sexta-feira, junho 06, 2025

Não aguentei!

Ele me deu um beijo! Juro, um beijo gelado, e bem próximo à orelha. A gente passeava pela rua das Laranjeiras. Ao ver uma sorveteria, convidou-me. Quem sabe eu desejava tomar um de manga, chocolate belga ou tutti-frutti?

Olhei-o e lembrei os dias quando tomamos juntos outros sorvetes no centro da cidade. Tão romântico alguém chamar a gente para um sorvete!

Duas moças saíram da loja saboreando os seus gelatos. Três funcionárias nos aguardavam. Olhei com vagar o local onde ficavam os sabores, o vidro embaçado em alguns pontos turvava as cores vivas, mas não me diminuíam o desejo, cada vez mais intenso.

Difícil decidir, disse e sorri para ele.

Você tem tempo, só há nós dois na loja.

Eu, porém, sentia a ansiedade da atendente. Escolhi chocolate e graviola.

A senhora quer no copo ou casquinha? A moça, solícita como sempre, aguardou a resposta.

Casquinha.

E o senhor?

Hum, deixe-me ver.

Passaram-se cinco segundos e ele suspirou: morango com chocolate belga.

Após servidos, sentamos os dois, lado a lado, num banco de madeira, comprido, que ficava fora da loja. Aos pouquinhos eu passava a língua em volta da minha casquinha. Às vezes, uma pazinha ajudava.

Tenho certeza, ele tinha ainda em mente o passeio no centro do Rio, quando me tacou um beijo rápido próximo à orelha. Não sei se notou, mas fiquei arrepiada. Nas duas vezes.

Era ele meu namorado? Não. Nunca fomos namorados. O que fazíamos era nos encontrar vez ou outra para um café ou sorvete. Uma ou duas vezes almoçamos juntos. Ele me beijava; eu fazia de conta que não percebia.

Você melou minha orelha, eu disse em tom de lamentação.

Achei que você gostasse; certa vez no consultório, lembra?, beijei sua orelha e você nem se queixou! Ele disse.

Foi no meu consultório ou tomando sorvete? Eu tinha dúvidas.

A orelha ia melada e o corpo arrepiado. Esse meu namorado, cheio de ardis... Gosta de namoros repentinos, sem que se precise falar sobre. O tipo de homem que funciona assim: quando vejo, já estou nua nos braços dele.

Cuidávamos do sorvete, preocupados em não deixar escapar um pingo, um pedacinho sequer. Vez ou outra eu olhava para ele, pedia em silêncio outro beijo.  Mas ele não entendeu, meu pensamento talvez fosse fraquinho. Eu, na maioria das vezes, aproveitava para me fazer de comportada, uma auréola em torno da cabeça.

Outro dia, ao darmos um com o outro sem marcar encontro, ele me beijou a boca, um selinho:

Aqui, tenho muita gente conhecida! Reclamei, mas bem que gostei.

Acabávamos nossos sorvetes. Precisei um pouco mais de tempo. Ele entrou novamente na sorveteria e voltou com dois guardanapos. Passei o meu delicadamente próximo à boca. Após terminar, beijou-me, seus lábios frios, inverno na ponta das nossas bocas e línguas. A dele avançou-me além dos lábios e tocou também a minha. Outro arrepio. Como estava de saia, tal arrepio rondou-me ainda as pernas, subiu-me as coxas e me beirou as entranhas. Que palavra horrível: entranhas! Melhor: seu beijo provocou-me um arrepio capaz de beirar minhas aberturas...

Levantamo-nos e começamos a caminhar rua acima. Você vai fazer algo, agora? Quis ele saber?

Não sei, por quê?

Sorriu e passou um dos braços sobre meu ombro. Éramos dois namorados passeando às duas da tarde na rua das Laranjeiras.

E a orelha ainda está melada? perguntou, rindo depois.

O que respondi foi fazer a face de rogada. O que é face de rogada? Você, leitor, deseja saber? É quando o desejo continua. Eu ia a mil!

Se você quer me beijar, é melhor outro lugar, eu disse. Olhei a rua.

Vamos atravessar, sugeri.

Seguimos para o prédio onde eu morava.

Esse homem é cheio de imaginação ou de fetiche, não sei bem. Imagine se pronuncio a palavra melada ou meladinha, o que ele vai pensar?

Houve outro namorado. Mas já faz muito tempo. Eu de calcinha e o homem a me abraçar. Não sei se foi num hotel numas férias de verão, ou, quem sabe, num final de semana. Sim, foi num final de semana. Que tal uma taça de champanhe, sugeriu o então namorado. Eu ainda de calcinha.

Sim, uma taça de champanhe, repeti.

O champanhe explodiu. E me deixou molhada. Molhadinha!

sexta-feira, abril 11, 2025

Esconderijo

Eu andava pela areia; no final da praia, subindo em direção à vegetação existente na junção das duas bordas de mar, havia um refúgio. Não sei se era conhecido de alguém naquele tempo. Era preciso descer uns degraus. Talvez o local fora utilizado como depósito de algum quiosque. Com a derrubada deles e a tentativa de reforma da orla, o pequeno espaço quase subterrâneo tenha sido deixado de lado. Era difícil percebê-lo. Acabei descobrindo-o porque sou curiosa e vivo buscando novas experiências.

Ao entrar no refúgio, procurei olhar para todos os lados, temia algum bicho. O que encontrei, no entanto, foi muita areia, trazida certamente pelo vento. Quando se entrava no pequeno compartimento, talvez de nove metros quadrados, não era possível que alguém do lado de fora percebesse pessoa alguma escondida. Após explorar o local, de me certificar de que não havia rastro humano ali dentro, saí e me prometi voltar, só que à noite.

