sexta-feira, setembro 08, 2006

O ovo

Agachada, descalça, nua e plantada sobre chão frio, meu corpo era de contorcionista em evolução. Perdia-me em movimentos ora para dentro, ora em sentido inverso; tentava todo empenho numa façanha quase inexeqüível.

– O ovo, eu quero, você tem de fazê-lo –, a voz do homem explodia pela sala.

Tremia, arrepiava-me, suava.

– Por favor, dê-me mais uma chance, garanto que consigo.

– Ponha então o ovo!

Fechei os olhos. Concentrei-me. Tentava reunir todas as forças.

Foi aí que meu ventre num salto quase olímpico e em movimentos concêntricos anunciou algo expresso e frágil. De entre as pernas rolou coisa macia, sem cor, matéria visceral, que se aninhou atrás, sob minhas nádegas.

– Isso não é um ovo, e nem branco é.

– As mulheres põem-se ao labor de acordo com suas possibilidades; é um ovo sim; e, além disso, sei eu o que sai de mim –, anunciei séria.

Ele se aproximou, tomou-o nas mãos, levou-o próximo ao nariz. Fez expressão de dúvida. Sua cabeça pendeu um pouco para a esquerda; parecia tentar convencer-se de minhas palavras. Depois estendeu-o a mim:

– Se realmente é um ovo, experimente-o.

– Não posso provar o que produzo; o julgamento não cabe a mim, experimente-o você –, ainda agachada, sem me mover, falei resoluta.

– Você prometeu satisfazer todos os meus desejos; acho que esse você não vai conseguir. Não vejo a forma de um ovo.

– As mulheres dão forma vária. Você já olhou na direção do sol? Talvez pense que ele seja laranja!

– Sim, o sol, mas o ovo...

– Não precisa ser sempre branco, nem ter forma de ovo...

– Você quer convencer-me do que não vejo.

– Veja o que quiser; tenho certeza das coisas que faço.

– Você é esperta, não recua.

– Não há o que recuar ante evidência tão convincente – sentenciei.

– Evidências, evidências...

Ainda agachada, esforcei-me em posição fetal; juntei os braços, fechei as pernas, depois pronunciei em voz baixa, mantinha a calma e a convicção:

– Olhe-me, perceba: sou eu o próprio ovo. Veja minhas formas, toque minha pele; venha.

Ele pareceu hesitar.

– Teme aproximação maior? Toque-me, toque o ovo gerador.

– Ou a galinha...

– Sim, isso, ela também não deixa de ser ovo.

Resolveu-se. Agachou-se ao meu lado. Começou a tatear minha pele. Percorria ora vales que se moldavam à mão própria, ora montanhas, ora músculos rijos, intumescidos. Eu, pétrea, resistia a tremores internos; tentava não denunciar as batidas rápidas do coração; o fluir ligeiro de meu sangue; a fogueira que me ardia o baixo ventre. Avançou. Apalpou-me entre as pernas. Vagaroso. Qual cego que tateia caminho duvidoso. Então aconteceu. Deixei em uma de suas mãos mucosa translúcida e brilhante, cintilância reveladora de minhas ardências.

Não me poupou. Ovo ou ave, prendeu-me as curtas asas – não queria adorno sobre telhado alheio –; depois, untou-me de minha própria seiva e me penetrou com a violência do primeiro Homem. Proibia a fuga mas incitava o gozo. Eu tinha pressa. Agitava-me, sacudia sôfrega todo o corpo; não queria perder vôo interno e intenso, mergulho no inefável.

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