O metal deslizou ligeiro sobre minha pele, chegou a me provocar um arrepio. Virei-me quase por instinto e percebi a face sorridente do homem.
– Moeda, não! Assim você me deixa em apuros.
– Eu ajudo a procurar – ameaçou introduzir uma das mãos na minha calcinha.
Corri, as pernas juntas, com passos rápidos fiz um bailado que acompanhou a música ritmada e as luzes que refletiam no pequeno salão estrelas coloridas. Enfiei-me num reservado que era separado por apenas uma cortina. Encontrei ali a Mel, estava sem o biquíni.
– O que houve? – perguntei enquanto procurava a moeda e segurava duas notas de dez que estavam bem enroladinhas dentro do exíguo pano na parte da frente da calcinha.
– Um boboca me roubou o biquíni, estava esperando alguém aparecer...
– Ajudo você, espera um instante.
Coloquei a moeda entre as notas, fiz com elas um pequeno envelope introduzindo-o no mesmo lugar de onde tirara o dinheiro. Saí para voltar alguns minutos depois com um pano preto transparente, que a Mel enrolou na cintura, provando-o como numa cabine de loja de roupas finas; então me beijou e, antes que voltasse feliz para a pista, sussurrei em seu ouvido:
–Não deixe que o roubem de ti; antes, venda-o!
Riu mais uma vez.
O salão era no Centro. Um local de divertimento para ricaços. E ali acontecia de tudo. Havia certas regras que nós, as mulheres – principais estrelas do espetáculo –, precisávamos respeitar. A circulação de dinheiro era expressamente proibida, mas sempre arranjávamos um meio de burlá-la; não perdíamos qualquer oportunidade de faturar um pouco mais. Os proprietários nos pagavam no fim do dia, ou da noite. Pediam-nos também que não ficássemos nuas no salão. Mas quem conseguia evitar que mãos viciadas e ligeiras nos arrancassem a única peça? Os velhos, principalmente, eram os mais tarados. Ao mesmo tempo que nos enfiavam dinheiro pelas entranhas, queriam nos deixar nuas. E as notas eram sinais para que permanecêssemos mais tempo ao lado deles.
Certa tarde fui chamada pelo gerente. Assustei-me. Mas era apenas um convite. Um freqüentador da casa me queria como companhia fora dali.
– Você é a mais discreta, nada deve comentar sobre a identidade do homem nem sobre o local aonde ele vai levá-la.
Fiz que sim com a cabeça. Vesti-me em três minutos e saí pela porta dos fundos. Um automóvel escuro esperava-me. No interior, apenas o motorista.
Rodamos pelo Centro, depois ele dirigiu em direção a Pinheiros. Pediu então que eu colocasse uns óculos escuros que ele próprio trazia no bolso.
– Não enxergo coisa alguma com esses óculos.
– É por pouco tempo.
Guiou por cerca de trinta minutos. Desceu a garagem de um prédio.
Ao sair do automóvel, disse:
– Segure meu ombro.
Senti-me a própria cega.
Apenas dentro do apartamento é que pude tirar os óculos. A primeira coisa que me surpreendeu foi a paisagem. Estávamos no último andar de um desses prédios suntuosos, provavelmente algum bairro da zona norte. Através das janelas quase contínuas, podia-se observar São Paulo lá embaixo; a cidade se estendia múltipla, sedutora, sob um sol frio de fim de tarde.
Um homem ainda jovem, que não me era desconhecido, apresentou-se a mim. Fazia-o como se fosse a primeira vez. Tive vontade de saudá-lo; minha discrição, no entanto, impôs-se profissional. Levou-me a outra sala, onde me ofereceu um cálice de vinho do Porto. A decoração era discreta; os quadros se não eram originais remetiam a pintores do século XX; no final de uma das paredes, estava dependurado o auto-retrato de uma mulher um tanto tímida, que me chamou a atenção. Ele falou sem embaraço: Anita. Percebi música trazida pelo ar frio. Era preciso apurar os ouvidos para apreciar a melodia; talvez um blues norte-americano. Permaneci sentada em um acolchoado comprido, quase branco, de pureza inigualável.
Entrou então uma mulher muito bonita. Sorria, tinha os cabelos pretos curtos, dirigiu-se a mim e beijou-me as duas faces. Mantive-me séria e compenetrada, procurava não demonstrar surpresa alguma: ela estava nua.
Um garçom regiamente vestido adentrou o ambiente, discretíssimo. Foi-nos servido o antepasto do que seria uma longa e deliciosa refeição. Pusemo-nos a saborear delicados frios, alguma pasta de cor e sabor sofisticados, bebidas coloridas. Tudo no mais absoluto silêncio. Além do silêncio, a música; agora som de piano, mas distante, quase inalcançável. A mulher mantinha a face alegre, não tirava os olhos de mim. Abria a boca delicada e experimentava alguma iguaria; seus lábios pintados de vermelho sobressaíam. O que um homem que tem a seu dispor uma mulher de tamanha beleza deseja ao contratar uma puta?, pensei comigo. Mas já vira muitas fantasias; aguardava o que se seguiria.
