Não sei se tudo era uma brincadeira ou eu devia levar seu
convite a sério. Fazia tempo que não falava com aquele homem nem tinha
notícias suas, mas eis que me vem uma mensagem, depois um telefonema, a voz
grave, eu imaginava o mesmo rosto segurando o telefone, apesar dos dez anos que
haviam se passado. Qual o convite mesmo?, ainda perguntei, depois de ouvi-lo,
de perder-me nos assuntos que trazia. O passeio?, mas a praia é deserta, você
sabe, retruquei. Isso mesmo, uma praia deserta, como o próprio deserto, a
diferença é que além das areias há o mar, ele disse. E como chegamos até lá?,
perguntei. Viria me buscar. Desconfiei. Seu objetivo, tempos atrás, era me ter
nos braços depois de me ver de biquíni na praia. Talvez fosse uma ideia
ingênua, quase de criança, gostar de ver uma mulher de biquíni à beira-mar,
depois deitar com ela. Ele sempre soube da minha vontade de andar nua, ou quase, pois existem lugares onde não se pode andar nua.
O dia marcado não tardou a chegar. O tempo passa rápido, ou
melhor, tudo passa, e com os dias inteiros não acontece diferente. Sabia que o
encontro também não tardaria, logo ficaria na lembrança como um ponto distante,
algo quase irreconhecível, então era preciso fazer algumas marcas naquela data,
agarrar-se às horas, quem sabe aos minutos. O modo de fazer isso talvez seja tentar
algo diferente, algo que nos faça reter a respiração, ação que nos desperta o
pensamento de que uma vida pode passar em um minuto, ou de que podemos transformar este mesmo minuto em vinte quatro horas, em uma semana, um mês, uma vida inteira.
E fomos ao mar, quero dizer, à praia. Não tardou com seu
carro prateado. Engraçado, achei que o carro estrangeiro, não combinava com duas pessoas que vão ao litoral em trajes mínimos, no meu caso o biquíni e uma renda
transparente a me ressaltar o corpo.
Talvez um conversível fosse mais adequado. Mas onde há conversíveis no estado
onde moramos nos dias de hoje? Não importa, o automóvel era confortável, tinha
ar-condicionado, como todo veículo que se preza. Mas achei a
refrigeração um tanto destoante. Não que não refrigerasse. O problema era esse, fazia frio demais, e eu de biquíni mínimo.
À praia tudo se recompôs. O guarda-sol, o próprio sol,
quente, confortável e terrível. Uma praia só pode ser aproveitada se tiver um
sol confortável e ao mesmo tempo terrível. Logo quis ficar nua. O biquíni, na
verdade, revelava minha nudez, no entanto nada impedia que eu fosse além.
Melhor ficar comportada, pelo menos no início. Todo início é tão bom, não se é
capaz de adivinhar o que está por vir, o ar é revelador, como num sonho
colorido, azul mesclado de alguns tons de rosa. Era assim o domingo.
Mas eu queria alguém para me espiar, isso mesmo, talvez a
palavra certa seja espionar. Tão bom ter um amante e um espião. Alguém que
ficou apenas com vontade e que não pode chegar onde o amante está naquele
momento. Trocar os papéis? Perderia a graça. Bom o amante, ótimo o espião. Mas
o bom espião não se deixa revelar. Ele vai utilizar o que colheu, para algo
futuro, um espião sempre tem bons planos. Assim era o meu domingo, um domingo
entre dois homens, um real, outro nem tanto.
E chegou a hora principal. Depois de mergulhos, de banhos de
mar e de sol, de alguma bebida com gelo trazida por ele numa caixa de isopor, o
tempo a escorrer como num conta-gotas acelerado, chegou a hora em que os
corações batem na mesma cadência. A praia deserta e o homem a me roubar o
biquíni, a me deixar nua. Lembrei-me do espião. Estava ele em algum canto, na
certa não me perderia de vista, talvez tivesse o prazer de apenas me observar,
chegar pertinho, mas invisível, respirar o meu perfume, tocar com a ponta dos dedos
os tecido leves e transparentes que eu trouxera. O prazer do amante era maior,
queria o meu corpo a todo custo, desejava o pleno prazer. Não é preciso
explicar como um homem e uma mulher se amam numa praia deserta, onde não há a
chance de alma viva além dos dois, basta a imaginação, uma imaginação que vai
ao gosto de quem me acompanha na leitura, e com o direito de imaginar tudo de
bom no universo do amor e do sexo. Havia, porém, o espião. Este eu não podia
negar, não pode também o leitor, o espião era a erva daninha que ameaçava
invadir, ameaçava apodrecer as sementes do amor (ou do sexo, não sei), sementes
plantadas havia muito, mas que germinava sob o sol daquele dia quente de
outono.
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