. O álcool logo me esquentou e provocou aquele frisson que sempre surge quando estamos em meio a algo que nos entusiasma. Célia pedira uma cerveja, mas também experimentou um gole da caipirinha.
“Está uma delícia, acho que daqui a pouco vou querer uma”.
“Não vai fazer mal?”
Ela já tomava a segunda lata de cerveja.
“Acho que não, uma só não dá pileque”.
Um rapaz acenou a ela, devia ter uns vinte anos, ela trinta. Subiu ao patamar das mesas e veio até nós.
“Oi, Davi, como vai?”, levantou-se e o beijou. “Aqui está minha amiga... Como você se chama mesmo?”
“Graça, muito prazer”, estendi-lhe a mão de onde estava sem me levantar.
Ele correspondeu, depois sorriu, fez um gesto de que desejava ficar junto a nós.
“Será que eu incomodo?”, perguntou.
“Claro que não, é um prazer ter você com a gente; aqui na mesa há mais gente, mas precisaram se ausentar um pouquinho”, Célia falou e sorriu em minha direção.
O rapaz sentou-se agradecido e olhou em busca de alguém que o atendesse. Apareceu dessa vez uma garçonete. Ela se vestia como os rapazes, mas não parecia trazer calça comprida sob o comprido avental; seus cabelos eram avermelhados e estavam presos em forma de rabo de cavalo.
“Bom grupo esse que está tocando, não?”, falou Davi, como se quisesse puxar conversa. “Está contagiando o público, a violinista é muito boa”.
Todos olhamos para o palco concordando com ele.
“Acho que conheço você de algum lugar”, falou voltando-se para mim.
“Pode ser”, sugeri, enquanto suguei pelo canudinho mais um gole da caipirinha.
Escutamos mais uma série de músicas, apreciávamos a performance da banda. Quando acabaram de tocar, as luzes do palco se acenderam. A mulher agradeceu muito e apresentou os outros músicos. Fingiram que se retiravam, mas devido aos aplausos incessantes voltaram para o bis. Quando acabaram, a cortina se fechou sob mais aplausos, enquanto a voz do apresentador anunciava que dentro de instantes teríamos a próxima atração.
Júlia, Marisa e Humberto voltaram para a mesa. Pareciam muito alegres e entusiasmados.
“Ah, estava ótimo o baseado”, disse Júlia para mim, “foi maravilhoso, e olha que estamos ainda no começo”.
Célia apresentou seu amigo. Marisa foi quem demonstrou mais interesse por ele. Aliás, é bom explicar aqui: ela já não era jovem, mas jovial. Descobri logo que gostava de rapazes. Talvez isso disfarçasse sua idade. A maneira de ela se vestir também revelava que não deixara totalmente a adolescência. Lembro que depois disse isso a Júlia, que retrucou: “e quem deixou?”. Talvez tivesse um pouco de razão.
Todos sentaram de novo, arranjamos mais uma cadeira. Ficamos conversando de modo que se formaram dois pares: Humberto e Júlia, Marisa e Davi. Eu e Célia ficamos à parte, mas os quatro, vez ou outra, tentavam nos incluir na conversa.
Nesse momento, o fluxo de pessoas era maior. Enquanto durava o intervalo, muitos procuravam os bares; outros iam em direção às outras partes do terreno. Descobri que havia estandes de venda de camisetas, CDs e que, próximo à entrada secundária, numa casa que parecia ser da administração, pequenos grupos de jazz e blues se apresentavam seguidamente, num show mais intimista.
Aquele conhecido que me acenara acabou por aparecer junto a nós. Apresentei-o a todos. Perguntou se incomodava caso ficasse em nossa companhia. Educada, disse que não, mas tentei deixar no ar um pouco de frieza; não o queria ao meu lado durante toda a noite. Sentou-se e pôs-se a conversar. Célia aproximou-se e deu mais atenção ao homem. Os dois deviam ser mais ou menos a mesma idade, lá pelos trinta ou trinta e dois anos.
