sexta-feira, abril 13, 2007

Desata-me

"Ah, sabes como eu sei, a dor é tão saborosa...
mais a ampulheta eu via fatal se esgotar,
mais sentia a tortura áspera e deliciosa"
Baudelaire

Tens meus braços atados, algemas prateadas, presos por sob meu dorso. Assim não me dás chance alguma. Exibes-me nua, mulher ainda encoberta, mas por manto que é apenas a noite que foge, sombra que se apressa a ocidente. Desata-me, prometo que não fujo; quero os braços para cobrir-me; se houver luz, tenho minhas vergonhas; se quiseres posso usá-los para te abraçar. Ah, por que me queres nua, por que tomas meu vestido curto? Tenho apenas essas duas peças. Na verdade não as desejas? É só para utilizá-las contra mim? Para ter razão ao me prenderes? Sei que me proíbes andar nua sob céu de estrelas, sobre areias prateadas; mas, vê, uma coisa é ser nua provisória, mesmo que estreitos os panos e a poucos metros das mãos; outra, é ter como capa apenas o lampejar dos vaga-lumes, tecido de gotas nervosas que transpiro toda trêmula ante o porvir. Põe-te no meu lugar, imagina o vexo que vou passar. Queres-me prisioneira, e depois? Nada roubei, apenas instantes de prazer em uma praça que à noite é deserta. Dizes que terei como castigo uma cela, mulheres estranhas em companhia, rolarei nua entre suas mãos, como troféu; deverei luzir sob sol revelador, sob dia que me haverá de roubar a fantasia, que mostrará as marcas em minhas nádegas avantajadas. Levar-me-ás nua ao distrito, mas não poderei de lá sair sem fibra a me cobrir o corpo; caso o faça, cometerei nova infração. Se tiver sorte, poderei ligar a alguém – é o que dizes –, tentativa vã de obter seda escarlate alugada, porque a que vai em tuas mãos já não mo pertence, deporá contra mim. Vai, desata-me, deixa que eu parta; prometo que te darei prazer maior, moro só; prometo que sempre serei perfume para que me sorvas, licor para que te embriagues... Permito que me tortures, sei que gostas de ouvir o estalar do açoite sobre o corpo níveo, mas não me deixes marcas; só a dor é saborosa... A dor e a ameaça de me levares prisioneira, mas apenas a ameaça. Vê meus seios: apontam intumescidos à espera de prazer maior. Vem, apalpa-me, sou úmida, sou portas abertas para teu desejo, escorrega... Se ainda quiseres, deixo em tuas mãos minhas duas peças; mas como lembrança. Vem, também transpiras, tens a respiração ofegante, o pescoço sangüíneo. Desata-me!

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