Jantamos. A mulher em momento algum demonstrou qualquer desconforto devido à nudez; portava-se sobre as sandálias plataforma como se fosse a pessoa mais vestida do mundo. A refeição estendeu-se pela noite. Serviram-se inúmeros pratos. Comia-se o que se apreciava, ou mesmo se podia nada comer. O que importava era que nossos gestos demonstrassem a máxima satisfação. Fomos até o último gole, ou a ultima sobremesa, um manjar recoberto por açúcar queimado transformado em calda saborosa.
Foi ela quem se aproximou de mim. Tirou-me toda a roupa. Ofereceu-me um cigarro. As duas nuas e mais o homem. Trancaram-se as portas, a música subiu de tom. E nós, os três, pusemos a nos exercitar, de início vagarosos, porém, após os primeiros toques – um óleo composto de essência de flores –, a temperatura subiu e as carícias profissionais tornaram-se amadoras, tão amadoras a ponto de parecermos um trio enamorado desde tempos remotos.
Houve um momento em que fui surpreendida. Ele sentou-se sobre uma cadeira e puxou-me por um dos braços para que eu o atravessasse. Lembrei-me de um antigo namorado: deitava-se nu na rede, que ficava na varanda de minha casa; pedia que eu, de pé, afastasse cada perna sobre o tecido estreito e colocasse meus grandes lábios acima de seu pênis; em movimentos lentos, eu levantava e abaixava meu corpo; então ele me tocava a musculatura das coxas, apalpava-as; elas iam rijas; acariciava-as para que eu enfraquecesse e desabasse sobre ele; assim me penetrava numa inteireza doída e ao mesmo tempo prazerosa. Agora, a intenção do homem era semelhante; minhas pernas apoiadas ao solo num movimento ritmado, os mesmos músculos enrijecidos e ele golpeando-me suave as coxas, como que elogiando minha resistência; eu, emitindo sussurros que não demoraram a se transformar em compassados gemidos e gritos, até desabar ruidosa sobre ele. A mulher? Sentada sobre o estofado, de pernas cruzadas, cigarro à mão, com os olhos cravados em nós, num gozo frio.
Quando tudo acabou, ela, assim como me despira, pediu para me vestir. Antes de partir, beijei-os nas duas faces; e, num último momento, trêmula, ainda tive tempo de balbuciar ao casal agora abraçado – a mulher sempre nua – um último desejo: “até logo”.
Antes de sair, o mesmo motorista, os mesmos óculos; a escuridão.
– Moeda, não! Assim você me deixa em apuros.
– Eu ajudo a procurar – ameaçou introduzir uma das mãos na minha calcinha.
Corri, as pernas juntas, com passos rápidos fiz um bailado que acompanhou a música ritmada e as luzes que refletiam no pequeno salão estrelas coloridas. Enfiei-me num reservado que era separado por apenas uma cortina. Encontrei ali a Mel, estava sem o biquíni.
– O que houve? – perguntei enquanto procurava a moeda e segurava duas notas de dez que estavam bem enroladinhas dentro do exíguo pano na parte da frente da calcinha.
– Um boboca me roubou o biquíni, estava esperando alguém aparecer...
– Ajudo você, espera um instante.
Coloquei a moeda entre as notas, fiz com elas um pequeno envelope introduzindo-o no mesmo lugar de onde tirara o dinheiro. Saí para voltar alguns minutos depois com um pano preto transparente, que a Mel enrolou na cintura, provando-o como numa cabine de loja de roupas finas; então me beijou e, antes que voltasse feliz para a pista, sussurrei em seu ouvido:
–Não deixe que o roubem de ti; antes, venda-o!
Riu mais uma vez.
O salão era no Centro. Um local de divertimento para ricaços. E ali acontecia de tudo. Havia certas regras que nós, as mulheres – principais estrelas do espetáculo –, precisávamos respeitar. A circulação de dinheiro era expressamente proibida, mas sempre arranjávamos um meio de burlá-la; não perdíamos qualquer oportunidade de faturar um pouco mais. Os proprietários nos pagavam no fim do dia, ou da noite. Pediam-nos também que não ficássemos nuas no salão. Mas quem conseguia evitar que mãos viciadas e ligeiras nos arrancassem a única peça? Os velhos, principalmente, eram os mais tarados. Ao mesmo tempo que nos enfiavam dinheiro pelas entranhas, queriam nos deixar nuas. E as notas eram sinais para que permanecêssemos mais tempo ao lado deles.
Certa tarde fui chamada pelo gerente. Assustei-me. Mas era apenas um convite. Um freqüentador da casa me queria como companhia fora dali.
– Você é a mais discreta, nada deve comentar sobre a identidade do homem nem sobre o local aonde ele vai levá-la.
Fiz que sim com a cabeça. Vesti-me em três minutos e saí pela porta dos fundos. Um automóvel escuro esperava-me. No interior, apenas o motorista.
