Nua, sento-me na cama e olho o quarto. À meia-luz, cruzo os braços sobre os seios. Ele já se foi. A sacola que trouxera chamara-me a atenção. Dessas sacolas esportivas, de grife. Parecia um atleta. Lembro quando me avistou na rua há algumas horas. Sorriu, fez que me olhava sorrateiro. Eu conversava com a Lúcia. Pedia a ela um favor. Acho que ele ouviu nossa conversa. Excitou-se. E na rua tinha tanta gente. Ele sabia de mim, e sabia tudo. Lúcia ainda procurou na bolsa o que eu pedira. Deixa pra depois, falei. Não queria perder o homem. Tão bonito. Acabamos num quarto de hotel. Foi uma festa. Acho que teve medo de que eu olhasse o que havia dentro de sua sacola. Manteve-a próxima de si. Nem me aproximei. Tirou minha roupa. A saia curta e a blusa justa. Por falar em blusa, nem consigo encontrá-la agora; vejo apenas a saia jogada no chão, junto aos meus sapatos. Deslizou então as mãos por sobre o meu ventre. Pareceu adivinhar. Arrepiei-me. As mulheres como eu ainda se arrepiam? Claro, embora muitos pensem que não. Disse que eu era cheirosa. E como! Perfume francês. Massageou meus ombros, tocou de leve minhas costas, apalpou-me. Afastei as pernas. Comporte-se, ouvi-o dizer. Quase enrubesci. Sentei-me, cruzei as pernas, tapei os seios e esperei. Ele escalou-me cuidadoso. Quando me tocou decidido, eu disse: sou virgem e estou morrendo de vergonha. Rimos, rimos muito. Não ceda agora, ouvi-o de novo. Você é linda quando faz o papel de uma garota nova, ainda fresca, com as pernas cruzadas, duvidosa do que a espera. Ri de novo. Então ele me levantou. Como era forte! Não se deite, vejamos se você suporta; as garotas não gostam da primeira vez. Vou adorar, insinuei. Eu sei, rebateu, mas não me conte seu segredo. Não resisti, abri-me. Flor noturna que se escamoteia ao admirador mas não deixa de exalar perfume verdadeiro, ou mesmo aroma de Afrodite. Você está se desmanchando em mel, falou baixinho ao meu ouvido. E você nem experimentou, retruquei. As prostitutas não são como você. Quem falou que sou prostituta?, fiz-me de gata morena manhosa. É, tem razão, prostitutas não saem para trabalhar sem a calcinha. Trepamos por uma hora inteira. Quando acabou, sorriu, vestiu-se, pegou a mala e se foi. Um sonho, como poucas vezes acontece. O preço? Não perguntou, mas deixou mais do que devia. Apenas uma coisa me tornou curiosa: a sacola. Agarrou-se a ela como se ali residisse todo o segredo dele. O importante é que tudo foi tão bom... Agora, tenho que encontrar minha blusa.
quarta-feira, março 26, 2008
domingo, março 16, 2008
Na verdade eu queria estar vestida como você; é só por alguns minutos
Eu ia de blusa fina de alcinha e mini-saia, abraçada ao meu namorado, no terceiro piso do Botafogo Praia Shopping. De repente, olhei para um homem que vinha na direção contrária. Estava só, apesar da meia-idade era jovial, usava óculos e seus cabelos eram compridos, presos em forma de rabo de cavalo. Ele olhou para mim e se admirou – tenho certeza – da saia muito curta e de minha pele bronzeada; percebeu também que eu o observava. Não sei por que, mas tocou-me lá no fundo, despertou-me desejo recôndito. Meu namorado nada notou. Pensei como seria bom estar só com aquele homem e tê-lo por alguns instantes, em silêncio, mesmo sem saber seu nome. Mas eu tinha meu namorado; e era noite de sábado. Lá fora o ar estava quente; dentro do shopping, o ar-condicionado aplacava o calor da noite e talvez a fome de nossos desejos. Eu nada podia reclamar; ia ao lado de um homem jovem, de corpo torneado em academias da moda, de pele dourada e vestido com roupas de grife, muito elegantes. Aonde íamos? Não lembro. Passeávamos. Creio que a ver vitrinas, a admirar a beleza colorida e estampada aqui e ali, ou a observar alguém que nos cruzasse o caminho; e mesmo a comentar às claras, um ao outro, o que nos instigava seu olhar. Havia ainda os cinemas. Talvez observássemos alguns cartazes e, caso algum filme nos interessasse, mergulharíamos na sala escura, na tela plena de luz, num mundo de imagens e fantasia. Depois, já tarde da noite, pararíamos em algum bar da moda, ou mesmo num restaurante chique. O vinho e alguma comida mais rubra tingiriam o ardor em nossas faces, estimulariam algum tipo de aceleração, nossos lábios queimariam numa noite de amor. Então eu já não precisaria da mini-saia...