A segunda atração fez a platéia assistir ao espetáculo de modo silencioso. O grupo era composto por três músicos e uma cantora. As canções eram estilo jazz-bossa, e a cantora se apresentou sentada num banco comprido; pode-se dizer que o show era cool, mas todos davam mostras de estar gostando muito.
Ficamos assistindo a distância. O barulho do bar onde estávamos e a circulação das pessoas atrapalharam um pouco a recepção daquele tipo de música. Não seria ainda dessa vez que Marisa e Júlia se aventurariam no meio da multidão para fumar um novo baseado. Pedi mais uma caipirinha e, quando olhei à esquerda, vi Júlia beijando Humberto na boca. Os outros conversavam e ouviam o show ao mesmo tempo.
“Nós vamos dar uma volta”, disse Marisa e arrastou consigo Davi.
“Não desapareça, olha o nosso trato”, falou Júlia.
O trato estava claro a todos, amigas de baseado.
Eu bebia minha caipirinha. Júlia mantinha-se agarrada a Humberto; parecia que as cervejas já faziam algum efeito. Ela se mostrava lânguida, sensível às carícias do homem. Célia discutia com Jorge, o meu conhecido. Falavam sobre o significado da palavra jazz no presente. O rapaz afirmava que o estilo significava tudo que desse margem a algum tipo de improvisação musical. Célia parecia concordar, mas dizia que, para ela, o jazz tinha que ser o autêntico, aquele dos negros americanos. O máximo de concessão que fazia era para Chet Baker.
“O estilo deles é inimitável, já não existe nos dias de hoje”, afirmou.
O rapaz devolveu que poderia não existir o jazz do jeito que eles interpretavam, mas que havia muita gente boa, principalmente em Nova York. Quando falou no nome da cidade, parece que causou um certo encanto em Célia. Ela então perguntou se ele já estivera lá.
A segunda apresentação acabara e o número de pessoas continuava aumentando. Os bares tinham gente por todo os lados, inclusive nos balcões; os empregados demoravam para atender. Humberto conseguiu mais uma cerveja e Célia pediu dessa vez a caipirinha.
Quando começou a terceira apresentação, executada por um ágil grupo de blues, os quatro já se mostravam muito entusiasmados, queriam dançar. Pediram a mim que tomasse conta da mesa e se foram novamente para junto do palco. Aconteceu então algo interessante. Uma moça, quase menina, perguntou se podia sentar com o grupinho dela nas cadeiras vagas. Eu disse que sim, mas só enquanto meus amigos não voltavam. A mais jovem devia ter uns dezesseis anos, acendeu um cigarro. Antes perguntou se o cigarro incomodava; ofereceu um também a mim.
“Obrigada, tenho aqui”, peguei um e acendi.
Ela puxou conversa; disse que não entendia muito aquele tipo de música, mas que estava gostando, que dali em diante ia procurar se interessar mais. Não sabia que existia tanta gente ligada em jazz e blues. Observou que as pessoas eram de boa aparência e bem vestidas.
“Parece até que estamos num outro país, nunca vi tanta gente bonita”.
Tomei mais um gole da minha bebida. Ela falou:
“Tudo, menos bebida alcoólica, não desce”, sorriu depois da última palavra. O grupinho conversava animado, o mais velho apontava para a banda e explicava para o colega ao lado alguma coisa que eu não ouvia.
“Meus amigos não são agradáveis?”, segredou-me a pergunta; continuou: “conheci-os ontem, ficamos juntos o dia inteiro; e, em doze horas, já namorei dois deles”.
“Não houve confusão?”, eu quis saber.
“Confusão, como?”, pareceu não entender.
“Isso não gera ciúmes entre eles?”
“Ah, não, eles nem querem ter ninguém por muito tempo, gostam que seja assim, são muito amigos”.
Olhei em direção ao público, depois levantei a cabeça e soltei a fumaça do cigarro.
“A senhora não tem par?”
Achei engraçada a palavra senhora, mas não quis decepcioná-la.
“Até agora, não.”
“Se quiser, arranjo alguém, quer?”
“Verdade?”, eu incentivava.
“Verdade!, não acredita?”
“Acredito, então arranje”, embarquei na fantasia.