Numa noite de quinta-feira, voltei à orla da praia. Deixei o carro distante, perto de um restaurante, e caminhei em meio às sombras até a parte da areia que dava acesso ao esconderijo; vamos nomeá-lo assim. Quando pisei na areia, tirei a sandália de meio salto que calçava, era mais confortável sentir a temperatura fria do chão. Ouvi o marulhar e me aproximei da linha da água. Meu vestido ia um pouquinho acima dos joelhos; portanto, não o molharia. Deixei uma pequena onda tocar-me, acariciar-me os pés. A temperatura baixa da água me provocou um tremor que, não sei o motivo, deixou-me em certa euforia. Tive vontade de mergulhar, de nadar escondida pela noite. Meu coração se acelerou. Virei-me para a parte de cima da praia, onde ficava a vegetação acima do refúgio. Então, lembrei-me, vou entrar agora no tal esconderijo. Caminhei, olhei em todas as direções, será que alguém me vira, será que me seguia? Não vi alma.

Ao chegar ao local recém-descoberto, desci os três degraus, abaixei-me e o iluminei com a luz do meu celular. Continuava vazio, sem dar mostra de que alguém o frequentara desde a última vez que estivera ali. Checado o piso, as paredes, entrei. Minha altura era suficiente para que não batesse a cabeça no teto. Pousei a bolsa num dos cantos, após verificar se o local não estava sujo. Na verdade, como sempre, a areia era muita, mas branquinha, como à beira da água. Que loucura! Pensei, se aparecesse algum homem, não teria como me safar. Certamente me agarraria, diria que a curiosidade mata e ele não seria culpado, mas eu e minha teimosia. Quis correr dali, mas algo mais forte me reteve: o gosto pela aventura. Tive, então, a ideia que sempre me tentou: tomar banho de mar nua. Como não era possível durante o dia, à noite, e com aquele refúgio para guardar os meus pertences, a boa situação se apresentava. Mas estava escuro, eu podia tirar a roupa à beira da água, guardar o vestido e tudo mais dentro da bolsa e mergulhar, deixando-a na areia, mais próxima a mim do que naquele refúgio, de onde teria de caminhar nua mais ou menos trinta ou quarenta metros.

Não passou muito tempo, decidi pelo refúgio. Apesar da distância, era mais protegido. A bolsa sobre a areia poderia chamar atenção, brilhar sob alguma lanterna, algum farol de automóvel que descesse a pequena rua. Tirei a roupa, inclusive a calcinha, guardei tudo com muito cuidado. E a chave do automóvel, e o celular? Queria tê-los comigo para alguma emergência. Como, porém, entraria na água com o celular. Impossível. A chave poderia fazê-la de pulseira, mas com telefone não dava.

Olhei um lado, olhei outro e desci a areia. Não corri. Desnecessário. Andei, um desfile pausado. Ainda me voltei à vegetação superior, ninguém. Entrei na água, cuidei de não fazer barulho. Nadei. O mar não estava bravio, e aproveitava minha experiência de natação. Permaneci dentro d'água durante uma boa meia hora. Quando comecei a sentir muito frio, decidi sair. Adotei o mesmo procedimento.

Com muita calma, olhei todos os lados e caminhei, outro desfile, até o refúgio. Entrei, suspirei, quis deixar que as gotas d'água secassem sobre meu corpo. Não tinha pente ou escova para o cabelo. Procurei a bolsa. Estava no mesmo lugar. Ainda bem... O que me aconteceria se não a encontrasse? Nem pensar. Naquele momento, uma corrente de ar fresco penetrou o refúgio, provocando-me arrepios. Que vontade de abraçar um homem grande, largo, eu ainda nua. Mas onde um homem assim? Que eu abandonasse a ideia, às vezes os homens são o contrário do que desejamos. O corpo, no entanto, solta faíscas, o desejo por sexo é sempre muito presente. Poderia me deitar no esconderijo, mover minhas energias interiores, lembrar situações excitantes e atingir o prazer... Mas o chão estava cheio de areia; eu, ainda úmida das águas do mar. Levantei a bolsa com uma das mãos, saí da gruta e corri para o carro. Não olhei para ver se havia viva alma por perto.

Tive sorte, ninguém envolto nas sombras da noite por aquelas bandas. Algumas estrelas cintilavam para mim quando olhei o céu, piscavam seus olhinhos incentivando à aventura maior. Cheguei-me junto à porta do automóvel, pressionei a chave. Ouvi o ruído de destravamento das trancas, soou alto para as horas. Já imaginaram, apenas o bramir do mar, o ligeiro zunir do vento e a expansão de um som que revela a presença humana, o receio a ladrões, a pretensão de se resguardar a propriedade? Esperei. Ninguém ouviu o alarme; pelo menos, era o que a tranquilidade indicava. Entrei, sentei-me no banco do motorista, pousei a bolsa sobre o banco ao lado, afastei um pouco mais o meu banco, queria ter dois metros, estiquei as pernas, o volante distante do meu ventre. Relaxei.

Daí em diante, não sei contar o que aconteceu. Adormeci? Cochilei? Tive um sonho tão feliz? Acho que sim. Um homem a me namorar, sobre meu corpo. O calor dos nossos corpos não se dissipou tão facilmente depois que despertei. Mas, onde, ele, o homem?

Meu Deus, quatro e quinze da madrugada. Cadê a chave do carro? Viro daqui, dali. Será que a perdi? Não! Não estaria eu sobre o banco do motorista. Olho a bolsa, levanto-a. A chave largara-se no estofado do banco do carona, entre o assento e o encosto. Seguro-a, as mãos ainda trêmulas, enfio na ignição, aciono o motor. Engato a marcha avante e dou a partida. O veículo me leva para casa.

Já dirigi nua outras vezes.