sexta-feira, agosto 31, 2007

Mayna

"Por favor, moço, me ajude, me dê abrigo, aconteceu um problema".
´
Ele permaneceu em silêncio durante alguns segundos, olhava-me com naturalidade. Estendeu enfim um dos braços à mesa lateral e pegou o maço de cigarros, calmamente acendeu um, deu um trago e falou:

"O que houve?"

Eu tentava cobrir minhas vergonhas com as mãos. Resumi a história.

É lógico que naquele momento eu estava muito nervosa, narrei tudo aos atropelos; mas agora posso contar o que aconteceu com mais calma e com mais detalhes.

Houve um verão que passei em uma dessas praias do litoral paulista, o nome não importa, sei que na época era quase deserta. A areia era comprida e do outro lado da rua viam-se poucas casas. Éramos mais jovens e gostávamos muito do local. À noite, íamos à praia para namorar. Cada rapaz ou moça tratava de arranjar seu par, mesmo que fosse apenas para o momento. Então nos agarrávamos num intenso corpo a corpo sobre a areia, um namoro quente no escuro da noite. Às vezes soprava um vento morno, que delícia... Dava vontade de grudar ainda mais no parceiro e fazer tudo o que se podia imaginar. Mas em uma daquelas noites aconteceu algo imprevisto. Eu estava com um rapaz da minha idade, já saía com ele havia vários dias. Ele era carinhoso, me beijava muito e gostava de tirar toda a minha roupa. Eu permitia, deitava com ele inteiramente nua. Estávamos no auge da excitação – eu ardia em fogo invisível – quando percebi um pequeno tumulto. Algumas pessoas começaram a correr, a fugir dali. Eu, a princípio, não entendi o que estava acontecendo; mas aí ouvi alguém que gritou: "é a polícia, fujam, fujam!" Era um tempo em que não existia a chance de se estar à vontade como hoje. Namorávamos às escondidas na praia e em lugares escuros; a polícia, porém, era o que mais temíamos. Meu namorado deu um salto e mergulhou dentro da noite. Tentei recolher minhas roupas, mas de repente me vi sozinha, todos tinham desaparecido, não sabia o que fazer. Então também corri. Mas, ao contrário dos outros, acabei atravessando a pequena estrada. No outro lado, a uma distância de uns trinta metros, vi uma casa; uma luz fraca brilhava no lado de dentro. Corri para lá. Na verdade, invadi a casa. Ao ultrapassar a varanda, descobri um senhor, que via TV. Ele notou que alguém se aproximava e olhou para onde eu surgia. Morri de vergonha. Ao me avistar, no entanto, não demonstrou surpresa alguma.

"Vejamos o que podemos fazer, sente-se, não tenha medo, não vou lhe fazer mal". Apontou-me o sofá.

Eu, sem jeito, não ousei sentar. Continuei com um dos braços tentando cobrir os seios, enquanto o outro, sem rumo, não encontrava pouso. O homem se levantou, parecia que ia a algum lugar, mas estacou.

"Tenho uma piscina de água quente", disse, "você não quer relaxar um pouco? Depois desse susto, creio que não há nada melhor."

"Piscina de água quente?", ainda repeti; animei-me, "é, nada mal".

Levou-me a seguir até a sala de banhos; isso mesmo, a casa tinha uma sala de banhos, que ficava nos fundos. Mostrou-me a pequena piscina de estilo oriental; a água estava quente, uma delícia. Entrei. Só dentro d'água é que soltei os seios. Fiquei de molho durante um bom tempo. Depois ele voltou com uma toalha grande, felpuda. Aí tomei coragem, saí de busto erguido, fui até ele para que me enrolasse nela. Dali em diante, minhas férias foram passear com ele e estar na casa dele. Uma descoberta maravilhosa. E quando acabou a estação, retornamos juntos a São Paulo, onde continuamos a viver nossa temporada de sonhos.

sábado, agosto 11, 2007

A dama de espadas

– Pode me deixar junto àquele poste.

– Mas como, você está nua, são três da manhã, como vou deixá-la assim?

– Pare, foi o que combinamos.

– E suas roupas?

– Não há problema. Durante o dia eu mando alguém pegá-las.

Marinete saltou do automóvel com naturalidade. Pôs-se de pé sobre um sapato de saltos bem altos, carregava uma pequena bolsa a tiracolo que mais parecia um porta maço de cigarros. Ali dentro tinha realmente cigarros e o celular.

– Vamos, dê a partida, – ordenou batendo com uma das mãos na porta, enquanto Manoel hesitava em deixá-la ali naquele estado – depois eu lhe telefono para combinarmos outro programa.

O automóvel partiu vagarosamente. A rua se encontrava às escuras. O local era bastante deserto. Marinete caminhou até uma banca de jornal e agachou-se. Pressionou uma das teclas do celular. Quando atenderam, apenas disse:

– Pode vir. Estou na rua A esquina com a F.

Quinze minutos depois, um Peugeot preto parava no local. Marinete saiu de onde se escondia e entrou.

Esse jogo era uma fantasia que se dava quase que semanalmente. Foi a solução que o próprio marido arranjou para salvar o casamento. Este já ia naufragando, quando ele mesmo teve a idéia.

– Precisamos fazer algo estimulante.

– O que você sugere?

– Que você saia nua pela cidade.

– Como?

