Oh como era bom estar de volta, realmente de volta, sorri
satisfeita. Eram quinze para as cinco da manhã, o ar fresco, o céu ainda
escuro. Sentei numa das poltronas e cruzei as pernas. Minha aventura fora
demorada, um tanto precipitada, sentia-me, porém, reconfortada. Há momentos em
que a gente vê tudo prestes a ruir. Mas a madrugada acabava bem. Ao menos para
mim. Faltava-me apenas o descanso, o sono ligeiro, mais repousante, no meu caso sempre ao amanhecer. Fechei os olhos e me veio à mente Marina. Gostava de
encontrar o amante à hora do almoço, sempre no mesmo hotel. Ela entrava
primeiro. A recepcionista, já de longa data, a conhecia. Marina subia alguns
degraus, bom dia, o sorriso discreto. A empregada entregava-lhe a chave, o
mesmo apartamento. Voltava alguns passos e entrava no elevador. Saía no sexto
andar. O homem chegava um quarto de hora depois, sempre pronto a lhe dar muitos
beijos. Ele podia ficar apenas duas ou três horas; ela permanecia mais um
pouco, adormecia sozinha. Gostava de adormecer sozinha num quarto de hotel, ia embora ao entardecer. Certa vez, depois do amor, antes que o homem partisse,
resolveu pregar-lhe uma peça. Pegou a própria roupa, bem enrolada, e a enfiou na
pasta dele, uma valise para transportar algum livro e papéis. Você é louca?,
ele lhe diria horas depois, pensou que eu poderia não ter voltado?, você nua neste centro de cidade grande. Marina apenas sorriu e o abraçou. Fizeram
amor mais uma vez. A partir daquele dia, antes de sair, ele olhava dentro da
valise, depois a beijava. Oh como é bom estar de volta, realmente de volta,
sorri satisfeita voltando à poltrona onde eu sentava. Descruzei as pernas e
inverti a posição, a direita agora sobre a esquerda. A chave do carro ainda
estava ao meu lado, dei-me conta de que saíra sem documento algum. E que ainda
precisaria pedir que buscassem o carro. Dirigira dentro da noite, incógnita, ninguém a poder
provar minha identidade. Poderia eu fazer acreditar outra pessoa quem sou? O
passeio durante a madrugada, ou a perspectiva dele, sempre me excitava, mesmo antes de começar a praticá-lo. Sair
com o carro da garagem e dar umas voltas pelos quarteirões, quadras de filme americano. Às vezes vou mais longe, tomo confiança com a distância. Até a rodovia
estadual. Mas lá, vez ou outra, mesmo durante a madrugada, vê-se um automóvel,
um caminhão. A placa a revelar o meu condado, talvez a minha identidade. Por que o
temor?, alguém perguntaria. Não se trata de temor, um meio de resguardar a
individualidade, a privacidade, coisas assim. Pode-se fazer qualquer coisa
incógnita dentro de casa, mas não pelas ruas da cidade. Sempre há alguém conhecido,
sempre alguém a levantar véus, a nos desnudar. E por falar em véus, no princípio
queria ir sem eles, em pele, mas o tremor. Isso mesmo, o tremor impedia-me de
pisar os pedais, e era preciso dirigir, ir e voltar. Depois de algumas semanas,
a primeira experiência; a seguir outra e mais outra. Até que foi possível sair
de casa apenas o automóvel, sua lataria, vestido discreto, cor de prata envolto
na noite. Quem dirá não? Por que uma mulher não pode usar como vestido a carroceria de seu automóvel ? Não me fure um dos pneus! Tão novos, seguros. O
tanque, sempre cheio. Mas há a bomba de gasolina. Por que fora falhar logo
naquele dia? Na verdade, o acaso pode trazer surpresas agradáveis. O
combustível não passava, e eu a duas milhas da minha poltrona. Então, o garoto,
dezoito ou dezenove anos. Um militar. Você vai para as forças armadas?,
minha pergunta, já abrigada no seu carro. Ainda bem que vinha sozinho. Vou, é
minha última noite. Ainda bem, pensei, ele não terá tempo de contar pra
ninguém. E a senhora?, ele quis saber. Senhora?, quase ri. Onde foram parar suas roupas? Ali, apontei o carro. Por que não veste?, ele. Por que é muito pesada, respondi. Quer entrar?, perguntei quando parou
seu automóvel junto ao meu jardim. Acompanhou-me à porta, beliscou-me o bumbum.
Trepamos na garagem. Ali há um colchonete. Ele se lavou na torneira que há do lado de fora. Depois
se despediu. Desejei que tivesse sucesso nas forças armadas. Onde? Primeiro o
treinamento, disse, depois alguma base. Que não seja no Afeganistão, falei
temerosa. Mas ele era o homem mais corajoso do mundo. Venha mais uma vez,
nunca se sabe o amanhã. Preciso ir, está quase na hora, passei a noite acordado
porque sei que não conseguiria dormir, mas volto, prometo, falou com
dignidade e com muita segurança. Quem sabe, pensei. Quis lhe falar que também
não dormira. Meu motivo era outro. Mas não consegui. Oh
como era bom estar de volta, realmente de volta, sorri satisfeita. Quanto ao
soldado, nunca se sabe. Eu volto, prometo, sua voz ressoava na minha cabeça,
suas mãos beliscavam o meu bumbum.
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