Ela olhou em meio às pessoas que iam lá junto ao balcão do segundo bar. Disse de repente:
“Espere um instante”.
Levantou e se afastou; não demorou a voltar com um rapaz tão jovem quanto ela. Depois descobri que ele tinha vinte anos.
“Aqui está seu jovem apaixonado”, disse entregando-o a mim.
Ele sorriu, aproximou-se e me beijou na boca. Então falou:
“Sua caipirinha deve estar ótima, vou pedir uma pra mim”, sentou-se ao meu lado e permaneceu ali, com o braço envolto em meu ombro.
Comecei a aproveitar a festa tanto quanto aqueles jovens. Agarrei o rapaz e ficamos nos beijando por longo tempo. Ele parecia ser hábil na arte de amar, tinha as mãos delicadas, sabia tocar meu corpo. Logo me pôs num fogo que eu não sabia para onde correr. Se o lugar não tivesse tão cheio, já estaríamos num outro tipo de relação.
Quando meu grupo voltou, pedi que eles levantassem. Júlia parecia estar excitadíssima, e vinha agarrada a Humberto. Marisa viera junto com Davi e Célia também se acertara com o outro homem.
Falei:
“Agora sou eu que vou me divertir um pouco”, e segui o grupo de jovens, agarradinha a meu recente namorado.
Nas duas últimas apresentações, dançamos muito. O jazz não costuma ser um ritmo dançante, mas em meio a todo aquele som arranjamos um jeito. As outras pessoas, da mesma forma, não ficaram para trás. Quando vinha do palco o som de blues, principalmente o mais recente, que é muito semelhante ao rock clássico, dançávamos com mais ímpeto.
Antes da última apresentação, voltamos à mesa onde ainda se encontravam meus primeiros amigos.
“Graça, ainda bem que você voltou, preciso de um favor seu”, Julia falou.
“Pois, peça”.
“Vou sair daqui a pouco com o Humberto, mas não vou pra casa. Ainda vamos andar um pouco por aí, ele está de carro. Será que você pode voltar pra lá e ficar com as crianças? Elas devem estar dormindo”.
Olhei para o meu pequeno grupo. Eles não me abandonavam. Acho que pensavam que eu pudesse ser uma tia mais velha. Júlia pareceu entender.
“Quando acabar, pode levá-los todos para lá, se quiserem. Mas peço que não façam barulho, nem muita extravagância”.
“Você já sabe qual é a nossa extravagância predileta, não?”
“Ah, imagino. Tanto que não acordem as crianças...”
“Tudo bem, vou falar com eles”.
“Vou te pedir mais um favor”, ainda disse, “leve essa sacola pra mim”.
“O que tem aí?”
“Depois você olha”.
Ainda nos divertimos muito durante o último show. Mas o jazz foi tradicional, estilo dos grandes clássicos. Aplaudimos muito quando acabou.
Ao sairmos, eles já sabiam para onde iríamos. Na casa de Júlia, fizemos uma outra festa.
Logo que entramos, um deles acendeu um baseado.
“Por favor, fume isso lá fora, aqui tem criança” falei em surdina.
Fumaram na varanda.
Servi alguma coisa para eles comerem. Também havia umas bebidas na geladeira. Todos namoramos. Espalhamo-nos pela sala, pela varanda, e houve quem fosse para as areias da praia, que ficava bem diante da casa.
Durante duas ou três horas os pares se agarraram e namoraram em silêncio. Mas apenas minha primeira amiga, aquela que me trouxera o rapaz, ficou nua, e só da cintura para cima. Os outros, se transaram, fizeram-no sem tirar a roupa.
Eu e meu namoradinho também aproveitamos a oportunidade. Nunca beijei tanto nem fui beijada tantas vezes como naquela madrugada. E nosso contato foi mais vibrante quando nos enfiamos sob um edredom.
Depois que se foram, já quase ao amanhecer, lembrei-me do embrulho de Júlia. Abri-o. Toda a roupa que ela vestira estava ali, com exceção do casaco.
Encerro aqui a novela iniciada em A galeria. Se tiver de dar um nome ao conjunto, será o mesmo desse último capítulo. Nada impede, no entanto, que os seis segmentos sejam lidos como contos independentes.
