quarta-feira, agosto 19, 2015

Wimereux

Estive numa praia no norte da França, Wimereux, na cidade de Boulogne-sur-Mer. Que lugar lindo! Apesar do verão europeu, a temperatura estava amena, acho que vinte e um graus. As pessoas divertiam-se. A praia tinha cabines sobre o calçadão, pertenciam aos moradores que vivem no local. Todos têm sua casa e, junto à praia, uma cabine para trocarem de roupa ou guardarem os apetrechos de praia. Aqueles que não moram ali, podem usar as cabines dos hotéis. As areias eram compridas, o mar distante, vez ou outra via-se alguma piscina natural entre a parte baixa da praia e a longínqua maré. As pessoas praticavam esportes, ou sentavam ao sol, conversavam, e havia aquelas que andavam de um lado a outro. Em algum momento, vi uma mulher de biquíni, mas usava um casaco. Engraçada a silhueta, o casaco a cobria até a cintura e, como prolongamento, o biquíni e as coxas nuas. Eu não podia perder aquele momento. Aluguei uma cabine num hotel próximo e troquei de roupa. Saí dali apenas de biquíni. Mas senti um pouquinho de frio, cheguei a cruzar os braços sob os seios. As pessoas, de início, não reparam nada demais em mim, mas percebi que, pouco a pouco, alguns homens levantavam os olhos quando cruzavam comigo. Desci à areia e me pus a caminhar à beira d’água, mas junto à primeira orla, porque a maré mesmo estava muito distante. Após andar uns quinhentos metros, ouvi duas jovens me chamarem.

Ei, venha até nós, fique com a gente; se você sente frio temos uma pequena barraca, pode descansar lá dentro, apontaram areia acima.

Eram duas francesas, e falavam como se eu fosse uma delas. Respondi que sim, ficaria com elas. Perguntaram de onde eu era. Disse que de Paris. Como estudo francês desde criança, consegui fazê-las acreditar. Eram estudantes, mas não moravam em Paris, apenas estudavam na capital.

Você usa um biquíni muito curto, onde comprou?, perguntou Céline, a mais loura.

Comprei em Roma, respondi.

Elas se entreolharam admiradas, chegaram a repetir:

Em Roma, e depois, tre joli, e sorriram.

Você gosta de namorar?, perguntou a outra, que disse chamar-se Ceci.

Gosto, respondi com um largo sorriso.

Virão alguns rapazes, quem sabe?, acrescentou.

Ficamos as três a olhar o mar. As duas não tinham a mesma sensualidade de nós, brasileiras, eram um pouco desajeitadas e brancas de dar dó.

Você é morena, Céline alisou-me a pele.

Uma delas apontou o outro lado do Canal da Mancha:

Veja, a Inglaterra.

Podia-se perceber ao longe a parte sul de uma grande ilha.

Fica a cinquenta quilômetros daqui, acrescentou.

Chegaram os rapazes. Elas os beijaram e fizeram as apresentações. Ele estavam viajando de férias, por toda a França, gostaram de me conhecer. Estabeleceu-se uma conversa vaga.

Eles tinham uma bola de futebol e ficaram jogando durante algum tempo. Nós, mulheres, observamos seus passes, embaixadas e cabeçadas. Depois, o mais alto segurou a bola e os três voltaram-se para nós. Pareciam não ter muito assunto. Um deles tirou o maço de cigarros, ofereceu-nos. Apenas eu aceitei, e tive muita dificuldade para acendê-lo, porque o vento era intenso.

Depois de um quarto de hora, Céline caminhou à barraca. Um dos rapazes a seguiu. A seguir, foi a vez de Ceci. O outro pôs-se a caminhar atrás dela. Sobrou um, que tinha de ser meu. Puxa, nem tive escolha. Mas não levantei, como fizeram as duas, permaneci onde estava, sentada sobre um pano, abraçada às próprias pernas. Ele então sentou ao meu lado e me abraçou. Pelo menos isso, não preciso tomar a iniciativa. Começou a me acariciar. Após um ou dois minutos estirei-me sobre a areia, ele ficou a me bordear o corpo. Que sorte, pensei, saio de minha casa, não conheço ninguém nesse lugar e agora estou nas mãos de um homem bonito e jovem. Ele aproximou-se e me beijou, um longo beijo na boca. Depois soltou o meu top. Continuei deitada, com os seios apontando ao céu, sorria e esperava por ele. Uma das moças veio correndo da barraca, enrolada numa toalha, percebia-se que ela já se despira do biquíni. Falou a mim, atabalhoada.

