quinta-feira, maio 25, 2006

O gozo da loba

São cinco da tarde. Olho as vitrines num shopping da zona sul do Rio: quatro andares de lojas de todos os tipos, entre roupas, jóias, presentes, perfumes, alimentos, cafeterias, etc.. Ah, cafeterias!, como eu as adoro. E é aqui que tudo começa. Tomo um expresso, reparo o semblante da garçonete. Ela arruma salgados de forno em uma bandeja. Uma senhora pede um pedaço de torta. A moça que nos atende sorri. "Parecem felizes esses empregados", ouço a voz que me vem do lado esquerdo. É de um homem moreno, jovial, talvez quarentão. Sorvo os últimos goles, coloco a xícara sobre o pequeno balcão e preparo-me para continuar o passeio. A cafeteria fica num quiosque, uma interseção entre dois corredores. No ar paira música americana, uma balada, bonita canção. Após alguns metros, paro diante da vitrine de uma loja de roupas para mulheres; roupas de estilo, modelos para senhoras, mulheres maduras. Há vários manequins com vestidos que escorrem até abaixo do joelho, modelos clássicos, cores sóbrias, vejo um modelo todo negro, maravilhoso. Mas hoje não compro nada, vim a passeio. Entro por outro corredor. Muitas pessoas também passeiam, olham vitrines; os letreiros luminosos colorem o local, escadas rolantes sobem e descem. Enfio-me em uma delas e meus saltos tocam, após alguns segundos, o terceiro pavimento. Noto o homem que falou comigo no café. Ele me aguarda assim que dobro à direita e passo junto a uma loja de roupas infantis. "Senhora ou senhorita?", me pergunta. Não respondo. Passo séria, não quero assunto. Mas observo no contra fluxo, através do espelho de uma ótica, que ele me segue. Começo a ficar preocupada. Penso em me ir embora. Mas vim me distrair, não posso ficar perturbada por causa de uma paquera barata. Barata? Não adiantemos os fatos. Ele me olha e me segue porque sou bonita, estou bem vestida, perfumada. E nem estou de saia tão curta assim... Empino-me, faço-me a mulher mais linda entre as mais lindas; continuo meu percurso. Desfilo. Percebo então que ele é todo olhos em minha direção. Quando sou tomada por uma ponta de temor, desvencilho-me dela. Sou estrela inatingível cuja beleza cor de prata incendeia aqueles que se aproximam. Meu perfume é capaz de inebriar os seres de toda a floresta, capaz de transformar os animais mais mansos em selvagens, levar ao cio até mesmo preguiça renitente. Desperto no homem tigre veloz e voraz, predador que não me dá trégua nem espaço para fuga; sinto-me fêmea que vai ter o pescoço ferido, mas não deixará de rugir de gozo ante o embate final. Aceito o jogo. Sei que é perigoso, mas aceito. Tenho uma estratégia: entro no toalete. Demoro. Quando saio, sei que me espera. Sigo. Tomo a escada que me leva ao quarto piso. Mais um andar de volúpia, jogo, passeio, encontros e desencontros. Quando circulo todo o pavimento, tendo visto várias lojas de decorações e comprado um docinho, ele me aborda. Olho-o sem mover a cabeça. Assumo postura elegante; tenho estilo. Ele sabe que correspondo. "Tenho um presente pra você", afirma. Permaneço estática, faço pouco caso. Ele não sabe mais o que dizer. "Presente?". "Sim", sorri ao ouvir minha voz pela primeira vez. "Ouro?", indago mercenária. "Como adivinhou?", surpreso, me faz a pergunta. Sentamos nas cadeiras de outra cafeteria. A garçonete se aproxima; esta é loura. Outro ritual: café com creme, agora para dois. "Não, apenas um," ele diz, e completa: "tomo chá, de hortelã". A garçonete se retira. Ele leva as mãos ao bolso do paletó, tira uma pequena caixa. Coloca o delicado pacote sobre a mesa e o empurra em minha direção. O papel é de joalheria famosa. A moça retorna, traz a bandeja com as xícaras. Vou desfazendo as amarras, o barbante dourado reluzente. Ao abrir a caixinha dou um gritinho de prazer. Um friozinho me percorre a barriga. É uma gargantilha de ouro, toda trabalhada, tem uma pérola, difícil descrever... Olho na direção dele. Está sorvendo um gole de chá, mas não deixa de reparar minha emoção. Tenho de retribuí-lhe, mas como? "Sabe, sou rico", diz, "isso pra mim não é quase nada, gostei de você, vamos à minha casa?". "Depende", respondo misteriosa. Dissolvo o creme e tomo a pequenos goles meu café. Quando termino, imponho: "só se você for primeiro até ali comigo". Ele paga a conta, depois me segue. Entro pela escada interna, um tipo saída a ser usada em caso de incêndio. A luz é baixa, não ouvimos vozes, apenas ecos longínquos, sons que se perdem em outros andares; onde estamos, apenas o risco. Viro-me na direção dele. Peço que me coloque a gargantilha. Estou eufórica, sou adrenalina pura. Ele cobre meu pescoço nu com gestos singelos. De um golpe, arranco toda a roupa. Meus seios saltam em sua direção. Mantenho-me nua; apenas a gargantilha no pescoço e a calcinha, uma coisinha à toa. Ele, assustado, me aponta a porta. "podem abri-la a qualquer momento". "Me abrace", rogo humílima. Sinto-me explodir; sou estopim a dar início a céu de fogos de artifício, partículas de pequenas estrelas transformando-se em lágrimas luminosas que pouco a pouco mergulham incandescentes, até se esfriarem num mar espumoso, camada de creme, espécie de marshmallow do prazer, estuário de gozos inumeráveis.

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