Ele me deu um beijo! Juro, um beijo gelado, e bem próximo à
orelha. A gente passeava pela rua das Laranjeiras. Ao ver uma sorveteria, convidou-me. Quem sabe eu desejava tomar um de manga, chocolate belga ou
tutti-frutti?
Olhei-o e lembrei os dias quando tomamos juntos outros
sorvetes no centro da cidade. Tão romântico alguém chamar a gente para um
sorvete!
Duas moças saíram da loja saboreando os seus gelatos. Três
funcionárias nos aguardavam. Olhei com vagar o local onde ficavam os sabores, o
vidro embaçado em alguns pontos turvava as cores vivas, mas não me diminuíam o
desejo, cada vez mais intenso.
Difícil decidir, disse e sorri para ele.
Você tem tempo, só há nós dois na loja.
Eu, porém, sentia a ansiedade da atendente. Escolhi
chocolate e graviola.
A senhora quer no copo ou casquinha? A moça, solícita como
sempre, aguardou a resposta.
Casquinha.
E o senhor?
Hum, deixe-me ver.
Passaram-se cinco segundos e ele suspirou: morango com
chocolate belga.
Após servidos, sentamos os dois, lado a lado, num banco de
madeira, comprido, que ficava fora da loja. Aos pouquinhos eu passava a língua
em volta da minha casquinha. Às vezes, uma pazinha ajudava.
Tenho certeza, ele tinha ainda em mente o passeio no centro
do Rio, quando me tacou um beijo rápido próximo à orelha. Não sei se notou, mas
fiquei arrepiada. Nas duas vezes.
Era ele meu namorado? Não. Nunca fomos namorados. O que
fazíamos era nos encontrar vez ou outra para um café ou sorvete. Uma ou duas
vezes almoçamos juntos. Ele me beijava; eu fazia de conta que não percebia.
Você melou minha orelha, eu disse em tom de lamentação.
Achei que você gostasse; certa vez no consultório, lembra?,
beijei sua orelha e você nem se queixou! Ele disse.
Foi no meu consultório ou tomando sorvete? Eu tinha dúvidas.
A orelha ia melada e o corpo arrepiado. Esse meu namorado,
cheio de ardis... Gosta de namoros repentinos, sem que se precise falar sobre.
O tipo de homem que funciona assim: quando vejo, já estou nua nos braços dele.
Cuidávamos do sorvete, preocupados em não deixar escapar um
pingo, um pedacinho sequer. Vez ou outra eu olhava para ele, pedia em silêncio
outro beijo. Mas ele não entendeu, meu pensamento talvez fosse fraquinho.
Eu, na maioria das vezes, aproveitava para me fazer de comportada, uma auréola
em torno da cabeça.
Outro dia, ao darmos um com o outro sem marcar encontro, ele me beijou a boca, um selinho:
Aqui, tenho muita gente conhecida! Reclamei, mas
bem que gostei.
Acabávamos nossos sorvetes. Precisei um pouco mais de tempo.
Ele entrou novamente na sorveteria e voltou com dois guardanapos. Passei o meu
delicadamente próximo à boca. Após terminar, beijou-me, seus lábios frios,
inverno na ponta das nossas bocas e línguas. A dele avançou-me além dos lábios
e tocou também a minha. Outro arrepio. Como estava de saia, tal arrepio rondou-me
ainda as pernas, subiu-me as coxas e me beirou as entranhas. Que palavra
horrível: entranhas! Melhor: seu beijo provocou-me um arrepio capaz de beirar
minhas aberturas...
Levantamo-nos e começamos a caminhar rua acima. Você vai
fazer algo, agora? Quis ele saber?
Não sei, por quê?
Sorriu e passou um dos braços sobre meu ombro. Éramos dois
namorados passeando às duas da tarde na rua das Laranjeiras.
E a orelha ainda está melada? perguntou, rindo depois.
O que respondi foi fazer a face de rogada. O que é face de
rogada? Você, leitor, deseja saber? É quando o desejo continua. Eu ia a mil!
Se você quer me beijar, é melhor outro lugar, eu disse.
Olhei a rua.
Vamos atravessar, sugeri.
Seguimos para o prédio onde eu morava.
Esse homem é cheio de imaginação ou de fetiche, não sei bem.
Imagine se pronuncio a palavra melada ou meladinha, o que ele vai pensar?
Houve outro namorado. Mas já faz muito tempo. Eu de calcinha
e o homem a me abraçar. Não sei se foi num hotel numas férias de verão, ou,
quem sabe, num final de semana. Sim, foi num final de semana. Que tal uma taça
de champanhe, sugeriu o então namorado. Eu ainda de calcinha.
Sim, uma taça de champanhe, repeti.
O champanhe explodiu. E me deixou molhada. Molhadinha!