Venha com a gente, você não pode ficar nua aqui, o pessoal é muito conservador.

Fomos os três à barraca. Ela, à frente, com sua toalha desajeitada a lhe ocultar parte do corpo e eu de peito de fora, atrás dela, ao meu lado vinha o namorado. Foi uma tarde de muito amor. Já fazia tempo que eu não trepava cercada por outras pessoas que também trepavam. Mas foi muito divertido. Quando tudo terminou, a mais loura perguntou onde eu estava hospedada e quantos dias eu ficaria na praia. Respondi a ela.

Vamos buscar você, falou, enquanto estiver aqui vamos sair as três juntas.

Em algumas noites andamos pelas ruas internas de Wimereux, pudemos então apreciar as construções típicas do local, casas elegantes, centenárias, que se enfileiram, todas altas, com dois ou três andares, arcadas, floreiras, tudo muito peculiar. Ceci, a mais interessada na arquitetura do lugar, explicava as características de cada construção e até mesmo sabia a história de algumas casas. Contou sobre o tempo da ocupação nazista, quando os invasores intimaram os moradores a abandonarem o local em duas horas levando consigo o que pudessem, pois não permitiriam que retornassem. Enquanto durou a guerra, os oficiais alemães que ficaram naquela região residiram nas melhores casas. E não é preciso dizer que também as dilapidaram. A moça narrou também a história de uma antiga moradora que viveu a infância em uma delas: quando voltou, muito tempo depois, bateu à porta e pediu para entrar, queria rever os cômodos e o pátio onde vivera seus primeiros anos. Em uma das construções havia a inscrição “Esperanto”, esclareceu-nos que se trata de uma língua, em 1905 ocorreu na cidade o primeiro congresso mundial do idioma; na casa, alguns participantes do evento hospedaram-se. Quando saíamos à noite por aquelas ruas, sempre encontrávamos algum bar onde parávamos para bebermos um refresco, ou mesmo saborear algum coquetel.

Ficamos quinze dias naquela praia, namoramos muito. No dia de ir embora, Céline pediu meu biquíni de presente. Como estávamos na praia, soltei os laços e o entreguei a ela.

S'il vous plaît, vous ne pouvez pas être nue ici!

Rimos muito todas as três.

No dia seguinte, nos despedimos na estação de trens. Eu voltava a Paris; elas, à cidade de origem.

Há ainda um fato interessante, que me lembrei agora. Aconteceu numa das minhas primeiras noites em Wimereux, antes de conhecer as duas mulheres e os rapazes. Queria encontrar o caminho de volta ao meu hotel e não conseguia. Reparei que andava em círculos e acabava sempre numa mesma rua. Resolvi então bater à porta de uma casa e pedir ajuda. Um homem veio atender. Ele tinha uns trinta e poucos anos. Após me ouvir, disse que me levaria ao endereço descrito. Pediu, no entanto, que entrasse e esperasse um pouquinho. Ele fervia água para fazer café. Reparei sobre a mesa um exemplar de Austerlitz, de Sebald, em francês. O homem notou meu interesse pelo livro e perguntou se o havia lido. Disse que sim, e que gostara muito. Ele o estava lendo, afirmou que concordava com Sebald quando este demonstrava certo desgosto pela Bélgica. Sorri. Continuou falando enquanto terminava de fazer o café. “Foram as fortificações que fizeram Sebald virar as costas para o país, foram muitas as guerras, muitos infortúnios, elas transmitem certo ar lúgubre.” No final, trouxe a xícara e ofereceu-me. Bebemos o café em silêncio. Antes de me ensinar o caminho de volta, ele disse que dali a alguns dias precisaria ir à Bélgica, e confessou que o seu sentimento sobre o país era o mesmo de Sebald. Dei a ele o meu endereço de Paris e sugeri "concordo com você, o que importa é que Austerlitz é um grande livro. Quem sabe depois da Bélgica você possa ir a Paris, então conversaremos mais e ainda nos divertiremos." Ele moveu a cabeça como se aceitasse o convite e pousou o meu cartão ao lado do livro.

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