“Graça”.
“Oi”, respondi, olhando em sua direção e fechando o livro.
“Você pretende fazer o que hoje à noite?”
“Está tão agradável a praia, que nem pensei nisso”.
“Vamos ao festival de jazz?”
“Podemos ir, mas e as crianças?”
“Elas ficam sozinhas, a Carolina já tem doze anos”.
“Está bem. Mas aqui está tão bom, quero que a tarde dure bastante”.
“Lembra quando falei pra você que seria ótimo virmos para a casa de praia no feriado? No início você ficou indecisa, agora está gostando".
“Não pensei que a praia estivesse tão boa e pouco freqüentada. Achei que o feriado atrairia muita gente de fora”.
“Não é mais como antigamente. Esse lugar já foi bem cheio em outros tempos, agora anda mais selecionado”.
“E Ana, não quis vir?”, perguntei.
“Minha irmã não gosta de lugares despovoados. Pra ela tem que ter muita gente; apesar de quarentona, quer agitação; sempre paquera um homem ou outro”.
“Gosto dela, é uma boa pessoa”.
“Eu também gosto muito, mas ela não vem porque não quer”.
“E ao festival, vai vir muita gente, não?”
“Deve vir, mas não é um festival comum; o público de jazz é mais requintado”.
“Você conhece alguém que vai estar lá?”
“Você pergunta sobre os grupos de música?”
“Também”.
“Um ou outro de alguns CDs; quanto aos possíveis freqüentadores, conheço muita gente nessa cidade, acho que vamos encontrar uns caras legais, vamos nos divertir”.
Um dos filhos de Júlia, o menino, tinha nove anos; pediu para eu ir até a beira d’água com ele. Embora o mar fosse tranqüilo, tinha medo. Acompanhei-o e acabamos divertindo-nos muito. Se ele já gostava de mim, passou a gostar mais. Depois veio a menina e entrou também. Aprontamos os três muitas brincadeiras.
Quando voltei para junto de Júlia, não consegui mais ler meu livro; as crianças me chamavam para qualquer coisa. Acho que chegaram a pensar que eu era da idade delas.
Em certo momento, a menina falou para mim:
“Tia Graça, você usa um biquíni muito pequeno, até parece de criança”.
Ri muito e deitei-me na cadeira de praia para aproveitar o fim de tarde.
À noite fomos ao festival. Acontecia todos os anos e era um evento nobre na cidade. A administração local transformara um terreno grande, próximo a uma das praias, no que se convencionou chamar “Cidade do Jazz”. Durante quatro ou cinco dias, ocorriam apresentações de grupos musicais em diversos pontos da cidade e à noite, a partir das 8h, o evento principal era nesse grande local. Havia um grande palco e, nas laterais, os bares e restaurantes da cidade montavam seus estandes e suas mesas. O festival reunia muita gente interessada em música. Havia moradores locais e pessoas que vinham de longe. Como à noite a temperatura caía um pouco e era mês de junho, as pessoas se vestiam bem, algumas trajavam até mesmo sobretudos. Era uma boa oportunidade de se tirar roupas de raro uso dos armários e desfilar ante todos os presentes. O festival de Jazz e blues não era um evento popular mas, ali, pouco a pouco assim se transformava; as pessoas gostavam de se passar por gente sofisticada, que acompanhava aquele tipo de música; havia também quem aparecesse por curtição apenas. Mas todos acabavam de algum modo se interessando.
Chegamos ao local por volta das nove horas. As apresentações ainda não haviam começado; ouviam-se sons desconexos vindos de músicos que preparavam seus instrumentos nos bastidores. Eu e Júlia andamos por grande parte do local. Ela, como gostava de roupa curta, viera com uma blusa colante ao corpo e uma saia curta, mas sobre a blusa vestia um casaco que lhe ia um pouco além das coxas. Tinha as pernas cobertas por meias azuis e calçava botas que atingiam quase o tornozelo. Eu ia vestida mais simples, um vestido comum – esquecera ao ir à casa dela de levar roupas mais chiques – e um casaco fino de mangas três quartos. Calçava as sandálias com as quais havia saído pela manhã.