Rodamos pelo Centro, depois ele dirigiu em direção a Pinheiros. Pediu então que eu colocasse uns óculos escuros que ele próprio trazia no bolso.
– Não enxergo coisa alguma com esses óculos.
– É por pouco tempo.
Guiou por cerca de trinta minutos. Desceu a garagem de um prédio.
Ao sair do automóvel, disse:
– Segure meu ombro.
Senti-me a própria cega.
Apenas dentro do apartamento é que pude tirar os óculos. A primeira coisa que me surpreendeu foi a paisagem. Estávamos no último andar de um desses prédios suntuosos, provavelmente algum bairro da zona norte. Através das janelas quase contínuas, podia-se observar São Paulo lá embaixo; a cidade se estendia múltipla, sedutora, sob um sol frio de fim de tarde.
Um homem ainda jovem, que não me era desconhecido, apresentou-se a mim. Fazia-o como se fosse a primeira vez. Tive vontade de saudá-lo; minha discrição, no entanto, impôs-se profissional. Levou-me a outra sala, onde me ofereceu um cálice de vinho do Porto. A decoração era discreta; os quadros se não eram originais remetiam a pintores do século XX; no final de uma das paredes, estava dependurado o auto-retrato de uma mulher um tanto tímida, que me chamou a atenção. Ele falou sem embaraço: Anita. Percebi música trazida pelo ar frio. Era preciso apurar os ouvidos para apreciar a melodia; talvez um blues norte-americano. Permaneci sentada em um acolchoado comprido, quase branco, de pureza inigualável.
Entrou então uma mulher muito bonita. Sorria, tinha os cabelos pretos curtos, dirigiu-se a mim e beijou-me as duas faces. Mantive-me séria e compenetrada, procurava não demonstrar surpresa alguma: ela estava nua.
Um garçom regiamente vestido adentrou o ambiente, discretíssimo. Foi-nos servido o antepasto do que seria uma longa e deliciosa refeição. Pusemo-nos a saborear delicados frios, alguma pasta de cor e sabor sofisticados, bebidas coloridas. Tudo no mais absoluto silêncio. Além do silêncio, a música; agora som de piano, mas distante, quase inalcançável. A mulher mantinha a face alegre, não tirava os olhos de mim. Abria a boca delicada e experimentava alguma iguaria; seus lábios pintados de vermelho sobressaíam. O que um homem que tem a seu dispor uma mulher de tamanha beleza deseja ao contratar uma puta?, pensei comigo. Mas já vira muitas fantasias; aguardava o que se seguiria.
Jantamos. A mulher em momento algum demonstrou qualquer desconforto devido à nudez; portava-se sobre as sandálias plataforma como se fosse a pessoa mais vestida do mundo. A refeição estendeu-se pela noite. Serviram-se inúmeros pratos. Comia-se o que se apreciava, ou mesmo se podia nada comer. O que importava era que nossos gestos demonstrassem a máxima satisfação. Fomos até o último gole, ou a ultima sobremesa, um manjar recoberto por açúcar queimado transformado em calda saborosa.
Foi ela quem se aproximou de mim. Tirou-me toda a roupa. Ofereceu-me um cigarro. As duas nuas e mais o homem. Trancaram-se as portas, a música subiu de tom. E nós, os três, pusemos a nos exercitar, de início vagarosos, porém, após os primeiros toques – um óleo composto de essência de flores –, a temperatura subiu e as carícias profissionais tornaram-se amadoras, tão amadoras a ponto de parecermos um trio enamorado desde tempos remotos.
Houve um momento em que fui surpreendida. Ele sentou-se sobre uma cadeira e puxou-me por um dos braços para que eu o atravessasse. Lembrei-me de um antigo namorado: deitava-se nu na rede, que ficava na varanda de minha casa; pedia que eu, de pé, afastasse cada perna sobre o tecido estreito e colocasse meus grandes lábios acima de seu pênis; em movimentos lentos, eu levantava e abaixava meu corpo; então ele me tocava a musculatura das coxas, apalpava-as; elas iam rijas; acariciava-as para que eu enfraquecesse e desabasse sobre ele; assim me penetrava numa inteireza doída e ao mesmo tempo prazerosa. Agora, a intenção do homem era semelhante; minhas pernas apoiadas ao solo num movimento ritmado, os mesmos músculos enrijecidos e ele golpeando-me suave as coxas, como que elogiando minha resistência; eu, emitindo sussurros que não demoraram a se transformar em compassados gemidos e gritos, até desabar ruidosa sobre ele. A mulher? Sentada sobre o estofado, de pernas cruzadas, cigarro à mão, com os olhos cravados em nós, num gozo frio.
Quando tudo acabou, ela, assim como me despira, pediu para me vestir. Antes de partir, beijei-os nas duas faces; e, num último momento, trêmula, ainda tive tempo de balbuciar ao casal agora abraçado – a mulher sempre nua – um último desejo: “até logo”.
Antes de sair, o mesmo motorista, os mesmos óculos; a escuridão.
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