quinta-feira, janeiro 04, 2007

Peixes

No verão de 99, aluguei uma casa no alto de Ponta Negra, em Natal. A localização permitia-me ver toda a extensão da praia, cerca de seis quilômetros, onde predominava apenas areia, mar, e o céu. Era possível apreciar, nas madrugadas, a partida silenciosa dos pescadores, homens que enfrentam o mar bravio em embarcações rústicas, frágeis; homens que seguram firme o leme enquanto o vento intrépido infla as velas. De madrugada eu descia e, escondida – não queria causar alarde ou mal-estar entre eles –, observava o momento em que começavam a deslizar os barcos desde a parte superior das areias até entrarem n'água e se atirarem, rudes, em busca do peixe de cada dia. Depois – apenas a pele morena, tingida pela luz impetuosa dos trópicos – descia sozinha e caminhava debaixo de uma noite quase sempre pesada em estrelas. Então eles já iam longe, mas não perdia de vista suas velas, e me impressionava o saltar constante e corajoso dos barcos contra vagas ricas em espumas. Para aqueles pescadores, o mar era razão de vida, talvez cometa azul em céu de desventura. Enquanto eu, turista de estação, tentava me familiarizar com o local e fazer dele minha morada natural; depois de algumas semanas, já me sentia parte dali, como se tivesse sempre vivido ante aquele mar bravio e sob céu que refletia namoros estelares na paisagem marinha. Andava então longa extensão de areia, respirava o ar úmido de sal, de mar. Envolvia-me o êxtase da estação quente, mas tépida à noite. Gostava de estar sozinha, em estado de total deleite. Era pérola que desprendia faíscas, diálogo luminoso entre astros prateados. Certa vez notei que uma das naus voltava antes do previsto. Quis correr, esconder-me, procurar arbusto que me cobrisse. Mas não há mal maior do que emboscada vil que nos surpreenda, lanterna invasora que nos revele nua. Permaneci estática, nem me dei ao luxo de recostar sobre a areia convidativa; o máximo que me permiti foi cobrir os seios, recurso ineficaz: como as águas de preamar, transbordavam fartos às minhas mãos exíguas. Embora a noite fosse clara, consegui permanecer envolta nas sombras. Dois homens, um deles parecia ser bem jovem, desembarcaram e empurraram o barco areia acima; depois, desprenderam as velas. Ouvi a voz do mais velho: "vá agora". O garoto ainda tentou algum argumento para permanecer ali, mas o outro impôs sua autoridade. O remanescente desembarcou os peixes e, por meio de uma grande faca, começou a limpá-los. Vi que era hábil. Abria a parte inferior, tirava as vísceras e as enterrava na areia; ia amontoando os peixes limpos em um cesto. Foi então que me chamou. Surpreendi-me. Voltei a ouvir sua voz; pedia para que me aproximasse. Obedeci. Mas ele continuou seu trabalho; a princípio, não me dirigiu o olhar. Após algum tempo a seu lado, estática, foi a vez de ele se por de pé; tirou então a camisa e a colocou em uma de minhas mãos. Vesti-a; estava úmida, cheirava a mar, mas sobretudo ao corpo de homem em constante movimento. Seu odor de suor, que poderia causar repugnância a pessoas mais sensíveis, deixou-me excitada; e não consegui esconder o que me acontecia. Talvez o mesmo prazer sintam as rosas no momento em que desabrocham. Disfarcei. Agachei-me e lhe pedi a faca. Pus-me a limpar-lhe os peixes. Assistia a tudo impávido, como se minha presença fosse algo natural, rotineiro. O tocar nos peixes deixou-me ainda mais ruborizada. Era o momento de união entre a ação do pescador, seu cheiro que se espalhava sobre meu corpo e o fruto de seu trabalho. Cortei o último em pequenos filetes; mordisquei um deles enquanto olhava o homem do mar. Ele voltou-se para o suporte de madeira. Peguei outro filete e lhe ofereci. Comemos juntos. O sabor era como licor em noite de fantasias; o calor me assaltava, minhas entranhas ardiam... Foi então que aconteceu. Uma de suas mãos tocou-me por sob a blusa e misturou-se ao mel do meu desejo. Amamo-nos com toda a rudeza dos navegantes que há muito desejam aportar...

Antes de partir, ainda lhe disse: "amanhã volto; quero lhe devolver a blusa".

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