sábado, maio 06, 2006

Eu, metáforas

Meus cabelos,
orquídea selvagem que derrama fios iluminados de sol ancestral.

Meu rosto,
tessitura incorpórea, alga sublime, amálgama inaudito de deusa pagã.

Olhos,
Anêmonas milenares cujo brilho espelha pélagos, abismos insondáveis.

Nariz,
singelo deleite, desenho de pena cristalina, via a apurar rastros de perfumes originários.

Lábios e boca,
abertura serena, paladar preparado para mel curtido ao longo de eras extintas.

Orelhas,
música distante, ecos de harpas, de coros de anjos, de ninfas nuas sorrindo e correndo por campos floridos sob a sombra de álamos.

Pescoço,
alturas possíveis, deslumbre de cumes e mares imaginários.

Seios,
derramar do alimento perene, eflúvio original, protuberâncias ora altivas ora cobertas por pequenas mãos plenas de pejo; elementos de prazer.

Braços,
veludos vorazes, tentáculos tentações, abraços feitiços, mãos prontas a seduzirem e a acarinharem.

Ventre,
campo aberto, planície derramada ora sob louros solares ora sob sombras noturnas.

Púbis,
floresta lúdica onde pigmeus se perdem, labirinto de medo e de prazer escondendo cava capaz de conduzir quem nela penetre a delírios e a esquecimentos, capaz de levar navegante solitário a margear mundos sem rotas de regresso; musculatura untada por óleo original, secreções de aves gigantescas ou de insondáveis seres marítimos, embarque em planadores de alturas impossíveis ou de distâncias ainda não percorridas, cartas de navegação perdidas, bússolas avariadas.

Pernas,
manancial, espessura, linearidade e altitude ora desveladas ora cobertas por tecidos lúbricos, diáfanos, deixando entrever sombras na terra de homens menores.

Pés,
plana de perfeições, curvas sutis a deslizarem lépidas, cuidadosas; vexo de pisar pequenas partículas humanas, que me desejam nua e próxima, às vezes, atada.

Perigos,
não os da noite, mas o de holofote inesperado, luz súbita do dia, farol mágico que não me dê guarida e me arremesse nua em evidências impossíveis de refúgio, em mãos estranhas, ásperas, que me arranhem a pele branca e ponham-me a vazar líquido rubro.

Temores,
ficar à deriva, desviar de escolhos invisíveis mas bater em praias apinhadas, onde a capa semitransparente e provisória das águas e espumas não me permita demorá-la como veste única; temor de aproximações inoportunas, de vozes que ecoem meu estado de transparência cintilante, de ser surpreendida tendo como invólucro apenas gotículas escorreitas, prestes a secarem deixando-me ao desamparo, aos olhos curiosos de platéias estrangeiras; temor de que me obriguem a perfilar desguarnecida entre hostes bárbaras.

Prazeres,
Desfiar de líquidos aquecidos, explosões interiores, canal a receber braço de mar em estação de sol de ilhas tropicais.

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