“Viu o Humberto?, ele está lá naquela ponta”, disse minha amiga.
Humberto era um homem forte, cinco anos mais novo que ela, com quem tivera um caso logo após se separar do pai das crianças.
“Ele está sozinho”, ainda completou. “Vamos tomar uma cerveja?” Sugeriu sorridente.
Fomos até um dos bares. As mesas tomavam toda a frente e àquela hora já estavam quase todas ocupadas. Muitos jovens desfilavam de um lado a outro. As moças, principalmente, sorriam muito e conversavam. Suas roupas ora curtas, ora um pouco compridas, eram coloridas, mas tudo ajeitado de maneira muito sensual.
Júlia pediu uma cerveja; perguntou se eu não desejava alguma coisa. Disse que não, ainda era cedo para começar a beber. Com algum sacrifício, conseguimos dois lugares junto a duas moças que se mostraram receptivas a terem duas mulheres como companhia. Quando sentamos, a cortina do grande palco se abriu e a voz do locutor apresentou a primeira atração.
O grupo começou a tocar de forma que logo contagiou a platéia. A maior parte das pessoas estava diante do palco. A prefeitura colocara algumas cadeiras, mas muitos trouxeram cadeiras de armar de casa. Fez-se silêncio durante um tempo e uma mulher negra empunhou um violino, a banda a acompanhou. Após a primeira música, pararam por alguns momentos, foram muito aplaudidos pelo público. A mulher do violino se dirigiu em inglês à platéia, falou algumas palavras elogiosas sobre o local e sobre o prazer de estar apresentando-se ali. Voltaram a tocar.
As moças sorriam em aprovação aos músicos. Uma delas acendeu um cigarro; a outra começara a conversar com Júlia. Humberto, o amigo de Júlia, passou diante de nós e fez menção em parar. Minha amiga o chamou. Ele cumprimentou também as duas outras; conhecia uma delas. Acabei descobrindo que se chamava Marisa. Elas se levantaram e o beijaram. Arranjamos mais uma cadeira e ele se sentou entre mim e uma das moças. Depois, como quisesse falar algo em particular com Júlia, deslocou sua cadeira até ela e ficou a seu lado com o braço sobre o encosto da cadeira, numa posição que o fazia parecer estar a abraçá-la.
“Eu trouxe um baseado e estou doida para acender”, Marisa falou e olhou para os lados como se perguntasse se seria possível fazê-lo ali.
“É melhor em meio ao público, não vai demorar as outras pessoas por também vão estar fumando, espere um pouco”, disse o ex-namorado de Júlia.
Pouco a pouco chegava mais gente. Numa das entradas, dois holofotes deslocavam-se em sentido contrário, proporcionando um bonito efeito luminoso na direção do céu.
Percebi um conhecido que passou do lado de fora do conjunto de mesas; acenou para mim. Correspondi-lhe. Fez sinal de que depois viria falar comigo.
Pedi a um dos garçons uma caipirinha. Os garçons eram rapazes solícitos e bem vestidos, seguindo o estilo daquele bar. Seus cabelos eram cobertos por uma bandana negra, vestiam camisa e avental da mesma cor.
Júlia conversava animadamente com Humberto. As outras duas ora apontavam alguma coisa na direção do palco, ora acompanhavam a música com interesse. Minha amiga interrompeu a conversa e falou para Marisa:
“Vamos lá para o meio da multidão, assim você acende o baseado e eu dou uns tragos”.
“Ótima idéia”, ela falou levantando-se.
“Graça, você pode ficar aqui com ela”, apontou para Célia, a amiga de Marisa, “assim a gente não perde a mesa”.
Fiz que sim com a cabeça. Ela, o homem e a que trouxera o baseado se foram.
Um dos rapazes serviu minha caipirinha. Veio bastante enfeitada, como era tradição daquele bar, estava também muito gostosa. Comecei a tomá-la devagar, procurando saborear a bebida. O álcool logo me esquentou e provocou aquele frisson que sempre surge quando estamos em meio a algo que nos entusiasma. Célia pedira uma cerveja, mas também experimentou um gole da caipirinha.
