sexta-feira, dezembro 01, 2006

Renque acolhedor

Numa rua de um bairro da zona sul, havia um renque de árvores particularmente acolhedor. Por trás, em uma das casas que se alinhavam espaçosas, descobri uma senhora não tão jovem, mas ainda bela. Era uma daquelas pessoas que se mostram por dentro mas se escondem por fora. Gostava de conversar, na maioria das vezes ao entardecer, quando me contava tudo sobre si enquanto ouvíamos o canto dos pássaros e tomávamos, na varanda, uma chávena de chá. Narrava suas aventuras amorosas com entusiasmo. Mas jamais a vi fora de casa, ou vestida como quem vai a uma festa. Suas histórias soavam-me, à época, verossímeis. Hoje, no entanto, creio que tal verossimilhança devo creditar mais à maneira como ela as contava.

Certa vez, como eu demonstrasse dúvida, perguntou-me se aceitaria representar não papel principal, mas de coadjuvante em uma de suas aventuras. Confesso que ligeiro arrepio percorreu-me o corpo. Como eu hesitasse, ela se pôs a relatar o que se passava. Arranjara um namorado sem sair de casa. Dizia que ele estava apaixonado por ela. O namoro ia bem até que ele lhe pediu um favor surpreendente. Daria tudo que ela quisesse para levá-la nua a um passeio através da fileira de árvores, bem diante da casa. Sentira-se excitada no momento da proposta. Mas dizia que seu tempo de loucuras já havia passado. Embora não pretendesse fazer-lhe a vontade, não queria desapontá-lo, disse que pensaria no assunto. Ele cobrava-lhe a resposta e ela protelava. "Quem sabe você pudesse fazer o meu papel na aventura externa?", atirou-me a proposta. Recompensaria-me regiamente. "Ele vai descobrir, deve conhecer bem seu corpo", foi tudo que eu disse. "Deixa que isso eu resolvo", ligeiro sorriso entrecortou suas palavras.

Combinou o dia com o namorado e depois me comunicou: "está tudo acertado, a única exigência é que você esteja nua às onze da noite, na varanda. Vou deixar o portão encostado. Lógico que você virá vestida, mas tire toda a roupa e a deixe numa mochila que vai estar num dos cantos". "Mas como ele vai acreditar que a mulher nua é você?" perguntei. "Ele não poderá olhar para o seu corpo, estará de olhos vendados, vai apenas tatear sua pele para certificar-se da nudez, depois lhe tocará um dos ombros e você o guiará através das árvores. Ele também não poderá ver o momento em que eu vou sair de casa. Finjo que saio, e quando for a vez dele, já vai dar com você nua no meu lugar". Achei o plano engenhoso, mas apenas trejeito sinuoso ou emissão de som imprevisto de minha parte e a montanha ruiria estrepitosa. Mesmo assim concordei.

Na noite da aventura eu tremia muito. No momento de tirar toda a roupa tive vontade de desistir, mas consegui controlar-me. Tudo ocorreu com perfeição. Apenas um detalhe nos surpreendeu: quando voltamos, a porta estava trancada. Ele percebeu que eu demorava a abri-la. Então perguntou o que estava acontecendo. Como eu hesitasse responder, tirou a venda e deu com a nua errada. "Quem é você?" inquiriu assustado. "Uma atriz". "Atriz?" "Sim, uma atriz." "Então vamos", tomou-me nos braços e me colocou dentro de seu carro, "nossa representação ainda não terminou", falou em voz baixa. Deu a seguir a partida e me levou dali. No outro dia, quando a visitei de novo, ela ria alto como eu nunca vira. Depois, ainda muito alegre, disse-me: "eu quis dar a você um presente, vai dizer que não gostou?"

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