sábado, dezembro 01, 2007

Como uma flor

Caminho pela rua do Ouvidor, centro do Rio. A tarde vai quente, o verão se anuncia. Em meio à fileira de lojas e à avalanche de gente que serpenteia, vou em direção à Uruguaiana. Muitas pessoas distribuem panfletos: “compra-se ouro”, “dinheiro rápido e fácil”. Os homens olham em minha direção. Meu vestido curto tomara-que-caia, justo nos seios, desce solto, se abrindo, feito balão. Tenho que segurar uma das barras, porque vez ou outra há o risco de ele subir, descobrir minhas pernas mais do que já vão nuas. Intempestivos esses homens, grande parte tem mulher em casa, talvez filhos, mas não deixam de virar a cabeça, medir minha estatura, voltar-se às minhas nádegas. Alguns até tentariam abordar-me, mas passo rápida, vou alheia. Não deixo de lembrar Alfredo. Penso como tudo aconteceu e acabou. Dizia que me amava, que eu era a melhor mulher do mundo, a mais bonita; e o surpreendo num restaurante com uma mulher vulgar. Depois veio correndo, queria-me dizer que não tinha nada com ela, que não passava de uma colega de trabalho. Ela, porém, mostrou-se digna; disse-me que era sua amante. Nos primeiros dias, mantive-me irresoluta; não mais queria saber daquele homem; traíra-me. Com o passar do tempo, a saudade aumenta e esquecemos o mal a que fomos submetidas. Às vezes tendemos a nos lembrar apenas das coisas boas. Então revivi os dias alegres em que estive ao lado dele. Um filme deslocado rodou em minha cabeça; tínhamos sido bons atores. Sorria e o beijava. Mas eu não podia recuar. Para esquecê-lo, atirar-me-ia nos braços do primeiro que aparecesse.

O sucesso de toda mulher depende muito da roupa que veste e da tinta que usa. Tinta, isso mesmo. Tudo é tinta; maquiagem e cabelo. Outro dia li num desses jornais uma escritora: toda realidade é uma construção. Os homens olham para quase todas as mulheres. A que vá bem trajada e bem maquiada, os cabelos arranjados de forma exuberante, terá todo um império a seus pés, ou toda uma república; questão de geografia.

Lançar-me-ia ao primeiro homem. Mas na rua, temi. Não podia olhar diretamente a alguém porque corria o risco de ser confundida com uma prostituta barata. Eu, que sempre ando de roupa curta, percebi como seria complicado. Optei por um prédio de escritórios. Desses que há em profusão nas pequenas ruas do centro; em que na portaria não se pergunta aonde você vai. Entrei. O elevador ascendeu solto, sem o ascensorista. Às vezes temo pela falta desse profissional; ele nos dá segurança. Quando a gente se vê só dentro da cabine, o coração dispara, o peito dói e falta o ar. Saí num desses andares de corredor comprido, passei por algumas portas trancadas, com placas indicando contadores ou advogados. Eu queria me entregar ao primeiro homem, experimentar o mesmo que Alfredo ao se entregar à primeira mulher. O que é que os homens sentem para se atirarem à primeira mulher que passa? Escorreguei por mais corredores, desci lances de escada.

“Se eu contar, ninguém vai acreditar”, “Não é para contar”, eu sussurrava em seu ouvido enquanto ele ia com as mãos sob minha roupa. “Será que alguém já teve essa sorte, dona?”, “Que dona?, não sou nenhuma dona.” Trepávamos num dos vãos da escada de incêndio. Eu, um degrau acima; ele, tentando me penetrar. Quis tirar o vestido – lembrei-me de uma amiga que tirava toda a roupa antes de bater na porta do namorado, “peladinha, é o segredo”, ela dizia –, mas nossa localização era arriscada; apenas levantei o tecido fino até acima dos seios, queria que ele os apertasse. O rapaz tremeu, “alguém pode encontrar a gente, dona.” “Que dona?, não sou nenhuma dona, e aproveita que você não vai me ver mais.” “Nós podíamos ir para um hotel.” “Nada de hotel; até chegarmos lá, já perdi a vontade; acho que você quer é passear comigo, não ?, quer mostrar a seus amigos que você tem talento.” “Não é isso, dona, é melhor transar numa cama; rola uns beijos e ninguém precisa ter pressa.” “Não sou dona, é a última vez que digo.” Trepamos durante um bom quarto de hora. “Beije-me”, disse eu, “não foi você que falou em beijo?” Tapei a boca do homem com a minha. Ele era na verdade muito jovem, sem experiência alguma. “Vamos, vou fazer você gozar”, falei. “Moça, acho que vem alguém, vão nos pegar no flagra!” “Silêncio, não vai acontecer nada.” Na verdade vinha alguém, mas se deteve ante a porta do elevador. Quando acabamos, abaixei-me para deixar escorrer toda a porra. “Vá embora”, eu disse mantendo-me agachada. “Mas e você?” “Não se preocupe comigo, sei me virar, vá; você não me esperava encontrar nem pensava em trepar com uma mulher bonita às quatro da tarde; desapareça, tenha disso tudo uma boa lembrança.” Beijei-o sobre uma das faces. Ele se foi sem olhar para trás.

Desço rápido. Recomposta. Ando pela mesma rua do Ouvidor. Paro diante de uma loja de roupas. Que vestido lindo! Vai cair em mim como uma flor. O que sente um homem quando vê pela primeira vez uma mulher na rua e dez minutos depois a tem nos braços? Não sei. O que sente uma mulher depois de se abrir a um homem que conheceu há um quarto de hora? Também não sei; difícil dizer. Passadas algumas horas, só sei dizer que não me sinto traída. Coitado do rapaz, nunca vai me esquecer. Nem jamais alguém vai acreditar na história dele...

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