“Está uma delícia, acho que daqui a pouco vou querer uma”.
“Não vai fazer mal?”
Ela já tomava a segunda lata de cerveja.
“Acho que não, uma só não dá pileque”.
Um rapaz acenou a ela, devia ter uns vinte anos, ela trinta. Subiu ao patamar das mesas e veio até nós.
“Oi, Davi, como vai?”, levantou-se e o beijou. “Aqui está minha amiga... Como você se chama mesmo?”
“Graça, muito prazer”, estendi-lhe a mão de onde estava sem me levantar.
Ele correspondeu, depois sorriu, fez um gesto de que desejava ficar junto a nós.
“Será que eu incomodo?”, perguntou.
“Claro que não, é um prazer ter você com a gente; aqui na mesa há mais gente, mas precisaram se ausentar um pouquinho”, Célia falou e sorriu em minha direção.
O rapaz sentou-se agradecido e olhou em busca de alguém que o atendesse. Apareceu dessa vez uma garçonete. Ela se vestia como os rapazes, mas não parecia trazer calça comprida sob o comprido avental; seus cabelos eram avermelhados e estavam presos em forma de rabo de cavalo.
“Bom grupo esse que está tocando, não?”, falou Davi, como se quisesse puxar conversa. “Está contagiando o público, a violinista é muito boa”.
Todos olhamos para o palco concordando com ele.
“Acho que conheço você de algum lugar”, falou voltando-se para mim.
“Pode ser”, sugeri, enquanto suguei pelo canudinho mais um gole da caipirinha.
Escutamos mais uma série de músicas, apreciávamos a performance da banda. Quando acabaram de tocar, as luzes do palco se acenderam. A mulher agradeceu muito e apresentou os outros músicos. Fingiram que se retiravam, mas devido aos aplausos incessantes voltaram para o bis. Quando acabaram, a cortina se fechou sob mais aplausos, enquanto a voz do apresentador anunciava que dentro de instantes teríamos a próxima atração.
Júlia, Marisa e Humberto voltaram para a mesa. Pareciam muito alegres e entusiasmados.
“Ah, estava ótimo o baseado”, disse Júlia para mim, “foi maravilhoso, e olha que estamos ainda no começo”.
Célia apresentou seu amigo. Marisa foi quem demonstrou mais interesse por ele. Aliás, é bom explicar aqui: ela já não era jovem, mas jovial. Descobri logo que gostava de rapazes. Talvez isso disfarçasse sua idade. A maneira de ela se vestir também revelava que não deixara totalmente a adolescência. Lembro que depois disse isso a Júlia, que retrucou: “e quem deixou?”. Talvez tivesse um pouco de razão.
Todos sentaram de novo, arranjamos mais uma cadeira. Ficamos conversando de modo que se formaram dois pares: Humberto e Júlia, Marisa e Davi. Eu e Célia ficamos à parte, mas os quatro, vez ou outra, tentavam nos incluir na conversa.
Nesse momento, o fluxo de pessoas era maior. Enquanto durava o intervalo, muitos procuravam os bares; outros iam em direção às outras partes do terreno. Descobri que havia estandes de venda de camisetas, CDs e que, próximo à entrada secundária, numa casa que parecia ser da administração, pequenos grupos de jazz e blues se apresentavam seguidamente, num show mais intimista.
Aquele conhecido que me acenara acabou por aparecer junto a nós. Apresentei-o a todos. Perguntou se incomodava caso ficasse em nossa companhia. Educada, disse que não, mas tentei deixar no ar um pouco de frieza; não o queria ao meu lado durante toda a noite. Sentou-se e pôs-se a conversar. Célia aproximou-se e deu mais atenção ao homem. Os dois deviam ser mais ou menos a mesma idade, lá pelos trinta ou trinta e dois anos.
A segunda atração fez a platéia assistir ao espetáculo de modo silencioso. O grupo era composto por três músicos e uma cantora. As canções eram estilo jazz-bossa, e a cantora se apresentou sentada num banco comprido; pode-se dizer que o show era cool, mas todos davam mostras de estar gostando muito.