Mas àquela noite de verão algo diferente aconteceu. Meu namorado levou-me a um lugar inusitado, depois do instigante passeio.
– Onde estamos? – perguntei curiosa.
– Espere para ver – falou ao entrarmos em uma sala admiravelmente refrigerada, repleta de quadros, de estofados modernos e com uma recepcionista elegante como uma modelo, que nos aguardava junto a uma mesa de vidro inteiramente transparente.
– Sejam bem vindos – sua voz era discreta e demonstrava prazer pelo trabalho que fazia –, fiquem à vontade.
– Onde estás a me trazer? – perguntei graciosa a ele.
– Ficas adorável imitando uma portuguesinha.
– Desconheço tal lugar em minha própria terra; será aqui um salão de artes?
– Talvez; creio que você vai gostar.
O ambiente era acolhedor; o que destoava era a temperatura excessivamente baixa; mas convidava a abraços mais justos. Ouvi música no ar, som de piano e clarineta.
– Vocês já estiveram aqui ou é a primeira vez?
Meu namorado foi quem respondeu. Enquanto travava o pequeno diálogo com a recepcionista, pus-me a observar os quadros à meia-luz, na parede defronte. Só então reparei que ao fundo, caminhando em direção aonde deveriam estar as janelas (pois tudo era acortinado e encarpetado), percebi um pequeno bar. Tinha as madeiras torneadas, brilhosas e espelhos ao fundo. Senti-me abraçada, voltei-me e dei com ele já ao meu lado, começando a me explicar o local.
– Aqui, trata-se de um clube.
– Um clube?
– Isso, um clube especial, e esse bar é o primeiro momento para tomarmos alguma coisa e relaxarmos.
– É bonito...
– Bonito e composto por bebidas estrangeiras.
– Ainda não há ninguém no clube? – perguntei.
– Há; basta que entremos. Você vai gostar, pelo que a conheço.
– Será? – fiz-me de ingênua.
– Podemos escolher entre diversos salões – ele me explicava –, pode-se apenas conversar, conhecer outras pessoas, e é possível também se ter mais intimidade...
– Mas já não somos suficientemente íntimos?
– Não entre nós, compreende?, intimidade com outras pessoas.
– Ah!..., entendi... – sussurrei.
– Percebeu que tipo de clube é este?
– Percebi, mas não sabia que existia um assim aqui na zona sul.
– Existe até mais de um.
Entramos numa sala onde a luz era baixa. Apenas abajures nas extremidades, longos estofados vermelhos, alguns homens tomando uísque e mulheres conversando em pequenas rodas.
Permanecemos sós, mas logo recebemos sorrisos de outros visitantes. Uma senhora se aproximou e convidou-nos a fazer parte de seu grupo. Vestiam-se bem, roupas de festas, vestidos compridos.
– Sejam bem-vindos, creio que ainda não os vimos por aqui.
– Oh creio que não – disse meu namorado –, é a primeira vez.
– Acho que a primeira vez é sempre a mais emocionante.
Ela sorria, seus olhos brilhavam, virou-se para mim e acrescentou:
– Não está com frio? Você não veste quase nada...
– Se ele me dissesse antes aonde viríamos, não vestiria tão pouco...
– Oh, ele quis fazer uma surpresa! Mas não faz mal a pouca roupa, logo você se verá aquecida – e exprimiu um ar malicioso. – Há muito que freqüento este clube, é algo encantador, creio que vocês depois do que experimentarem aqui não desejarão outra vida.
Um garçom aproximou-se com a bandeja plena de bebidas. Vi copos grandes com doses de uísque, batidas, caipirinhas e duas taças de uma bebida cor de cereja. Peguei a caipirinha, enquanto meu noivo segurou um copo de uísque. Reparei que a senhora que se dirigira a nós aceitou a bebida escarlate, que lhe combinava ao vestido.
