quinta-feira, junho 08, 2006

Tear primevo

O céu espelha enxame de lanternas prateadas; não há rugir que não seja o das águas geradoras, explosões em cadeia, espuma que ao eterno se renova, resíduos de intempérie. Degrau de areia, rastro involuntário de preamar, serve-me de recosto. Ligeira brisa atraiçoa-me a tez. Sem tranças de algodão ou seda púrpura a cobrir-me, tento ungir-me à natureza. Um cão se aconchega, tenta roçar-me o pelo. Sou mulher-loba que o recebe, cadela ruiva à beira do cio. O que espero? Que a noite passe com lentidão; que suas sombras não se dissipem; que o inseguro tracejar de luz fria refletido em lua quase finda não me revele. Deixei-me surpreender por amante ancestral, amor primeiro. Quis levá-lo ao gozo, extremar-lhe prazeres noturnos. Saqueou minhas naus, privou-me de regresso. Disse que intenta resgatar-me, rígido, sem demência, tal qual anêmonas luzidias em inverno de hemisférios invertidos. Resta-me o cão, ainda que precário. Às últimas sombras, espreguiça-se, sacode o pelo. Acaricio-o, mas ele parte. Vai sob alvas de céu já rosáceo. Não o acompanho, não lhe pertenço. Fiz parte momentânea de seu mundo, onde a fome é perene e não ultraja a ausência de tear primevo. Espero. Sou massa esmeráldica a ser lavrada à primeira luz.

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