– Isso mesmo, ou melhor, você sai vestida, tem seus casos à vontade, mas precisa chegar nua em casa. Se você quiser, eu mesmo vou buscá-la, basta telefonar. Mas lembre-se, tem de estar pelada. A única coisa que eu admito são os sapatos. E de saltos bem altos.

Inicialmente, a mulher resistiu. Já havia muito que não era fiel, teria maior liberdade, mas tal proposta pareceu-lhe perigosa. Pediu uns dias para pensar.

Acabou aceitando a título de experiência. Deu-se a primeira vez. Apesar de trêmula e inundada de um suor frio, gostara. O amante também fora apanhado de surpresa. Não conseguia entender a razão daquela situação e nem ela explicou-lhe. Pouco a pouco, porém, tornava-se cada vez mais excitado. Ela nunca lhe contava como fazia para chegar nua em casa, sem ser percebida. Na verdade, a coisa acabou dando certo pelos dois lados: o amante e o marido passaram a desejá-la mais.

O casamento melhorou em todos os aspectos. A partir do momento em que começaram a praticar tal fantasia, tudo se transformou. O marido se tornou mais carinhoso e lhe era absolutamente fiel. Presenteava-lhe regiamente e cada vez que a resgatava se tornava mais fascinado pela mulher. Ao entrar em casa com a mulher nua, ao colo, apenas de sapatos de salto, atirava-a na cama e faziam um delicioso amor.

Noutra ocasião, surpreendeu-se com uma nova proposta dele:

– Agora, você precisa mudar de par. Cada vez saia com um diferente.

– Olha, você não acha que já estamos indo longe demais?

– Absolutamente, garanto que você vai gostar ainda mais.

Ela teve um trabalho danado para se arranjar nessa nova situação. Havia dois problemas. O primeiro era a surpresa dos homens. Transavam com ela, depois tinham de dirigir com uma mulher nua ao lado e obedecer-lhe sem fazer perguntas. O segundo era a grande quantidade de roupas que perdia. Como as recuperaria? Mas o marido dizia:

– Não faz mal, amanhã compramos outras.

Numa das madrugadas, ao descer do carro, já na garagem do prédio, observou uma carta de baralho deixada sobre o piso. Abaixou-se para pegá-la. Tomou-a nas mãos e a desvirou: era uma dama de espadas.

A figura austera e fria da mulher causou-lhe desconforto. Sentiu um ligeiro tremor.

No apartamento 402 morava uma mulher sozinha. Chamava-se Helenice. Não era feia. Flertara com um homem que morava no apartamento ao lado, homem também sozinho, mas com quem nunca conseguira estabelecer uma relação maior do que a de vizinha. Descobriu, certa vez, Marinete no apartamento dele. Foi um caso único, mas Helenice jurou vingar-se.

Sua estratégia foi acompanhar passo a passo a vida do casal. De início, não reparara nada demais. Em determinado dia, porém, acordou de madrugada e foi à cozinha beber um copo d água. Ouviu um barulho vindo do elevador de serviço. A porta se abriu. Primeiramente saiu o marido, depois a mulher inteiramente nua. Viu tudo pelo olho mágico. Ficou sem entender aquela situação.

Montou guarda quase que diariamente. Passaram-se alguns dias e nada de novo aconteceu. De repente, no mesmo dia, mas na semana seguinte, a cena repetiu-se. A partir de determinada semana, reparou que os episódios passaram a acontecer duas vezes na semana. Elaborou então um plano.

Reparou que nos dias em que a cena se dava, o telefone da casa deles tocava de madrugada, o marido saía só e vinte minutos depois ambos chegavam juntos. Conseguiu ouvir a conversa algumas vezes e não descobriu nada demais. Ouvia apenas o marido dizer: "sim, sim, já estou indo".

Pensou em segui-lo, mas logo concluiu que teria um trabalho terrível. O adiantar da hora fazia qualquer perseguição inviável. Uma brilhante idéia salvou-a. Passou a esconder-se na garagem. Quando eles chegavam, tentava ouvir alguma coisa. Aos poucos, juntando as raras palavras que ouvia, acabou se inteirando da situação. Faltava apenas saber mais uma coisa: de onde vinham. Certa vez teve uma confirmação. Ouviu-o dizer:

– Você precisa tomar mais cuidado. Já apanhei você em todas as esquinas da rua A, e ela anda muito movimentada atualmente, é melhor mudar um pouco.

Helenice não precisou ouvir mais nada.

No dia em que colocou em prática seu plano, o coração pôs-se aos saltos desde o anoitecer. Preocupou-se em se certificar de que Marinete havia saído e não voltara. Ouviu a televisão alta no apartamento deles até altas horas da madrugada. Uma hora antes do horário em que o telefone costumava tocar, Helenice deixou o prédio num táxi. O telefone tocou como de costume:

– Pode vir, estou na rua B com a C.

– Ah, mudou? Que bom! Mas sua voz está diferente, o que houve?

– Estou gripada, e venha logo. Algo deu errado.

Ele sentiu um tremor de excitação ao ouvir a palavra "errado". Saiu em disparada. Quando chegou ao lugar indicado, primeiro não viu ninguém. De repente ouviu um toc-toc na porta do carona. Abriu. Uma mulher inteiramente nua sobre sapatos de salto alto invadiu-lhe o automóvel. Só reparou que não era Marinete, quando ouviu a voz:

– Vamos, meu amor, seu negócio hoje é comigo.

Voltou os olhos, surpreso, para a mulher. Era Helenice, a vizinha.