– Venha cá, por favor – acenou-me –, fique à vontade, estou notando que você tem uma ponta de vexo.
– Não se preocupe, daqui a pouco serei a mulher mais desinibida da festa!
As mulheres riram.
Reparei as outras pessoas que chegavam ou já se encontravam ali. Grande parte era de meia idade, embora houvesse dois ou três casais jovens. Todos conversavam animadamente, as faces eram alegres e muitos beiravam o entusiasmo. Após cerca de vinte minutos em que permanecemos apreciando o ambiente, mordiscando o que nos era servido e bebendo mais algum aperitivo, todos foram convidados a passar para outro salão. Ao entrarmos, reparei que nas paredes havia quadros lindíssimos, povoados por musas nuas que, em posições desinibidas, mostravam as grandes nádegas, ou mesmo a barriga com alguns quilos a mais. Davam mostras de serem quadros de gosto setecentista. Uma música vinha do fundo, onde uma mulher tocava um grande piano. Logo depois se podia perceber que era acompanhada por exímio violinista.
Os casais puseram-se a conversar, e só então eu entendi do que se tratava.
– Você precisa escolher alguém, ou deixar que alguém a escolha.
– Como assim? – fiz-me inocente.
– Será que você já não reparou que tipo de clube é este?
– Ah, creio que não... – e dei um beijo em meu namorado. – Creio que sentirei saudades de você – disse sorrindo a ele.
– Será por pouco tempo – assegurou.
– Quem sabe? – fiz-me ouvir enquanto ele se afastava.
Optei por não me dirigir a pessoa alguma. Não se passaram muitos minutos para que um senhor de paletó escuro, sem gravata, que devia beirar os sessenta anos, se aproximasse de mim.
– Como chama a flor encantadora?
– Meu nome é mesmo de uma flor, apesar de não das mais raras.
Deu uma gargalhada contida e me adivinhou o nome.
– Vejo que você é entusiasta de práticas não tão costumeiras – ele disse.
– Eu? Na verdade me contagia o prazer, e ainda o amor.
– Oh, o amor, motivo das mais belas histórias, dos mais cativantes romances, de peças literárias que ficaram na história como exemplos de sentimento e virtude.
– Virtude? Mas o sexo também é bom... – virei-me a ele, fiz que explodiria num riso intenso; talvez eu disfarçasse a surpresa e a conseqüente insegurança.
Os casais já não eram os mesmos do momento em que chegáramos. Todos arranjaram novos pares; parecia que a entrada não era permitida a pessoas sozinhas. Nas laterais havia salas reservadas. O ambiente sempre era envolto em pouca luz e instigava a que nos aconchegássemos sobre os estofados de veludo. Meu novo acompanhante continuava com sua enumeração de prazeres, de situações em que as mulheres eram o que havia de mais precioso sobre a face da Terra, e ainda dizia que, na verdade, nada havia que as superasse em beleza e virtude. Confesso que senti saudades do meu namorado. Ainda o procurei, apenas com os olhos, na penumbra, mas não mais o vi. Encontrei mulheres que tinham a aparência caricata, maquiadas ao extremo, vestidas de hipocrisia.
Passamos a outro recinto onde os casais já se acariciavam, mas com discrição.
– É mais interessante irmos a um reservado – disse meu par, que não deixou meus olhos passarem em branco, enquanto ele levava o copo de uísque à boca.
– Pelo que vejo, não é permitida a nudez fora dos reservados – quis mostrar-me atrevida.
– Não, na verdade o regulamento não permite a nudez coletiva, nem o sexo em grupo.
– Oh, é uma pena; pensei que as pessoas aqui fossem mais avançadas.
– Não se trata de ser ou não avançado. Repare que o público é de classe A, são pessoas de responsabilidades sociais, não ficaria bem se essa festa acontecesse de modo vulgar.
– Responsabilidades sociais, modo vulgar! – enfatizei.
– É preciso que tudo ocorra dentro de um padrão de beleza.
Aceitamos mais uma bebida. O garçom se manteve impávido enquanto nos servia.
– Os funcionários são muito discretos – observei.
– Discretíssimos.