Ficamos assistindo a distância. O barulho do bar onde estávamos e a circulação das pessoas atrapalharam um pouco a recepção daquele tipo de música. Não seria ainda dessa vez que Marisa e Júlia se aventurariam no meio da multidão para fumar um novo baseado. Pedi mais uma caipirinha e, quando olhei à esquerda, vi Júlia beijando Humberto na boca. Os outros conversavam e ouviam o show ao mesmo tempo.
“Nós vamos dar uma volta”, disse Marisa e arrastou consigo Davi.
“Não desapareça, olha o nosso trato”, falou Júlia.
O trato estava claro a todos, amigas de baseado.
Eu bebia minha caipirinha. Júlia mantinha-se agarrada a Humberto; parecia que as cervejas já faziam algum efeito. Ela se mostrava lânguida, sensível às carícias do homem. Célia discutia com Jorge, o meu conhecido. Falavam sobre o significado da palavra jazz no presente. O rapaz afirmava que o estilo significava tudo que desse margem a algum tipo de improvisação musical. Célia parecia concordar, mas dizia que, para ela, o jazz tinha que ser o autêntico, aquele dos negros americanos. O máximo de concessão que fazia era para Chet Baker.
“O estilo deles é inimitável, já não existe nos dias de hoje”, afirmou.
O rapaz devolveu que poderia não existir o jazz do jeito que eles interpretavam, mas que havia muita gente boa, principalmente em Nova York. Quando falou no nome da cidade, parece que causou um certo encanto em Célia. Ela então perguntou se ele já estivera lá.
A segunda apresentação acabara e o número de pessoas continuava aumentando. Os bares tinham gente por todo os lados, inclusive nos balcões; os empregados demoravam para atender. Humberto conseguiu mais uma cerveja e Célia pediu dessa vez a caipirinha.
Quando começou a terceira apresentação, executada por um ágil grupo de blues, os quatro já se mostravam muito entusiasmados, queriam dançar. Pediram a mim que tomasse conta da mesa e se foram novamente para junto do palco. Aconteceu então algo interessante. Uma moça, quase menina, perguntou se podia sentar com o grupinho dela nas cadeiras vagas. Eu disse que sim, mas só enquanto meus amigos não voltavam. A mais jovem devia ter uns dezesseis anos, acendeu um cigarro. Antes perguntou se o cigarro incomodava; ofereceu um também a mim.
“Obrigada, tenho aqui”, peguei um e acendi.
Ela puxou conversa; disse que não entendia muito aquele tipo de música, mas que estava gostando, que dali em diante ia procurar se interessar mais. Não sabia que existia tanta gente ligada em jazz e blues. Observou que as pessoas eram de boa aparência e bem vestidas.
“Parece até que estamos num outro país, nunca vi tanta gente bonita”.
Tomei mais um gole da minha bebida. Ela falou:
“Tudo, menos bebida alcoólica, não desce”, sorriu depois da última palavra. O grupinho conversava animado, o mais velho apontava para a banda e explicava para o colega ao lado alguma coisa que eu não ouvia.
“Meus amigos não são agradáveis?”, segredou-me a pergunta; continuou: “conheci-os ontem, ficamos juntos o dia inteiro; e, em doze horas, já namorei dois deles”.
“Não houve confusão?”, eu quis saber.
“Confusão, como?”, pareceu não entender.
“Isso não gera ciúmes entre eles?”
“Ah, não, eles nem querem ter ninguém por muito tempo, gostam que seja assim, são muito amigos”.
Olhei em direção ao público, depois levantei a cabeça e soltei a fumaça do cigarro.
“A senhora não tem par?”
Achei engraçada a palavra senhora, mas não quis decepcioná-la.
“Até agora, não.”
“Se quiser, arranjo alguém, quer?”
“Verdade?”, eu incentivava.
“Verdade!, não acredita?”
“Acredito, então arranje”, embarquei na fantasia.
Ela olhou em meio às pessoas que iam lá junto ao balcão do segundo bar. Disse de repente:
“Espere um instante”.
