domingo, outubro 21, 2007

Aparição

Finja que não me viu, por favor!

Como? Você está nua. São 4:30h da manhã. E atrás de uma árvore em frente a minha casa.

Trata-se de uma brincadeira.

Brincadeira?

Isso. Dentro de alguns instantes um homem vai me resgatar.

Quero ver para acreditar.

Mas é melhor não ficar aí. Se ele vir você, pode não parar.

Mas aqui é minha casa...

Eu sei, mas se esconda. Veja, vem um carro lá. Esconda-se!

E se não for quem você espera?

É sim. Está com o alerta piscando, como combinamos.

Vou me abaixar a seu lado...

Ah, não é ele...

Viu? Você está mentindo...

Não estou. Veja, vem outro carro...

Passou direto. Não era pra você.

Agora é. Vem piscando o alerta.

Passou também. Você está em maus lençóis, ou melhor, sem lençol algum. E já vai amanhecer; olhe aquele pedaço do céu!

Você me ajuda?

Ajudar? Como?

Arranja uma roupa pra mim.

Impossível. Minha mulher está dormindo e ela é muito brava, não pode nem imaginar que conversei com você, dá até tiro.

Não posso voltar nua pra casa.

Você não pensou nisso antes de fazer essa brincadeira?

Não, não pensei. Você tem que me ajudar. Vá até lá dentro e pegue qualquer coisa que possa me cobrir. Por caridade.

Caridade? Negativo. Caridade você vai ter por mim quando minha mulher me avistar ao lado de outra mulher, tanto mais nua! E até logo que ela já vai acordar.

E o que faço?

Não sei. Eu estou fora dessa, tchau!

Você não gosta de uma mulher nua?

Gosto. Mas não gosto de minha mulher brava. Você não a conhece.

Eu não sei o que fazer. Não posso ficar assim.

Se você não me encontrasse, o que faria?

Pediria ajuda a alguém. Então, vai, me ajude.

Peça ajuda a outro, moça, tchau.

Ai, não, ele se foi... E eu peladinha. Mas não há de ser nada; não vou morrer por causa disso. E acho que até pode ser divertido.

sábado, outubro 06, 2007

Estupefata

– Pra você que é homem é fácil, basta ir até lá em baixo, chamar uma mulher e trazê-la para cá.

– Você pensa que é assim que eu faço? Será que você não acha isso um tanto absurdo?

– Pode ser absurdo e até perigoso, do jeito que as coisas andam hoje em dia...

– Não é isso, não faço amor com qualquer uma, só trago para meu apartamento quem eu gosto.

– E você gosta de mim?

– O que você acha?, por acaso eu a teria convidado caso nada sentisse por você?

Ele olhou-me nos olhos e sorriu. Eu não sabia a causa de tal discussão. De repente, interrompeu meus pensamentos.

– Acho que quando você fala sobre isso é porque tem vontade de estar nessa situação.

– Que situação? - perguntei.

– Essa, de ser alguém que passa pela rua e é abordada por um estranho que acaba conseguindo convencê-la a acompanhá-lo.

– Eu, ora... não é bem assim – tentei disfarçar –, tenho minhas fantasias, mas...

– Peguei você de surpresa, não foi? – falou enquanto me abraçava.

– Como ia dizendo, tenho minhas fantasias, se você quiser até conto uma, mas essa agora me deixou estupefata.

– Estupefata?, gostei; mas continue, conte sua fantasia.

– Ouça, é interessante, pode ser que depois... quer dizer, primeiro ouça. Eu passava sozinha umas férias numa casa de veraneio no litoral norte. E num típico fim de tarde que se segue a um dia quente e ensolarado de verão, resolvi caminhar pela beira da praia. Começava a ventar e algumas nuvens rumavam do oceano em direção ao continente. Em determinado momento, senti um desejo incontrolável de ficar nua. Nesse dia eu vestia um lindo maiô azul-claro, estampado com flores rosas e vermelhas. Não resisti, acabei despindo-me. Fora de meu corpo, aquele céu úmido e florido tornou-se mínimo; escondi-o na reentrância de uma rocha. Durante um bom quarto de hora, percorri as areias brancas da beira-mar com os pés cobertos pelas espumas que se revezavam após a explosão de cada onda. Gozava os primeiros indícios do entardecer imersa em toda aquela paisagem natural, sentia as lufadas de vento fresco sobre o corpo liso. Mas ao voltar ao esconderijo, não encontrei o maiô. Não sei se fora levado por língua d'água mais saliente, ou por admirador que me costeava e em algum momento me assaltaria, desejando apenas deslizar a ponta dos dedos sobre meu corpo níveo. Permaneci imóvel. Após alguns minutos, porém, abateu-me excitação incontrolável. A incerteza quanto ao que se seguiria aqueceu-me as entranhas. Toda mulher tem o desejo latente de andar nua e de correr riscos. Naquele fim de tarde, mergulhei em pele no crepúsculo do litoral norte. O que eu mais temia ou queria não aconteceu. Viva alma não se arriscaria a vento que logo se pôs a me açoitar, obrigando-me a contorções de dançarina exótica sob afiado chicote de areia. Forte estrondo assustou-me, veias azuladas cortaram o céu. Agachei-me e por algum tempo busquei proteção inútil; grossas gotas de chuva despencaram abruptas. Trôpega, corri na noite recente; invisível, atravessei a estrada. À porta de casa fui surpreendida: não por homem erradio ou visitante inoportuno, mas por meu cão; saltou carente e alegre sobre meu corpo molhado; lambeu-me os seios.

– Gostei; linda história, e contada por você tornou-se ainda melhor; mas você disse no começo “pode ser que depois”, o que quis dizer com isso?

– “Pode ser que depois” quer dizer: pode ser que agora eu ponha em execução a outra fantasia.

– Qual?

– Descer até a rua principal para ser abordada por um estranho e, enfim, acompanhá-lo...

– Você teria coragem?

– Já que você tocou no assunto, acho que sim.

– Mas e nosso namoro?

– Não há problema, é só uma brincadeira, depois conto tudo a você; acho que vai ser muito excitante.

Ele abriu o armário e fez um gesto de que retirava alguma coisa.

– Tome, vista isto.

– Isto? Não estou entendendo...

– É um mini-vestido, foi de uma ex-namorada.

– Ela chegou aqui nua?

– Mais ou menos; mas não percamos tempo, vista-se.

– Acompanhei-o na fantasia.

– Vamos, já passa de uma da madrugada – ele disse.

– Estou morrendo de vergonha.

– Não há muita gente a esta hora, apenas aqueles que tem interesse por prostitutas.

Saímos. Ele abraçou-me enquanto percorríamos as duas quadras que nos separavam da rua principal. Então me beijou e desejou boa sorte.

– Esqueci de dizer a você uma coisa – ainda falou uma última vez –, dê umas voltas, mas sou eu que vou abordá-la.

Fiz que concordava, porém escapei.

Não passou muito tempo para que um Honda cinza-metálico parasse. Por trás do vidro que desceu vagaroso, vi um senhor; parecia bastante digno.

Jamais voltei ao meu namorado. Descobri-me atriz. Meu papel favorito era a prostituta. Uma vez na semana, sempre em lugares diferentes e vestida de modo muito elegante, vivia meu teatro. Nunca tive problemas, ou melhor, tive um, e foi na primeira vez; o motivo: o impalpável mini-vestido que ele me oferecera. Enquanto durou a madrugada, ainda tive como capa os sutis vapores das estrelas, mas os primeiros indícios do amanhecer revelaram a Cinderela nua...