Meu acompanhante convidou-me a um reservado, mostrava-se um tanto impaciente. Ainda relutei.
– Você não veio acompanhado?
– Claro.
– E ela?
– Diverte-se por aí, assim como nós vamos nos divertir. E lhe digo mais: foi ela que descobriu este lugar, desde então vivemos maravilhosamente.
– Verdade?
– Por que iria mentir?
Entramos numa saleta em que se poderia optar por uma iluminação discreta, de abajur, ou por luz de velas.
– O que preferes? – perguntou.
– Velas.
O garçom deixou sobre a pequena mesa a garrafa de uísque, que fora solicitada pelo homem e, para mim, outra caipirinha.
– Temos de tirar a roupa? – indaguei provocante.
– Não é preciso tanta pressa – respondeu em meio a um amável sorriso.
– Minhas roupas vão ficar amarrotadas – disse a ele em tom de preocupação.
– Não há necessidade de preocupação, há uma camareira que poderá cuidar de tudo. Mas, por enquanto, mantenha-se vestida.
Passamos a escutar a música ambiente. Havia um aparelho que permitia a troca de canais; além de podermos continuar a ouvir a música da pianista, havia outras opções.
Pouco a pouco ele se pôs a acariciar meus cabelos, meu pescoço e logo me beijou. Aceitei tudo com extrema naturalidade. Confesso, porém, que sentia falta de meu namorado. O ambiente era muito artificial para o meu gosto e se ele me tivesse perguntado antes, eu não teria optado por tal lugar. Tramei para escapar.
– Gostaria de ir ao toalete.
Havia um no reservado, mas fingi que não o vi e saí à procura de outro no salão principal. Ele tentou alertar-me, mas acabou por desistir quando reparou que eu já ia porta afora. O banheiro que ficava ao fundo do salão tinha a presença de algumas mulheres; retocavam a maquiagem e conversavam em voz baixa. Ainda ouvi de uma delas:
– Eu dizia a ele: “se você me traiu, agora merece ser traído”; então passei a trazê-lo aqui; no início relutou, mas depois creio que passou a gostar. Sabe que estou nos braços de outro; ele também vai estar nos de outra, mas sei que assim está traindo a amante.
– Genial, você é bastante ardilosa! – soou a voz de outra.
A seguir todas caíram na gargalhada; quando deram por minha presença, abaixaram um pouco o tom do riso.
Depois que saí do banheiro, tentei a porta de saída do clube, mas reparei que não era permitido deixar sozinha o local.
Tive uma idéia. De início fiquei temerosa, mas depois a achei ótima. Aproximei-me da recepcionista – aquela que nos recebeu – e disse que desejava falar-lhe. Ela atendeu-me solícita.
– Preciso de um favor seu. É um pedido de meu acompanhante – disse então o nome dele. – Ele parece ser bem conhecido aqui; diz que gostaria de, sabe como é, ter relação com uma das recepcionistas, mas sabe que não é permitido, então sugeriu que eu me vestisse como uma delas; aqui entre nós, ele paga bem. Será que você poderia me ajudar?
– Como assim?
– Na verdade eu queria estar vestida como você; é só por alguns minutos.
– Você gostaria de trocar de roupa comigo para agradar seu par, é isso?
– Sim.
– É impossível, pode custar meu emprego.
– Ninguém vai saber, a hora já vai adiantada, e você pode ganhar mais pelo trabalho de hoje.
– Mas...
– É rápido, eu prometo!
– Rapidinho? – perguntou informal.
– Isso, bem rápido.
Trancafiamo-nos no toalete das funcionárias. Vesti a roupa dela. Dei a ela as minhas.
– Volto logo, e trago sua gorjeta.
– Não demore – ainda falou.
– Obrigada – beijei-a. Ela sorriu.
Confesso que com aquela roupa eu mais parecia uma comissária de empresa aérea. Dirigi-me então à portaria.
– Preciso comprar cigarros para um cliente – disse ao homem de terno que tomava conta da entrada.
– Não temos cigarros no bar?
– Não dos que ele fuma.
Deixei uma nota de dez em suas mãos.
– Ele mandou pra você.
Deixou-me passar.
Ganhei as escadas e logo me vi na rua. Desci a Siqueira Campos em direção à praia. Deixei o voluptuoso senhor a me esperar e uma recepcionista em apuros. Coisas da vida...