Levantou e se afastou; não demorou a voltar com um rapaz tão jovem quanto ela. Depois descobri que ele tinha vinte anos.
“Aqui está seu jovem apaixonado”, disse entregando-o a mim.
Ele sorriu, aproximou-se e me beijou na boca. Então falou:
“Sua caipirinha deve estar ótima, vou pedir uma pra mim”, sentou-se ao meu lado e permaneceu ali, com o braço envolto em meu ombro.
Comecei a aproveitar a festa tanto quanto aqueles jovens. Agarrei o rapaz e ficamos nos beijando por longo tempo. Ele parecia ser hábil na arte de amar, tinha as mãos delicadas, sabia tocar meu corpo. Logo me pôs num fogo que eu não sabia para onde correr. Se o lugar não tivesse tão cheio, já estaríamos num outro tipo de relação.
Quando meu grupo voltou, pedi que eles levantassem. Júlia parecia estar excitadíssima, e vinha agarrada a Humberto. Marisa viera junto com Davi e Célia também se acertara com o outro homem.
Falei:
“Agora sou eu que vou me divertir um pouco”, e segui o grupo de jovens, agarradinha a meu recente namorado.
Nas duas últimas apresentações, dançamos muito. O jazz não costuma ser um ritmo dançante, mas em meio a todo aquele som arranjamos um jeito. As outras pessoas, da mesma forma, não ficaram para trás. Quando vinha do palco o som de blues, principalmente o mais recente, que é muito semelhante ao rock clássico, dançávamos com mais ímpeto.
Antes da última apresentação, voltamos à mesa onde ainda se encontravam meus primeiros amigos.
“Graça, ainda bem que você voltou, preciso de um favor seu”, Julia falou.
“Pois, peça”.
“Vou sair daqui a pouco com o Humberto, mas não vou pra casa. Ainda vamos andar um pouco por aí, ele está de carro. Será que você pode voltar pra lá e ficar com as crianças? Elas devem estar dormindo”.
Olhei para o meu pequeno grupo. Eles não me abandonavam. Acho que pensavam que eu pudesse ser uma tia mais velha. Júlia pareceu entender.
“Quando acabar, pode levá-los todos para lá, se quiserem. Mas peço que não façam barulho, nem muita extravagância”.
“Você já sabe qual é a nossa extravagância predileta, não?”
“Ah, imagino. Tanto que não acordem as crianças...”
“Tudo bem, vou falar com eles”.
“Vou te pedir mais um favor”, ainda disse, “leve essa sacola pra mim”.
“O que tem aí?”
“Depois você olha”.
Ainda nos divertimos muito durante o último show. Mas o jazz foi tradicional, estilo dos grandes clássicos. Aplaudimos muito quando acabou.
Ao sairmos, eles já sabiam para onde iríamos. Na casa de Júlia, fizemos uma outra festa.
Logo que entramos, um deles acendeu um baseado.
“Por favor, fume isso lá fora, aqui tem criança” falei em surdina.
Fumaram na varanda.
Servi alguma coisa para eles comerem. Também havia umas bebidas na geladeira. Todos namoramos. Espalhamo-nos pela sala, pela varanda, e houve quem fosse para as areias da praia, que ficava bem diante da casa.
Durante duas ou três horas os pares se agarraram e namoraram em silêncio. Mas apenas minha primeira amiga, aquela que me trouxera o rapaz, ficou nua, e só da cintura para cima. Os outros, se transaram, fizeram-no sem tirar a roupa.
Eu e meu namoradinho também aproveitamos a oportunidade. Nunca beijei tanto nem fui beijada tantas vezes como naquela madrugada. E nosso contato foi mais vibrante quando nos enfiamos sob um edredom.
Depois que se foram, já quase ao amanhecer, lembrei-me do embrulho de Júlia. Abri-o. Toda a roupa que ela vestira estava ali, com exceção do casaco.
Encerro aqui a novela iniciada em A galeria. Se tiver de dar um nome ao conjunto, será o mesmo desse último capítulo. Nada impede, no entanto, que os seis segmentos sejam lidos como contos independentes.
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