Como as águas de uma estação termal, subia-me todo o corpo o vapor das fêmeas erradias; minha pele alva permeada de gotículas transparentes, entrecortada pelo tecido negro do vestido comprido e solto, convidava. Quem se candidataria a percorrer-me o corpo sutil, a irmanar a palma da mão ou a ponta dos dedos a calor que se derramava em febre de desejo? Quem deslizaria sobre o tecido úmido – teclas de bemóis e sustenidos – a melodia hábil de um pianista? Eu era a música, latejava som de orquestra, perdia-me entre cordas e metais. A multidão comprimia-se num espaço de alegria. Corpos de atletas, campeões em provas de outras plagas e de outros deuses, apertavam mulheres seminuas. Afrodites que deixavam escapar sorrisos fugitivos, beijos rubros-violetas, ancas volumosas, abdomens ricos a descobertas. Aportou-me misterioso cavaleiro. Num gesto brusco descobriu-me madura sob o pano. Suas mãos tremeram; era amador em versos femininos. Precisei afastar as pernas. Fiz que escorregava distraída, num passo de mulher desinibida. Depois me recolhi à sua espera; as pernas ainda dois dedos entretidas. Escapou-me perfume e cintilância, umidade de paredes novas, prenúncio de civilizações a encetar viagens e delírios. Senti que a batalha se daria em solo escasso, não dado a escapada ainda que fingida. Sussurrou-me rumores remotos, palavras mágicas, narrativa a precipitar desvarios. Mãos fiéis imobilizaram-me qual estátua, arqueólogo em valorosa descoberta. Uma lança, lembranças de batalhas medievas já vencidas, cortou-me a tez, ranhura primitiva, assalto ao desejo em plena luz de réveillon, chuva adiantada sob vestes transparentes. Segurei-o; queria um segundo golpe, e o queria demorado. O gozo é passageiro, mas perpétuo o entrevero; fantasmas que buscam imanências arriscadas. Luzes circulavam o arrabalde, mulheres proibiam permissivas, paradoxos da volúpia. Eu, recém forjada, a escorar parede de tijolos crus, a roçar picardias e paliçadas, a moldar o próprio corpo em brilho avermelhado, seios nus a espelharem cerâmica de arrepio. Então me atirei a seu alcance. “Ainda não tarda, restitua-me a lança, aplaca-me o desejo”.
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