Quando cheguei à Avenida Atlântica, reparei que uma orquestra sinfônica se apresentava num enorme palco montado sobre as areias da praia. Misturei-me às pessoas, enquanto os músicos e o coro executavam a nona de Beethoven.
Mas àquela noite de verão algo diferente aconteceu. Meu namorado levou-me a um lugar inusitado, depois do instigante passeio.
– Onde estamos? – perguntei curiosa.
– Espere para ver – falou ao entrarmos em uma sala admiravelmente refrigerada, repleta de quadros, de estofados modernos e com uma recepcionista elegante como uma modelo, que nos aguardava junto a uma mesa de vidro inteiramente transparente.
– Sejam bem vindos – sua voz era discreta e demonstrava prazer pelo trabalho que fazia –, fiquem à vontade.
– Onde estás a me trazer? – perguntei graciosa a ele.
– Ficas adorável imitando uma portuguesinha.
– Desconheço tal lugar em minha própria terra; será aqui um salão de artes?
– Talvez; creio que você vai gostar.
O ambiente era acolhedor; o que destoava era a temperatura excessivamente baixa; mas convidava a abraços mais justos. Ouvi música no ar, som de piano e clarineta.
– Vocês já estiveram aqui ou é a primeira vez?
Meu namorado foi quem respondeu. Enquanto travava o pequeno diálogo com a recepcionista, pus-me a observar os quadros à meia-luz, na parede defronte. Só então reparei que ao fundo, caminhando em direção aonde deveriam estar as janelas (pois tudo era acortinado e encarpetado), percebi um pequeno bar. Tinha as madeiras torneadas, brilhosas e espelhos ao fundo. Senti-me abraçada, voltei-me e dei com ele já ao meu lado, começando a me explicar o local.
– Aqui, trata-se de um clube.
– Um clube?
– Isso, um clube especial, e esse bar é o primeiro momento para tomarmos alguma coisa e relaxarmos.
– É bonito...
– Bonito e composto por bebidas estrangeiras.
– Ainda não há ninguém no clube? – perguntei.
– Há; basta que entremos. Você vai gostar, pelo que a conheço.
– Será? – fiz-me de ingênua.
– Podemos escolher entre diversos salões – ele me explicava –, pode-se apenas conversar, conhecer outras pessoas, e é possível também se ter mais intimidade...
– Mas já não somos suficientemente íntimos?
– Não entre nós, compreende?, intimidade com outras pessoas.
– Ah!..., entendi... – sussurrei.
– Percebeu que tipo de clube é este?
– Percebi, mas não sabia que existia um assim aqui na zona sul.
– Existe até mais de um.
Entramos numa sala onde a luz era baixa. Apenas abajures nas extremidades, longos estofados vermelhos, alguns homens tomando uísque e mulheres conversando em pequenas rodas.
Permanecemos sós, mas logo recebemos sorrisos de outros visitantes. Uma senhora se aproximou e convidou-nos a fazer parte de seu grupo. Vestiam-se bem, roupas de festas, vestidos compridos.
– Sejam bem-vindos, creio que ainda não os vimos por aqui.
– Oh creio que não – disse meu namorado –, é a primeira vez.
– Acho que a primeira vez é sempre a mais emocionante.
Ela sorria, seus olhos brilhavam, virou-se para mim e acrescentou:
– Não está com frio? Você não veste quase nada...
– Se ele me dissesse antes aonde viríamos, não vestiria tão pouco...
– Oh, ele quis fazer uma surpresa! Mas não faz mal a pouca roupa, logo você se verá aquecida – e exprimiu um ar malicioso. – Há muito que freqüento este clube, é algo encantador, creio que vocês depois do que experimentarem aqui não desejarão outra vida.
Um garçom aproximou-se com a bandeja plena de bebidas. Vi copos grandes com doses de uísque, batidas, caipirinhas e duas taças de uma bebida cor de cereja. Peguei a caipirinha, enquanto meu noivo segurou um copo de uísque. Reparei que a senhora que se dirigira a nós aceitou a bebida escarlate, que lhe combinava ao vestido.
– Venha cá, por favor – acenou-me –, fique à vontade, estou notando que você tem uma ponta de vexo.
– Não se preocupe, daqui a pouco serei a mulher mais desinibida da festa!
As mulheres riram.
Reparei as outras pessoas que chegavam ou já se encontravam ali. Grande parte era de meia idade, embora houvesse dois ou três casais jovens. Todos conversavam animadamente, as faces eram alegres e muitos beiravam o entusiasmo. Após cerca de vinte minutos em que permanecemos apreciando o ambiente, mordiscando o que nos era servido e bebendo mais algum aperitivo, todos foram convidados a passar para outro salão. Ao entrarmos, reparei que nas paredes havia quadros lindíssimos, povoados por musas nuas que, em posições desinibidas, mostravam as grandes nádegas, ou mesmo a barriga com alguns quilos a mais. Davam mostras de serem quadros de gosto setecentista. Uma música vinha do fundo, onde uma mulher tocava um grande piano. Logo depois se podia perceber que era acompanhada por exímio violinista.
Os casais puseram-se a conversar, e só então eu entendi do que se tratava.
– Você precisa escolher alguém, ou deixar que alguém a escolha.
– Como assim? – fiz-me inocente.
– Será que você já não reparou que tipo de clube é este?
– Ah, creio que não... – e dei um beijo em meu namorado. – Creio que sentirei saudades de você – disse sorrindo a ele.
– Será por pouco tempo – assegurou.
– Quem sabe? – fiz-me ouvir enquanto ele se afastava.
Optei por não me dirigir a pessoa alguma. Não se passaram muitos minutos para que um senhor de paletó escuro, sem gravata, que devia beirar os sessenta anos, se aproximasse de mim.
– Como chama a flor encantadora?
– Meu nome é mesmo de uma flor, apesar de não das mais raras.
Deu uma gargalhada contida e me adivinhou o nome.
– Vejo que você é entusiasta de práticas não tão costumeiras – ele disse.
– Eu? Na verdade me contagia o prazer, e ainda o amor.
– Oh, o amor, motivo das mais belas histórias, dos mais cativantes romances, de peças literárias que ficaram na história como exemplos de sentimento e virtude.
– Virtude? Mas o sexo também é bom... – virei-me a ele, fiz que explodiria num riso intenso; talvez eu disfarçasse a surpresa e a conseqüente insegurança.
Os casais já não eram os mesmos do momento em que chegáramos. Todos arranjaram novos pares; parecia que a entrada não era permitida a pessoas sozinhas. Nas laterais havia salas reservadas. O ambiente sempre era envolto em pouca luz e instigava a que nos aconchegássemos sobre os estofados de veludo. Meu novo acompanhante continuava com sua enumeração de prazeres, de situações em que as mulheres eram o que havia de mais precioso sobre a face da Terra, e ainda dizia que, na verdade, nada havia que as superasse em beleza e virtude. Confesso que senti saudades do meu namorado. Ainda o procurei, apenas com os olhos, na penumbra, mas não mais o vi. Encontrei mulheres que tinham a aparência caricata, maquiadas ao extremo, vestidas de hipocrisia.
Passamos a outro recinto onde os casais já se acariciavam, mas com discrição.
– É mais interessante irmos a um reservado – disse meu par, que não deixou meus olhos passarem em branco, enquanto ele levava o copo de uísque à boca.
– Pelo que vejo, não é permitida a nudez fora dos reservados – quis mostrar-me atrevida.
– Não, na verdade o regulamento não permite a nudez coletiva, nem o sexo em grupo.
– Oh, é uma pena; pensei que as pessoas aqui fossem mais avançadas.
– Não se trata de ser ou não avançado. Repare que o público é de classe A, são pessoas de responsabilidades sociais, não ficaria bem se essa festa acontecesse de modo vulgar.
– Responsabilidades sociais, modo vulgar! – enfatizei.
– É preciso que tudo ocorra dentro de um padrão de beleza.
Aceitamos mais uma bebida. O garçom se manteve impávido enquanto nos servia.
– Os funcionários são muito discretos – observei.
– Discretíssimos.
Meu acompanhante convidou-me a um reservado, mostrava-se um tanto impaciente. Ainda relutei.
– Você não veio acompanhado?
– Claro.
– E ela?
– Diverte-se por aí, assim como nós vamos nos divertir. E lhe digo mais: foi ela que descobriu este lugar, desde então vivemos maravilhosamente.
– Verdade?
– Por que iria mentir?
Entramos numa saleta em que se poderia optar por uma iluminação discreta, de abajur, ou por luz de velas.
– O que preferes? – perguntou.
– Velas.
O garçom deixou sobre a pequena mesa a garrafa de uísque, que fora solicitada pelo homem e, para mim, outra caipirinha.
– Temos de tirar a roupa? – indaguei provocante.
– Não é preciso tanta pressa – respondeu em meio a um amável sorriso.
– Minhas roupas vão ficar amarrotadas – disse a ele em tom de preocupação.
– Não há necessidade de preocupação, há uma camareira que poderá cuidar de tudo. Mas, por enquanto, mantenha-se vestida.
Passamos a escutar a música ambiente. Havia um aparelho que permitia a troca de canais; além de podermos continuar a ouvir a música da pianista, havia outras opções.
Pouco a pouco ele se pôs a acariciar meus cabelos, meu pescoço e logo me beijou. Aceitei tudo com extrema naturalidade. Confesso, porém, que sentia falta de meu namorado. O ambiente era muito artificial para o meu gosto e se ele me tivesse perguntado antes, eu não teria optado por tal lugar. Tramei para escapar.
– Gostaria de ir ao toalete.
Havia um no reservado, mas fingi que não o vi e saí à procura de outro no salão principal. Ele tentou alertar-me, mas acabou por desistir quando reparou que eu já ia porta afora. O banheiro que ficava ao fundo do salão tinha a presença de algumas mulheres; retocavam a maquiagem e conversavam em voz baixa. Ainda ouvi de uma delas:
– Eu dizia a ele: “se você me traiu, agora merece ser traído”; então passei a trazê-lo aqui; no início relutou, mas depois creio que passou a gostar. Sabe que estou nos braços de outro; ele também vai estar nos de outra, mas sei que assim está traindo a amante.
– Genial, você é bastante ardilosa! – soou a voz de outra.
A seguir todas caíram na gargalhada; quando deram por minha presença, abaixaram um pouco o tom do riso.
Depois que saí do banheiro, tentei a porta de saída do clube, mas reparei que não era permitido deixar sozinha o local.
Tive uma idéia. De início fiquei temerosa, mas depois a achei ótima. Aproximei-me da recepcionista – aquela que nos recebeu – e disse que desejava falar-lhe. Ela atendeu-me solícita.
– Preciso de um favor seu. É um pedido de meu acompanhante – disse então o nome dele. – Ele parece ser bem conhecido aqui; diz que gostaria de, sabe como é, ter relação com uma das recepcionistas, mas sabe que não é permitido, então sugeriu que eu me vestisse como uma delas; aqui entre nós, ele paga bem. Será que você poderia me ajudar?
– Como assim?
– Na verdade eu queria estar vestida como você; é só por alguns minutos.
– Você gostaria de trocar de roupa comigo para agradar seu par, é isso?
– Sim.
– É impossível, pode custar meu emprego.
– Ninguém vai saber, a hora já vai adiantada, e você pode ganhar mais pelo trabalho de hoje.
– Mas...
– É rápido, eu prometo!
– Rapidinho? – perguntou informal.
– Isso, bem rápido.
Trancafiamo-nos no toalete das funcionárias. Vesti a roupa dela. Dei a ela as minhas.
– Volto logo, e trago sua gorjeta.
– Não demore – ainda falou.
– Obrigada – beijei-a. Ela sorriu.
Confesso que com aquela roupa eu mais parecia uma comissária de empresa aérea. Dirigi-me então à portaria.
– Preciso comprar cigarros para um cliente – disse ao homem de terno que tomava conta da entrada.
– Não temos cigarros no bar?
– Não dos que ele fuma.
Deixei uma nota de dez em suas mãos.
– Ele mandou pra você.
Deixou-me passar.
Ganhei as escadas e logo me vi na rua. Desci a Siqueira Campos em direção à praia. Deixei o voluptuoso senhor a me esperar e uma recepcionista em apuros. Coisas da vida...
Quando cheguei à Avenida Atlântica, reparei que uma orquestra sinfônica se apresentava num enorme palco montado sobre as areias da praia. Misturei-me às pessoas, enquanto os músicos e o coro executavam a nona de Beethoven.
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